Primeira vítima do coronavírus no RJ aponta para a desigualdade social na pandemia

O COVID 19 é uma realidade trágica para a humanidade em geral, desde o momento em que a Organização Mundial de Saúde decretou o estado de pandemia desse vírus. Mas para os trabalhadores de todo o mundo, em especial os que pertencem a minorias, isso se torna ainda mais difícil. Como manter o sustento de suas famílias, com manutenção de emprego e direitos em meio a um contexto de capitalismo neoliberal e de uma situação de catástrofe social com recomendações de quarentena por parte das autoridades sanitárias? 

Isso aponta para uma realidade gritante: embora, em um primeiro momento, o vírus tenha chegado ao Brasil através de elementos das camadas mais ricas, ele atinge em cheio aos mais pobres, os setores mais fragilizados da sociedade. São esses que estão muito mais expostos à contaminação, seja por não terem direito a licença renumerada, por estarem sujeitos a um ambiente com saneamento básico inexistente ou de pior qualidade, e pela precarização dos serviços públicos.

Essa situação ocorreu em cheio no caso da primeira morte oficial por coronavírus no estado do Rio de Janeiro: uma senhora de 63 anos, moradora de Miguel Pereira (interior do estado, região centro-sul), ela que contraiu o vírus em seu local de trabalho, numa casa de família no Alto Leblon, região com o metro quadrado mais caro do país. 

A patroa, recentemente chegada da Itália, estava em quarentena em casa, e não havia comunicado a doença à doméstica. Era uma trabalhadora que, além de estar no grupo de risco por conta da idade, também tinha problemas crônicos de saúde (hipertensão e diabetes). A patroa esteve resguardada em casa desde a chegada da Itália; em contrapartida, a trabalhadora ficou exposta ao risco, quando devia ter direito a licença renumerada por estar em um mesmo ambiente de uma pessoa contaminada. Ela, que trabalhava nessa casa há 20 anos, não teve conhecimento da situação de sua patroa e ficou exposta ao contágio, considerado fatal para uma pessoa idosa e com problemas de saúde.

Nesse momento, o falso discurso de que “a empregada é como se fosse uma pessoa da família”, muitas vezes repetido em sociedades marcadas pelo escravismo, mostra que a convivência próxima não apaga as distâncias sociais profundas e cruéis. Se isso é falso em situações “normais”, mais falso se torna em uma situação tão dramática assim.

Dessa forma, na segunda-feira, 16/3, a empregada começou a passar mal em seu trabalho e os patrões avisaram à família para buscá-la no trabalho e levá-la ao hospital municipal de Miguel Pereira, cidade  a mais de 100 kms do local de trabalho. Somente na manhã do dia 17/3, a família da vítima tomou conhecimento de que havia alguém portador do vírus entre os patrões. Trata-se de uma situação tão absurda que o Ministério Público do Trabalho está analisando o caso e deve ingressar com ação penal contra os empregadores.

Essa situação, que terminou tragicamente com a morte da trabalhadora doméstica, pode se repetir em muitos outros casos. Segundo estudo realizado pelo IPEA em 2018, há um aumento do número de trabalhadores domésticos no Brasil: 6,2 milhões, o que é o maior número desde 2012. A maioria desses trabalhadores são do sexo feminino nas funções de faxineiras, arrumadeiras, cozinheiras, cuidadoras de crianças, em um total de 5,7 milhões de mulheres e dentre essas, 3,9 milhões são mulheres negras de baixa renda e escolaridade. Nesse mesmo estudo, a informalização vem avançando cada vez mais no Brasil, já que os dados mostram que desses 6,2 milhões, 4,4 milhões não têm o vínculo empregatício, o que representa 11,2% a menos trabalhadores com carteira assinada desde 2012.Outro dado importante é o aumento contínuo do número de mulheres idosas exercendo essa função, inclusive as maiores de 60 anos, como o exemplo da senhora falecida por coronavírus em Miguel Pereira.

A realidade atual é, portanto, de milhares de trabalhadores informais, sem direitos trabalhistas e desamparadas pela CLT, sobrevivendo a partir de condições de trabalho precárias. Com isso, em uma situação dramática como a que vivemos, suas possibilidades de alcançar um mínimo de segurança à infestação do vírus se reduzem drasticamente.

Essa situação só pode ser mudada com ação e conscientização de que o capitalismo precisa ser derrotado. Ainda mais no Brasil, que tem um governo perverso que destina muito mais recursos aos bancos do que para a assistência social aos mais pobres. 

Em uma ação articulada, um grupo de parentes de empregados domésticos está realizando uma campanha de conscientização sobre a importância da quarentena sem redução de vencimentos para os empregados domésticos, lançando uma carta-manifesto para esse fim. Trata-se de uma ótima iniciativa, que, combinada com a luta política geral contra o governo Bolsonaro e contra a exploração capitalista que visa sempre o lucro acima da vida, pode elevar o nível de consciência e mobilização geral.

Importante, também, que o poder público faça uma campanha de esclarecimento e conscientização popular com orientações claras sobre a doença e para diminuir o preconceito contra os familiares de pessoas em reclusão e mortas pela doença. Isso não é possível em um governo Bolsonaro, incompetente e sem vontade política de agir em favor do país nessa situação.Mas não basta ficar somente nisso! É necessário apontar a impossibilidade de alcançar melhorias nesse sistema social, principalmente em meio a uma grave crise econômica e com uma pandemia mundial. A conquista do socialismo, com uma economia planificada e sob comando dos trabalhadores, é o único caminho para que a Humanidade coloque a vida em um patamar superior à busca do lucro. 

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