O Brasil é nosso agora? O que esperar do governo Lula?
A alegria e esperança criadas pela vitória de Lula nas eleições é muito grande após quatro anos do horror do governo Bolsonaro. Ver que o Estado pode funcionar para garantir direitos básicos é animador. Cada vez mais, a lembrança do governo Bolsonaro parece uma visão distópica de um filme. Entretanto, não há nada de distópico nesse período. Faz parte da crise profunda pela qual o sistema capitalista passa e o governo Lula é incapaz de resolvê-la apenas com boa vontade.
O governo começou dando resposta para a classe trabalhadora e fez questão de mostrar com decisões as diferenças com Bolsonaro. Entre outras, aumentou o salário mínimo para R$ 1320, vai isentar imposto de renda para quem ganha até R$ 2640 reais, está combatendo o garimpo ilegal na Amazônia, especialmente os da terra Yanomami, reajustou as bolsas de pós-graduação em 40%, vai reajustar os salários dos servidores federais, sancionou o piso dos professores em R$ 4420, retomou o Minha Casa Minha Vida, posicionou-se contrário às privatizações das principais estatais.
Claro que o contraste com Bolsonaro é gritante. Nas eleições derrotamos um projeto de extrema-direita de destruição de todos os direitos da/os trabalhadora/es. Entretanto, a questão que fica é: o que Lula vai fazer é o suficiente, é um caminho para o avanço de um projeto da nossa classe? Muitos dizem: mas você prefere o que a gente tinha? Ora, não se trata de ficar entre a cruz e a espada, como se essas fossem as únicas opções, mas discutir qual futuro queremos.
O projeto de conciliação de classes de Lula é insuficiente para lidar com séculos de exploração. A frente amplíssima, reunindo setores da direita que patrocinaram o golpe contra Dilma e estiveram com Bolsonaro, não será capaz de romper os limites impostos pelo sistema, especialmente em um contexto de crise econômica mundial.
A crise econômica e o projeto de conciliação de classes
A ideia de que a democracia dos ricos pode resolver os problemas da classe trabalhadora voltou com grande força com a vitória de Lula. Apesar das origens do PT dentro das lutas da nossa classe, o projeto do partido e de Lula é de gerenciar o capitalismo. Nos 13 anos do governo do PT houve aumento real do salário mínimo, mas veio junto com um processo de precarização do trabalho, como terceirizações e redução da responsabilização dos patrões. Construiu-se mais de 7 milhões de moradias, mas com o fortalecimento de setores do mercado imobiliário que é quem causa altos aluguéis e a falta de acesso à moradia – e o déficit habitacional, mas volta a crescer a cada dia à medida que cresce a população.
Agora o novo governo propõe o mesmo, governar para todos, melhorar as políticas públicas para o povo e a classe trabalhadora e, ao mesmo tempo, turbinar setores da burguesia desenvolvimentista. Porém, o aumento do salário mínimo é obviamente insuficiente – em muitas capitais, o novo salário não compra duas cestas básicas. De acordo com o DIEESE, o salário mínimo deveria ser de R$ 6640. No caso dos servidores federais, a proposta do governo é de 7,8%, ou seja, não chega nem perto das perdas, já de sete anos, mal cobrindo a inflação do último ano.
A explicação é simples: na disputa entre as classes pelas riquezas produzidas na sociedade e tutelada pelo PT como “projeto de nação”, o poder econômico é quem dá as cartas e faz o possível para lucrar mais. “O possível” para a burguesia, mesmo a tal democrática, pode ser chantagens, negociatas, lobbies, muitas vezes é um golpe, ou apoiar algum representante da extrema-direita para as eleições, exatamente o que aconteceu em 2018.
O governo atual está iniciando no meio de uma crise econômica profunda e estrutural do sistema. A expectativa de crescimento mundial é de menos de 2,7% e de 1% para o Brasil, de acordo com o FMI. É um processo de “estagflação”, ou seja, inflação com baixo crescimento ou mesmo recessão. Ou seja, a crise não deixa espaço para medidas populares e faz do projeto de ganha-ganha do PT (ricos ganham, pobres ganham) um otimismo ilusório.
Jogando para a plateia mais numerosa, Lula atacou o sistema financeiro nas últimas semanas. Disse que a prioridade são as políticas para o povo, independente dos humores do mercado e do seu teto de gastos. Por último, levantou-se contra a manutenção dos juros altos definida pelo Banco Central e causou preocupação entre os sensíveis investidores da alta burguesia. Muito calculadas, essas falas têm o objetivo de construir essa ilusão entre os setores mais à esquerda, mas a realidade é que o próprio ministro Fernando Haddad minimizou as falas em reunião com grupo de empresários, dizendo que Lula estava “ansioso” e que o governo será de “paz e amor” com o andar de cima.
Séculos de exploração: quais mudanças são necessárias?
A quebra da autonomia do Banco Central é uma medida essencial para que os recursos públicos possam ser usados para a solução dos problemas do povo. Entretanto, o governo não tem a proposta de acabar com a autonomia – vamos continuar com as principais políticas econômicas, como a maior taxa de juros do mundo, sendo dirigidas pelo mercado.
Ainda, uma boa parte dos recursos públicos do orçamento são desviados para remunerar investidores bilionários, através do sistema da dívida pública. Precisamos auditar e cancelar essa falsa dívida. Para que avancem os direitos da/os trabalhadora/es é antes necessário revogar as contrarreformas dos últimos governos, como a trabalhista, a previdenciária e a do ensino médio. É necessário nacionalizar os bancos e retomar para o povo as riquezas que são apropriadas indevidamente há séculos pelos colonizadores e pelos super-ricos.
Os avanços dos 13 anos de governos do PT e o que se espera agora com o novo governo, além de insuficientes, mantêm a base da exploração ao não tocar nas principais causas dos problemas do povo. É necessário um programa radical de mudança e isso não é o governo Lula que pode fazer, mas a classe trabalhadora, a juventude, pessoas LGBTQIA+, povo negro e indígenas organizados e lutando por esse programa, construindo um processo de transformações estruturais nas ruas, locais de trabalho, escolas, bairros e aldeias.
Movimentos, lutas e cooptação
O PT dirige os movimentos da classe trabalhadora e discursa que eles devem ser importantes para que o governo consiga realizar medidas populares. Entretanto, a história nos mostra que, em muitos momentos-chave, a desmobilização foi o principal método do PT, como contra o golpe no fim do ano passado e início deste ano, como foi nas greves gerais de 2017 contra Temer ou no levante popular de 2013. Na visão do lulismo, a mobilização independente da classe atrapalha o projeto institucional do governo ou as candidaturas do PT.
Foram muito comemoradas as nomeações de ministra/os e cargos de outros escalões que surgiram das lutas, como Sônia Guajajara, Guilherme Simões do MTST, Sílvio Almeida, entre outros. A propaganda é de que eles seriam a “tomada de poder pelo povo”. Nada mais falso. Essas lideranças agora estarão amarradas ao projeto de governo, institucional e de acordões, impedidas de criticar ou dirigir as mobilizações do povo. Na realidade, esses cargos não permitem que essas pessoas façam mudanças necessárias.
Se de um lado temos Guajajara defendendo as pautas indígenas, do outro, temos Simone Tebet, todos os setores de direita dentro do governo e as instituições do sistema da burguesia para impedir qualquer mudança. Um ministério não é um cargo de representação, mas o de um gestor submetido ao governo. No fim, o objetivo é cooptar as lideranças dos movimentos sociais e submetê-las ao projeto institucional do PT.
Por uma saída revolucionária e socialista!
A chegada do governo Lula após Bolsonaro é um grande alívio para a maior parte do povo brasileiro. Entretanto, ao não fazer as mudanças necessárias e manter as bases do sistema de exploração em funcionamento abre-se a possibilidade de novas ofensivas reacionárias no futuro próximo. Se ainda houver alguma anistia para os golpistas e Bolsonaro, eles voltarão com mais força, instigados pela crise econômica e pela podridão exalada pelo Congresso e os setores fisiológicos do governo, que vai acabar respingando em Lula, como foi em 2015.
As mudanças necessárias para o povo e a derrota do bolsonarismo só podem vir pela mobilização em massa da classe trabalhadora, organizada pela base em seus movimentos e em conselhos, de onde a verdadeira democracia pode surgir. Armada de um programa de transformações radicais que coloque o sistema capitalista em cheque, a classe trabalhadora tem o poder de realizar a sua revolução, como já ocorreu diversas vezes na história, e iniciar a construção de uma sociedade socialista.