Biennio Rosso – o “Biênio Vermelho” da Itália
Há cem anos, a Itália foi sacudida pelo “Biênio Vermelho”, um período revolucionário durante o qual trabalhadores armados tomaram o controle das fábricas. Embora muito tenha sido escrito para destacar o aniversário de encerramento da Primeira Guerra Mundial, ou mesmo o 150º aniversário da unificação italiana, o Biênio Vermelho tem sido praticamente ignorado, mesmo por sindicatos italianos como a CGIL (Confederazione Generale Italiana del Lavoro) e a FIOM (Federazione Impiegati Operai Metallurgici), que, naquele momento, jogaram um papel central em tais eventos.
Decidir o que celebrar, quais aniversários merecem ou não destaque, nunca é uma escolha neutra. Cada época histórica reconstrói o seu passado, sua memória, revisitando-o de forma mais ou menos inconsciente para justificar o presente. Isso também está acontecendo hoje.
Isto explica o porquê, no contexto histórico da Itália de nossos dias, quando a elite dominante encoraja o fortalecimento do nacionalismo disfarçado de “soberania”, e as organizações tradicionais do movimento dos trabalhadores encontram-se dramaticamente enfraquecidas, o centenário doBiennio Rosso é uma lembrança incômoda do passado, a ser invocada apenas de passagem, ou simplesmente não sê-lo.
Pela mesma razão, enquanto eles estão tentando apagar a memória do Biênio Vermelho das escolas, universidades e do debate público, reescrevem o passado, apagando os crimes do fascismo.
Por cerca dos últimos vinte anos, ao menos na Itália, a história vem sendo revisada com o objetivo de atacar a Resistência, ao se equalizar os partisanos antifascistas com os combatentes da República Social Italiana (RSI), o Estado títere da Alemanha liderado por Mussolini. Nos escritos daqueles como Giampaolo Pansa, as responsabilidades históricas e morais dos fascistas estão escondidas atrás de seu “presumido idealismo e sua juventude”. Existem muitas publicações que ignoram, ou escondem, os crimes do colonialismo italiano, suas leis racistas, a invasão da Etiópia, Albânia, França, Grécia, Iugoslávia e da União Soviética pela Itália fascista, ou os crimes de guerra cometidos pelo Exército Real Italiano na Etiópia, a começar pelo uso de gás contra civis, assim como a responsabilidade do regime fascista pela deportação de judeusz italianos e daqueles que viviam em territórios militarmente subjugados pelo Eixo.
As origens do Biennio Rosso
Assim como para a Revolução Russa de 1917, a Revolução Húngara de 1919, ou a Revolução Alemã de 1918-1919, foram as consequências políticas e sociais da Primeira Guerra Mundial que prepararam o terreno para o Biênio Vermelho italiano.
A terrível carnificina levou à morte 651 mil soldados e, por fome e doenças, 589 mil civis. No total, isto equivalia a 3,5% da população italiana. Este quadro geral iguala o número de perdas registrado, por exemplo, pelos formalmente derrotados Impérios Centrais Alemão e Austro-Húngaro.
Mesmo esta imagem horrível não dá conta da tragédia que a Primeira Guerra representou para as massas populares, especialmente para os camponeses e operários das regiões mais pobres do país. A guerra se espalhou pelo país predominantemente agrário, que era governado por uma monarquia obtusa, reacionária e impopular que havia acabado de se tornar a autocracia de toda a Itália após a unificação nacional de apenas cinquenta anos antes.
Embora fosse oficialmente parte da aliança entre a Alemanha, Austro-Hungria e do Império Otomano, a Itália entrou na guerra ao lado da Tríplice Entente, França, Rússia e Inglaterra após o “Acordo de Londres” em maio de 1915. O pacto garantia que o imperialismo italiano receberia a sua parte no espólio assim que a guerra acabasse. O “espólio italiano” concentrou-se principalmente na região da Ístria e Dalmácia, as terras disputadas da atual Eslovênia, ocupadas então pelo Império Habsburgo.
Os “dias radiantes de maio”
A Itália diferiu da Alemanha e da França, onde, em 1914, as forças da socialdemocracia voltaram suas costas ao princípio do internacionalismo proletário e se aliaram às suas respectivas burguesias nacionais quando então, ainda que criticamente, o Partido Socialista Italiano (PSI) defendeu uma posição de neutralidade e condenou o massacre em curso desde o início das hostilidades.
Contudo, uma tendência nacionalista e intervencionista cristalizou-se no interior do PSI, a princípio com a defesa de uma “neutralidade ativa” contra o “militarismo alemão” que posteriormente tornou-se “intervencionismo”. Esta tendência era liderada pelo ex-editor do “Avanti”, o jornal do PSI, Benito Mussolini.
Tendo rompido com o socialismo, Mussolini e outros ex-integrantes do PSI, tais como o anterior sindicalista e deputado Alceste De Ambris, uniram forças com os nacionalistas liderados então pelo poeta popular Gabriele d’Annunzio e passaram forçosamente a uma campanha para que a Itália entrasse na guerra. Com este fim, lançaram o jornal diário “Il Popolo d’Italia” editado por Mussolini, que intensificou dramaticamente a propaganda intervencionista. ”Il Popolo d’Italia” era financiado a princípio por outros jornais burgueses tais como “Corriere Della Sera” e “Resto del Carlino”, e depois por importantes industriais, dentre eles os irmãos Perrone, proprietários da Ansaldo di Genova, que produziu 46% da artilharia utilizada pela Itália durante a guerra, e, finalmente, pelos serviços secretos da França e da Grã-Bretanha.
Um momento chave no desenvolvimento da campanha intervencionista foi a fundação doFascio d’Azione Rivoluzionaria (Fascio de Ação Revolucionária), fundado ainda em 1914, dado que Mussolini e De Ambris fundaram tal organização com o preciso objetivo de acelerar os preparativos para a entrada na guerra. O programa doFascio é publicado em 01 de Janeiro de 1915, no “Il Popolo d’Italia” e em alguns poucos meses osFasci conseguiram organizar 9 mil membros. Dos Fasci d’Azione Rivoluzionaria nascem osFasci Italiani di Combattimento (Fasci Italianos de Combate) em 1919, que se tornam o Partido Nacional Fascista em 1921.
Apesar dos desejos dos industriais, da monarquia e do exército que queriam entrar em guerra, era ainda necessário convencer o proletariado, da qual uma ampla maioria mantinha-se hostil, ou pelo menos pouco convencida em relação à intervenção. Em maio de 1915, chegou-se, assim, àqueles que passariam à história como os “dias radiantes de maio”, radiantes, como era evidente naquele momento, apenas para os belicistas e para os industriais do aço. Estes dias testemunharam uma clara contraposição entre duas frentes que se confrontavam repetidamente nas praças deixando mortos e feridos: de uma parte vinham os trabalhadores e as classes populares, em sua maioria socialistas que eram pela neutralidade, e de outra, os filhos das classes ricas, os socialistas renegados, os nacionalistas e os intelectuais futuristas que queriam a guerra pelos mais diversos motivos: seja por tédio ou por nacionalismo, seja porque havia interesses materiais em jogo. No maio de 1915, os belicistas prevalecem sobre o movimento pacifista.
Dessa maneira, enquanto a monarquia e o alto-comando deleitavam-se com seus planos de conquista, milhões de homens, comandados em sua maioria por oficiais piemonteses, que frequentemente não falavam nem entendiam os dialetos falados pelos soldados camponeses, foram forçados a lutar uma guerra que eles não queriam e nem entendiam.
Mal treinados e mal equipados, foram realmente utilizados como bucha de canhão pelos comandantes aristocráticos que impuseram o “Avanti Savoia” (“Avante Savoia”, a então família real italiana) como grito de guerra e forçaram milhões de homens a lançarem-se em assaltos sem sentido sobre posições austro-húngaras, geralmente defendidas por sérvios, croatas, eslovenos e romenos, no decorrer das doze batalhas do Rio Isonzo que se deram entre junho de 1915 e novembro de 1917.
Repartição pós-guerra
Formalmente uma das vencedoras da guerra, a Itália de 1918 era um país dramaticamente dividido. Aqueles que haviam lutado nas trincheiras lembravam-se do assédio sofrido nas mãos dos oficiais, os fuzilamentos pelos odiadosCarabineri e as punições exemplares. Eles lembravam-se do destino dos muitos que foram mortos em retaliação ou para manter o “rigor e a ordem” nas trincheiras. Lembravam-se do destino do jovem artilheiro Alessandro Ruffini, que foi espancado e depois fuzilado pelo general Graziani porque, durante uma inspeção, não tirou seu cigarro da boca. Depois da guerra, após as exaltações nacionalistas e o medo de uma invasão, milhões de homens retornaram para suas casas, seus campos e suas fábricas, trazendo consigo os sentimentos de ódio e brutalidade que os altos comandantes tinham evocado tão habilmente.
A Itália do pós-guerra ainda era fortemente agrária, o país teve de encarar o colapso da produção agrícola devido à redução no número de camponeses que caíram em batalha e à permanência de grandes latifúndios. Comparado a 1914, quando a produção de trigo era de 5,2 milhões de toneladas, em 1920 a Itália produziu quase 2,8 milhões de toneladas.
Como se não bastasse, a inflação alcançou níveis muito altos enquanto os salários mantiveram-se estáveis, tornando a vida impossível para milhões de italianos. Em 1918, os salários representavam apenas 64,6% do valor de 1913. Ao mesmo tempo, os grandes capitalistas e grupos industriais como Ansaldo, Breda ou Fiat, que enriqueceram a si próprios para além de todos os limites com gastos militares, continuavam a ditar a agenda política do governo.
Ao final da guerra, o descontentamento crescia na totalidade da classe trabalhadora, que retornou ao trabalho em condições muito difíceis e com salários de fome, e no interior do campesinato, para o qual foram feitas promessas de terra durante a guerra, mas que voltaram a trabalhar nas mesmas condições de antes como meeiros ou trabalhador rural.
Situação explosiva em desenvolvimento
No caldo deste descontentamento foram ainda lançados uma camada dos veteranos, soldados simples, mas sobretudo, suboficiais e oficiais, que não foram capazes de se reintegrar à vida civil e viam com terror misturado com ódio para com aqueles camponeses e trabalhadores socialistas que haviam sido contra a guerra durante a carnificina imperialista e com os quais eles haviam se enfrentado durante os “dias radiantes de maio”.
O conflito entre trabalhadores socialistas e anarquistas e os ex-combatentes e intervencionistas irrompeu em enfrentamentos violentos em Milão em 15 de abril de 1919. Naquela ocasião, ativistas dos primeiros movimentos futuristas e a primeira onda dos fascistas atuaram em conjunto e saltearam a sede jornal do PSI: o Avanti!
Isto criou uma situação explosiva. Um vasto e complexo movimento de massas que começou na primavera de 1919 e manteve-se até setembro de 1920, onde findaram-se algumas ocupações de grandes fábricas do norte da Itália.
Greves e ocupações
OBiennio Rosso foi um período de ações muito radicais, com numerosas greves e confrontos as quais, embora concentradas principalmente ao norte e centro da Itália, envolveram toda a península, do Piedmont no Oeste até a Sicília no sul. Operários e trabalhadores rurais exigiam maiores salários e melhores condições de trabalho. Às demandas puramente econômicas foram logo adicionadas reivindicações políticas gerais. Quando chegaram as notícias da Rússia de que com a revolução os camponeses haviam adquirido terras, eles começaram a exigir a tomada das terras também.
O Biennio Rosso foi o nascimento, na Itália, de um movimento revolucionário diretamente inspirado na Revolução Russa de Outubro de 1917. “Fazer como na Rússia” se tornou o lema dos setores mais avançados do movimento de trabalhadores italianos.
Na realidade, já em 1917 houve episódios semi-insurrecionais organizados no norte e no sul do país em solidariedade com a revolução bolchevique. Eles levaram a ocupações temporárias de terras, as quais intensificaram-se e foram generalizadas dois anos depois. Embora majoritariamente em províncias do norte da Emília-Romanha, Vêneto e Lácio também houve lutas importantes envolvendo veteranos organizados pela ocupação de terras virgens nas regiões sulistas da Apúlia, Calábria e Sicília.
Em Turim, os trabalhadores ocuparam as fábricas da FIAT, o orgulho e alegria do capitalismo italiano. Nas fábricas ocupadas, conselhos operários eram formados, democraticamente eleitos pelos próprios trabalhadores espelhados nos sovietes russos. Os trabalhadores reivindicavam controlar a produção. Nas fábricas ocupadas, foram formados destacamentos armados de trabalhadores, a assim chamada Guarda Vermelha, que defendia as ocupações contra o exército e os esquadrões fascistas, e estavam se preparando para a insurreição. O marxista Antonio Gramsci jogou um papel de liderança no movimento dos conselhos operários em Turim e apelava repetidamente no jornal “Ordine Nuovo” para estender esta rede de conselhos operários que estavam se tornando elementos embrionários de um duplo poder.
Contradições no interior do PSI
Do ponto de vista político, os trabalhadores e camponeses eram representados pelo PSI, dentro do qual coexistiam uma ala de direita e uma ala revolucionária. O PSI foi empurrado para a esquerda imediatamente após a guerra. Esta virada significativa no centro gravitacional político do PSI foi determinado, por um lado, pela vitória da Revolução Russa e, por outro, pela força crescente da base socialista a qual, radicalizada pelas condições do pós-guerra, procurava por soluções para romper com o capitalismo.
Esta radicalização resultou em um espetacular crescimento do PSI de 24 mil membros em 1918 para mais de 200 mil em 1920. Ao mesmo tempo, os sindicatos cresceram: a CGIL podia contar com mais de 2 milhões de membros, enquanto os anarquistas da União Sindical Italiana organizavam não menos que 800 mil membros.
Durante o seu XVI congresso sediado em Bolonha, entre 05 e 08 de outubro de 1919, o PSI aprovou por maioria as propostas da ala radical do partido, dirigida por Giacinto Serrati, que defendia que o PSI ingressasse na III Internacional. Os moderados de Filippo Turati sofreram uma derrota retumbante.
A adesão à Terceira Internacional, explicou Gramsci, havia ocorrido sem uma real compreensão política das implicações. A liderança do partido continuava dominada por uma tendência de fazer concessões políticas a fim de manter a unidade do partido com os reformistas.
No interior do PSI, uma ala abertamente comunista também se desenvolveu em 1919, à qual pressionou para que fossem expulsos os reformistas de Turati do partido, seguindo as recomendações de Lenin. Nisto estava inclusa a tendência marxista revolucionária do PSI, agrupada em torno de Antonio Gramsci, que lançou seu jornal “L’Ordine Nuovo” em Turim, em 1919, e que jogou um papel crítico nas ocupações de fábricas. A eles uniu-se, no sul da Itália, Amedeo Bordiga, que dirigia a ala revolucionária do partido, agrupada em torno do semanário “Il Soviet”. Os “centristas” de Serrati compartilhavam posições revolucionárias de Gramsci e Bordiga, mas não queriam expulsar os reformistas do partido, permaneciam reféns de Turati e não eram capazes de elaborar uma estratégia revolucionária.
Nas eleições de novembro de 1919, o PSI terminou em primeiro lugar, obtendo 32,4% dos votos. O sucesso eleitoral dos socialistas foi diretamente ligado à radicalização do movimento dos trabalhadores e camponeses durante oBiennio Rosso. Apenas em 1919 houve mais do que 1,8 mil greves, envolvendo mais de 1,5 milhões de grevistas.
Conflito aberto de classes
Em 1920, houve mais de 2 mil greves envolvendo em torno de 2,5 milhões de pessoas. O movimento revolucionário culminou em setembro de 1920, com a maioria das fábricas metalúrgicas do norte da Itália ocupadas pelos operários. As ocupações envolviam em torno de meio milhão de trabalhadores. Em resposta, a Confederação Geral da Agricultura, unindo agricultores e senhores de terras, e a Confindustria, o sindicato dos então 11 mil industriais, desenvolveram estruturas nacionais e organizações em 1920.
Em junho de 1920, atiradores de elite do regimento Bersaglieri iniciaram uma revolta em Ancona. A sua ação foi precedida pela rebelião de um grupo de tropas de assalto que se amotinaram contra seus oficiais quando estavam para embarcar para a Albânia, que estava sob ocupação militar italiana. Da Ancona, a revolta espalhou-se pelas Marcas, Úmbria e depois Roma. Ferroviários entraram em greve para impedir que o Exército Real intervisse, mas a revolta foi eventualmente sufocada pela marinha, que interviu para bombardear a cidade.
O clímax doBiennio Rosso foi alcançado em 29 de março de 1920, quando 1,2 milhão de trabalhadores iniciaram uma greve envolvendo todas as oficinas metalúrgicas de Turim. Os industriais responderam com umlockout e exigiram a dissolução dos conselhos operários. No entanto, à altura de setembro, todas as companhias metalúrgicas do norte do país haviam sido ocupadas, envolvendo meio milhão de trabalhadores. Nestas fábricas, a produção continuou gerida pelos comitês de trabalhadores, que também controlavam o fornecimento e mantinham contato com as demais fábricas envolvidas na luta. No mês que se seguiu, a greve foi estendida e generalizada para os setores químico, da imprensa e da construção e ultrapassou as fronteiras do Piedmont com greves de solidariedade organizadas pela classe trabalhadora em Florença, Livorno, Bolonha e Gênova.
Para responder à ameaça da revolução e pôr um fim ao movimento de ocupações, o primeiro ministro Giolitti enviou 50 mil soldados para Turim. Isolado, sem lideranças, sem armas e sob ameaças, os trabalhadores de Turim se renderam e deixaram as fábricas que eles tinham ocupado.
Em 19 de setembro de 1920, a CGIL aprovou um acordo com a Confindustria. Este acordo garantiu aumento de salários e outras melhorias nas condições dos trabalhadores, mas também garantiu que as fábricas ocupadas pelos trabalhadores seriam evacuadas. O PSI e os dirigentes sindicais eventualmente capitularam e o movimento revolucionário foi derrotado. O movimento dos trabalhadores italianos nunca se recuperou desta derrota: a partir de então, eram os chefes que tomavam a iniciativa, financiando as forças reacionárias, primeiramente o Partido Nacional Fascista para derrotar a classe trabalhadora, a qual acabava de oferecer um exemplo extraordinário de autogestão e disciplina revolucionária.
O fracasso na direção
Uma das razões para a derrota do movimento dos trabalhadores foi a inabilidade da direção política e sindical do movimento para estendê-lo e fortalecê-lo. Dominado como estava por conflitos internos entre sua ala revolucionária e a reformista, o PSI era incapaz de fazer avançar propostas concretas e plausíveis.
Em outras palavras, em seus jornais e seus discursos no parlamento, ele defendia uma perspectiva revolucionária, mas na realidade implementava uma política que tinha como objetivo obter reformas para a classe trabalhadora. Na realidade, estava mais preocupado que o desenvolvimento de um movimento revolucionário radical pusesse em risco as suas posições e seu lugar na mesa de negociações com o governo e os industriais.
O PSI aplicava uma política centrista no sentido de que sua fraseologia revolucionária era acompanhada de uma política reformista de conciliação de classes. Seu uso de uma fraseologia revolucionária, inicialmente gerou entusiasmo, mas, posteriormente, grande frustração entre as massas. O PSI se provou incapaz de jogar um papel dirigente de se orientar, por exemplo, no sentido daqueles setores dos veteranos de guerra, que tinha se tornado radicalizados em relação a questões como terra e salários do período anterior. Além disso, o partido de Serrati fracassou em encontrar um diálogo com as massas camponesas do sul da Itália, que foram deixadas sem direção política, sem laços e sem contatos com o movimento revolucionário das fábricas do norte.
Por sua vez, a CGIL não se moveu para generalizar as greves ou para fortalecer a atividade de solidariedade com os grevistas que estavam se desenvolvendo em muitas regiões italianas.
O uso burguês dos fascistas
No decorrer destes meses insurrecionais, a burguesia italiana estava seriamente amedrontada de que seria arrancada do poder. Se isto não aconteceu, foi apenas por conta do despreparo e rendição dos líderes da classe trabalhadora. Nas eleições locais de 1920, o PSI obteve relativo sucesso. Ele conquistou, entre outras coisas, a maioria das administrações municipais na Emília-Romanha e na Toscana. Nestas regiões, os senhores de terras e os patrões começaram a mobilizar as forças da reação e os elementos jovens humilhados e desclassados a procura de “ação”, que estavam se movendo em direção ao Partido Fascista.
A partir de 1920, os bandos fascistas, com o apoio dos latifundiários e dos industriais, atacavam as sedes dos sindicatos e dos partidos de esquerda, da mesma forma como salteavam e assassinavam trabalhadores rurais e operários grevistas, sindicalistas, e os militantes socialistas e comunistas.
Os senhores de terra forneciam fundos e recursos, dentre estes, os caminhões com os quais os bandos fascistas eram levados até comunas socialistas para assaltos relâmpagos nas casas de pessoas e nas ligas camponesas. Frequentemente estas incursões terminavam com assassinatos brutais de dirigentes socialistas, e isto teve o efeito de aterrorizar os camponeses e os trabalhadores comuns.
De sua parte, as forças da burguesia liberal trabalhavam para construir, nestas mesmas eleições, “blocos nacionais” com todas as forças hostis ao socialismo. Legitimando, por esta via, o Partido Nacional Fascista, elas preparam as condições, incluindo o apoio da monarquia e da maioria do Partido Popular, para a “Marcha sobre Roma”, o golpe de Estado de 28 de outubro de 1922.
Os fascistas tinham o apoio financeiro do grande capital, mas sua base social continuava a ser principalmente a classe média, e aqueles elementos da pequena burguesia que haviam sido empobrecidos por conta da crise econômica e encontravam-se frustrados com os resultados do Biennio Rosso.
Em janeiro de 1921, o Partido Comunista da Itália (PCI) foi finalmente fundado, após a ruptura da ala revolucionária do PSI, dirigida por Gramsci e Bordiga. O PCI, a seção italiana da Internacional Comunista, apareceu quando a poderosa onda do movimento da classe já havia passado, quando o movimento dos trabalhadores italianos encontrava-se profundamente enfraquecido e o fascismo se preparava para tomar o poder.
Apesar da fragorosa derrota do movimento dos trabalhadores italianos, os fascistas ainda encontraram forte resistência por parte dos militantes de esquerda, que geralmente se opunham aos seus ataques violentos com armas nas mãos durante os “Biênio Negro”. Inicialmente, a resposta dos antifascistas foi desorganizada e insuficiente, mas no verão de 1921, o anarquista Argo Secondari, que havia sido um soldado na I Guerra Mundial, fundou o ‘Arditi del Popolo‘, destacamentos armados compostos fundamentalmente por trabalhadores e ex-soldados, que tinham como tarefa a defesa do movimento dos trabalhadores contra os bandos fascistas. Era uma verdadeira frente única das forças de esquerda que brotou espontaneamente e agrupava principalmente militantes socialistas, comunistas e anarquistas.
Os trabalhadores enfrentam os fascistas
O socialista revolucionário de Parma, Guido Picelli, que anos mais tarde lutou com os republicanos na Guerra Civil Espanhola, uniu-se a Secondari como um dos dirigentes deste movimento antifascista. Lenin, nas páginas do Pravda, escreveu entusiasticamente sobre a fundação dos “Arditi del Popolo”, que conseguiram conter os esquadrões fascistas pelo menos até a Marcha sobre Roma. Toda vez que os fascistas atacavam a sede de um sindicato, uma cooperativa, a casa de alguém, uma greve de trabalhadores e assim por diante, os “Arditi del Popolo” defendiam seus camaradas com armas nas mãos. Contavam-se mortes de ambos os lados. Não era incomum os fascistas serem forçados a fugir.
Ao fim de julho, os sindicatos e os partidos de esquerda convocaram uma greve por toda a Itália, contra os fascistas e contra a cumplicidade do Estado e da polícia com suas ações violentas. A greve foi particularmente bem apoiada e efetiva em Parma. Na medida em que o governo era relutante a reprimir a greve, os fascistas se organizaram para tal. Por volta de 10 mil esquadristas fascistas, sob o comando de Italo Balbo, abriram caminho até Parma para dar uma lição nos trabalhadores que ousavam fazer uma greve. Os “Arditi del Popolo”, liderados pelo lendário Guildo Picelli, organizaram com maestria para defender a a cidade e, por alguns dias, forçaram os fascistas a bater em retirada. Eles sofreram muitas baixas.
Os “Arditi del Popolo” demonstraram, que apesar da derrota do Biennio Rosso, ainda era possível construir uma oposição ao fascismo. Dezenas de milhares de trabalhadores estavam prontos a se defender contra os fascistas com armas em suas mãos. Infelizmente, estes grupos de autodefesa antifascista encontravam oposição pela direção do Partido Comunista Italiano, que tinha uma posição ultraesquerdista e sectária, rejeitando a necessidade de uma frente única antifascista com outras forças da classe trabalhadora e da esquerda. Lenin sugeriu que o PCI deveria dar apoio ativo aos “Arditi del Popolo”, mas, desgraçadamente, Bordiga discordava e as recomendações do dirigente bolchevique foram ignoradas. Gramsci era próximo da posição de Lenin e da Internacional Comunista, mas ele não tinha a força para enfrentar a direção ultraesquerdista e sectária de Bordiga, efetivamente sucumbindo à ela. Apesar disto, muitos trabalhadores comunistas participaram ativamente dos grupos de defesa antifascista, lado a lado com militantes socialistas e anarquistas. Infelizmente, o sectarismo do PCI combinou com o oportunismo do PSI, os “Arditi del Popolo” eventualmente provaram-se incapazes de resistir à violência fascista e a “Marcha sobre Roma” tornou-se inevitável.
Lições para hoje
A ascensão do fascismo na Itália foi uma consequência do fracasso do Biennio Rossoe dos erros dos partidos de esquerda e dos sindicatos. O movimento dos trabalhadores atual deveria aprender a partir daí que, caso ele se prove incapaz de oferecer uma solução para a crise do capitalismo, e de lutar pela conquista do poder, ele não atrairá a pequena burguesia empobrecida para o seu lado.
Esta última tenderá a mover-se para a direita, tornando-se hostil à classe trabalhadora, acreditando que ambas não possuem mais nada em comum.
Nos anos 1920, o fascismo explorou este ódio e frustração da classe média para utilizá-lo contra a classe trabalhadora e o movimento socialista, em vantagem das grandes empresas. Hoje, não há o risco do retorno do fascismo ao poder na Itália, se não por outra razão, pelo fato de que não houve qualquer Biennio Rosso e não há, neste momento, uma classe trabalhador em luta a ser atomizada.Contudo, mesmo hoje, testemunhamos um profundo declínio de setores das classes médias em direção à absoluta pobreza. Este declínio toma lugar em um contexto de estagnação das lutas e completa ausência de um ponto de referência político geral para a classe trabalhadora. No mundo de hoje, a radicalização da pequena burguesia causada pelas condições sociais, poderia ser expressada por soluções radicais da direita. Para evitar este cenário, as forças do movimento dos trabalhadores deve impulsionar imediatamente uma alternativa coerente e nitidamente socialista para os desastres que o capitalismo cria e fracassa em resolver.