O povo em luto, bilionários no lucro

Uma alternativa socialista é necessária para colocar a defesa da saúde e da vida em primeiro lugar!

No mês de março completamos dois anos desde que o novo coronavírus mudou profundamente nossas vidas. O negacionismo e a política antivacina de Bolsonaro serviu como um projeto genocida que trouxe consequências graves, a começar pela perda de 650 mil vidas, além de trazer o Brasil de volta para o mapa da fome da ONU e outros indicadores da gravidade social que enfrentamos.

A primeira morte por COVID-19 no Brasil anunciada foi um retrato de quem seriam os principais afetados pela pandemia. Mulher negra e periférica, ela era trabalhadora doméstica em uma casa na região com o metro quadrado mais caro do país. Com 63 anos, ela contraiu o vírus na casa de sua patroa, que voltou da Itália e precisou cumprir a quarentena em casa enquanto aguardava o resultado do exame.   

Essenciais e descartáveis

Esse primeiro caso amplamente divulgado é bastante ilustrativo: a patroa adotou um isolamento, mas desconsiderou preservar a mulher que trabalhava em sua casa por mais de uma década. Essenciais e descartáveis, essa lógica se estendeu para professores, entregadores de app, trabalhadores do transporte, da limpeza, alimentação, saúde, entre outros. 

Em geral, não houve investimento à altura para garantir que o trabalho essencial fosse realizado da forma mais segura possível. Falta de equipamentos de segurança, jornada extensa e intensa, atraso da vacina entre outros elementos, contrastaram com o quanto se exigiu que os trabalhadores da linha de frente cumprissem seus ofícios e até mesmo os não essenciais, que foram demandados a seguir trabalhando para a economia “não parar”.

Esse cenário dramático, no entanto, não foi generalizado. Se, por um lado, o povo pobre, especialmente mulheres negras e periféricas, carregaram sob seu corpo cansado o peso de fazer a economia girar, enquanto choravam pelos seus mortos, bilionários lucraram com a pandemia.

Empresários enriquecem enquanto o SUS colapsa

Em abril de 2021 a revista Forbes anunciou o ranking de bilionários, mostrando a entrada de nove brasileiros empresários da saúde. Jorge Moll Filho, da Rede D’Or, foi de 16° para 3º no ranking de bilionários, com uma fortuna que subiu de 2 bilhões em dezembro de 2020 para 13 bilhões no início de 2021. A família Godoy Bueno tem três bilionários no ranking, incluindo a dona da Amil, Dulce Pugliese. 

Isso se deu no mesmo período da pior crise sanitária e hospitalar da história, segundo a Fiocruz. O total da riqueza desses bilionários, que ultrapassa 30 bilhões de dólares, é escandalosamente superior ao que foi investido na saúde pública durante o mesmo ano.

O SUS é um grande trunfo nosso, resultado de um movimento vitorioso de trabalhadores organizados em sindicatos, movimentos sociais, na Universidade. É uma referência de modelo de saúde pública, e sem o SUS a situação seria muito mais grave. 

Ainda assim, possui problemas desde sua origem. Os recursos públicos sempre foram insuficientes se considerar que o SUS prevê a cobertura integral e universal para toda a população. Na lei de 1990 que o regulamenta, abriu-se uma brecha para o avanço da iniciativa privada, admitindo que o SUS recorresse a iniciativa privada na forma de convênio ou contrato “quando suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área”. 

Subfinanciamento e privatizações

Desde FHC, boa parte dos recursos que, pela constituição, seriam destinados à saúde pública, foram desviados para pagamento da dívida pública, através da Desvinculação das Receitas da União, algo que foi mantido pelos governos do PT. A política neoliberal de arrochar os gastos públicos teve seu ápice com a lei do Teto de Gastos em dezembro de 2016. 

A participação da iniciativa privada na saúde foi se tornando cada vez mais predominante a ponto de se tornar maior do que o gasto público atualmente. Mesmo nos governos de Lula e Dilma, a implementação das Organizações Sociais (OSs); Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), a aprovação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) entre outras formas de parceria público-privada intensificaram esse processo. Essas medidas ao longo dos governos foram enfraquecendo e desmontando o SUS. Em suma, o que tivemos historicamente foi quase um processo para “despreparar” o país para enfrentar a pandemia.

Segundo pesquisa realizada pelo Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo, a UTI terceirizada da instituição teve o dobro de mortes de pacientes com covid-19 em relação a UTI pública, assim como administrou cinco vezes mais hidroxicloroquina para os pacientes, mesmo sem comprovação científica. A lista de escândalos envolvendo as OSs e conveniadas é extensa, rendendo muitas vezes CPIs e manchetes de jornal. 

Isso se reflete nas condições dos serviços para a população e nas condições de trabalho dos trabalhadores da saúde, sobretudo nas categorias mais desvalorizadas (majoritariamente feminina). Em janeiro de 2021, estimou-se que o Brasil respondia por um terço do total de mortes pela Covid-19 entre os enfermeiras e técnicas de enfermagem no mundo.

Prestes a entrar no terceiro ano da pandemia iniciou-se a terceira onda, com um surto de casos da variante ômicron que tomou principalmente as unidades básicas de saúde na virada de ano. Muitos trabalhadores da saúde, que já vinham de um processo de desgaste e exaustão acumulados, tiveram suas férias e folgas canceladas para trabalhar de forma incessante. 

Trabalhadores da saúde, inclusive os mais invisibilizados, como equipes de limpeza, manutenção, cozinha, apoio operacional e maqueiros, manifestam sua exaustão devido à sobrecarga. Isso, somado a um cenário que se desenha de reajustes salariais abaixo da inflação e da continuidade no projeto de ataque ao SUS e precarização e corte dos serviços de saúde, precarizando também as condições de trabalho, tem causado e vai causar ainda mais choques. 

A greve nacional dos residentes multiprofissionais, ainda durante a pandemia, e a mobilização no final de 2021 e início desse ano de trabalhadores da atenção básica indicam um caminho importante por onde deve ser construída a saída. Há uma insatisfação acumulada e a espera por um reconhecimento que se estenda para além de aplausos, mas se reflita em condições dignas de trabalho e salário.  

Uma alternativa socialista é necessária para salvar vidas

A pandemia desnudou o capitalismo. Ficou evidenciado um sistema em que o funcionamento opera para atender aos interesses do “mercado”, do lucro de quem controla a economia. 

Prevaleceu na pandemia a corrida pela patente de vacinas, em detrimento a um sistema colaborativo entre laboratórios ao redor do mundo. Prevaleceu o aumento de preço de máscaras, ventiladores e demais insumos, seguindo a lei da “oferta e procura”, ao invés de reorientar as indústrias para produzir massivamente esses itens, sob controle dos trabalhadores. 

Nós socialistas defendemos que os recursos da sociedade sejam utilizados de forma coordenada com planejamento democrático para suprir as necessidades da população e não a busca pelo lucro. Defendemos enfaticamente que fosse realizado testes em massa para controle epidemiológico, garantir medidas de saúde, incluindo ampliação de leitos, bem como a contratação de mais trabalhadores da saúde para combater as jornadas intensas e extensas de trabalho que se instalou nas unidades de saúde. Também defendemos a reconversão da produção sob o controle dos trabalhadores para garantir a produção necessária de equipamentos médicos e de proteção para combater a pandemia. Isso teria sido fundamental.

Saúde não é mercadoria!

A luta em defesa da saúde continua. É preciso unificar as lutas de trabalhadores e usuários do SUS por investimentos na saúde pública: saúde não pode ser mercadoria! Devemos lutar pela quebra das patentes e estatização das farmacêuticas sobre controle e gestão dos trabalhadores. Contra as privatizações e terceirizações, por uma saúde 100% pública.

É preciso acabar com as isenções fiscais para as grandes empresas, lutar pela revogação do teto dos gastos e acabar com a política de cortes, impondo na contramão disso um programa de investimentos é condição necessária para sair dessa dramática situação que enfrentamos. Por isso, é preciso taxar as grandes fortunas e as empresas. Precisamos também defender a suspensão do pagamento da dívida pública para grandes capitalistas e especuladores, contra o desmonte do sistema da dívida que tem consumido centenas de bilhões sem sequer passar por auditoria. 

A pandemia evidenciou: bilionários não precisam existir, são parasitas que sobrevivem às custas das nossas vidas, mas a classe trabalhadora, sim, é necessária para fazer o mundo girar e é quem protagonizará uma saída que de fato coloque a saúde e a vida das pessoas em primeiro lugar. 

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