Bolsonaro usa a pandemia para acabar com direitos trabalhistas
Em defesa de direitos e salários, não de lucros e grandes fortunas!
Os sindicatos devem preparar greves para barrar mais esse ataque!
Bolsonaro, apenas um dia depois de afirmar que o Coronavírus não passa de uma “gripezinha”, que é uma supervalorização da mídia, dos profissionais da saúde e dos governadores, na noite do último domingo, 22 de março, apresentou a Medida Provisória 927/2020. Trata-se de um gravíssimo ataque à classe trabalhadora, pois dá carta branca para empresários e patrões fazerem o que quiserem com trabalhadoras e trabalhadores.
Com o argumento de que quer evitar demissões, Bolsonaro abriu a possibilidade para que patrões tomem qualquer medida contra trabalhadoras e trabalhadores, um contrassenso. Com a nova MP, patrões podem violar a CLT, acordos coletivos e decretos que regulam as relações trabalhistas no Brasil. Dentre os ataques originalmente anunciados, trabalhadoras e trabalhadores teriam que ficar até quatro meses sem salários (artigo 18 da MP 927/2020). Após forte pressão popular, Bolsonaro recuou, mas os outros artigos são igualmente graves. Por exemplo, trabalhadores terão que pagar bancos de horas infindáveis e podem ficar sem férias por anos, além de não considerar o contágio do Coronavírus como acidente de trabalho, quando este for obrigado (a) a trabalhar.
Na realidade é uma medida que visa favorecer o mercado e a sede insaciável de empresários pelo lucro. Uma vergonhosa tentativa de fazer com que os trabalhadores paguem pela crise. No mesmo dia em que a MP 927/2020 foi editada, o Banco Central decidiu emprestar R$68 bilhões para bancos. Por que não taxar as grandes fortunas? Por que este dinheiro não foi utilizado em favor da saúde pública e da sobrevivência da classe trabalhadora? Porque Bolsonaro, além de representar milícias, é um representante de patrões e banqueiros que enxergam na pandemia apenas mais uma oportunidade de esmagar a classe trabalhadora para superar a crise de recessão econômica que já era prenunciada muito antes da pandemia de Covid-19 explodir.
Como a MP 927/2020 atingirá a classe trabalhadora
Depois de zombar, na grande mídia, das legítimas preocupações da população e de profissionais da saúde em relação ao Coronavírus, Bolsonaro, na calada da noite, desferiu um gigantesco golpe contra a classe trabalhadora. O texto original da Medida Provisória 927/2020 faz com que acordos individuais entre patrões e empregados prevaleçam sobre a legislação trabalhista vigente – a qual, após a Contrarreforma Trabalhista já é profundamente desfavorável para a classe trabalhadora. Tal medida também é um ataque direto aos sindicatos, pois ao valorizar o acordo individual entre patrão e empregado, elimina o papel dos sindicatos na defesa dos interesses da classe trabalhadora, acabando com nossa força coletiva.
O texto da MP indicava (ver Box com análise detalhada no final deste texto): suspensão do salário por até quatro meses (este é o único artigo que foi revogado após a publicação da MP); contabilização das horas paradas durante o período de calamidade pública como férias antecipadas ou como banco de horas extras a serem pagas a partir de janeiro de 2021; antecipar feriados, religiosos (a partir de acordo individual) ou não-religiosos (por ato unilateral do patrão); dar um cheque em branco dando legitimidade toda e qualquer medida que o patrão realizar nos próximos 30 dias, podendo infringir CLT e acordos coletivos; conceder férias para empregados sem necessariamente pagar o adicional de 1/3 de férias; suspender unilateralmente as férias de trabalhadores da área de saúde; impedir a fiscalização por auditores fiscais do trabalho; flexibilizar normas de segurança e saúde no trabalho; suspender o recolhimento do FGTS; e não considerar a contaminação por Covid-19 durante a jornada de trabalho como doença ocupacional.
Se o Covid-19 é apenas uma gripezinha, por que Bolsonaro tomou essas medidas? Enquanto mente para o povo trabalhador, Bolsonaro está preparando o arsenal de guerra que patrões utilizarão durante o período de quarentena. Enquanto zomba dos dados de contaminação no Brasil, o governo Bolsonaro já definiu que até o final do ano, 31 de dezembro de 2020, é um período de Calamidade Pública. Isto abre possibilidade para os ataques mais arbitrários possíveis contra a classe trabalhadora e a MP 927/2020 é um exemplo ilustrativo disso.
Uma escalada autoritária e ataques deste tipo serão cada vez mais comuns. O capitalismo enfrenta uma crise global de enorme profundidade e o Brasil está vivendo suas duras consequências. Por se tratar de uma economia dependente e periférica, os efeitos da crise mundial do capital serão ainda maiores sobre nós. Em toda crise, as contradições do sistema são expostas e suas manifestações sempre exacerbarão os conflitos de classes.
Certamente MP 927/2020 é apenas a primeira bomba e Bolsonaro, banqueiros, patrões e seus representantes realizarão outros ataques contra a classe trabalhadora. A. O próprio governo afirmou que logo publicará outra Medida Provisória que viabilizará a redução de salários e jornadas em até 50%. Enquanto isso, no legislativo, Rodrigo Maia e seus aliados estudam outras formas de penalizar a classe trabalhadora, reduzindo os salários de funcionários públicos e facilitando ataques semelhantes aos de Bolsonaro.
Por tudo isso, resta à classe trabalhadora luta com todas as suas forças, caso contrário só restará a escolha entre adoecer no trabalho ou passar fome na quarentena. Por isso, a resistência é necessária.
A classe trabalhadora se mobiliza
Tal como a Alternativa Socialista Internacional vem apontando em suas análises (ver: Começa a recessão do Coronavírus) e a Liberdade, Socialismo e Revolução destacou em sua última análise de conjuntura (ver: Fora Bolsonaro, Mourão e a agenda neoliberal!) a crise precipitada pela pandemia do Covid-19 está acentuando os conflitos de classe. Isto significa que as respostas à pandemia serão marcadas por intensos e profundos conflitos de classe; de um lado estarão patrões, governos e banqueiros e de outro estarão trabalhadoras e trabalhadores, sejam servidores públicos, sejam trabalhadores do setor privado com ou sem carteira assinada, sejam trabalhadores informais, sejam trabalhadores desempregados. Patrões e governos farão de tudo para enfrentar a recessão e a crise econômica penalizando a classe trabalhadora. Resta-nos lutar para sobreviver e defender nossos direitos durante uma catastrófica crise de saúde pública que ocorre no interior de uma das mais sérias crises econômicas do capitalismo mundial.
Já estamos vendo no país iniciativas de solidariedade espontânea entre a classe trabalhadora: campanhas de doações de alimentos para sem-tetos, produções voluntárias de jalecos e máscaras, universidades públicas (mesmo enfrentando dificuldades orçamentárias criadas pelo Ministério da Educação, tal como indicamos no texto Os ataques do governo Bolsonaro à educação) criando leitos e mobilizando profissionais e estudantes para enfrentar a pandemia.
Nos últimos dias também vimos mobilizações espontâneas para demonstrar, mesmo durante a quarentena, a profunda insatisfação com as iniciativas criminosas do governo Bolsonaro. Hoje mesmo, poucas horas após a divulgação da MP 927/2020, já foi convocado um “Barulhaço” nas janelas às 20:00. É importante que trabalhadoras e trabalhadores demonstrem sua indignação por meio de protestos assim. A enorme repercussão negativa da MP 927/2020 obrigou o presidente a revogar um dos principais ataques (a suspensão dos salários por até quatro meses), poucas horas após a sua divulgação.
Porém, estas iniciativas não bastam para responder os violentos ataques de governos e patrões. Uma possível vitória contra os ataques implementados por Bolsonaro e seus aliados depende da luta organizada da classe trabalhadora, mesmo que nas condições adversas criadas pela pandemia. Apesar da situação desfavorável, já apareceram as primeiras manifestações de ações organizadas que devem ser incentivadas, analisadas e generalizadas por todos os setores possíveis da classe trabalhadora.
Por meio da ameaça de greve e de uma campanha nacional de denúncias, os metalúrgicos da Chery em Jacareí (SP) impediram que 59 trabalhadores fossem demitidos. Após esta vitória, o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos (SP) e região decretou estado de greve para uma categoria com mais de 40 mil trabalhadores. Com a finalidade de impedir que os grandes empresários obriguem as trabalhadoras e os trabalhadores a pagarem pela crise, o sindicato, corretamente, anunciou que a mobilização vai perdurar até todos os funcionários das montadoras da região recebam licença remunerada. Nas fábricas da região do ABC paulista o sindicato dos metalúrgicos anunciaram paralisação nas montadoras, começando já hoje (23/03) com a fábrica da Volks e Mercedes, seguido pela Toyota, Scania e GM, exigindo a paralisação de fábricas para que os trabalhadores não fiquem expostos ao Covid-19.
Em Goiânia (GO), na última quinta-feira (19/03), centenas de trabalhadores de telemarketing e call-centers se manifestaram em diferentes pontos da cidade reivindicando licença remunerada e contra a falta de álcool em gel e sabão nos locais de trabalho. Da mesma forma, no último domingo (22/03), trabalhadores de telefonia e internet se organizaram e mobilizaram quase 100 veículos para um buzinaço reivindicando mais equipamentos de segurança. Em diversas cidades do país, trabalhadoras e trabalhadores de telemarketing começam a discutir novas mobilizações e greves, já que enfrentam condições de trabalho extremamente precárias. Estas mobilizações tornam-se ainda mais importantes a partir da edição da MP 927/2020.
Em Belo Horizonte (MG) os metroviários anunciaram paralisação total a partir de hoje (segunda-feira, 23/03) para evitar que a saúde de usuários e trabalhadores enfrentem uma situação de risco em um estado que continua a negar a gravidade da pandemia de Covid-19. Seguindo este exemplo, em São Paulo metroviários começam a discutir a possibilidade de greve para combater a pandemia, o autoritarismo da empresa na criação de estratégias de contingência e a irresponsabilidade do governo de São Paulo (ver o texto sobre os metroviários de SP em Metrô de São Paulo: alterar a rota para combater a Covid-19 ou entrar em colapso!).
Estas e outras ações são fundamentais para derrotar Bolsonaro e patrões. Generalizar as lutas e criar as condições para uma greve geral são tarefas imediatas centrais para defender nossas vidas e nossos salários! Para Bolsonaro, banqueiros e patrões nossas vidas não importam. Empresários como Roberto Justus e governantes como Jair Bolsonaro fazem piadas enquanto trabalhadoras e trabalhadores correm graves riscos de vida. Se não resistirmos, os poucos milionários do país conseguirão sair da crise ainda mais ricos, mesmo que, para isso, tenham que esmagar os corpos daquelas e daqueles que morrerão infectados pelo Covid-19 ou sem emprego e moradia.
Alguns dias de pandemia serviram para desmistificar as mentiras difundidas por neoliberais e por representantes do capital sobre o SUS e os serviços públicos. Sem equipamentos públicos, a crise pandêmica seria ainda mais grave. A atual pandemia também possibilitou, em poucos dias, que inúmeros trabalhadores e trabalhadoras começassem a questionar um sistema que coloca o lucro acima da vida.
A primeira morte por Covid-19 no Brasil foi a de uma trabalhadora doméstica que foi obrigada a servir, sem equipamentos de segurança individual, uma família que acabava de retornar da Itália. Este exemplo ilustra que a classe dominante não se preocupa com os 99% abaixo dela. Nos resta lutar ou os efeitos da crise serão ainda mais devastadores. Para tanto, devemos construir greves em nossos locais de trabalho e nos organizarmos para acumular forças e realizar uma nova greve geral.
- Fora Bolsonaro, Mourão e a agenda neoliberal! Em defesa do salário, emprego, saúde pública e direitos democráticos!
- Realizar greves e paralisações por salários, licenças remuneradas e segurança no trabalho!
- Derrubar a MP 927/2020 em sua integralidade! Não aceitar qualquer substitutivo criado por Maia e seus consortes!
- Em defesa das liberdades democráticas! Não ao autoritarismo e estado de exceção sob a justificativa de combate ao coronavírus. A pandemia se combate com participação popular e dos trabalhadores!
- Tomar todas as medidas necessárias para colocar a saúde pública, os direitos sociais e a vida acima dos lucros!
Alguns dos ataques mais sérios da MP 927/2020
- Observação importante: o governo decidiu revogar o 18º artigo, o qual possibilitava o governo suspender os salários e contratos de trabalho por até 4 meses, desde que, em troca, pagasse qualquer valor em caráter de auxílio e ofertasse algum curso virtual. Porém, a MP 927/2020 ainda contém inúmeros ataques contra a classe trabalhadora.
- A Medida Provisória dá um cheque em branco para o patrão fazer o que quiser com seu empregado.
- Parágrafo único “ O disposto nesta Medida Provisória se aplica durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 2020, e, para fins trabalhistas, constitui hipótese de força maior, nos termos do disposto no art. (…)” – tudo se justifica por motivo de força maior, inclusive redução salarial, a diminuição de 25% do salário.
- O artigo 2 afirma que o acordo individual estabelecido entre empregador e empregado prevalece, desde que permaneça nos marcos da Constituição Federal, acima de qualquer regulação trabalhista, podendo infringir normas de acordos coletivos, CLT, etc. Além disso, o artigo desrespeita a Constituição Federal, pois elimina o papel dos sindicatos ao possibilitar que acordos individuais entre patrões e empregados sejam efetivados sem a mediação de sindicatos.
- O artigo 7 autoriza que o patrão suspenda férias ou até mesmo licença não-remunerada de trabalhadores de saúde pelo mero envio de e-mail com antecedência de 48 horas.
- O artigo 36 concede anistia irrestrita para todas as medidas que patrões adotaram nos últimos 30 dias que antecederam a edição da MP. Qualquer barbaridade – o que inclui o desrespeito à CLT ou quaisquer acordos coletivos – que foi cometida por patrões durante os momentos mais graves da crise será legalmente perdoada.
- O artigo 30 dá mais 90 dias para que a empresa cumpra convenções e acordos coletivos, flexibilizando, assim, que patrões respeitem o que foi previamente definido com sindicatos e trabalhadores.
- O artigo 31, na prática, afirma que nos próximos 6 meses, os Auditores Fiscais do Trabalho não poderão mais fiscalizar irregularidades cometidas por empresas e patrões estão fazendo. Tais profissionais só poderão atuar em casos de acidentes fatais (mortes de trabalhadores), trabalho escravo ou infantil e falta de registro de empregados.
- A Medida Provisória faz com que o patrão não seja responsabilizado caso o trabalhador seja infectado por Covid-19, autoriza o desrespeito às normas de segurança e autoriza a intensificação da exploração de quem realiza atividades insalubres.
- Há um capítulo inteiro (capítulo VII, constituído pelos artigos 15, 16 e 17) que suspende ou flexibiliza exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho até 31 de dezembro de 2020. Patrões poderão, dentre outras coisas: suspender eleições para CIPA, não realizar exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares ou deixar de realizar atividades presenciais de treinamento para o exercício de uma função.
- O artigo 29 afirma explicitamente que contaminações pelo coronavírus não serão consideradas doenças ocupacionais. Para tanto, cabe ao trabalhador apresentar nexos causais – o que é impossível no estágio atual da pandemia no Brasil, pois chegamos no estágio de contágio comunitário (ou seja, em que é impossível traçar quem transmitiu a doença). Assim, o patrão que não oferecer condições de trabalho mínimas (álcool em gel, sabão, máscaras, etc.) não será penalizado pelo adoecimento ou pela morte de trabalhadores.
- O artigo 26 autoriza a prorrogação da jornada de trabalhadores que desempenham atividades insalubres, aumentando, assim, o risco de acidentes, adoecimento e mortes.
- A Medida Provisória abre a possibilidade de que o trabalhador passe os próximos anos trabalhando sem férias e sem receber por hora-extra.
- O artigo 6º autoriza o patrão a antecipar as férias durante a suspensão das atividades regulares da empresa. Assim, se o patrão quiser antecipar as férias dos próximos 2 anos para o período de quarentena, quando a empresa voltar às suas atividades normais, o trabalhador ficará 2 anos sem tirar férias.
- Além de definir arbitrariamente o período de férias, o patrão não precisará pagar imediatamente o adicional de um terço no caso de férias concedidas durante o período de calamidade pública.
- O artigo 13º autoriza que o patrão antecipe o gozo de feriados enviando um comunicado por e-mail. Esta decisão pode ser unilateral no caso de feriados não-religiosos ou fruto de acordo entre patrão e empregado no caso de feriados religiosos. Assim, o trabalhador terá que trabalhar durante os feriados após o término da crise de pandemia.
- O artigo 14º autoriza o patrão a contabilizar o banco de horas como bem entender durante a quarentena e exigir horas-extras pelo período não-trabalhado após o término do período de calamidade pública, isto é, a partir de 1 de janeiro de 2021. Assim, se a suspensão durou 20 dias e foi contabilizada no banco de horas, o trabalhador terá que pagar 20 dias de jornada de trabalho em hora extra após o retorno à normalidade.
- O FGTS dos meses de março, abril e maio não precisará ser recolhido, criando ainda mais instabilidade para trabalhadoras e trabalhadores que perderem seus empregos neste período.