80 anos da morte de Trotsky
Há 80 anos, em 20 de agosto de 1940, sob as ordens de Stálin, Ramón Mercader atingiu mortalmente Leon Trotsky na cabeça pelas costas com uma picareta. No dia seguinte o velho revolucionário russo morreu como consequência do golpe. A 13ª tentativa de assassinato contra Trotsky finalmente atingiu seu objetivo.
A seu secretário Joseph Hansen, Trotsky pronunciou suas últimas palavras: “Estou convicto da vitória da Quarta Internacional – siga em frente.”Em 22 de agosto, o corpo foi enterrado – 300 mil trabalhadores mexicanos marcharam por cinco dias.
Trotsky, junto com Lenin, foi o principal líder da Revolução Russa e estava no México como exilado político. Em 1929, ele foi expulso por Stalin à cabeça da burocracia que usurpou o poder no país dos sovietes. Depois de alguns anos na Turquia, na França e na Noruega, ele recebeu asilo no México em 1937.
Quem foi Trotsky e qual é a relevância de suas ideias hoje?
Lev Davidovich Bronstein, o nome verdadeiro de Trotsky, nasceu em 1879, na Ucrânia. Aos 17 anos tornou-se revolucionário e aos 18 marxista. Depois de menos de dois anos de atividade, ele foi preso por dois anos e meio. Ele foi então deportado para a Sibéria, mas fugiu para o exterior após dois anos. Juntou-se ao grupo em torno do jornal Iskra, liderado por Lênin, que lutou pela construção de um partido centralizado e coeso dos diversos grupos e círculos de estudos social-democratas, para poder intervir de forma mais efetiva na luta.
Em 1903, a social-democracia russa se dividiu durante seu segundo congresso. Isso se deveu a uma polêmica aparentemente menor sobre o estatuto, mas revelava uma divisão mais profunda no movimento de trabalhadores entre revolucionários e reformistas. Os bolcheviques (a maioria), liderados por Lenin, entenderam que somente um movimento de trabalhadores socialista independente, liderado por um partido revolucionário coeso, poderia liderar a revolução de trabalhadores e camponeses, enquanto a burguesia liberal quando chegasse a uma crise revolucionária teria mais medo da classe trabalhadora do que da reacionária classe proprietária de terras, com a qual estavam ligados por mil laços. Por outro lado, os mencheviques (“minoria”) consideravam que os burgueses liberais deveriam ser apoiados com o objetivo de iniciar um desenvolvimento capitalista democrático, devido ao atraso da Rússia.
A posição dos mencheviques se aproximava dos reformistas internacionalmente. Na direção dos partidos social-democratas surgiu uma burocracia que não acreditava em uma mudança revolucionária da sociedade, mas se contentava em ser parlamentares, editores de jornais, etc.
O socialismo tornou-se uma meta distante que deveria ser alcançada em pequenos passos por meio de reformas, em colaboração com liberais “progressistas”. Essa contradição explodiu com força total com a Primeira Guerra Mundial. Os líderes da maioria dos partidos social-democratas traíram as decisões anteriores de ir contra a guerra imperialista e apoiaram suas próprias classes burguesas, com os bolcheviques russos como a força dirigente da pequena minoria de internacionalistas. Isso levou ao colapso da Segunda Internacional.
Após a divisão em 1903, Trotsky, apesar de ser politicamente mais próximo dos bolcheviques, acabou entre os dois campos na tentativa de reuni-los. Por um breve período, ele foi membro dos mencheviques, mas rompeu com eles em abril de 1904, na questão da atitude para com os liberais e os bolcheviques. A esperança de Trotsky de reunificação revelou-se infrutífera, o que ele mais tarde reconheceu.
“Desde então, não houve melhor bolchevique”, afirmou Lenin em 1917, o que também se aplica em resposta à calúnia stalinista contra Trotsky: que seu longo período fora dos bolcheviques provaria seu “antibolchevismo”. Na verdade, Joseph Stalin e outros na liderança bolchevique defenderam a reunificação com os mencheviques até setembro de 1917, quando os mencheviques estavam do outro lado das barricadas.
A revolução de 1905
Em 1905, estourou a primeira revolução russa. A Rússia havia perdido a guerra contra o Japão em 1904-05, o que aumentou o descontentamento e polarização social e, ao mesmo tempo, revelou o enfraquecimento do czarismo. Protestos dos trabalhadores eclodiram, inicialmente como um protesto inocente liderado pelo padre Gapon, mas a manifestação pacífica em 9 de janeiro de 1905 foi respondida com fogo. O “domingo sangrento” foi o início de um movimento de greve que se tornou um movimento revolucionário, principalmente em São Petersburgo.
Trotsky estava então no exílio, mas foi para a Rússia em outubro quando ouviu notícias da revolução. A conquista mais importante da revolução de 1905 foi a nova formação que liderou o levante em São Petersburgo: o “soviete”. Foi um conselho onde os representantes dos trabalhadores foram eleitos para organizar o movimento grevista. Depois que o primeiro presidente foi preso, Trotsky se tornou presidente e liderou o soviete até que ele foi esmagado após 52 dias. Os bolcheviques desempenharam um papel menor durante a revolução de 1905-06. Antes de Lenin voltar do exílio, eles não haviam entendido a importância do soviete e o rejeitaram. Lenin nunca interveio diretamente nas reuniões do soviete em 1905, contente com a forma como Trotsky estava conduzindo ele. Lenin mais tarde afirmou que “sem o ensaio geral em 1905, a vitória da Revolução de Outubro de 1917 teria sido impossível”.
Durante 1905-06, Trotsky escreveu “Resultados e Perspectivas” sobre como as lições da revolução para movimentos futuros. Esse texto continha sua primeira grande contribuição teórica ao marxismo: a teoria da revolução permanente. Trotsky viu que embora a Rússia não tenha se livrado do feudalismo e criado uma classe capitalista moderna, a burguesia era incapaz de desempenhar um papel progressista, como os franceses fizeram durante a revolução de 1789-93. Por isso seria totalmente errado colaborar e se subordinar aos liberais ou outros burgueses “democráticos”, como defendia os mencheviques.
Em vez disso, era a classe trabalhadora que, reunindo atrás de si as massas pobres do campo, completaria as tarefas democrático-burguesas: reforma agrária, a questão nacional, democracia, varrer o antigo estado feudal, etc. Essas tarefas teriam que estar ligadas à tarefa histórica da própria classe trabalhadora: a revolução socialista, que, especialmente em um país subdesenvolvido como a Rússia, estava vinculada à vitória da revolução no resto do mundo.
A teoria da revolução permanente de Trotsky é uma das grandes contribuições para o pensamento marxista e é igualmente relevante hoje para os países subdesenvolvidos dominados pelo imperialismo.
Os partidários de Stalin mais tarde afirmariam que Lenin se opôs à teoria da revolução permanente. A verdade é que a formulação anterior de Lenin da “ditadura democrática dos trabalhadores e camponeses” foi um tanto imprecisa. Não indicou qual classe teria o papel decisivo. Em suas teses de abril, escritas em 1917, Lenin deixou claro que a tarefa dos bolcheviques era preparar a classe trabalhadora para a tomada do poder. A reação dos “velhos bolcheviques”, influenciados pelas ideias mencheviques sobre a natureza democrática (isto é, burguesa) da revolução russa, foi que Lenin “enlouqueceu”. Como Trotsky explicou no livro “A história da Revolução Russa”:
“O trotskismo significava a ideia de que o proletariado russo poderia tomar o poder antes do proletariado no Ocidente, e que nesse caso não poderia se contentar com o limite estabelecido por uma ditadura democrática, mas seria forçado a tomar as primeiras medidas socialistas. Portanto, não é surpreendente que as teses de Lenin de abril tenham sido condenadas como trotskistas. “
A revolução de 1917
A teoria da revolução permanente foi plenamente confirmada em 1917,quando centenas de milhares de trabalhadores russos, liderados pelas mulheres, se levantaram em fevereiro, derrubando o czarismo. Mas apesar da revolução ser levada a cabo pela classe trabalhadora, foram os representantes da covarde burguesia russa que chegaram ao poder. Os mencheviques, que nessa época tinham uma influência muito maior do que os bolcheviques, entregaram o poder à “burguesia liberal”, que segundo a teoria dos mencheviques deve liderar a “revolução democrática”. Uma série de governos de coalizão burguesa, com a participação dos mencheviques, não resolveu nenhum dos problemas mais gritantes: terra para os camponeses, fim da guerra e comida para o povo. Isso levou à necessidade de uma outra revolução, a Revolução de Outubro, que pela primeira vez na história levou ao poder a classe trabalhadora.
Trotsky estava no exílio por 10 anos quando voltou em maio de 1917. Após sua chegada, juntou-se aos bolcheviques. Lenin e Trotsky tinham a mesma visão da revolução, e Trotsky entendia que apenas os bolcheviques poderiam liderá-la. Trotsky foi imediatamente eleito para a direção do partido bolchevique. Por outro lado, Lenin, com suas teses de abril, por exemplo, teve que travar uma forte luta dentro do partido para conseguir a maioria para sua linha.
Quando os bolcheviques conquistaram a maioria no soviete de Petrogrado em setembro (a cidade substituiu o nome “São Petersburgo”, que soava alemão, durante a guerra), Trotsky tornou-se presidente. Ele liderou pessoalmente o levante de outubro como presidente do Comitê Revolucionário Militar do soviete. Quando o novo governo de trabalhadores (o Conselho dos Comissários do Povo) foi formado, ele se tornou o Comissário do Povo para as Relações Exteriores, com responsabilidade por um dos principais temas da revolução – a paz. Ele desempenhou um papel proeminente na fundação da Terceira Internacional, o Comintern, e escreveu vários de seus principais documentos. Com a guerra civil e a tentativa de contrarrevolução, quando 21 exércitos estrangeiros de 14 países invadiram a União Soviética, foi Trotsky quem recebeu a tarefa de construir o Exército Vermelho, como Comissário de Guerra.
O jovem estado de trabalhadores mal havia sobrevivido à guerra civil, quando uma nova grande ameaça à revolução surgiu com a crescente burocratização. É contra toda teoria marxista afirmar que havia “socialismo” na União Soviética. O país estava em um período de transição para o socialismo, que só se concretizaria com a vitória da revolução internacional. O socialismo deve ser construído em um nível superior ao dos estados capitalistas mais avançados. É somente com a abolição da fome, da pobreza e da privação geral que uma sociedade baseada na solidariedade humana pode ser construída e a sociedade de classes abolida. Mas a onda revolucionária após a Primeira Guerra Mundial retrocedeu após várias derrotas, como na Alemanha, Finlândia e Hungria. A traição da liderança social-democrata e a inexperiência e imaturidade dos novos partidos comunistas fizeram com que várias oportunidades para os trabalhadores tomarem o poder escapassem de suas mãos. Isso levou a revolução a ficar isolada em um país subdesenvolvido.
A degeneração da revolução
A União Soviética foi devastada após a guerra civil. Após as guerras mundial e civil, a renda nacional russa retrocedeu a um terço do nível de 1913, a indústria produziu menos de um quinto, as minas de carvão menos de um décimo e as siderúrgicas quarenta vezes menos do que produziam em 1913! Grande parte dos melhores lutadores operários havia morrido. Os trabalhadores industriais – a espinha dorsal da revolução e do Partido Bolchevique – foram reduzidos pela guerra civil a 30 por cento de seu número anterior. Milhões haviam perecidos na guerra mundial, guerra civil e embargo de fome imposto pelos países capitalistas. A democracia trabalhista foi restringida em vários aspectos devido às condições extremas durante a guerra civil. A esperada ajuda das revoluções no Ocidente não se concretizou, o que desmoralizou as massas.
Nessas condições, uma burocracia começou a surgir. Alfabetização e nível de educação eram baixos. Muitos administradores e especialistas tiveram que ser resgatados do antigo aparato de estado. Trotsky descreveu desta forma:
“Em um país pobre – e a União Soviética ainda é um país muito pobre, onde um quarto privado, comida e roupas suficientes estão ao alcance de apenas uma pequena minoria da população, milhões de burocratas, pequenos e grandes, cada um se esforça para garantir, acima de tudo, seu próprio bem-estar! “
A burocracia emergente encontrou um excelente representante em Stalin. Era um líder de segunda classe que desprezava a teoria, carecia de linha política e não hesitava em nomear cargos com base em lealdades pessoais.
Logo no início, Lenin viu a ameaça da burocracia, especialmente da burocracia liderada por Stalin como secretário-geral. Lenin sugeriu que Trotsky se juntasse a um bloco contra essa burocracia. Ele preparou uma “bomba” contra Stalin antes do décimo segundo congresso do partido em 1923, mas foi impedido por um derrame. Em suas últimas cartas e artigos, chamados de Testamento de Lenin, ele aconselhou que Stalin deveria ser removido. Lenin foi prejudicado por outro derrame e morreu em janeiro de 1924.
Após a morte de Lenin, Stalin lançou mão do que se tornaria uma enorme campanha de calúnias contra Trotsky, mas também uma revogação de todos os princípios que os bolcheviques defendiam. Ele começou abrindo as portas do partido, o que levou à entrada de 240 mil novos membros em três meses. Entre eles estavam muitos oportunistas que queriam alcançar posições no aparelho de estado. Trotsky construiu uma oposição de esquerda dentro do partido, para lutar contra sua degeneração.
Stalin lançou ao mesmo tempo sua “teoria” do “socialismo em um só país”. A teoria apelava ao clima de cansaço das massas e com a perda de confiança em uma possível vitória da revolução em outros países e, além disso, se encaixava às necessidades da burocracia de paz e sossego. Trotsky advertiu que a teoria era uma receita para uma degeneração nacionalista do Comintern. Os líderes dos vários partidos comunistas que não aderiram a essa nova linha foram afastados e o Comintern tornou-se uma ferramenta para as relações exteriores soviéticas. Após a morte de Stalin, os líderes stalinistas que seguiram na União Soviética condenaram seus crimes, sem dar qualquer explicação a como essa degeneração tinha sido possível. Para Trotsky e os trotskistas, por outro lado, não se tratava de Stalin, mas sim dele como representante de uma camada burocrática emergente que assumiu o poder.
Trotsky poderia ter tomado o poder?
Os ataques aumentaram em alcance. Trotsky foi deposto como comissário de guerra em 1925. Em 1927, Trotsky e outros da Oposição de Esquerda foram expulsos. Alguns se perguntam por que Trotsky não tomou o poder ele mesmo, se utilizando do posto como comandante do Exército Vermelho. Mas Trotsky não via isso como uma questão pessoal, mas como uma questão de desenvolvimento social, que era determinado pelo equilíbrio de poder na sociedade. Tais manobras de Trotsky não teriam sido suficientes para mudar esse processo, ou como disse Trotsky: “O poder não é um prêmio que o ‘mais habilidoso’ ganha. O poder é uma relação entre indivíduos e, em última análise, entre classes.”
Além disso: “No que diz respeito ao aparelho militar, ele faz parte do aparelho burocrático e não está de forma alguma separado dele qualitativamente. Basta dizer que durante os anos da guerra civil, o Exército Vermelho absorveu dezenas de milhares de oficiais czaristas… O resultado de tal golpe teria sido o aumento do ritmo da burocratização e do bonapartismo que a Oposição de Esquerda está combatendo”. Trotsky, portanto, entendeu que ele próprio se tornaria uma de suas vítimas mais tarde se tivesse tentado esse atalho. Como Krupskaya, esposa de Lenin, disse aos membros da Oposição de Esquerda em 1926: “Se Lenin tivesse vivido, provavelmente já estaria na prisão.” O que poderia ter mudado o equilíbrio de poder e revertido o desenvolvimento foi uma vitória para os trabalhadores de um país capitalista avançado.
O que aconteceu sob Stalin foi uma contrarrevolução política, na qual o poder foi tirado da classe trabalhadora e dado a uma camada privilegiada, uma elite burocrática, mas sem a restauração do capitalismo. A burocracia baseava seu poder na economia estatizada. No início dos anos 1930, Trotsky chamou o regime de “bonapartismo proletário” e o estado de “estado operário degenerado”. Ele comparou com o “termidor”, o golpe em 1794 da Revolução Francesa, que pôs um fim ao regime radical da burguesia, mas sem uma restauração do sistema feudal.
A oposição de esquerda começou a ser liquidada fisicamente. Milhares foram deportados para partes remotas do país. Trotsky foi deportado para Alma Ata em 1928 e expulso em 1929. Mas, para esmagar completamente a democracia dos trabalhadores, Stalin foi além. Durante a década de 1930, ocorreram os infames julgamentos simulados, os “julgamentos de Moscou”. E até seguidores leais de Stalin foram forçados a cometer “autocrítica” e foram executados. Os expurgos alcançaram uma extensão enorme. O velho partido bolchevique estava morto e agora era apenas uma ferramenta para a burocracia.
Segundo cálculos de Robert Conquest, era assim no final de 1938:
12 milhões foram presos ou acampados, dos quais 7 milhões apenas em 1937-38. 1 milhão foram executados e 2 milhões morreram em campos até o final de 1938. Muitos dos parentes de Trotsky foram mortos ou levados ao suicídio, incluindo vários membros da família. Em 20 de agosto de 1940, Trotsky também foi morto em seu refúgio no México. Com o assassinato de Trotsky, apenas Stalin e Kollontai sobreviveram ao Comitê Central Bolchevique que liderou a revolução de 1917. Cada pessoa que representava a verdadeira memória dos bolcheviques dos tempos de Lenin era um ameaça à burocracia cada vez mais paranoica.
“Terceiro período”
No final dos anos 1920, o Comintern entrou no “terceiro período”, um giro ultraesquerdista. Stalin declarou que o capitalismo havia entrado em sua “terceira” e última crise. Esse giro se baseava no interesse da burocracia de atacar os camponeses ricos da União Soviética, que Stalin havia apoiado anteriormente, mas que agora começava a se tornar uma ameaça ao poder da burocracia e um obstáculo a uma industrialização cada vez mais necessária. Além disso, as tentativas de adaptação aos líderes reformistas no Ocidente e à burguesia nacional, como na China, falharam.
Para o Comintern, isso significava que a social-democracia era agora vista como “irmão gêmeo” do fascismo, ou “social-fascista”. Stalin argumentou que a social-democracia tinha o mesmo objetivo que o fascismo, sem perceber que o fascismo era um método especial da burguesia para esmagar totalmente o movimento de trabalhadores em face da ameaça de uma revolução. Mais uma vez, a luta na Alemanha estava no centro do mundo inteiro, e Trotsky passou grande parte de seu tempo no exílio na França tentando fornecer orientações ao movimento de trabalhadores. Ele viu a necessidade de um bloco, uma frente única, entre os dois principais partidos dos trabalhadores, os comunistas e os social-democratas, para deter Hitler. Mas a consequência da linha ultraesquerdista foi que os comunistas se recusaram a entrar em uma frente única com os social-democratas e até passaram em ocasiões até a cooperar com os nazistas contra os social-democratas.
A tomada de poder de Hitler foi uma grande derrota para a classe trabalhadora internacional. A classe trabalhadora alemã, a mais forte do mundo, capitulou diante de Hitler sem que um único tiro fosse disparado. Mas no mundo de fantasia dos stalinistas, a vitória de Hitler era apenas um passo mais perto da revolução! Até 1934, comunistas e fascistas marcharam juntos na França.
Trotsky concluiu então que o Comintern morrera como instrumento da revolução: “O Comintern ainda existe graças a uma certa tradição, a uma certa confusão entre os trabalhadores e, por último, mas não menos importante, graças aos seus cofres. A Segunda Internacional não estava mais morta em 1914, no sentido físico, do que a Terceira Internacional está hoje. No entanto, está morta como uma força revolucionária proletária.”
Até então, os partidários de Trotsky na Oposição de Esquerda Internacional se consideravam parte do Comintern, apesar das expulsões. Agora Trotsky lançava a ideia de construir uma nova Quarta Internacional. A vitória nazista acelerou o processo que levaria a uma nova guerra mundial.
Quando Stalin percebeu a ameaça de Hitler, o Comintern deu outra guinada. Stalin buscou agora alianças com as “democracias” da França e Grã-Bretanha para se proteger contra a Alemanha. Daí surgiu a “frente popular”. Os comunistas iriam agora cooperar, não apenas com os social-democratas, mas também com os “burgueses democráticos” contra os fascistas. A revolução, ou qualquer desafio ao poder dos capitalistas, não poderia estar mais colocado, já que colocaria em cheque essas aproximação.
A revolução espanhola
A consequência mais séria desta política pode ser vista na Espanha. O levante do general fascista Franco no verão de 1936 contra o governo republicano foi respondida com uma luta revolucionária dos trabalhadores. Em vez de formar uma frente única nos termos dos trabalhadores, a direção da classe trabalhadora apoiou um governo de frente popular nos termos da burguesia. A Frente Popular foi, como Trotsky apontou, uma colaboração entre os partidos dos trabalhadores (primeiro os socialistas e os comunistas, depois também os anarquistas e, por um curto período, os socialistas de esquerda no POUM) e a “sombra da burguesia”, na forma do partido republicano burguês. Os capitalistas e proprietários de terras apoiaram Franco. Os stalinistas assumiram o papel de desarmar as milícias operárias e ir contra a revolução dos trabalhadores, com ocupações de fábricas e terras. Por trás do surgimento da nova “teoria” de que a cooperação com a burguesia era necessária para deter o fascismo, o verdadeiro propósito de Stalin era impedir uma revolução socialista na Espanha.
Um Estado democrático da classe trabalhadora espanhola teria sido uma inspiração para a classe trabalhadora internacionalmente, principalmente na União Soviética. Este teria sido o início do fim do regime ditatorial de Stalin. Pesquisas depois da queda do Muro de Berlim mostraram como havia um crescimento da oposição contra o regime de Stalin nos anos 30 na União Soviética. Os processos de Moscou e os expurgos dos anos 30 foram então uma guerra civil preventiva unilateral, contra essa ameaça interna, que ganharia força no caso de uma tomada de poder dos trabalhadores na Espanha.
Mais uma vez, os trabalhadores internacionalmente seriam forçados a pagar o preço pela traição de seus líderes. Com a derrota na Espanha, foi perdida a última chance de evitar uma nova guerra. Cada reviravolta de Stalin veio fortalecer a reação. Chegou ao ponto de concluir um pacto de não agressão entre Stalin e Hitler. Trotsky advertiu que isso não impediria Hitler de atacar a União Soviética. A Alemanha nazista podia agora atacar primeiro a Europa Ocidental sem ter que se preocupar com uma guerra em duas frentes.
Quarta Internacional
“A situação política no mundo como um todo é caracterizada principalmente pela crise histórica da direção do proletariado”, escreveu Trotsky no Programa de Transição, que se tornou o documento de fundação da Quarta Internacional, fundada em 1938. Tratava-se de pequenos grupos, sob forte pressão da burguesia, do fascismo, social-democracia e stalinismo, que assumiu a tarefa de construir uma nova internacional. Apesar das dificuldades, o otimismo de Trotsky não diminuiu. Como ele apontou, a situação não era pior do que depois da eclosão da guerra em 1914, quando os verdadeiros internacionalistas foram dizimados para poderem ser “acomodados em dois vagões de trem”. Mas com base em uma onda revolucionária após a Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa, a Terceira Internacional poderia ser construída. A perspectiva de Trotsky era que a Segunda Guerra Mundial levaria a uma nova onda revolucionária e que a Quarta Internacional se tornaria a “força decisiva no planeta em dez anos”.
Trotsky viu seu trabalho na década de 1930 como o mais importante de sua vida. Durante seus anos de exílio, Trotsky escreveu várias obras importantes. Sua contribuição mais significativa para o marxismo foi a análise da ascensão do stalinismo. A conclusão foi que a União Soviética não podia mais ser reformada. Era necessária uma revolução política que derrubasse a burocracia e restaurasse a democracia dos trabalhadores, caso contrário, o capitalismo seria eventualmente restaurado. Isso foi confirmado cinquenta anos após a morte de Trotsky, com a queda do stalinismo em 1989-91.
Nova situação pós-guerra
A perspectiva de uma onda revolucionária após a Segunda Guerra Mundial se tornou realidade. Uma onda de levantes mais poderosos do que após a Primeira Guerra Mundial varreu o mundo, mas foi traída pelos líderes dos partidos social-democratas e comunistas. Mas o fim da guerra não foi como se imaginava. A guerra tem uma lógica própria e o resultado nunca pode ser previsto em detalhes, o desenvolvimento deu várias voltas durante a guerra, que durou seis anos.
Ao contrário do que acreditava Trotsky, os soviéticos saíram vitoriosos da guerra contra a Alemanha, apesar de recursos inferiores. O stalinismo emergiu mais forte da guerra. Metade da Europa ficou sob o controle do stalinismo. A radicalização após a guerra também tornou impossível um ataque imperialista à União Soviética.
Por outro lado, foram criadas as condições para a estabilização do capitalismo por meio da derrota das revoluções e do recém-estabelecido domínio mundial dos Estados Unidos. Os Estados Unidos, com metade da produção mundial e três quartos de todas as reservas de ouro, poderiam ditar as condições do mercado mundial e derrubar as barreiras tarifárias. O mundo foi dividido em dois blocos baseados em sistemas econômicos completamente opostos. O stalinismo se apoiava em uma economia planejada, que foi distorcida por uma ditadura burocrática.
O colapso do stalinismo em 1989 confirmou a análise de Trotsky. A burocracia deixou de ser um freio relativo ao desenvolvimento para se tornar um freio absoluto. Após um longo período de estagnação econômica, veio o colapso.
Novo período de revolução e contrarrevolução se abrindo
Mas por longo período de crescimento econômico no Ocidente após a guerra terminou com a crise de 1973-75. A classe capitalista respondeu com o giro para o neoliberalismo, que conseguiu restaurar os lucros através do aumento da exploração dos trabalhadores. A globalização e a incorporação dos ex-estados stalinistas à economia mundial capitalista, principalmente a China, como fonte gigante de mão de obra barata e de mercado, deram um ímpeto relativo à economia nas últimas décadas, mas a crise de 2008-09 e o atual colapso econômico agravado pela pandemia, abriu as portas para um novo período extremamente instável, marcado por uma polarização social crescente.
As idéias de Trotsky serão extremamente importantes para a construção de uma nova esquerda socialista para travar a luta contra esse sistema em todo o mundo.As análises de Trotsky durante as primeiras quatro décadas do século 20 são partes fundamentais do marxismo moderno.
Sua luta para transformar ideias em luta de classe e a construção de partidos revolucionários, resgatando o legado da Revolução Russa, tornou o trotskismo particularmente odiado pela burguesia e burocratas. Seus pesadelos reaparecerão com força múltipla durante as lutas de classes dos próximos anos, como já começamos a ver exemplos, como nos inúmeros movimentos de massas no ano passado, desde o Chile e Equador, ao Oriente Médio, África e Hong Kong, que continuaram este ano apesar da pandemia, com o caso Black Lives Matter, os protestos no Líbano e agora também na Bielorrússia.
A nova geração, que já provou ter um instinto internacionalista, como mostrou o movimento de mulheres e o movimento da juventude contra mudanças climáticas, e, também resgatando os métodos de luta da classe trabalhadora com greves voltando a ser um tema fundamental das lutas. Essa luta se tornará cada vez mais antissistêmica e buscará resgatar as ideais socialistas das distorções reformistas e stalinistas.
Nessa luta, podemos nos inspirar no otimismo revolucionário irredutível de Trotsky, apesar das dificuldades que ele enfrentou: isolamento, perseguição e a aniquilação da maior parte de sua família. A confiança de Trotsky na classe trabalhadora e no futuro do marxismo permaneceu ininterrupta até o fim. Alguns meses antes de sua morte, ele escreveu seu testamento, terminando com essas palavras:
“Nos quarenta e três anos de minha vida consciente, permaneci um revolucionário; durante quarenta e dois destes, combati sob a bandeira do marxismo. Se tivesse que recomeçar, procuraria evidentemente evitar este ou aquele erro, mas o curso principal de minha vida permaneceria imutável. Morro revolucionário proletário, marxista, partidário do materialismo dialético e, por consequência, ateu irredutível. Minha fé no futuro comunista da humanidade não é menos ardente; em verdade, ela é hoje mais firme do que o foi nos dias de minha juventude.
Natascha acabou de chegar pelo pátio até a janela e abriu-a completamente para que o ar possa entrar mais livremente em meu quarto. Posso ver a larga faixa de verde sob o muro, sobre ele o claro céu azul, e por todos os lados, a luz solar. A vida é bela, que as gerações futuras a limpem de todo o mal, de toda opressão, de toda violência e possam gozá-la plenamente.”