Protestos abrem novo período no Irã

Os enormes protestos no Irã contra a fraude nas eleições presidenciais de 12 de junho marcam um novo período para o país. O povo está perdendo o medo do regime teocrático repressivo. Os protestos expressam também um descontentamento com a pobreza, inflação, desemprego e corrupção, além da opressão reacionária.

Esse ano marca 30 anos desde a revolução iraniana, quando os trabalhadores e pobres derrubaram o ditador Xá Mohammad Reza Pahlevi, que era apoiado pelos EUA. Mas com a falta de linha independente por parte das organizações dos trabalhadores, a revolução foi raptada pelos mulás (lideres religiosos). O grande partido comunista, Tudeh, apoiou o aiatolá Khomeini e foi esmagado posteriormente. As organizações dos trabalhadores foram proibidas, dezenas de milhares executados, e um regime reacionário foi instituído, com forte opressão sobre mulheres e homossexuais.

Desde 1999 a oposição contra o regime tem aumentado. Nesse ano um movimento de oposição dos estudantes eclodiu, mas foi reprimido com sangue. Desde 2004, greves de trabalhadores se tornaram mais comuns. Houve greves importantes, como a dos trabalhadores do transporte público de Teerã, professores, trabalhadores da usina de açúcar Haf Tapeh, da indústria têxtil e de autopeças.

Muitas vezes os trabalhadores saíram em greve contra o atraso do salário, que chegou a meses. As greves foram fortemente reprimidas, com líderes sindicais sendo presos ou até executados. A greve do transporte público de Teerã de 2006, por exemplo, com mais de 10 mil trabalhadores, só acabou após a prisão de 1.200 trabalhadores e familiares. Mesmo assim esses trabalhadores fundaram um sindicato, o que é proibido. No último 1° de maio em Teerã 80 trabalhadores foram presos.
 

Divisão na classe dominante

A atual crise reflete uma divisão na classe dominante sobre como encarar o aumento de resistência popular. Há uma ala de “reformistas” entre o clero, que acredita que é necessário diminuir a repressão, dar algumas liberdades, como válvula de escape para evitar uma explosão social.

Essa ala também acredita em uma aproximação com o imperialismo ocidental, para fazer negócios e ajudar a economia. Eles têm mais vínculos com ricos comerciantes, como os ex-presidentes Rafsanjani e Khatami, e o principal candidato da oposição na última eleição, Mousavi.

Os “conservadores” acreditam que é necessário manter a linha dura, se não o movimento de oposição vai escapar do controle. Eles também querem manter uma forte retórica anti-imperialista, que é sua principal arma para segurar o apoio popular. O atual presidente Ahmadinejad, que foi o primeiro presidente a não ser líder religioso desde a revolução, é o principal representante desse grupo agora, apoiado pelo aiatolá Khamenei, líder supremo do país e acima do presidente. Ahmadinejad representa uma ala mais ligada às forças armadas, que tem interesses econômicos na construção civil e indústria petrolífera.

Ahmadinejad se elegeu em 2005 com a promessa de lutar contra a corrupção e pobreza. Havia também uma decepção com os presidentes “reformistas” anteriores, Rafsanjani e Khatami, que não fizeram nada para barrar a repressão à oposição, como o protesto dos estudantes em 1999.

Porém, com Ahmadinejad, não veio nenhuma mudança para os mais pobres. Ao contrário, o desemprego está em 20% e a inflação chega a 30%. O apoio de Ahmadinejad tinha também caído. Ele tentou reverter isso fortalecendo sua retórica anti-imperialista e com aumentos salariais para os funcionários públicos e medidas assistencialistas.

Apesar disso e do apoio do aiatolá Khamenei, a expectativa era que a vitória iria para Mousavi. Quando foi anunciada a vitória de Ahmadinejad, depois de apenas duas horas do fechamento dos locais de votação (normalmente o resultado só é declarado depois de 2 ou 3 dias), isso levou a uma explosão de raiva, com atos gigantescos, sendo que o maior, no dia 16 de junho, teve entre 1 a 2 milhões de participantes – mesmo com forte repressão e dezenas de mortes.

O clero está sob forte pressão e não está excluída a possibilidade deles descartarem Ahmadinejad e buscarem um acordo com a oposição. Em um gesto inédito, o Conselho dos Guardiães da Revolução concordou em recontar parte dos votos declarando que em 50 cidades houve erros na votação, já que havia mais votos do que votantes!
 

Construir uma alternativa dos trabalhadores

O sindicato dos trabalhadores do transporte público em Teerã corretamente não apoiou nenhum dos quatro candidatos a presidente. Todos os quatro candidatos são representantes da elite e precisavam do aval dos líderes religiosos para se candidatar. Outros 470 candidatos foram excluídos.

O próprio Mousavi foi primeiro ministro entre 1981 e 1988, o período em que a repressão foi endurecida. Ele pode em qualquer momento tentar fazer um acordo com os líderes religiosos, já que não quer mudar o sistema a fundo.

Também é errado dar apoio a Ahmadinejad, como fez o presidente Hugo Chávez da Venezuela, que chamou a vitória de Ahmadinejad de “triunfo democrático” da “revolução iraniana”. Lula, que também quer fazer negócios com Ahmadinejad, criticou a oposição e o movimento contra o governo, dizendo que são “maus perdedores”.

É claro que é necessário rechaçar o cinismo do imperialismo, que tenta ganhar o apoio dos “reformistas” para instalar um governo com o qual podem fazer negócios e ter acesso irrestrito ao petróleo. Eles não têm problemas em fazer negócios com ditaduras como as da China ou Arábia Saudita. Onde estavam esses “democratas” quando a vitória da oposição no México recentemente foi roubada por uma evidente fraude eleitoral?

Temos que dar todo apoio à luta pelos direitos democráticos levantada pelo atual movimento. Ao mesmo tempo, os trabalhadores precisam construir suas próprias organizações e uma alternativa política que possa desafiar as duas alas da elite iraniana. Só assim será possível resgatar a energia revolucionária que derrubou o Xá em 1979 e, dessa vez, impedir que seja desviada de um autêntico caminho socialista.  

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