Metrô de São Paulo: alterar a rota para combater a Covid-19 ou entrar em colapso!
No momento em que escrevemos este texto, os dados atualizados da pandemia de COVID-19 apontam para 1.546 casos confirmados em todo país. São 25 mortos. Na última contagem, já eram 15 deles concentrados no estado de São Paulo, o que deve ter aumentado. Neste mesmo estado, o número de casos suspeitos chega a casa dos 9.000.
Frente a esta realidade, o governador João Doria (PSDB) tardiamente decreta uma quarentena parcial a partir da terça-feira, 24 de março. A medida deve durar até o dia 07 de abril. Uma medida tardia, que permitiu que o vírus tenha circulado livremente durante quatro semanas no estado.
Um caso dramático: o metrô de São Paulo
A relutância em forçar a redução de circulação de pessoas na maior cidade do país pode ter tido consequências drásticas para a proliferação da infecção. Embora tenha recebido pouca preocupação, tanto na mídia, quanto por parte direta dos governos, o transporte público da capital tornou-se, efetivamente, um vetor do vírus.
O metrô de São Paulo é conhecido mundialmente por sua superlotação, atendendo mais de 5 milhões de pessoas por dia. A escassez da malha metroviária de São Paulo, a ausência de vias alternativas e as constantes falhas devido ao subinvestimento governamental que impede uma manutenção efetiva do equipamento forçam os passageiros a se confinarem em espaços minúsculos e com ventilação limitada. Os dados da superlotação em horários de pico indicam que passageiros chegam a ficar espremidos na razão de 11 pessoas por metro quadrado no interior dos trens.
Mesmo frente a esta realidade, desde a confirmação do primeiro caso até 14 de março, dias após a decretação da pandemia, o Metrô de São Paulo seguiu funcionando sem qualquer alteração em sua rotina. Os trabalhadores eleitos nas diversas Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (as CIPAs) já haviam levantado a preocupação com o tema da proliferação do coronavírus em relação à proteção de trabalhadores e passageiros. No entanto, muito pouco foi feito.
No período que se seguiu à decretação da pandemia, a direção da empresa demonstrou-se indisposta a tratar o problema com a seriedade necessária. Foi constituído um Comitê de Contingência, formado unicamente por representantes das gerências administrativas da mesma. Dessa forma, excluíram-se representantes dos trabalhadores. Nem sequer representantes da área médica da empresa, formada por especialistas concursados, foram inclusos no comitê.
Não poderia ser diferente. As medidas tomadas pelo comitê e pela direção da empresa estiveram sempre atrasadas em relação à evolução da epidemia. Como exemplo, basta dizer que, em 14 de março, tal comitê determinou o afastamento de funcionários com mais de 70 anos de idade. No entanto, é largamente conhecido o fato de que o grupo de risco por faixa etária é constituído por pessoas a partir dos 60 anos. A decisão de afastar funcionários com 60 anos de idade veio apenas com muita pressão dos trabalhadores e até mesmo uma liminar judicial. Isto se deu apenas no dia 20 de março, ou seja, uma semana depois. Como comparação, os números de casos confirmados no estado de São Paulo foram de 65 no dia 14, para 396, com 9 mortos, no dia 20 de março. Foi a isto que a direção da empresa expôs os metroviários idosos.
Num primeiro momento, a empresa não incluiu, nos afastamentos por grupo de risco, quaisquer outas condições apontadas pelos especialistas, como hipertensos, cardíacos, pessoas com doenças respiratórias crônicas etc. Isto foi avançando na medida em que os próprios metroviários pressionaram por esta inclusão.
Até este momento, no entanto, não foi conquistada a possibilidade de qualquer afastamento ou mesmo flexibilidade na jornada para funcionários que possuam parentes infectados ou em grupo de risco, ou mesmo que estejam tendo dificuldades em adaptar a sua rotina com os filhos devido à suspensão do funcionamento de escolas e creches.
Os trabalhadores terceirizados não se encontravam protegidos por nenhuma dessas medidas até a liminar judicial de 20 de março. Essa liminar, conseguida pelo setor jurídico do Sindicato dos Metroviários, determinou que as dispensas por se encontrarem em grupos de risco contemplem também estes trabalhadores. Mesmo assim, estes trabalhadores têm encontrado grandes dificuldades em serem efetivamente liberados. Muitos terceirizados estão trabalhando com máscaras providenciadas por conta própria.
Ainda no dia 14, o mesmo comitê indicou a necessidade de utilização de luvas, máscaras e óculos de proteção para atendimento aos passageiros, especialmente em casos de primeiros socorros. Até o momento, boa parte dos postos de trabalho ainda aponta para a falta destes equipamentos imprescindíveis para a proteção dos trabalhadores. Para piorar, em inúmeros locais levantam-se denúncias de insuficiência dos insumos de higienização necessários para a contenção do vírus. Os trabalhadores relatam que faltam sabão e papel toalha; mesmo quando não falta, o álcool em gel 70% encontra-se com datas de validade vencidas. É desnecessário relembrar que um metroviário portador do vírus pode transmiti-lo para centenas de pessoas com as quais entra em contato durante o seu turno de trabalho.
Além disso, vem sendo também ineficiente a higienização e desinfecção de trens e equipamentos compartilhados. A lição que se apresenta é: a tentativa de manter a rotina de funcionamento do sistema metroviário, na maior capital do país, pode ter colocado ainda mais pessoas em risco.
O transporte público em tempos de pandemia
A questão fundamental a ser respondida é: como deveria funcionar o transporte público frente à pandemia de Covid-19?
Dentre as informações conhecidas até agora é que a principal característica do novo coronavírus é a sua grande capacidade de contágio. Dessa maneira, um ambiente como o metrô de São Paulo é um prato cheio para o mesmo. A aguda síndrome respiratória, com uma taxa de mortalidade muito superior a doenças equivalentes, combinada com o elevado número de doentes, deve levar a um colapso do sistema de saúde no próximo mês de abril. Um colapso, à sua maneira, pode acontecer como reflexo, no sistema metroviário, na medida em que os funcionários acabem contraindo (e disseminando) a doença, ficando impossibilitados de trabalhar.
Desde o primeiro momento da decretação da pandemia, os trabalhadores apresentaram a sua preocupação com a maneira como a empresa estava lidando com o problema. Assim, no dia 17/03, o Sindicato dos Metroviários declarava:
“Acreditamos que diante deste estado de calamidade pública, os trabalhadores do transporte, assim como da saúde, têm um papel comunitário a cumprir, para deslocamentos a hospitais, serviços essenciais. Mas é fundamental que haja uma redução do fluxo de passageiros”.
De igual maneira, em nota conjunta, as bancadas de trabalhadores eleitos das CIPAs declaravam:
“As bancadas de trabalhadores das CIPAs vem a público manifestar seu repúdio à forma como a empresa vem tratando as ações preventivas à disseminação do COVID-19 e o descaso com os funcionários operativos que lidam, direta ou indiretamente, com o maior fluxo de pessoas confinadas em um mesmo local de todo o país. Os trabalhadores do Metrô são cientes de seu papel na sociedade a fim de garantir o funcionamento necessário do sistema para que parcela da população possa ter acesso a equipamentos básicos de saúde, mas não precisa ser exposta desnecessariamente e sem medidas efetivas de contenção da pandemia que se alastra pelo país”.
Isto deve ser suficiente para demonstrar que os trabalhadores metroviários estão conscientes de seu papel durante o combate à crise epidêmica. O transporte público deveria ter deixado de atender aos interesses políticos dos governantes de plantão, e financeiro dos gestores da empresa, para voltar-se intensamente para o atendimento das necessidades advindas do surto da doença.
Isso não poderia ser atingido sem a redução planejada do serviço. Com a diminuição da oferta de trens e de acesso às estações, seria possível aconselhar os passageiros a procurarem meios alternativos de transporte caso não houvesse necessidade emergencial de utilizarem o metrô. A experiência com o fluxo de trens nos fins de semana demonstra que, com menos serviço, o metrô torna-se também menos atrativo aos passageiros, que passam a buscar outras maneiras de se deslocarem. Como resultado ainda mais benéfico, a redução de serviço do metrô poderia ter o reflexo de fazer com que serviços não essenciais da cidade se vissem forçados a parar. Dessa maneira, as medidas de distanciamento social recomendadas poderiam ter sido intensificadas muito antes.
Muito em breve, a redução do serviço é inevitável. O número de funcionários afastados por serem parte dos diversos grupos de risco da doença já atinge parcela significativa do quadro. Igualmente, já há casos de metroviários infectados com a Covid-19, o que reduz o quadro e aumenta a apreensão dos trabalhadores.
No entanto, se este serviço fosse reduzido de maneira planejada e com conscientização dos passageiros, agora seria justamente o contrário. Ao invés de encarar o problema, o Comitê de Contingência do Metrô de São Paulo elegeu como métodos de trabalho o improviso e a inércia. Dessa maneira, foi como se simplesmente deixasse o veículo bater contra o muro em piloto automático. Sentou-se pacientemente aguardando o colapso do sistema metroviário.
Mesmo com a decretação da quarentena pelo governo estadual a partir do dia 24 de março, não há qualquer planejamento de redução do serviço público e efetivo apresentado pela empresa.
Os membros do Comitê de Contingência, o Diretor-Presidente do Metrô, a Secretaria de Transportes e do governo estadual não poderão alegar surpresa quando o metrô simplesmente não tiver mais como funcionar. São diversos avisos dos trabalhadores de que a rotina não pode continuar como se nada ocorresse na cidade. Inúmeros são os exemplos de outros metrôs no mundo que reduziram intensamente a sua atividade como Buenos Aires, Londres e Milão. O metrô de Lisboa chegou a suspender a cobrança de passagens, para evitar o contágio entre passageiros e trabalhadores. Foi necessária a ameaça de greve dos trabalhadores do metrô de Belo Horizonte, para que a CBTU decidisse reduzir o número de trens rodando. Vários serviços de transporte rodoviário estão sendo suspensos, mesmo em cidades do Brasil.
Indo na contramão, a empresa, ao invés de reduzir o serviço, pretende reabrir a Linha 15 – Prata, do monotrilho. Esta linha está parada há cerca de três semanas por diversos problemas técnicos, incluindo o rompimento de um pneu que caiu de uma altura de 15 metros sobre uma avenida abaixo das vigas de operação. É simplesmente inacreditável que, no meio de uma crise pandêmica, a empresa insista em reabrir uma linha que se encontra fechada há tanto tempo!
Além da irresponsabilidade, o autoritarismo!
As medidas irresponsáveis da gestão do metrô de São Paulo combinam-se com a total disposição da empresa em negar toda participação dos trabalhadores no planejamento das atividades durante a crise.
Em um primeiro momento, a empresa decidiu suspender todas as reuniões das CIPA’s, que seriam os órgãos com participação dos trabalhadores mais indicados para debater medidas para a situação. O que os membros do Comitê de Contingência não conseguem explicar é: por que os trabalhadores do metrô podem atender mais de 5 milhões de pessoas em um dia de trabalho, mas não podem reunir-se com a empresa para debater o que deve ser feito durante a epidemia?! Seguindo a mesma receita, foram suspensas todas as assembleias setoriais do Sindicato realizadas nos locais de trabalho.
Depois de bastante pressão, a empresa concordou que as reuniões das CIPA’s fossem retomadas, desde que realizadas de forma remota. Evidente que é necessário evitar a realização de reuniões presenciais neste monte. No entanto, esta medida, tomada fora de um contexto em que se combine com diversas outras atitudes de prevenção, representa apenas a indisposição da empresa em discutir com os trabalhadores como deve funcionar o metrô neste momento.
Até agora, a empresa mantem sua injustificada recusa de que os representantes dos trabalhadores participem do comitê que discute as ações para diminuir os efeitos da crise. No entanto, são os trabalhadores os que melhor sabem como adaptar as suas atividades às novas condições. Mesmo a Associação Internacional de Transportes Públicos e o Ministério Público do Trabalho recomendaram que os sindicatos fossem envolvidos na elaboração dos planos de contingência. Esta recusa em ouvi-los demonstra apenas que a empresa não está preocupada em fazer o que for necessário para conter o vírus.
Pelo contrário! Neste momento de crise, em que a própria mídia corporativa começa a iniciar um discurso de unidade nacional e solidariedade, o Metrô de São Paulo aproveita as dificuldades de mobilização da categoria, e mesmo sua disposição em servir ao combate ao vírus na cidade, para intensificar seus recorrentes ataques. No dia 13 de março, antes de mesmo de declarar qualquer atitude de combate à epidemia, a empresa terceirizou a bilheteria da estação Tietê, uma das de maior arrecadação em todo o sistema metroviário. Neste último fim de semana, foram terceirizadas ainda as bilheterias das estações Santa Cruz e Luz.
Frente a esta situação, seguindo o exemplo dos metroviários de Belo Horizonte, começa a surgir a ideia entre os trabalhadores de que apenas a ameaça de greve fará com que os dirigentes da empresa abandonem sua postura irresponsável!
Por um metrô voltado para o combate à Covid-19 em São Paulo!
Frente a esta situação, os trabalhadores seguem defendendo que o meio de transporte preferido entre os paulistanos agora esteja junto com a população, voltado para o combate à pandemia. Para isto, as medidas necessárias são:
- Democracia na elaboração da estratégia de contingência! Que a empresa aceite representantes do Sindicato e das CIPA’s no Comitê de Contingência já estabelecido!
- Suspensão de todos os ataques e planos de privatização e terceirização!
- Que a empresa libere, sem a necessidade de apresentação de atestado, os funcionários que apresentem sintomas da Covid-19 pelo tempo que for necessário, a fim de assegurar que os mesmos não possuam a doença.
- Manutenção de toda a remuneração dos trabalhadores eventualmente afastados, efetivos e terceirizados.
- Flexibilização da jornada e, em casos em que não seja suficiente, que sejam liberados os funcionários responsáveis pelo cuidado de pessoas do grupo de risco ou que possuam filhos em casa, devido à suspensão de escolas e creches.
- Que sejam discutidas, junto com Sindicato e CIPA’s, formas de flexibilização das escalas de trabalho, reduzindo a exposição dos trabalhadores aptos a trabalhar.
- Fornecimento imediato dos insumos de higiene e EPI’s necessários para este momento: sabão, papel toalha, álcool em gel 70%, luvas de procedimento, máscaras cirúrgicas, máscaras respiratórias N95/PFF2 (para situações de atendimento a primeiros socorros e manobras de reanimação cárdio-respiratória), óculos de proteção ou protetores faciais, etc. Direito à paralisação das atividades na ausência destes insumos até que sejam garantidos.
- Apresentação de um plano real de redução do serviço oferecido, como forma de reduzir o fluxo de passageiros em todo o sistema, garantindo segurança para os trabalhadores do metrô, bem como para trabalhadores de serviços essenciais e pacientes que necessitem utilizá-lo.
- Suspensão da cobrança de tarifas, reduzindo as possibilidades de contágio e garantindo o transporte para situações de caráter essencial.
- Transformação de bilheterias e Salas de Supervisão Operacional em cabines de atendimento, evitando o contato desnecessário com passageiros.
- Suspensão de todas as estratégias que exponham os trabalhadores a riscos desnecessários (combate ao comércio irregular, burlas, apresentações artísticas etc.), para que possam voltar-se prioritariamente para atendimentos de situações de primeiros socorros, emergências e condução ao atendimento médico de passageiros.
- Pagamento de adicional de risco de vida para todos os trabalhadores que exerçam suas atividades durante o período de pandemia!
- Realização de testes para diagnóstico da Covid-19 em todos os funcionários!