Do Egito a Portugal, da Tunísia a Grã Bretanha, do Brasil aos EUA, da Líbia ao Japão – a urgência de uma alternativa socialista dos trabalhadores

2011 começou de forma tumultuosa. Os levantes no mundo árabe levaram a queda de ditadores na Tunísia e no Egito, no poder há décadas. As lutas contra os contínuos ataques, onde os governos tentam descarregar o custo da crise capitalista internacional nas costas dos trabalhadores, continuam, mas também com importantes lutas na Europa e nos EUA. Além disso, vimos a tríplice catástrofe no Japão: terremoto, tsunami e desastre nuclear.

Por mais diversos que esses processos parecem ser, eles têm aspectos importantes em comum: eles mostram de forma gráfica como o sistema em que vivemos não consegue resolver os problemas do povo trabalhador do mundo, mas também como é urgente a construção da uma alternativa que pode levar as lutas que ocorrem hoje a uma vitória duradoura.

A crise não acabou

A crise mundial que estourou no mundo em 2008 ainda não acabou e ainda continua a causar vítimas, apesar de uma certa recuperação, puxada principalmente pela China. Quem tem a possibilidade de exportar para a China também conseguiu se recuperar mais rapidamente, como o Brasil.

Mas mesmo a China foi afetada pela crise e pode ser a fonte para futuras crises. Para evitar uma recessão, o governo chinês lançou um gigante pacote de 585 bilhões de dólares em 2008 e facilitou o crédito, que levou a um enorme aumento nos empréstimos. O preço disso é um aumento na inflação e a criação de bolhas, e agora o governo está tendo de aumentar os juros.

Em muitos países na Europa a recuperação é muito frágil. No último trimestre a Grã Bretanha teve uma nova queda no PIB. A crise mais profunda ainda se vê nos chamados PIGS (Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha). A Grécia e a Irlanda, incapazes de pagarem suas dívidas públicas, após grandes resgates aos bancos, recorreram ao FMI e a União Europeia. Esses pacotes de “resgate” vinham condicionados com mais ataques aos trabalhadores, com redução dos salários dos servidores públicos, cortes nas aposentadorias e auxílio desemprego, privatizações, etc. O resultado dessa “medicina” é uma queda no PIB. A Irlanda e a Grécia estão no terceiro ano consecutivo com queda no PIB. O governo irlandês do Fianna Fail e Partido Verde foi forçado e sofreu uma derrota histórica nas eleições.

Agora chegou a vez de Portugal. Após o fracasso da tentativa de votar um quarto pacote de maldades no Congresso, o primeiro ministro Sócrates renunciou. Portugal agora está pedindo ajuda à União Europeia. Porém, o que não deixam os políticos e economistas dormirem a noite é a possibilidade de a Espanha dar um calote na sua dívida, já que é um país muito maior.

Os fatores da crise permanecem

Mesmo se a economia mundial conseguir se estabilizar no curto prazo, não será um retorno a um crescimento forte. Os fatores que levaram à crise não foram resolvidos.

A crise financeira devido às enormes bolhas especulativas foram resolvidas só parcialmente. Enormes quantidades de “capital fictício” foram queimadas. A estimativa do FMI é que durante os anos 2008-2010 a economia mundial perdeu 50 trilhões de dólares por causa da queda nos valores de ativos (ações, créditos e papeis baseados nesses) e perda de produção – o equivalente à produção mundial durante um ano! Mas as enormes quantias de dinheiro injetadas na economia para salvar o sistema financeiro e estimular a economia, a juros perto do zero, já estimularam novas ondas de especulação.

Nessa situação, o Brasil parece ser beneficiado, com a grande entrada de recursos. A entrada de dólares no país em janeiro-março já superou em 40% o total de capital que entrou no ano passado inteiro. Isso pode parecer bom no curto prazo, mas leva a uma valorização do real, aumento da especulação e um dia o fluxo vai se reverter, levando a novas crises financeiras aqui também.

Um efeito dos resgates dos bancos foi que boa parte das dívidas podres privadas no mundo foram transformadas em dívidas públicas e enormes déficits nos orçamentos, especialmente na Europa e nos EUA. Para tapar esses buracos os governos lançam pacotes de cortes e aumento de impostos onde os trabalhadores pagam a maior parte.

Além disso, muitos bancos ainda estão com problemas. Na Irlanda foi recentemente lançado um relatório mostrando que os bancos precisam de mais 24 bilhões de euros para sobreviverem. Nos EUA, após certa recuperação, os preços das casas voltaram a cair nos últimos 7 meses, o que vai gerar novos rombos em financiamentos.

E a crise não é só financeira. Há também um crise de superprodução e excesso de capacidade, o mesmo mecanismo que Marx identificou já há 160 anos atrás. O capitalismo gera capacidade de produção mais rápido que a capacidade de consumo, principalmente dos trabalhadores. Um papel da crise é de se livrar desses excessos de capacidade fechando fábricas, especialmente as mais antigas, abrindo o caminho para as novas, mais modernas. Mas isso não aconteceu em grau suficiente. A China continua expandindo sua produção rapidamente.

Ao mesmo tempo os outros países também querem fortalecer suas exportações. Até a antiga potencia industrial Grã Bretanha, que tinha apostado em uma economia “pós-industrial”, tornando-se meramente um centro financeiro e de serviços, agora quer renovar sua indústria. Já vimos a chamada “guerra cambial” (rebaixar o valor da moeda nacional é uma forma de rebaixar artificialmente o preço dos seus produtos para competir no mercado) apontando para futuras guerras comerciais.

Um fator adicional é que os grandes desequilíbrios que marcaram a economia mundial ainda permanecem, entre o pólo produtor (China) e o pólo consumidor (EUA). Esses desequilíbrios e desigualdade no crescimento causam novos problemas. Os preços das commodities, como petróleo, minérios e alimentos, estão altíssimos, puxados pela demanda da China. Isso ameaça a recuperação em muitos países. A inflação também é uma ameaça principalmente aos trabalhadores e pobres. Os desequilíbrios também reforçam o fluxo de capital especulativo.

A luta e a fragilidade da alternativa

Já no início nesse ano vimos importantes lutas contra as tentativas dos governos fazerem os trabalhadores pagarem pela crise. Na Grécia vimos uma oitava greve geral em 23 de fevereiro. Em Portugal centenas de milhares protestaram nas ruas no dia 12 de março. Em Bruxelas dezenas de milhares protestaram no dia 25 de março, ao mesmo tempo em que a cúpula da União Europeia discutia como lidar com a crise das finanças públicas atacando os trabalhadores. No dia seguinte em Londres, vimos a maior manifestação sindical na história do país, com 500-700 mil nas ruas.

Mesmo nos EUA vimos importantes embates. O projeto de lei do governador de Wisconsin, passado com rolo-compressor, que proíbe acordos coletivos no setor público para quebrar os sindicatos, levou a grandes manifestações, com 200 mil pessoas nas ruas no dia 12 de março, ocupação do parlamento, greves estudantis, etc. Só a covardia dos líderes sindicais fez com que até agora não houvesse uma greve geral no estado.

Mas essas importantes lutas revelam também a fragilidade atual da alternativa de esquerda. Os sindicatos desses países são controlados por partidos “socialdemocratas” / “trabalhistas” / “socialistas” / “comunistas” que há tempo já se adaptaram ao sistema e não tem nenhuma estratégia para a luta, ou apoiam mesmo o governo, como na Grécia. Eles só são pressionados a chamar à luta para não serem varridos pela pressão da base.

Tudo isso limita a luta. Em Portugal vimos como os sindicatos não chamaram nenhuma luta nacional após a bem-sucedida greve geral de 24 de novembro do ano passado. Os protestos de 12 de março foram chamados por um grupo do Facebook! Na Espanha também não houve uma continuidade da luta por parte dos sindicatos nacionais, após a greve geral de 29 de setembro.

Na Grã Bretanha o governo conservador-liberal lançou um orçamento em novembro que foi uma declaração de guerra aos trabalhadores, com um plano de demitir 10% dos servidores públicos. Dezenas de milhares de estudantes saíram nas ruas. Mas a direção dos sindicatos chamou uma manifestação só para 26 de março. O tamanho dessa manifestação mostrou a vontade de lutar por parte dos trabalhadores, mas a direção não indicou nenhuma estratégia para a luta. Espantados pela multidão, divulgaram a estimativa de participação mais conservadora, 250 mil, quando mesmo a polícia tinha feito uma estimativa ao dobro disso.

Essas lutas precisam de uma estratégia para vencer. Os próximos passos nas lutas devem ser discutidos na base, com comitês formados em todos locais de trabalho, nos bairros, etc. Greves gerais são instrumentos de luta importantes, onde a classe trabalhadora sente a sua força. Quando são convocados, é necessário ter um plano para um próximo passo, se necessário para fazer crescer a luta.

Falta de alternativa política à altura

Quando a luta chega a esse nível, com o conjunto da classe trabalhadora enfrentando o governo, a existência de uma alternativa política é fundamental para o avanço da luta. Derrotar os ataques do governo significa muitas vezes derrubar o governo, como vimos na Irlanda e Portugal. A questão do poder da sociedade está colocada. Onde não há uma alternativa, o governo pode manter-se, ou tudo muda para não mudar, e a “alternativa” é somente um variante da mesma política.

Por isso está colocado não só a tarefa de tomar a direção do movimento sindical dos burocratas e governistas, mas também a construção de novas alternativas políticas. Já vimos várias iniciativas importantes de construção de novos partidos de esquerda na Europa, mas em geral vemos como esse processo ainda é incipiente e cheio de armadilhas.

Em geral os novos partidos de esquerda até agora não se mostraram estar a altura das tarefas. Exatamente no momento da crise mais profunda do capitalismo e em que os trabalhadores se mostram preparados a luta, eles recuam em colocar uma alternativa consequente ao sistema. Muitas vezes o horizonte é meramente institucional e eleitoral.

Na Grécia a aliança de esquerda Syriza, que chegou a ter 18% nas pesquisas não colocou uma alternativa consequente para a luta, como a necessidade de defender o não pagamento da dívida pública e estatização dos bancos. Os resultados baixos nas eleições desencadearam uma disputa interna, mas baseada em personalismo ao invés de debate político.

O Bloco de Esquerda em Portugal chegou a votar a favor do pacote de ajuda à Grécia do FMI e da União Europeia, condicionado com cortes brutais no orçamento público e ataques aos trabalhadores. O que farão quando Portugal agora enfrentará a mesma situação que Grácia? Na eleições presidências em janeiro o Bloco de Esquerda apoiou o mesmo candidato que o primeiro ministro Sócrates!

Na Alemanha o Partido de Esquerda (Die Linke), também jogou um papel fraco nas lutas. 240 mil pessoas saíram nas ruas em quatro manifestações regionais no dia 26 de março contra a energia nuclear e a política do regime. Os governos responsáveis perderam feio nas duas últimas eleições estaduais no final de março mas o Die Linke não conseguiu superar a clausula de barreira de 5% em nenhum desses estados. No lugar da esquerda, foi o Partido Verde, que já participou no governo federal com os socialdemocratas implementando uma política de ataques aos trabalhadores e aceitando a permanência da energia nuclear, que saiu vitorioso.

Na França o Novo Partido Anticapitalista (NPA) também não conseguiu se posicionar nas lutas. O principal debate desde a fundação tem sido a tática eleitoral.

Irlanda – um exemplo positivo

Nossos companheiros na Irlanda mostraram durante essa crise que é possível defender uma alternativa socialista e ganhar apoio por isso de setores importantes, contrariando o “senso comum” da esquerda de hoje que só se ganha eleições rebaixando o programa.

No ano passado Joe Higgins do Partido Socialista, CIT na Irlanda, elegeu-se ao parlamento europeu. Para as eleições desse ano participamos no lançamento da Aliança da Esquerda Unida. Sabíamos que o mais provável nas eleições era que a dita “oposição”, o Labour e Fine Gail, provavelmente ganharia, vistos como um “mal menor”. Isso mesmo quando na verdade eles defendem os mesmos ataques, só querem que eles sejam implementados a conta gotas ao invés de uma vez.

Mas sabíamos também que havia a possibilidade de eleger deputados que representam uma luta e alternativa consequente. O apoio à luta que já conduzimos ou à figura pública de Joe Higgins, conhecido pelo apoio às lutas e por viver com um salário de trabalhador, mostrava isso. A eleição de deputados de esquerda seria muito importante, já que o novo governo continuaria com a mesma política, o que abriria espaço para uma esquerda consequente no futuro. O resultado foi uma vitória importante, cinco deputados foram eleitos pela Aliança da Esquerda Unida, incluindo dois do Partido Socialista, Joe Higgins e Clare Daly.

Mundo árabe – o barril de pólvora explode

No mundo árabe as altas dos preços se juntaram a uma situação social insuportável – alto desemprego, pobreza, falta de perspectiva para a juventude e o sufoco das ditaduras – e criaram uma mistura explosiva. A luta na Tunísia serviu como a faísca que incendiou a região inteira, especialmente após a vitória contra Ben Ali e subsequente vitória do povo egípcio contra o Mubarak.

Os movimentos revolucionários no mundo árabe levantam os mesmos problemas para a classe trabalhadora: a necessidade de construir um movimento independente da classe trabalhadora e a necessidade de construir uma alternativa política.

Os protestos na Tunísia e no Egito mostraram o papel fundamental da classe trabalhadora na luta. As greves dos trabalhadores foram decisivas para a derrubada de Ben Ali e Mubarak. A luta dos trabalhadores também mostrava o potencial de construir uma nova sociedade de baixo para cima. Instintivamente foram lançados comitês para organizar as lutas, autodefesa, suprimentos etc. A unificação desses comitês em nível local, regional e nacional daria uma alternativa à estrutura podre e corrupta dos estados atuais. Mas para isso seria também necessário um instrumento político dos trabalhadores armado com um programa que poderia colocar essas ideias – um partido socialista.

Na sua ausência, a luta chega a um limite. Derrubados Ben-Ali e Mubarak – como avançar? Na Tunísia permanece no poder a estrutura política construída pelo partido do Ben-Ali. No Egito os militares tomaram o controle de estado e organizaram um referendo que fez alterações cosméticas à constituição.

Aqui é importante ver a necessidade de ver a luta por democracia como parte integrada de uma luta também por questões sociais e o sistema econômico vigente. Parte da esquerda faz o equívoco de separar os dois, colocando que a luta atual é meramente democrática. Isso é falso para começar pelo fato que o estopim dos movimentos foi exatamente as questões sociais e econômicas: aumentos dos preços, desemprego, etc. Essa luta se canalizou em uma luta contra os regimes corruptos, mas isso não negou as lutas econômicas. Vimos como trabalhadores na Tunísia e no Egito tomaram controle sobre locais de trabalho e colocaram sua reivindicações.

A conquista de espaços democráticos tem que servir para avançar nas lutas por melhorias nas condições de vida. E essas lutas vão reforçar as lutas para conquistar mais espaço democrático. Mas isso se choca o tempo todo com o próprio sistema e o estado vigente. Não é nada artificial – é a realidade da luta. No Egito isso é muito claro. As eleições foram sempre fraudadas, por isso defendemos que os comitês dos trabalhadores tem que controlar as eleições. Agora quem controla é o exército, que também controla boa parte da economia. Livrar-se do regime antigo totalmente, significa os trabalhadores tomarem o controle do Estado e da economia.

Líbia

O exemplo da Líbia também mostra isso pela negativa. Lá o movimento dos trabalhadores é mais frágil. A oposição foi dominada por líderes locais e ex-participantes do governo de Gaddafi que não tem um apelo para as massas no oeste do país. Isso foi reforçado pelo fato que a oposição adotou a bandeira da antiga monarquia, que tinha sua base no leste do país, e o fato da oposição se posicionar a favor da intervenção do imperialismo.

O imperialismo só intervém para tentar controlar os rumos da revolta e do futuro governo, num país que é um importante produtor de petróleo. O imperialismo apoiou praticamente todos os ditadores, a maioria até a véspera de serem derrubados, como Mubarak e Ben Ali – e também buscava acordos com Gaddafi.

Gaddafi soube explorar essas fraquezas da oposição. Por isso a luta tem sido mais complicada na Líbia (junto com a política social mais avançada sob Gaddafi, num país com muitos petrodólares e população pequena).

A história de lutas do Oriente Médio só confirma a necessidade de uma linha independente da classe trabalhadora. Em vários países havia importantes partidos comunistas no período pós-guerra, mas de cunho stalinista. A linha deles era que era necessário os trabalhadores se alinharem aos líderes burgueses nacionalistas “progressivos” e “anti-imperialistas” em seus países. Isso subordinou o movimento dos trabalhadores àqueles que não representavam uma verdadeira alternativa, mesmo quando se designavam como defensores do “socialismo árabe”. No Egito o herdeiro do “progressivo” Nasser foi Mubarak, que se tornou um dos principais aliados árabes dos EUA. No Iraque foi Saddam Hussein, que tomou o poder num golpe e esmagou o partido comunista. Na Síria o partido comunista ainda participa formalmente na coalizão do governo! No Irã as greves dos trabalhadores foram decisivas para derrubar o Xá, mas a falta de linha independente e o fracasso da alternativa burguesa abriu para os mulás e o subsequente massacre os líderes do movimento dos trabalhadores.

Revoluções inacabadas

Isso não significa que os trabalhadores na sua luta contra regimes ditatoriais não podem fazer alianças táticas com forças burguesas, mas nunca se subjugar a essas. Sem uma linha de construção de forças independentes dos trabalhadores, com seu próprio programa e alternativa socialista, mesmo uma vitória temporária pode levar a novas derrotas posteriormente.

O processo no mundo árabe ainda está em aberto. Vimos revoluções inacabadas. Para elas não serem sequestradas e desviadas como no Irã em 1979, a construção de um movimento independente dos trabalhadores e de fortes partidos socialistas, é uma tarefa central.