O capital avança sobre a infraestrutura brasileira e conta com apoio do Governo Federal

Foto: Ricardo Stuckert /PR

O governo Lula tem se caracterizado por sua postura de não enfrentamento aos interesses da elite econômica do país. Uma tática de conciliação com os setores do capital que, de certa forma, estiveram no próprio nascimento do governo. Um dos traços em que isto tem se tornado mais aparente é em sua política para a gestão da infraestrutura nacional. 

Desde o princípio do governo, os anúncios que diziam respeito ao novo PAC trouxeram estes traços. O programa surgiu já com a proposta de ampliar a participação do setor privado, através das parcerias público-privadas, nestas áreas. Isto independente da proposta de campanha de reverter a privatização da Eletrobrás durante o governo Bolsonaro. 

Áreas diretamente citadas foram os transportes e o saneamento. Algo que, como mínimo, deixou rendidas as organizações da classe trabalhadora que apoiaram a eleição de Lula. Ao mesmo tempo, estas entidades enfrentam, no plano estadual, duras batalhas contra políticas de privatização de empresas de água e esgoto, assim como de empresas estatais de transportes coletivos. É o caso, por exemplo, do enfrentamento às políticas do governador de extrema direita Tarcísio de Freitas, em São Paulo. Assim foram realizadas as importantes greves de 2023 em SP contra a privatização da Sabesp, mas que contaram com a solidariedade ativa de trabalhadores do Metrô SP e da CPTM. 

Tarcísio de Freitas chegou a declarar que seu desejo era de que São Paulo se tornasse o estado com a infraestrutura “mais privatizada do país”. Este ano, além de nova rodada de leilão da CPTM, ele deve avançar no plano de privatização do serviço de balsas no litoral, bem como na entrega de cerca de 1800 km de estradas para os mesmos monopólios de sempre. 

Mas para chegar ao objetivo de ser o maior privatista do país, Tarcísio enfrenta dois obstáculos. O primeiro é a resistência das categorias diretamente afetadas por esta política. Além do descontentamento popular no estado, que tem se tornado maior com o aumento de cobranças nas contas de água e os péssimos serviços, como é o caso do fornecimento de energia elétrica. 

O segundo obstáculo, contudo, é a concorrência com o governo federal, que tem se esforçado para ocupar o lugar no pódio almejado por Tarcísio. De certa maneira, a corrida mira já a disputa eleitoral de 2026, com o Lula e o PT buscando a reedição da Frente Ampla vitoriosa (eleitoralmente) em 2022. Isto é o que se pode pressentir pelas recentes declarações do Ministro de Transportes, e ex-governador de Alagoas, Renan Filho (MDB), o qual afirmou que “para o PT, o presidente Lula não é de esquerda”. Um evidente aceno ao “centro político”, e à continuidade da política de subserviência aos principais interesses burgueses. Neste sentido que o governo, ainda em sua transição, apresentou um constrangedor cartão de visitas quando confirmou a privatização do Metrô de Belo Horizonte realizado ainda por Bolsonaro já no apagar das luzes de seu mandato.

Há, além disso, fortes interesses econômicos pressionando por uma política de profunda entrega da infraestrutura nacional para a iniciativa privada. Tendo avançado bastante na área energética e, mais recentemente com o Marco do Saneamento, nos serviços de água e esgoto, os transportes parecem ser o alvo do ano. 

A dependência logística do capitalismo atual e do particular modelo de capitalismo agroexportador brasileiro, faz crescer o olho de grandes capitais sobre esta área. Ao mesmo tempo, o próprio agronegócio tem enviado constantes alertas de que pode enfrentar um gargalo para o escoamento de sua produção no próximo período, declarando que, por exemplo, os terminais graneleiros do país já operam com 91% de sua capacidade, o que é considerado inseguro. De igual forma, têm pressionado por redução de custos logísticos a partir da redução da dependência do transporte rodoviário e maiores investimentos em ferrovias. 

O governo federal tem se mostrado disposto a atender esses interesses. Assim que o Ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, membro do mesmo partido de Tarcísio de Freitas (Republicanos), declarou: “Este novo ano tem tudo para ser o maior ano das concessões portuárias da história do Brasil”. 

O plano para 2025 do governo tem envolvido a concessão de 15 estradas (7 renovações, 8 novos trechos); 21 terminais portuários; 51 terminais aéreos de pequeno porte; cerca de 4700 km de vias férreas. A política deve permanecer ao longo de 2026, com Renan Filho já tendo declarado o desejo de entregar 40 concessões rodoviárias até o final do mandato. A concessão de hidrovias é outra coisa no radar, com a preparação da entrega da Hidrovia do Rio Madeira. Também estão na mira transportes de passageiros, como é o caso dos metrôs de Recife e de Porto Alegre, ambos vinculados à federal CBTU. 

Também nesta área, a burguesia tem apresentado uma postura de chantagens e exigências maiores como tem feito com a política macroeconômica no geral. Frente à conjuntura do país, com altas taxas de juro e inflação, o capital do setor tem exigido maiores garantias sobre os contratos por parte do governo. E este tem declarado que vai atender!

Mudanças regulatórias já foram realizadas no que diz respeito aos fundos privados de investimentos em infraestrutura tornando mais vantajosas as regras fiscais impostas sobre eles. O aumento das concessões e esta alteração legal fizeram com que esses fundos tenham tido um crescimento vertiginoso de 700% em 2023! 

O governo estuda a instituição de um índice específico de cálculo para a inflação do setor, o que os investidores entendem ser um requisito para melhor proteção do equilíbrio econômico dos contratos de concessão. Igualmente, mudanças nas regras legais tanto das PPP’s, quanto das chamadas “concessões comuns” para facilitar o que for possível para o setor privado estão em discussão. Alterações que devem apontar para maiores possibilidades de aportes de dinheiro público para investimento nos setores privatizados, maior participação do poder público nos riscos do negócio, especialmente pensado no que diz respeito a efeitos da crise climática, permissão para que fundos constitucionais sirvam como garantia dos contratos, permissões para que os concessionários cessem a prestação de serviços no caso da não prestação de aportes por parte do poder público, etc.

A esses elementos combinam-se os conhecidos níveis de precarização do trabalho aplicados por estas empresas quando comparadas às garantias salariais e trabalhistas do setor público. As taxas de retorno (lucro) prometidas a partir daí tornam o negócio atraente para conhecidos monopólios como a CCR, a Vale e a MRS; além de abrirem as portas para o capital estrangeiro ávido para atuar no setor de infraestrutura brasileiro (e latino americano em um quadro mais amplo), como vem sendo o caso da chinesa CRCC, ou da espanhola Acciona, que já vem se posicionando na instalação de uma linha do metrô de São Paulo.

A infraestrutura é efetivamente um dos elementos cruciais de qualquer país. Ela poderia servir ao governo como a base de uma política estrutural de de obras e investimentos públicos, ampliando a participação estatal no setor, garantindo direitos, serviços de qualidade e abastecimento para a população. Em um momento em que a inflação dos alimentos atinge em cheio a mesa da classe trabalhadora, um plano estratégico e soberano para a infraestrutura que pressionasse o país a reverter sua estrutura agroexportadora deveria ser a estratégia seguida por um governo que se diz preocupado em “combater a desigualdade”. Some-se a isto os evidentes impactos ambientais e climáticos que a entrega da infraestrutura e dos investimentos de ampliação da mesma ao setor privado causarão e que poderiam ser evitados por um planejamento estatal sério. 

Isto não é possível sem a ruptura com a grande burguesia e, consequentemente, com a linha econômica de austeridade fiscal imposta pela mesma. Não é à toa que na grande mídia se pode ver (com certa timidez, é certo) a comparação direta entre os R$ 71 bilhões de concessões realizados nos primeiros dois anos do governo de “centro esquerda” de Lula, contra os “apenas” R$ 34 bilhões de concessões da primeira metade do governo Bolsonaro. A comparação ganha peso pelo fato de que Tarcísio de Freitas era o ministro bolsonarista responsável pelas concessões de infraestrutura.

O aprofundamento desta política de conciliação e subserviência aos interesses burgueses no país não pode levar a outro caminho que não o de que o governo aplique as mesmas medidas que a extrema direita. Justamente o setor político que diz combater. Ao contrário do que se pensa, de maneira alguma isto fortalecerá os setores populares que efetivamente se enfrentam com a mesma.

A única saída efetiva está na luta por mudanças estruturais no país e, para tanto, é necessária a mobilização independente da classe trabalhadora e dos setores populares e oprimidos diretamente atingidos. Hoje, tornou-se impossível construir esta luta e este polo de resistência sem que se rompa com o campo político organizado em torno do governo.

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