6º Congresso da LSR: construindo uma saída revolucionária para um mundo em crise

Entre os dias 18 e 21 de abril a Liberdade, Socialismo e Revolução (LSR), seção brasileira da Alternativa Socialista Internacional (ASI), realizou seu 6º Congresso Nacional. Reunidos na cidade de São Paulo, militantes de várias regiões do Brasil e convidados internacionais da ASI, discutiram perspectivas mundiais, nacionais, programa e estratégia, para os planos que irão guiar no próximo período a construção da organização.
Os delegados, delegadas e outros membros presentes do partido, debateram a necessidade urgente de fortalecer a construção de uma alternativa socialista, internacionalista e revolucionária, da classe trabalhadora, frente à instabilidade global e às ameaças representadas pelo avanço da extrema-direita, da guerra e da destruição brutal causada por esse sistema. O cenário de turbulência global tem levantado uma série de desafios e crises na esquerda, inclusive dentro de nossa própria organização, que recuou em tamanho após um processo de debates e rupturas. Tirar lições do período anterior e fortalecer nossa reconstrução foi uma tarefa central deste congresso, para preparar bases mais sólidas para o próximo período.
O congresso debateu também formas concretas de fortalecer a luta contra todas as formas de opressão também dentro da organização. Isso incluiu uma análise crítica do nosso trabalho, identificando falhas e buscando melhorias práticas. A reflexão sobre esse tema foi uma das nossas tarefas principais no último período, resultando no debate e aprovação da utilização no Brasil do nosso Código de Conduta aprovado internacionalmente, e na eleição de uma nova equipe responsável por esse trabalho no país.
Saímos desse espaço reafirmando com clareza a importância de aprofundar nossa compreensão do método que liga as lutas imediatas à necessidade da transformação socialista da sociedade, destacando uma abordagem marxista e revolucionária para impulsionar as mobilizações dos trabalhadores, da juventude e dos setores oprimidos.
Conflito interimperialista e aprofundamento da crise do capital
A discussão de abertura, sobre as Perspectivas Mundiais, apontou para uma abertura geral entre a nossa militância de acordo sobre a dinâmica do crescente conflito interimperialista entre os dois principais blocos do mundo. Dialogamos sobre como essa dinâmica sinaliza um novo estágio do capitalismo mundial e sobre as maneiras pelas quais o conflito interimperialista entre o bloco liderado pela China e seus aliados, e o bloco dominado pelos EUA, se intensificou ainda mais no último período.
Enquanto muitos setores da esquerda se mostraram confusos no último período diante da ideia de uma suposta ordem mundial “multipolar” ou deixaram de reconhecer o caráter imperialista dos regimes chinês ou russo, nossa organização defende uma compreensão da natureza “bipolar” e imperialista desse conflito, sustentando uma posição independente, da classe trabalhadora, e internacionalista frente a esse cenário.
Analisamos também os desdobramentos econômicos dessa disputa, como o lento crescimento da economia global, agravado por dívidas massivas, políticas protecionistas e guerras comerciais. Discutimos sobre a expansão dos cenários de conflito entre blocos, as guerras em curso no último período, o genocídio do povo palestino, a aceleração dos conflitos climáticos e destruição ambiental e os contextos africanos e latino-americanos enquanto campos de batalha cruciais para o imperialismo dos EUA e da China.
André Ferrari de São Paulo sinalizou bem como esse cenário atinge diretamente o povo latino-americano ao dizer que: “Trump 2.0 é um ponto de inflexão para a América Latina. Pete Hegseth, o secretário de defesa de Trump disse que a tarefa é ‘recuperar o nosso quintal’. Alguns veem a China como um contrapeso contra os EUA, mas são dois imperialismos buscando explorar o continente. China construindo um gigante porto no Peru, com a Dina Baluarte, a presidente golpista, reprimindo os protestos contra o projeto”.
Concordamos que estamos diante de um cenário de aprofundamento da crise e intensificação da polarização da política no capitalismo. Isso fica evidenciado, por exemplo, pelo retorno de Donald Trump à presidência dos EUA, cuja postura agressiva frente à China e políticas tarifárias tendem a gerar ainda mais instabilidade e conflitos econômicos. Mas isso também irá gerar novas mobilizações por parte da classe trabalhadora, que devem ser corretamente dirigidas para o seu real potencial, como disse Danny Byrne da Grã-Bretanha: “A posse de Trump é um ponto de inflexão na situação mundial. Faz parte de um giro reacionário da burguesia diante da crise do sistema. Essa vai ser a época do trumpismo, mas também do anti-trumpismo. Já estamos vendo a resistência e protestos em vários países”
Bia Lacombe deu o exemplo dos EUA: “Mais de 5 milhões de pessoas participaram nos projetos contra Trump no dia 5 de abril, os maiores protestos desde o Black Lives Matter em 2020. Os comícios de Bernie Sanders e Alexandria Ocasio-Cortez estão reunindo dezenas de milhares de pessoas, mostrando que há uma sede por uma alternativa, mas essa alternativa só será possível rompendo com os democratas”.
Começar assim nosso Congresso teve a importância de fortalecer as bases para as demais discussões partindo da compreensão de que vivemos um período de desglobalização, em que o capitalismo mundial tornou-se mais fragmentado e no qual as principais tendências apontam para que as trocas econômicas entre países ocorram cada vez mais dentro dos dois blocos, o que levará a um agravamento da precarização das condições de vida da classe trabalhadora, para o qual devemos nos preparar. E essa avaliação permeou todas as demais temáticas programadas para os próximos 3 dias que tivemos pela frente.
Ascensão da direita e rearticulação da extrema direita
O debate sobre como a ascensão da direita tem marcado o cenário político foi realizado em diversos momentos. Desde as discussões de perspectivas mundiais e nacionais, até as eleições de planos internos para o próximo período, enfatizamos a necessidade de observar os desdobramentos do cenário atual de vitórias eleitorais, avanços expressivos da extrema direita pelo mundo e o fortalecimento de ideologias reacionárias.
No cenário brasileiro ressaltamos há tempos que a extrema direita não será derrotada apenas por vias eleitorais. Isso se mostra correto quando vemos que sua base social segue ativa mesmo após a vitória de Lula. Durante o congresso pudemos debater também sobre como as respostas via poder judiciário, que temos visto recair sobre a ala mais dura do bolsonarismo, buscam conter setores mais radicais, mas não eliminam o problema em sua raiz. São respostas que podem gerar resultados voltados ao surgimento de uma extrema direita mais “institucionalizada”, que agrada aos interesses da burguesia nesse momento.
Além disso, a própria burguesia pode mudar sua aposta rapidamente caso perceba que um governo estável não será possível em 2026. Isso pode desenrolar novamente a aposta em uma frente ampla, ou, por outro lado, pode empurrar a burguesia a migrar abertamente para a extrema direita desestabilizadora, como já fez com Trump e Milei. Não é possível esperar saídas institucionais! Só podemos apostar na construção de uma saída que passa pelo fortalecimento das lutas!
Em várias das discussões pautadas durante os dias de congresso, enfatizamos sobre como a luta pelos direitos das mulheres, pessoas negras e outros setores oprimidos está necessariamente ligada à luta contra a exploração, a divisão social de classes e o capitalismo. Compreendemos que a ascensão da direita autoritária no mundo, simbolizada por figuras como Trump, traz uma ofensiva reacionária aos direitos sociais, reafirmando normas de gênero e atacando diretamente mulheres e pessoas trans. Isso tudo fortalece discursos que impõem papéis de gênero biologicamente determinados, o que afeta diretamente a vida de mulheres e pessoas LGBTQIA+ no mundo todo.
Governo Lula reforça os interesses da elite econômica no país
Embora liderado pelo PT, o governo Lula segue hegemonizado pela burguesia, com uma política de conciliação em que a classe dominante dita os rumos. Discutimos sobre como, durante o ano de 2024, o governo adotou uma postura de submissão aos interesses do mercado financeiro, com a política econômica seguindo a cartilha da austeridade, com cortes especificamente em programas sociais e serviços públicos.
Essa escolha do governo atual resulta numa piora geral das condições de vida, atingindo particularmente as camadas mais vulneráveis da população, o que inevitavelmente afeta sua popularidade, apontando para a tendência é uma guinada ainda mais à direita.
Como destacou Eli Moraes de São Paulo: “O governo Lula não é refém da burguesia. É um governo hegemonizado pela burguesia. Implementa a austeridade com o arcabouço fiscal, privatiza a infraestrutura e apoia as privatizações nos estados via o BNDES”. Ao mesmo tempo, o governo não pode confiar nessa mesma burguesia, que rapidamente pode mudar seus acordos, continua o camarada “a burguesia prefere um governo puro sangue, que mantenha a ordem institucional, mas que seja mais agressivo nas privatizações e cortes, como Milei. O ex-chefe do Banco Central, Armínio Fraga, defendeu recentemente congelar o salário mínimo por 6 anos, por exemplo. Eles entendem que para isso será necessário mais repressão”.
A educação pública e gratuita também aqui permanece sendo um alvo prioritário, com intensificação da exploração e a precarização do trabalho de milhares de trabalhadoras e trabalhadores da educação em todo o país, desmantelamento de políticas de acesso e permanência e aprofundamento do processo de privatização por meio da crescente plataformização. Enquanto organização temos uma diversidade de militantes trabalhadores e trabalhadoras da educação, que, além de lutar contra os ataques ideológicos da extrema direita corriqueiramente, têm encampado lutas na defesa da educação pública e gratuita e de seus direitos. Frente a esse cenário definimos congressualmente aspectos da construção do coletivo Luta Educadora, que seguirá fortalecendo ações em algumas regiões do Brasil no próximo período, como em São Paulo, Natal, Goiânia e Recife.
Com o espaço de manobra se estreitando, a tendência é que o governo siga se deslocando à direita. No próximo período, deve avançar com uma Reforma Administrativa que trará duros ataques aos serviços públicos e ao funcionalismo, inclusive endurecendo nas negociações salariais, uma postura já adotada nos últimos anos. Políticas de privatização também devem continuar, mesmo sendo criticadas pela base do PT quando implementadas por governos estaduais de direita.
Ano passado vimos os horrores das enchentes no Rio Grande do Sul, Marilia Braga, da nossa célula do RS, compartilhou que o Estado ainda vive os efeitos dessas enchentes que “levaram a um colapso do sistema de saúde. As privatizações das empresas de energia agravaram os problemas. Se estima que pode levar até 40 anos para recuperar o solo e se livrar da contaminação química. Ao mesmo tempo, o serviço de assistência tem sido insuficiente, muitas pessoas nunca foram contempladas para receber benefícios.” E nós da LSR seguimos em luta pelo fim das privatizações em todas as suas formas e pela reestatização das empresas e serviços privatizados!
Nosso congresso reafirmou nossa posição de que diante desse cenário é fundamental construir uma oposição de esquerda firme e consequente. E, diferente do que têm feito setores da esquerda e do próprio PSOL, não concordamos que essa oposição possa ser apenas eleitoral. Pelo contrário, realinhamos a confiança de que deve nascer das lutas e da construção de um polo de independência que represente os interesses reais da classe trabalhadora, dos setores populares e oprimidos.
Crise do ciclo de reorganização da esquerda: não há saída institucional!
Outro tema central dos debates congressuais, como sinalizou Bel Keppler de São Paulo, é o tema do esgotamento do ciclo de reorganização da esquerda. Discutimos coletivamente sobre como desde a crise de 2008, grandes mobilizações e novas formações surgiram na esquerda mundial, mas sem vitórias decisivas da classe trabalhadora sobre a classe dominante. Enquanto isso, a direita também não conseguiu consolidar uma derrota das massas, o que gerou um impasse só superável com a reconstrução de organizações combativas da classe, apoiadas nas lições das lutas.
No Brasil, esse esgotamento se reflete no recuo de setores da esquerda que, diante da retórica antissistêmica de Bolsonaro, passaram a defender estruturas do sistema burguês. Aqueles que antes buscavam superar o lulismo, agora se reorganizam em torno dele como única alternativa, num cenário de desorganização e ausência de direção clara. A falta de um novo curso fortalece a extrema direita, que cresce sempre que não enfrenta resistência das massas e não pode ser derrotada apenas pela via institucional.
Além disso, a política de Frente Ampla, aliada ao compromisso do PT com um programa burguês, neutraliza a mobilização popular e enfraquece a luta de classes. Justifica-se a paralisia do movimento de massas como estratégia para evitar o avanço da extrema direita, ignorando que é justamente essa paralisia que a fortalece. Nossos membros confirmam que uma alternativa real exige uma frente única da classe trabalhadora, baseada na luta e independência de classe, capaz de apresentar um programa radical frente à decadência do sistema! Acreditamos que, apesar do cenário de refluxo, há sinais de que 2025 pode marcar uma retomada das lutas e apostamos na ação independente das massas para reconstruir uma alternativa política.
Superar esse ciclo exige intervenção clara nas lutas concretas em curso. Não há atalhos institucionais: a reconstrução virá das ruas e da ação direta dos setores explorados. A nossa militância está consciente e preparada para defender decididamente a necessidade de constituir uma alternativa de independência de classe em oposição a um governo em conciliação com a burguesia!
A única saída é a luta coletiva, socialista, internacionalista da classe trabalhadora e da juventude!
O congresso ocorreu em um cenário marcado por intensas dificuldades e grandes desafios. Em tempos de crise profunda, é natural que surjam debates densos, e eles não são apenas esperados, como indispensáveis. São justamente essas discussões que permitem aprofundar nosso programa político e preparar a organização para enfrentar as exigências do novo período que se desenha. Nosso horizonte é a revolução socialista, e seguimos confiantes na classe trabalhadora e na construção do nosso partido, como disse Fernando Lacerda de Goiás: “Navegamos buscando chegar em um destino, e pra isso precisamos saber qual é o horizonte, ler as estrelas pra se orientar, utilizar o vento tal como é em seu favor e saber manejar o barco”.
Reafirmamos o compromisso com um processo contínuo de elaboração política, formação marxista e intervenção planejada na luta de classes. Não há fórmulas mágicas: a correlação de forças entre as classes só se altera por meio da ação concreta na luta. Mesmo em um período de refluxo, seguimos firmes na convicção de que a única alternativa real é o fortalecimento das lutas. Para que a classe trabalhadora recupere confiança, é necessário que surjam processos de mobilização que lembrem aos trabalhadores e à juventude sua força coletiva.
Apesar dos desafios, conseguimos contribuir diretamente com a construção de lutas essenciais construídas no último período no Brasil. Felipe Tavares do Rio Grande do Norte lembrou que estivemos à frente de construções muito importantes nos rumos da Greve da Educação em 2024, atuando em vários coletivos de luta como o ANDES e o SINTEST, e construindo o coletivo Luta Educadora. Enquanto o congresso acontecia nossa mobilização estava também na construção da luta do SINPEEM em São Paulo.
Nossa militância esteve atuante também na luta contra a PL 1904 em lugares como Baixada Santista, São Paulo, Goiás e Natal e tem se comprometido com a luta pelo direito ao aborto legal, seguro e gratuito no Brasil. Como colocou Bel Kepler: “Passamos por um ciclo importante de luta das mulheres, com momento de avanços e recuos. Hoje o movimento está mais fraco, mas a defesa do direito ao aborto é uma questão que mobiliza as mulheres, como vimos na luta contra a PL1904 do ano passado”.
Devemos continuar a aprofundar também, em nossas formações, nossa compreensão marxista sobre uma abordagem feminista socialista clara para a luta contra a reação da direita, contra a opressão das mulheres e pessoas LGBTQIA+, e que isso é tarefa do conjunto da militância. A necessidade de aprofundar nossa compreensão da opressão racial, como parte da preparação para as lutas deste período, também foi destacada.
Reconhecemos que nossas forças ainda estão aquém do necessário para a transformação revolucionária que a conjuntura exige. Mas confiamos que, com uma orientação política sólida e compartilhada, seremos capazes de avançar, acompanhando o despertar da classe trabalhadora diante desta nova fase. Como disse Manuella Santos, jovem militante de Goiás de 14 anos de idade, contribuindo para a renovação do compromisso coletivo nas esperanças para o próximo período: “Não desistam! Apesar de difícil, juntos nós vamos conseguir vencer essa luta!”.
A única saída está na construção coletiva, baseada na independência de classe e em um programa capaz de romper com o sistema! Se você compartilha da urgência de construir uma alternativa revolucionária internacional contra a crise capitalista, a guerra e a opressão, junte-se a nós!