40 anos do fim da ditadura empresarial-militar: nenhuma saudade e combates a se fazer

No ano de 2025, completam-se 40 anos do fim da ditadura empresarial-militar, um regime autoritário que cometeu assassinatos de militantes de esquerda, indígenas e pessoas negras, aprofundou desigualdades sociais, interveio em sindicatos, impulsionou o agronegócio e ampliou a dominação burguesa no Brasil. Desse período, não sentiremos nenhuma saudade, mas precisamos compreendê-lo e analisar os seus impactos no presente.
O início da ditadura em 1964 foi possível devido à crise do projeto político e econômico que pretendia estabelecer um pacto social da classe trabalhadora com uma fração da burguesia nacional. Essa crise teve os altos índices inflacionários, a perda do poder de compra e a ascensão das lutas sociais em seu centro. O temor de que o avanço das reformas de base pudesse estimular uma dinâmica revolucionária nas massas e produzisse mudanças estruturais que ameaçassem os interesses da classe dominante fez com que a fração da burguesia aliada ao imperialismo estadunidense – apoiada pelos latifundiários e sustentada na classe média – articulasse um golpe. Com a fragilidade de direção política da classe trabalhadora , a tentativa foi exitosa e implantou um inverno de duas décadas.
Os limites das lutas do período
O período de arbítrio não esteve livre de instabilidades. Pelas contradições que trazia – como a repressão e a concentração de renda ao mesmo tempo em que crescia muito o número de trabalhadores – o regime enfrentou resistência desde os primeiros anos. O movimento estudantil, por exemplo, desempenhou um papel importante que teve seu clímax na passeata dos cem mil em 1968 no Rio de Janeiro. Apesar da sua relevância, aquelas lutas não foram acompanhadas da generalização da luta operária de massas, com o movimento operário enfrentando dura repressão e intervenção nos sindicatos. As importantes greves operárias de Belo Horizonte e Contagem (MG) e Osasco (SP) não se generalizaram pelo país. Isso diminuiu o seu potencial e abriu caminho para a reação do regime através do Ato Institucional número 5.
A luta armada também foi uma forma de resistência quando os níveis de repressão se elevaram, mas esbarrou em avaliações que não condiziam com a verdadeira capacidade de repressão do aparelho estatal amparado na Lei de Segurança Nacional, no Serviço Nacional de Inteligência e nos diversos órgãos de repressão política e social. Isso conduziu a lutas que não chegaram a desestabilizar o regime por não terem se massificado e ao extermínio de diversos militantes, algo que devemos denunciar.
Reorganização do movimento sindical
Muitas lutas também passaram a eclodir quando o chamado “milagre econômico” começou a dar os seus sinais de esgotamento devido à crise econômica mundial dos anos 1970 e suas próprias contradições internas. O “milagre” foi fruto de um processo de industrialização e de construção de grandes obras com base em empréstimos adquiridos no exterior, o que levaria à crise da dívida dos anos 1980. As obras eram estradas, pontes, estádios de futebol e indústrias de base que visavam ampliar a dominação do capital sobre o território nacional, mas que não previam a distribuição da riqueza gerada. Essas construções não respeitavam os territórios dos povos indígenas, principalmente no norte do país, e nem o meio ambiente.
Com a crise econômica dos anos 1970, em meio a um intenso processo de urbanização e industrialização que fez nascer uma nova geração de trabalhadores nas grandes cidades, o movimento sindical ganhou impulso e se reorganizou a partir do giro à esquerda, pressionado pela base, de dirigentes sindicais e do trabalho das oposições sindicais que faziam críticas ao sindicalismo pelego, ou seja, àquele aliado aos patrões e ao governo. O contexto de inflação e arrocho salarial foram os maiores estimulantes da luta nas fábricas e a reivindicação principal era o reajuste dos salários. Um dos pólos da luta foi o ABC paulista, sede de diversas indústrias, com destaque para a automobilística.
Luta nos bairros e outros espaços
A luta operária impulsionou outras, como as lutas nos bairros e contra o aumento do custo de vida. Diversas comunidades se organizaram para reivindicar postos de saúde, escolas, saneamento, transportes e calçamento. Isso não era um detalhe, visto que foi no período da ditadura que o Brasil deixou de ser um país predominantemente rural e se tornou predominantemente urbano. A expansão das cidades, portanto, abriu mais um ramo para as lutas sociais.
O aumento do custo de vida, por sua vez, foi a razão de diversas donas de casa das periferias – em geral junto às Comunidades Eclesiais de Base da Igreja Católica e a militantes de esquerda – criarem o Movimento do Custo de Vida, que organizou protestos e abaixo-assinados contra a elevação dos preços dos alimentos e contra a política econômica do governo, além de outras exigências voltadas aos bairros.
Além desses movimentos sociais, a transição da década de 1970 para a de 1980 também contou com a retomada das lutas no campo e criação do MST e com o avanço das lutas dos negros e negras, com a formação do Movimento Negro Unificado.
Os limites da transição democrática
O fim da ditadura, portanto, foi fruto da organização e luta da classe trabalhadora, que, mesmo sob contexto de repressão, fez uso de métodos como greves, piquetes, ocupações e ações de massas. O desfecho do regime de arbítrio não foi o resultado de uma mera deliberação de cúpula de Geisel e Golbery, como os liberais defendem. Eles foram forçados a encaminhar o término devido ao cenário de crises.
Parte dos militares tentou salvar a ditadura, mas ficou cristalino que eles só poderiam controlar a forma do fim. Nesse sentido, a opção por uma abertura “lenta, gradual e segura” incluía a análise dos recentes términos das ditaduras de Portugal e principalmente da Grécia, onde militares foram presos. Era preciso uma transição controlada para evitar o mesmo aqui. A força desse processo levou à derrota das Diretas Já!, que pediam eleições diretas para presidente em 1983-84, mas não evitou a entrada na democracia liberal.
A elaboração de uma lei de anistia foi uma das pautas das lutas populares. As campanhas de “anistia ampla, geral e irrestrita” vinham se intensificando e, para dialogar com a demanda e preparar a sua saída de cena, os militares criaram a Lei da Anistia em 1979 que previa que, além de parte dos perseguidos políticos, os próprios militares também seriam perdoados. Em outras palavras, aqueles que praticaram torturas, sequestros, ocultação de cadáver e terrorismo foram absolvidos e ainda não pagaram por seus crimes! Um absurdo!
Impactos no presente
Bolsonaro começou a ganhar visibilidade nacional com declarações polêmicas sobre o regime militar, afirmando que “o erro da ditadura foi torturar e não matar” e que “quem vai atrás de osso [de desaparecidos políticos] é cachorro”. Em 8 de janeiro de 2023, após ele perder as eleições, vimos uma tentativa de golpe de Estado, que incluiu a invasão do Congresso Nacional e STF. Já em 2024, foi comprovado que não só o plano de tomada autoritária do poder existiu, como contava com os assassinatos de Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes. Todos esses fatos demonstram que o tema da ditadura ainda está aqui.
Não acertamos as contas com o passado, no mínimo como foi feito, pelo menos em parte, na Argentina e Chile, onde os militares sofreram alguma responsabilização. Mas não se trata apenas disso. Setores minoritários da burguesia, o agronegócio, a classe média e os militares sustentaram o 8 de janeiro em uma composição que se assemelha àquela de 1964. Não conseguiram implementar o seu objetivo porque a burguesia e a cúpula das Forças Armadas não estavam unificadas e não havia apoio internacional, o que pode mudar conforme a necessidade de implementar um programa econômico mais devastador para a classe trabalhadora. Para evitar uma explosão social, o rumo do autoritarismo pode se tornar uma alternativa.
Apostar nas lutas
Para limpar o entulho da ditadura, com responsabilização dos militares e seus apoiadores de ontem e de hoje, evitar qualquer aventura golpista e conquistar direitos, é preciso mobilização e luta da classe trabalhadora. Apostar apenas nas eleições e no caminho da institucionalidade, como faz a esquerda hegemônica, é trilhar o caminho da derrota. É manter a correlação de forças desfavorável e é nos desarmar no combate às políticas de austeridade que deterioram nossas condições de vida e possibilitam o fortalecimento da extrema direita. Precisamos apostar nas lutas dos sindicatos e movimentos sociais e construir uma esquerda que adote um programa socialista! Já passou da hora de virar o jogo!