Fenômenos naturais, desastre sistêmico

Não dava para se preparar para um fenômeno natural dessa escala – essa é a desculpa usada, seja pelo o presidente turco Erdogan, se referindo ao recente terremoto devastador ou o governador Tarcísio de Freitas de São Paulo diante do dilúvio no litoral norte de São Paulo. No entanto, ambas foram tragédias evitáveis, construídas e agravadas por um sistema que coloca o lucro acima de nossas vidas.

O terremoto de 6 de fevereiro que afetou a Turquia, o Curdistão e a Síria causou 50 mil vítimas e um enorme sofrimento. Abalos sísmicos são inevitáveis nessa região, mas as mortes não. Ironicamente, foi o grande terremoto de 1999 na Turquia, com mais de 17 mil vítimas, que abriu o caminho ao poder para Erdogan. Um imposto especial para financiar medidas preventivas foi implementado e as normas de construção endurecidas. 

Mas, duas décadas se passaram e pouco foi feito. Ninguém sabe dizer onde foi parar o dinheiro do imposto. Grandes partes das construções ainda não seguem as normas e Erdogan tem anunciado regularmente anistias à construções fora das normas para agradar as grandes construtoras. Além disso, o governo cada vez mais autoritário tem dificultado o trabalho humanitário, especialmente em áreas do povo curdo, fortemente oprimido no país.

A mesma lógica mercadológica está por trás da catástrofe climática que ocorreu no litoral norte de São Paulo durante o carnaval. Durante 24 horas, nos dias 18 e 19 de fevereiro, foi registrada a maior chuva da história do Brasil. Em São Sebastião choveu 680 mm em um dia, mais do que nos três meses do verão de 2022. Até o momento de escrita, foram registradas 65 mortes, com milhares de desabrigados.

Essa tragédia tem sido construída há décadas, quando a especulação imobiliária começou a expulsar a população caiçara que vivia ao lado da praia, para construir condomínios de luxo. A rodovia Rio-Santos se tornou uma linha de separação, restando para a população preta e pobre, incluindo aqueles que trabalham para os ricos dos condomínios, construir suas casas em encostas ao lado do perigo.

Essa situação se repete pelo país inteiro. Segundo um estudo do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), baseado nos dados do IBGE de 2010, são mais de 8 milhões que vivem em áreas de risco. Desses, mais de 2,5 milhões estão em áreas de alto risco e muita vulnerabilidade.

Diferente das movimentações das placas tectônicas, a atividade humana tem um efeito direto sobre o clima. Nos últimos anos, temos visto como que eventos climáticos que aconteciam a cada 30, 50 ou 100 anos, agora são cada vez mais frequentes, através das mudanças climáticas impulsionadas pela devastação ambiental causada pela busca pelo lucro.

Enquanto as campanhas da mídia, com interesses empresariais por trás, tentam focar no comportamento individual (“saiba como diminuir sua pegada de carbono”), se esconde que é uma questão de classe e de um sistema. Estudos mostram que os bilionários causam um milhão de vezes mais emissão de carbono que uma pessoa média. Mostram também o peso decisivo das grandes empresas: desde 1988, 71% das emissões totais foram causadas por 100 grandes corporações.

Enquanto os ricos fogem de helicóptero, milhares de voluntários fazem um trabalho fundamental em ajudar com o resgate, fornecer abrigo e alimento para as vítimas. Do mesmo modo, quem mais faz doações nesses casos são os mais pobres.

Não há nada de progressivo em Lula e Tarcísio agora posarem como parceiros. Obviamente, o poder público tem que usar todos os seus recursos de forma coordenada. E poderia fazer muito mais, garantindo casas, mas também a reposição de móveis, eletrodomésticos e roupas para aqueles que perderam tudo.

Mesmo assim, aperfeiçoar a administração de catástrofes não é suficiente. É necessário romper as amarras do sistema e implementar as medidas necessárias para que isso não se repita. A política de conciliação de classes de Lula, tentando conciliar os interesses do povo trabalhador aos de empreiteiras, bancos e seus representantes públicos, não será suficiente, como já não foi nos governos anteriores. Muito menos a política privatista de Tarcísio, com seus laços ao bolsonarismo e do pior do que há na política corrupta brasileira.

A moradia tem que ser de fato um direito. Hoje o direito à propriedade privada e especulação imobiliária fala mais alto. Para mudar isso, as terras, construtoras e bancos devem ser de propriedade pública. Assim pode ser feito casas públicas, seguindo um plano democrático que garante infraestrutura e acesso a serviços como saúde, educação, transporte e saneamento. Assim as melhores técnicas para poupar e recuperar o meio ambiente podem ser implementadas também.

O mercado não é solução para nenhum desses problemas. O mercado é bem representado pelos que agora vendem garrafas de água por 40 reais, enquanto as pessoas passam necessidade.

Também não podemos esperar que os representantes desse sistema resolvam nossos problemas. São milhares de famílias esperando por anos ou até décadas por casas e indenização, seja das chuvas da Zona Serrana no Rio de Janeiro mais de 10 anos atrás, dos rompimentos de barragem de Brumadinho e Mariana em Minas Gerais, das famílias desalojadas das chuvas do Nordeste no ano passado.

Só podemos confiar na nossa própria luta por uma sociedade melhor. Para quem tem dúvida que uma alternativa socialista é possível, alegando uma natureza egoísta imutável da humanidade, esses momentos de crise também mostram o lado melhor de nós, na solidariedade e milhares de mãos que se ajudam e compartilham tudo. As mesmas mãos são capazes de construir um futuro melhor, se organizadas e munidas com uma alternativa socialista coerente ao caos e destruição organizados que é o sistema capitalista.

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