1936: A promessa revolucionária da Espanha
A classe trabalhadora e o campesinato se levantou contra a exploração capitalista, a miséria e o fascismo
80 anos atrás, a classe trabalhadora e a população campesina da Espanha se levantaram contra a exploração capitalista, a pobreza extrema e as forças fascistas – um ponto alto de anos de luta. Por um tempo, eles tiveram o poder nas mãos.
Julho de 2016 marcou o 80º aniversário de uma das maiores lutas da história da classe trabalhadora em nível internacional: a guerra civil e a revolução espanhola. No momento em que esse processo incendiou o movimento de trabalhadores internacionalmente, milhares se juntaram às brigadas internacionais e lutaram contra as forças fascistas lideradas pelo General Franco. Da Grã Bretanha, mineiros, portuários, jornalistas e outros, foram combater o fascismo iminente. Entre eles estavam George Orwell, escritor socialista, e Jack Jones, que nos anos 1970 viria a ser o líder de esquerda do poderoso Sindicato de Trabalhadores Gerais e do Transporte (um precursor do atual sindicato Unite). A vitória de Hitler e dos nazistas na Alemanha em 1933 tornou a ameaça de uma vitória fascista na Espanha ainda mais grave.
A ferida aberta na esquerda espanhola após essa luta segue aberta até os dias de hoje, incluindo a falta de reconhecimento de desaparecidos e mortos. A campanha por mudar os nomes de ruas de fascistas em Madri ilustra bem o quão profundas são as feridas.
Leon Trotsky, líder da Revolução Russa de 1917, pontuou que nessa batalha épica, a heroica classe trabalhadora espanhola poderia ter feito não só uma, mas dez revoluções. Tragicamente, apesar de todo monumental esforço, a revolução foi vencida e o fascismo de Franco assumiu o poder e estabeleceu um regime brutal que perdurou por quatro décadas. Estima-se que 200 mil morreram durante a guerra civil e um número igual tombou nos anos seguintes.
Se a revolução espanhola tivesse triunfado, isso teria mudado os rumos da história europeia e mundial. Isso teria prevenido o terrível genocídio imposto pela segunda guerra mundial. Apesar de tudo, lições cruciais podem ser aprendidas deste conflito sangrento, para uma nova geração de trabalhadores e jovens nas lutas contra a extrema direita, o racismo e o capitalismo.
Frente Popular eleita
Em fevereiro de 1936, a coalizão da Frente Popular foi levada ao poder nas eleições. Essa foi uma forma de controlar o movimento revolucionário da classe trabalhadora e do campesinato, e uma revolta fascista por parte dos militares explodiu numa sangrenta guerra civil. A vitória da frente popular veio após anos de lutas e levantes da classe trabalhadora na Espanha. Após a vitória eleitoral de 1931 dos partidos republicano e socialista, o rei Afonso abdicou. Uma onda de greves eclodiu e uma série de reformas foram implementadas, mas não derrubaram o capitalismo. Em novas eleições em 1933 o resultado foi um retorno dos monarquistas que reverteu as reformas anteriores. Em outubro de 1934, um levante revolucionário que começou na comuna de Asturias com os trabalhadores mineiros, foi esmagado, pelo menos 5 mil trabalhadores foram mortos e 10 mil presos. Esse foi o evento precursor da erupção revolucionária de dois anos depois. Foi similar ao processo da revolução Russa em 1905 que abriu o caminho para a revolução de 1917.
A frente popular era uma coalizão entre o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), o Partido Comunista da Espanha (PCE) e os partidos chamados “progressivo”, “liberal” e republicano: a Esquerda Republicana (IR), a União Republicana (UR), a Esquerda Republicana da Catalunha (partido catalão irmão do IR), outros partidos pequenos da Catalunha e Galícia, e posteriormente pelos Nacionalistas Bascos (PNB, socialdemocracia cristã, autointitulados conservadores liberais). A coalizão com essas forças capitalistas supostamente progressivas se provou uma política fatal.
A desastrosa teoria de duas etapas adotada por Stalin e a Internacional Comunista em Moscou, que ditou a política dos partidos comunistas ao redor do mundo, foi o que levou a classe trabalhadora da Espanha para um banho de sangue. Isso ainda reflete na política de Partidos Comunistas e parte da esquerda hoje, como justificativa para uma suposta necessidade em desenvolver o capitalismo em países economicamente não desenvolvidos – como a Espanha, que nessa época contava com 70% da classe trabalhadora vivendo no campo – antes de introduzir o socialismo.
Contudo, segundo a teoria de duas etapas, era necessário ganhar os capitalistas “progressistas” para seu lado e não provocá-los com medidas que seriam vistas como muito radicais. Além do mais, uma vez que as forças fascistas na Espanha estavam mobilizadas, a argumentação era de que a prioridade era enfrentar Franco, por isso um bloco com os “progressistas” seria necessário para que esses não fossem para o lado dele. A mesma política foi aplicada décadas depois no Chile, sob a coalizão da Unidade Popular de Salvador Allende (1970-73), com iguais consequências devastadoras para a classe trabalhadora.
Teoria de duas etapas da modernidade
A experiência vitoriosa da Revolução Russa de outubro de 1917 demonstrou que o capitalismo não pode se desenvolver em países subdesenvolvidos economicamente onde o campesinato é maioria. A fraca classe de capitalistas locais nesses países estava completamente atada aos bancos e economias dos poderosos imperialistas – e os capitalistas e latifundiários também estavam intrinsecamente conectados entre si. Em tal situação, o desenvolvimento econômico e industrial, acompanhado por direitos democráticos e trabalhistas, e o direito à autodeterminação nacional, só poderia ser atingido pela classe trabalhadora, com apoio dos campesinos, introduzindo um plano socialista de planificação da economia e um regime democrático da sociedade. Isso necessitaria estar conectado com a classe trabalhadora das mais poderosas economias capitalistas e a formação de uma federação socialista de países.
Os apoiadores de uma versão moderna da teoria de duas etapas, incluindo parte da esquerda no Podemos, argumentam que a primeira etapa é derrotar o “capitalismo neoliberal”. Por trás dessa posição está a ideia utópica de estabelecer um capitalismo “mais humano”. Se esquecem que mesmo acabando com a privatização e a austeridade, algo que seria bem vindo, isso não acabaria com a miséria, a pobreza e a exploração que é um resultado do capitalismo enquanto sistema. Isso é especialmente verdade na atualidade, nesta era global de turbulência, estagnação e crises.
As péssimas condições sofridas pela classe trabalhadora e os pobres não terão fim simplesmente substituindo um conjunto de políticas capitalistas por outra e mantendo intacto o sistema. A capitulação e traição do Syriza na Grécia à austeridade impulsionada pela União Europeia, mostram na prática onde essas políticas levam. Enquanto é crucial lutar por toda possível reforma e concessão para a classe trabalhadora, se isso não estiver conectado com uma luta de enfrentamento com o capitalismo e introdução de uma alternativa socialista, nenhuma reforma vai se sustentar de forma duradoura.
A revolução espanhola deixou lições cruciais para os novos partidos de esquerda que emergem hoje, como Podemos e Esquerda Unida na Espanha, Die Linke na Alemanha, e Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) no Brasil. A ideia de formar uma coalizão com os antigos partidos de massa da classe trabalhadora – como PSOE, SPD, PT no Brasil – é um caminho potencial ao desastre. Eles se tornaram partidos completamente capitalistas e implementaram em seus governos políticas pró capitalistas. Ao invés de empurrar esses partidos para a esquerda se juntando ao governo, os novos partidos se tornariam prisioneiros da coalizão em níveis regionais ou nacionais. Como os eventos de 80 anos atrás mostraram na Espanha, isso só pode pavimentar o caminho para a derrota. O colapso do Partido da Refundação Comunista em 2008 na Itália após entrar em várias coalizões comprometedoras também é uma ilustração disso.
Onda revolucionária
A vitória eleitoral da Frente Popular na Espanha em 1936 foi um gatilho para as massas. Não esperaram o governo legislar, tomaram as ruas e implementaram as leis elas mesmas em 48 horas. Gerentes conectados ao fascismo ou simpatizantes foram expulsos das fábricas. Os trabalhadores estabeleceram a jornada de 44 horas semanais, ocuparam fábricas e terras, reintegraram trabalhadores demitidos e injustiçados. Estima-se que 30 mil prisioneiros políticos foram libertos.
Os capitalistas “liberais” só queriam o retorno da constituição de 1931 e tomaram medidas de proteção de seus interesses econômicos, entre elas aumentando os preços. Isso provocou mais levantes. O ânimo dos trabalhadores espanhóis se mostrou nas 113 greves gerais locais que se estimam foram realizadas nos cinco meses que seguiram às eleições da Frente Popular. Essa onda revolucionária massiva aterrorizou a classe dominante mais que a eleição em si.
Durante esse período, as forças fascistas, os donos de terras e patrões, conspiraram e se prepararam. Em 17 de julho, a revolta fascista começou como uma rebelião militar no Marrocos, que foi deixada nas mãos de mercenários e legionários mouros. Os partidos capitalistas da Frente Popular não representavam de verdade a classe capitalista, mas como apontado por Trotsky, era sua “sombra”. Os capitalistas tinham passado em bloco para o lado fascista da rebelião para defender seus próprios interesses. Porém, a sombra do capitalismo espanhol atuou como um cavalo de Tróia dentro da Frente Popular. Enquanto a classe dominante tramava com o fascismo, o governo tentava negociar com os conspiradores.
As massas não hesitaram, com os trabalhadores de Barcelona na linha de frente. Assumiram imediatamente a luta, entendendo a ameaça que os fascistas representavam. Viveram o massacre da comuna de Astúrias em 1934 e os dois anos seguintes de brutal repressão. Centenas de milhares ocuparam as ruas em todo o país e clamando ao exército que lutasse contra os fascistas, mas o governo se recusou a ouvir suas demandas. Se isso tivesse sido deixado a cargo do governo da Frente Popular, ele provavelmente teria capitulado à revolta militar.
As massas não se deram esse luxo e em 19 de julho a classe trabalhadora de Barcelona tomou a iniciativa erguendo as primeiras barricadas, conforme os militares se preparavam para moverem-se. Armados com pernas de cadeiras, dinamites pegos de canteiros de obras, alguns rifles esportivos e armas de fogo obtidas com simpatizantes da polícia local, enfrentaram os militares. Lutando como leões e apelando para os soldados rasos das tropas inimigas, conseguiram uma vitória histórica. Felix Morrow conta em seu livro “Revolução e contra-revolução na Espanha” que “às 14 horas do dia seguinte já tinham tomado Barcelona”. Dentro de alguns dias toda a Catalunha estava nas mãos da classe trabalhadora.
Esse movimento ecoou em Madrid, onde o governo tinha se recusado a armar a classe trabalhadora. Em Málaga, uma cidade portuária estratégica na costa oposta a Marrocos, os trabalhadores executaram a engenhosidade de formar uma parede de fogo ao redor das barricadas para que os militares não tivessem como sair. Como o movimento se espalhou, mais de quatro quintos do país estava efetivamente sob controle de trabalhadores e camponeses. A iniciativa tinha totalmente escapado das mãos dos capitalistas “liberais”.
Disputas na esquerda
Contudo, apesar da tremenda demonstração de heroísmo e ingenuidade, a classe trabalhadora foi bloqueada pela atuação dos partidos e suas direções. A falta de um partido marxista de massas com um programa nítido para organizar, consolidar e avançar nas conquistas da revolução, varrer o capitalismo e estabelecer uma democracia dos trabalhadores, se provou fatal.
O papel mais pernicioso foi cumprido pela liderança stalinista do Partido Comunista da Espanha (PCE), que mais abertamente defendeu a teoria de duas etapas. O partido se tornou uma força decisiva para possibilitar a classe capitalista retomar o poder, dissolvendo as milícias de massas de trabalhadores e descarrilhando a revolução. Ao longo do caminho, os stalinistas reprimiram brutalmente a esquerda que se colocava em oposição, como foi com o Partido Operário de Unificação Marxista (POUM), formado por trotskistas e que participou da Frente Popular. Um de seus líderes, Andrés Nin, foi torturado e executado pelo PCE, ou seus agentes, e o mesmo passou com muitos outros da esquerda antistalinista.
Essas ações brutais eram diretamente vinculadas à contrarrevolução política que estava em curso na União Soviética. Até mesmo agentes e representantes enviados à Espanha pelo regime stalinista de Moscou, que havia sido afetado pela revolução, foram executados quando regressaram. Esse foi o caso de Vladimir Antonov-Ovseyenko, embaixador russo na Espanha. Ele havia enviado relatórios para Moscou solicitando de Stalin suporte urgente às lutas revolucionárias que aconteciam.
Inicialmente, os stalinistas não tinham muita força na Espanha. Conquistaram sua posição principalmente por conta do equívoco dos trotskistas da Espanha (parte da Oposição de Esquerda na Internacional), quando não aceitaram a oferta da organização de juventude do PSOE em 1934 para que ingressassem e colaborassem em um processo de “bolchevização”, apesar da insistência de Trotsky. Isso se tornou um fator a mais para que os stalinistas tivessem a oportunidade de intervir e construir uma base forte.
Por sua parte, o PSOE se dividiu em dois setores: a direita, liderada por Indalecio Prieto, e à esquerda, por Largo Caballero. Caballero não começou a vida política à esquerda, havia sido deputado na ditadura de direita de Primo de Rivera, de 1923-30, mas suas próprias experiências, somadas aos efeitos do movimento revolucionário, o fez girar para aesquerda.
Um desenvolvimento similar pode ser notado durante outros períodos de lutas massivas. Aconteceu com Tony Benn, no fim das décadas de 1960 e 1970. Ele tinha um passado aristocrático e foi parte do governo de Harold Wilson, entre “centro” e “direita” do Partido Trabalhista, e foi se radicalizando conforme vivenciava as lutas de trabalhadores na época. O mesmo pode ser visto nas eleições presidenciais deste ano nos EUA, em que Bernie Sanders tem sido empurrado para a esquerda por milhões que se aglutinam em sua campanha.
Na Espanha, esse processo foi muito além, como reflexo das lutas revolucionárias. Caballero, ex-líder da União Geral de Trabalhadores (UGT – central sindical ligada ao PSOE), estava começando a ser conhecido como o “Lenin da revolução espanhola”. Infelizmente, ele não foi capaz de tirar conclusões políticas como fez Lenin na Rússia, e seus erros foram decisivos para contribuir para a derrota. As frases e declarações de Caballero e da direção da esquerda no PSOE soavam revolucionárias, mas não combinavam com as ações e atos concretos.
As divisões dentro do PSOE entre esses dois setores antecederam a revolta fascista e estavam levando o partido a uma ruptura. Prieto conseguiu forçar um adiamento do congresso do partido. A executiva embargou o jornal de Caballero, Claridade, e reorganizou os distritos controlados por ele. Assim, quando a revolução e a guerra civil explodiram, a ala de Caballero, apesar de ter maioria no PSOE, permitiu a Pietro manter controle do centro nacional do partido em nome da “harmonia”. Eles desistiram de qualquer medida para tomar controle do partido. Existem lições aqui para a Inglaterra de hoje e a tentativa de Jeremy Corbyn de apelar para a direita de Blair dentro do Partido Trabalhista, e não confrontá-lo.
No fervor revolucionário, Caballero criticou Pietro, os stalinistas e os elementos burgueses no governo. Entretanto, sem clareza da alternativa ou disposição de levar a revolução até o fim, ele foi se aproximando deles até assumir o governo, em setembro de 1936, e aplicar medidas que ele próprio havia criticado antes. Tomou medidas para dissolver as milícias e as substituiu por unidades militares sob controle governamental, uma tentativa de reconstruir a máquina estatal capitalista. Eventualmente, o comitê central das milícias foi dissolvido também e seu poder foi entregue aos ministros da defesa e segurança doméstica. Após ser útil para a contrarrevolução, Caballero foi removido da função de primeiro-ministro em maio de 1937.
Trabalhadores revolucionários e anarquistas
A coalizão da Frente Popular provou-se um obstáculo decisivo para a classe trabalhadora e teve consequências desastrosas. Na Catalunha, a Confederação Nacional do Trabalho (CNT), dirigida pelos anarquistas, tinha uma base massiva que incluía os trabalhadores mais revolucionários. Porém, a denúncia ideológica anarquista do Estado em geral levou os líderes anarquistas a não serem capazes de distinguir as diferenças entre um Estado de trabalhadores e um estado capitalista.
Essa confusão até resultou na contraditória situação onde uma organização anarquista (oposta a qualquer forma de Estado) entrou para o governo encabeçado por Caballero, em Madrid. O CNT também se juntou ao governo na Catalunha (conhecido como o “Generalitat”), ao lado de partidos capitalistas. Seus líderes falharam em aproveitar o poder e influência da CNT por temor de provocar “uma guerra civil dentro da guerra civil”. Porém, isso já estava acontecendo com o avanço da contrarrevolução que atacava todas as conquistas da classe trabalhadora.
Um momento chave foi a tentativa das forças governamentais em maio de 1937 de retomar a central telefônica de Barcelona, bastião da CNT e dos trabalhadores revolucionários. Isso foi uma provocação, um desafio ao poder da classe trabalhadora. Os trabalhadores se mobilizaram contra, com barricadas ao redor de toda a cidade, iniciando um novo levante de lutas. Esse foi um exemplo de duplo poder que se desenvolveu na Espanha, e acontece em toda revolução, onde existe um equilíbrio no funcionamento da sociedade: a classe dominante não tem força para controlar a situação, mas a classe trabalhadora ainda não consolidou seu controle. Essa situação não pode se manter indefinidamente, ou a classe trabalhadora consolida seu poder no governo ou a burguesia retoma o poder.
Outro partido que poderia ter apontado uma saída era o POUM, que tinha passado de mil para 30 mil membros em apenas 6 semanas em 1936. Ao fim desse ano havia crescido para cerca de 70 mil militantes, principalmente na Catalunha. O partido tinha uma postura mais combativa e revolucionária, mas também cometeram sérios erros. Entrou no Generalitat e em dezembro de 1936 foram expulsos. Isso desorientou uma camada de trabalhadores. Em junho de 1937 o partido foi proibido pelo governo central e seus líderes foram presos.
Ao mesmo tempo, o POUM tendia a seguir a linha dos líderes da CNT, conduzindo conversas diplomáticas nos bastidores, ao invés de levantar uma posição política independente e audaciosa. Ao invés de intervir com seus militantes na base de massas de trabalhadores dirigidos pela CNT na Catalunha, atuou na central sindical menor, a UGT. Ao invés de agitar fortemente em prol de uma política revolucionária audaz na base da milícia da CNT, formou sua própria milícia separada.
Com um programa socialista ousado, poderia ter alcançado os trabalhadores mais revolucionários entre os anarquistas da CNT, que se contrapunham à política da direção. O POUM poderia buscar particularmente as forças organizadas no fronte de Aragón, ao redor dos “Amigos de Durruti”, que estavam avançando militarmente. Eles lutavam como um exército de liberação social, ao invés de separar a luta militar contra os fascistas da revolução social. Se o POUM tivesse atuado nesse sentido, um partido marxista de massas e genuinamente revolucionário poderia ter surgido.
Potencial de um Estado dos trabalhadores
Seria realmente possível que tal força, principalmente com base na Catalunha, tivesse mudado o resultado da guerra civil? A resposta curta é sim, dada a escala do movimento revolucionário, da mobilização e radicalização das massas. Um partido emergido desse cenário poderia ter dado os passos necessários para que a classe trabalhadora tomasse o poder na Catalunha, e poderia se espalhar rapidamente pelo resto da Espanha, como um exemplo a ser seguido. Mas falhando nessa tarefa, o POUM perdeu uma oportunidade de ouro, e isso abriu o caminho para a vitória fascista.
Um dos passos necessários para levar a revolução adiante era estabelecer organismos de decisão dos trabalhadores. Esse tipo de conselhos de trabalhadores não foram formados, uma fraqueza crucial da revolução na Espanha. Nenhum partido apoiou ou teve a iniciativa de formação desses conselhos, conhecidos na Rússia como soviets. Os conselhos emergidos durante a revolução russa eram compostos por delegados eleitos nos locais de trabalho e eram revogáveis. Os partidos lançavam candidatos e os sovietes eram órgãos de luta, mas também um embrião para um estado dos trabalhadores ao se juntar em nível regional e nacional.
A esquerda do PSOE se opôs à formação de conselhos de trabalhadores e argumentou que o PSOE deveria atuar como esse organismo. Também apoiaram a fusão com os stalinistas. Em outras palavras, defendiam que a tarefa era de esperar até que a maioria dos trabalhadores tivesse decidido unir-se ao PSOE! Na Espanha, portanto, os conselhos que foram estabelecidos eram em geral compostos por representantes de diferentes partidos, ao invés de envolver, representar e organizar as massas participantes do movimento revolucionário. As milícias eram separadas e organizadas por partido, onde a direção indicava líderes de comando.
A guerra civil continuou até 1939, quando Franco eventualmente triunfou. A derrota de Barcelona em 1937 foi um ponto de inflexão. A partir de então, tornou-se mais um conflito militar à medida que as massas se tornaram cada vez mais desanimadas e derrotadas. Paradoxalmente, a guerra civil acabou com ditaduras assumindo o poder nas duas partes da Espanha, com o “republicano” Coronel Casado, junto com José Miaja, tomando o poder dos republicanos “democráticos” e iniciando negociações de paz com Franco. Isso acabou colapsando as áreas controladas pelos republicanos e Franco se tornou o ditador da Espanha.
A Espanha dos dias de hoje é completamente diferente daquela da década de 1930, e as batalhas nos próximos anos tomarão formas diferentes. Ainda assim, as lições das lutas travadas pela classe trabalhadora durante a revolução, e os eventos da guerra civil, são de imenso valor para os trabalhadores e a juventude internacionalmente na luta contra o racismo, a extrema direita e o capitalismo. Se essas lições são aprendidas, então o sacrifício feito por essa heróica geração não terá sido em vão.
Cronologia dos fatos
- 1931
abril: Processo revolucionário que estabeleceu a segunda república. O rei Afonso é exilado. São introduzidas reformas.
julho – agosto: Onda de greves. Governo republicano esmaga greve geral em Sevilha.
- 1933
novembro: vitória eleitoral da direita e volta do monarquismo
- 1934
outubro – novembro: greve geral derrotada. Franco destrói a comuna de Asturias
- 1935
agosto: Internacional Comunista aprova a política de frente popular
setembro: POUM é fundado
- 1936
fevereiro: a Frente Popular ganha as eleições, estopim do movimento revolucionário de massas
julho: um levante fascista se espalha pela Espanha. Trabalhadores tomam armas quando o governo da Catalunha se recusa a distribuí-las.
agosto: Pacto de “não intervenção” França/Inglaterra
setembro: Largo Caballero assume como primeiro-ministro quando o PCE se junta ao governo. CNT e POUM entra no Generalitat
outubro: o governo acaba com a independência das milícias. Madri é sitiada.
novembro: anarquistas se juntam ao governo central em Madri
dezembro: POUM é expulso do governo
- 1937
abril: bombardeio de Guernica, cidade basca, pelas forças aéreas nazistas alemãs e fascistas italianas.
maio: o governo tenta retomar a central telefônica de Barcelona e surge um novo levante de massas dos trabalhadores. Negrin (ala direita do PSOE) assume como primeiro-ministro.
junho: POUM é banido e seus líderes presos.
- 1938
janeiro: bombardeio de Barcelona
abril-junho: forças de Franco dividem Espanha na metade
setembro: últimas batalhas enfrentadas pelas brigadas internacionais
- 1939
janeiro: Barcelona se rende, seguidos em março por Madri e Valencia
fevereiro: França e Inglaterra reconhecem os termos de Franco
agosto: Pacto Hitler-Stalin
Tradução: Tatiane Ribeiro, agosto 2022