O PSOL precisa romper com a política de conciliação de Lula

Ficar a reboque do PT enfraquece a construção de uma alternativa necessária para barrar a extrema-direita
A vitória e os ataques implementados por Trump e Milei mostram a ameaça que a extrema-direita representa atualmente. Isso em um contexto de crise generalizada do capitalismo no mundo, com crescente conflitos entre as grandes potências imperialistas, guerras, mudanças climáticas e aumento vertiginoso da desigualdade e fortunas dos ricos. É um contexto em que uma grande parte da classe dominante no mundo tirou a conclusão de que o caminho é apostar no militarismo, no nacionalismo e em atacar todos os direitos da classe trabalhadora. A melhor ferramenta que possui hoje para implementar isso é a extrema-direita.
Esse cenário aponta para que um governo Bolsonaro 2.0 (ou outra figura representando a extrema direita) tende a ser pior que Bolsonaro 1.0. Também nos demonstra, no caso da última eleição nos Estados Unidos, de que a política do “mal menor”, de apostar em uma alternativa moderada que tenta administrar a crise nos limites do sistema, é incapaz de barrar o avanço da extrema-direita.
Infelizmente, a estratégia do campo majoritário do PSOL (“PSOL de Todas as Lutas”) de “apostar em que o governo dê certo”, partindo da premissa que só Lula e uma frente ampla nas eleições 2026 pode nos salvar do abismo, é falha e pode abrir para novas derrotas.
Só a mobilização independente da classe trabalhadora, que une a luta por direitos sociais com a luta contra os ataques vindo dos governos e a ameaça da extrema-direita, e que ultrapassa os limites do sistema, pode acumular força suficiente para barrar a extrema-direita.
Blindando o governo
A política do setor majoritário do PSOL tem sido de a cada momento tentar blindar o governo de críticas e colocar a culpa por ataques no “Centrão”, juros altos ou atuação do mercado. Mas o governo não é refém de uma força externa. A estratégia de Lula é construir sua governabilidade em acordo com a direita e dentro dos limites do sistema.
As principais propostas da política econômica partem da equipe de Haddad, como foi o caso do Novo Arcabouço Fiscal e o pacote de cortes apresentado em novembro.
Diante da apresentação do pacote, os deputados do setor majoritário, como Guilherme Boulos, Erika Hilton e Henrique Vieira se calaram sobre os ataques. Ou pior, Henrique Vieira fez uma postagem inicial saudando o pacote com um avanço para a justiça social, repetindo acriticamente os argumentos do governo.
No final, a bancada do PSOL votou corretamente contra o pacote. Mas isso não é suficiente. É preciso fazer uma luta política contra qualquer ataque aos direitos da classe trabalhadora, especialmente quando é direcionado contra os mais pobres.
Essa falta de alternativa independente de esquerda, que possa fazer oposição também aos ataques que partem do governo federal, abre espaço para a direita canalizar a insatisfação, como vimos na crise do Pix.
Repercussão nas lutas
A visão de que qualquer iniciativa de denúncia aos ataques e defesa de direitos através das mobilizações, se forem direcionadas contra o governo, abrirão espaço para a direita, desarma as lutas e enfraquece exatamente a força que pode impedir a extrema-direita.
Temos visto efeitos claros disso no último ano. A mobilização mais forte do ano passado foi a greve da educação federal, uma categoria que tem tudo a perder com um governo de direita. Foi uma greve forte que teve que passar por cima da oposição contra a greve por parte dos petistas e a vacilação por parte da majoritária do PSOL.
Outra luta importante nos últimos meses tem sido a do ASSIBGE, que travou uma luta contra o lançamento da “fundação pública de direito privado” IBGE+, uma forma de privatização, imposta pelo presidente Márcio Pochmann, do PT, sem qualquer diálogo com os trabalhadores. Nessa situação, as frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular, onde o PSOL, especialmente a Revolução Solidária, tem influência, lançaram uma nota em janeiro em defesa de Márcio Pochmann, contra “ataques sofridos por funcionários oportunistas”, sem mencionar a disputa contra a política de privatização! Isso enquanto o pacote de cortes do governo passou sem nenhuma nota dessas frentes.
Um aspecto da institucionalização do PSOL tem sido um foco em ações jurídicas. Ações jurídicas podem ser uma ferramenta para dar visibilidade a problemas, ou ganhar tempo para frear ataques, mas não substituem a mobilização de luta. Não podemos confiar na justiça burguesa. Vimos como o STF aceitou o golpe parlamentar totalmente infundado contra Dilma. Agora a esperança é que Xandão nos irá salvar de Bolsonaro. Mas sem uma mobilização de massas, algum acordo que abra o caminho para Bolsonaro em 2026 sempre será possível. O tema do “Sem anistia” é importante, mas só terá força se for combinado com uma luta que também traz avanços reais para a classe trabalhadora.
Autoritarismo interno e giro à direita
Ao mesmo tempo que se aprofunda uma linha de aproximação ao petismo, a direção majoritária fecha o cerco contra a oposição interna. A bancada do PSOL tomou duas decisões graves no início de fevereiro. A primeira foi a demissão (por 8 a 5) do assessor técnico David Deccache, economista com oito anos de trabalho para a bancada. A demissão ocorreu sem que a bancada inteira pudesse ouvi-lo. Alegaram, sem apresentar provas, que ele teria “ofendido publicamente Guilherme Boulos, Henrique Vieira e Erika Hilton”.
Na verdade, o que ele tem feito é um debate duro contra o arcabouço fiscal e o pacote de cortes do governo. Por exemplo, criticou duramente – e com toda razão – o deputado Henrique Vieira quando este afirmou que o pacote de Haddad visava “combater fraudes” no BPC.
A segunda decisão foi romper o acordo de alternância na liderança da bancada, concentrando os cargos apenas no grupo majoritário. O tema gerou grande repercussão, com relatos sobre um “racha na bancada”.
Esse processo de adaptação ao petismo faz parte do giro à direita do partido, que se aprofundou com o acordo eleitoral com o PT em 2022 e o congresso do partido em 2023. Ele reflete derrotas importantes desde o golpe contra Dilma 2016 e a vitória de Bolsonaro em 2018 e um nível mais baixo de lutas nos últimos anos. Tudo isso, junto com erros dos setores da esquerda mais influentes, levou ao enfraquecimento do processo de reorganização da esquerda iniciado em 2003-04, com o surgimento do PSOL, Conlutas e outras iniciativas que romperam com o petismo.
A trajetória de crescimento do partido também se reverteu nas últimas eleições municipais, com menos vereadores eleitos e nenhuma prefeitura. Mas mesmo assim a tendência é que a política de alianças com o PT se aprofunde nas próximas eleições e está sendo levantado a possibilidade do PSOL entrar na federação do PT, considerando que os critérios da cláusula de barreira serão mais duros.
Outro caminho é possível?
Todos esses erros são baseados em uma leitura fatalista da situação atual, que vivemos em uma “situação reacionária” e uma “onda conservadora” e que por isso não há muito que fazer.
Existe uma polarização social profunda no mundo, que hoje tem mais expressão à direita, mas que também traz um potencial para a esquerda. No ano passado a frente de esquerda na França liderada por Mélenchon conseguiu frear o avanço da extrema-direita com um programa radical nas eleições.
Nas eleições recentes na Alemanha, o Die Linke (A Esquerda), teve um resultado muito melhor do que esperado, combinando a resistência à ameaça da extrema-direita com um programa também pela esquerda.
Esses exemplos também têm seus limites, já que esses tendem a recuar diante da necessidade de assumir uma política realmente antissistêmica. Die Linke, por exemplo, participa em governos estaduais que implementam cortes. Porém, eles mostram o potencial que existe mesmo em uma situação que pode parecer adversa.
Há um potencial importante para lutas no próximo período. Podem ser lutas contra ataques dos governos locais, contra os altos preços de alimentos, mas também é possível que o detonador seja novos pacotes de cortes do governo federal. Seja qual for a luta, é importante que haja uma alternativa independente de esquerda.
Não podemos chegar em 2026 e a única alternativa para quem está corretamente insatisfeito com os limites do governo Lula seja pela direita. Isso só favorece à direita.
É necessário que seja apresentada uma alternativa pela esquerda, com um programa socialista, que busque força dentro e fora do PSOL. Isso é importante mesmo sendo minoritário e entendendo que em um segundo turno a prioridade é barrar a extrema-direita.