Venezuela: Uma nova fase e grandes perigos
A chegada ao poder de Hugo Chávez em 1998 representou uma importante mudança na situação mundial. Foi o primeiro governo a chegar ao poder que não abraçou as ideias do neoliberalismo que dominou todos os governos e as elites nos anos 80 e 90. A luta na Venezuela passou por diferentes fases e giros. Agora ela entrou numa fase nova e crítica. A ameaça de contra-revolução permanece porque o capitalismo, infelizmente, não foi derrotado e suplantado pela produção planejada de uma democracia socialista baseada no estabelecimento de um sistema democrático de trabalhadores e camponeses. O CIT comentou em várias ocasiões que uma das mais sérias fraquezas na situação venezuelana é a falta de uma organização independente e consciente dos trabalhadores que se coloque a frente na luta pela revolução socialista. O movimento bolivariano tem funcionado de cima para baixo, sem controle consciente pelos trabalhadores. Como resultado, métodos administrativos, burocráticos e agora, infelizmente, repressivos têm sido usados contra os trabalhadores e aqueles que questionam ou desafiam o regime pela esquerda. Esses dois elementos – a predominância do capitalismo e os métodos repressivos burocráticos – se fortaleceram no último período.
O futuro do governo Chávez está no fio da navalha. Os métodos e as limitações do seu programa estão agora seriamente minando seu apoio. As eleições parlamentares à Assembleia Nacional ocorrerão em 2010.
A ameaça de “contra-revolução” permanece na medida em que setores da população ficam mais frustrados e desiludidos com o governo atual.
As políticas populistas radicais impulsionadas por Chávez elevaram rapidamente a cólera do imperialismo americano e da classe dominante venezuelana que tentaram impedi-las. A luta na Venezuela passou por diferentes fases e giros. Agora ela entrou numa fase nova e crítica. Inicialmente, Chávez falou apenas em ‘revolução Bolivariana’. Deu início a uma série de programas de reformas. As“Misiones” na saúde (Barrio Adentro) e na educação (Mision Robinson) foram bem populares. Um milhão de pessoas deixaram o analfabetismo e milhões tiveram acesso a médicos pela primeira vez. Três milhões tiveram acesso à escola primária e secundária. Mais de dois milhões de hectares de terra foram distribuídos a cooperativas camponesas desde que Chávez chegou ao poder em 1998. Essas reformas e outros aspectos de seu programa rapidamente colocaram seu regime em conflito aberto com as oligarquias que tinham estado no poder anteriormente e provocou a ira do imperialismo americano.
A tentativa de golpe em 2002 e depois o lock out patronal em 2002/3 foram seguidos por uma série de atos de sabotagem, provocando escassez de mercadorias e desafios eleitorais. Todas essas tentativas de contra-revolução foram derrotadas. Foram impedidas por um movimento independente, espontâneo e massivo das massas dos de baixo. A derrota dessas tentativas de contra-revolução representou vitórias importantes.
Em 2005, empurrado por esses eventos e pela pressão das massas de pobres e trabalhadores, Chávez foi avante e pela primeira vez declarou que os objetivos da revolução Bolivariana eram agora construir o “Socialismo no século XXI”. Assim, pela primeira vez depois da queda do muro de Berlim, mais uma vez o socialismo voltou a agenda política e representou um desenvolvimento positivo.
No entanto, uma coisa é falar de socialismo, outra é entender que programa e métodos são necessários para atingi-lo. Os marxistas também têm o dever de apontar e discutir as fraquezas, deficiências e perigos que estão presentes em qualquer movimento e que podem ser barreiras para derrotar o capitalismo. É necessário ajudar os trabalhadores e socialistas em achar o caminho correto para levar a luta adiante e chegar à revolução socialista. Dessa maneira, pode-se construir um socialismo genuíno através de um sistema real de democracia dos trabalhadores e se valer das experiências do movimento histórico e internacional dos trabalhadores. Os marxistas se empenham em ajudar os socialistas na Venezuela em usar as experiências dos trabalhadores em outras lutas como meios de avançar a luta para a revolução socialista. Nós também achamos bem-vindos os comentários e críticas dos trabalhadores na Venezuela às lutas dos trabalhadores em outros países.
O CIT saudou os passos a frente dados na Venezuela. Mas nós também alertamos para os perigos enfrentados pelo movimento de contra-revolução e reação devido às deficiências do programa, do método e da organização da classe trabalhadora. Diferente de alguns da esquerda, nós evitamos cair tanto no oportunismo – em agir apenas como torcedores e conselheiros de Chavez – quanto atacar Chavez de forma pessoal e sectária.
A ameaça de contra-revolução permanece porque o capitalismo, infelizmente, não foi derrotado e suplantado pela produção planejada de uma democracia socialista baseada no estabelecimento de um sistema democrático de trabalhadores e camponeses. Agora, uma fase nova e crucial se abriu na Venezuela que coloca novos perigos para a luta pelo socialismo.
O fracasso em derrotar o capitalismo resulta hoje em uma série de novos ataques contra os programas de reformas e contra a classe trabalhadora. A nova elite rica que se escondeu nas costas do movimento e um aparato burocrático crescente, permeado de corrupção, estão cada vez mais entrando em conflito com os trabalhadores e com a luta para levar a revolução adiante. Usando uma “retórica socialista”, a nova elite burocrática que está emergindo vem adotando, mais e mais, medidas repressivas contra os trabalhadores e aqueles que entram em conflito ou criticam o regime.
O CIT comentou em várias ocasiões que uma das mais sérias fraquezas na situação venezuelana é a falta de uma organização independente e consciente dos trabalhadores que se coloque a frente na luta pela revolução socialista. O movimento bolivariano tem funcionado de cima para baixo, sem controle consciente pelos trabalhadores. Como resultado, métodos administrativos, burocráticos e agora, infelizmente, repressivos têm sido usados contra os trabalhadores e aqueles que questionam ou desafiam o regime pela esquerda.
Esses dois elementos – a predominância do capitalismo e os métodos repressivos burocráticos – se fortaleceram no último período. O processo revolucionário que se desenvolveu, especialmente após a tentativa de golpe e o lock out em 2002/3, empacou nessa conjuntura. Se um processo revolucionário não avança, ele pode começar a corroer e mesmo apodrecer.
Infelizmente, essa ameaça está se fortalecendo na Venezuela. Como resultado, o apoio a Chávez está diminuindo e erodindo. Mesmo a ideia do socialismo está começando a ser desacreditada entre um setor pelo fracasso da revolução em avançar. Há uma mudança qualitativa em curso que levanta o espectro de uma contra-revolução. Uma contra-revolução, no entanto, que está sendo dirigida por dentro do próprio movimento chavista.
Essa burguesia se configura pelos setores da velha elite e que se juntaram a Chavez, e estão agora se enriquecendo e tendo enormes lucros com todo o processo. A isso, devemos somar os “novos ricos” que surgiram. Hoje o termo ‘Boli-burguesia’ é um lugar comum na moderna Venezuela. Há um forte elemento nesse processo que foi visto na África do Sul onde um setor do CNA enriqueceu após a queda do regime do apartheid. Eles se tornaram uma nova classe media alta e até um setor da classe capitalista. Esse processo tem avançado bastante sob o nome do “socialismo” na Venezuela hoje. Há até uma organização composta por “empresas socialistas” – empresas que se declaram socialista mas operam como capitalistas assim como o grupo organizado nacionalmente chamado “Socialistas de Classe Média”.
Essa fração inclui pessoas como Ricardo Fernandez Barruesco, que começou na indústria de alimentos e agora diversificou as atividades comprando o Banco Canarias, Bolivar Banco e muitos outros. Há também membros da nova elite como Wilmer Ruperti. Uma década atrás, ele era simplesmente mais um “homem de negócios”. Hoje ele é um magnata da navegação e um bilionário. Na verdade, ele é o homem mais rico da Venezuela. Ele fez sua fortuna durante o lock out usando seus navios-tanques para furar a “greve” e transportar óleo para o governo. Desde então, ele foi muito bem recompensado, com contratos lucrativos com a companhia de petróleo, PDVSA. Apesar desse setor ter tentado se reconciliar com Chávez, eles permanecem claramente mais um setor da velha elite assim como as forças de direita que estão ainda determinadas a derrotá-lo.
O crescimento da ‘Boli-burguesia’ é um aspecto que deve prosseguir no próximo período. Chávez, enfrentando um declínio da economia com uma queda de 10.25% da produção industrial no terceiro quarto desse ano, fortaleceu o apelo para que o setor privado ajude a recuperar a economia. Identificando 54 pontos que são necessários para socorrer a economia, ele pediu aos bancos privados – alguns dos mais ricos da América Latina – que auxiliem em estimular a economia aumentando o crédito ao setor comercial. (Ultimas Noticias 22/9/09).
Enquanto algumas das “nacionalizações” feitas pelo governo ganharam bastante publicidade internacional, a maioria delas, na verdade, acabaram como joint ventures nomeadas de “empresas mistas”. Todo ímpeto da política econômica do governo Chavez foi aumentar a intervenção estatal mas deixar no lugar uma economia mista capitalista – usando o termo “socialismo”.
O impacto da crise
No começo da crise econômica mundial, Chávez negou que a Venezuela seria afetada. No entanto, esse argumento agora é insustentável com os efeitos da queda do preço do petróleo começando a atingir a economia. Incrivelmente, a companhia estatal de petróleo aumentou seu endividamento em 146% durante 2008! Estima-se que a PDVSA tenha a enormidade de US$12 bilhões em contratos. Isso agora tem um impacto direto na capacidade do governo em manter seus pacotes de reformas populares.
A maioria dos programas social e de reforma era financiada pela PDVSA. O aumento da dívida da companhia está agora levando o governo a cortar o programa de reforma social. Os gastos do programa social foram cortados em 58% em 2008, comparado a 2007. Cortes futuros estão planejados em 2009. Quando a inflação, chegando a 30% – a mais alta da América Latina – é levada em conta, economistas calculam que o valor real do orçamento anunciado para 2009 será 30% menor que em 2007!
A esses cortes, devemos acrescentar as consequências devastadoras dos métodos, burocráticos, da corrupção e ineficiência que nos últimos anos marcou fortemente mesmo as populares “Misiones” – programas de reforma. Isso inclui os programas mais populares como Barrio Adentro (Saúde) e Mision Robinson (a campanha para erradicar o analfabetismo); o supermercado gerido pelo Estado, Mercal; e o controle de preços nos bens básicos feito pelo governo.
Os postos de saúde geridos pelo Barrio Adentro, abertos para suprir as demandas dos ’barrios’, ficam agora mais tempo fechados do que abertos. Reclamações de médicos cubanos sobre a crise que existe no setor de saúde foram enviadas para Havana e levou Fidel Castro a escrever a Chávez alertando-o de que o sistema de saúde não está funcionando. Chávez se pronunciou afirmando que recebeu a carta de Fidel e que algo deveria ser feito, como se ele não tivesse nada a ver com o problema. Por que foi necessária uma carta de Fidel para alertar o governo venezuelano de uma crise no seu próprio setor de saúde?
As reformas populares na saúde, como várias outros programas de reforma, acabaram na bagunça e na corrupção da burocracia e pela ausência de um qualquer planejamento mesmo em um setor. A introdução de um planejamento unificado no setor de saúde, dirigido por um sistema de controle e gestão democráticos dos trabalhadores, poderia servir de exemplo do que é necessário para o resto da economia.
Infelizmente, o setor de saúde está sofrendo de uma crise cada vez mais profunda. A introdução de novos postos de saúde, que deu aos mais pobres acesso a um médico, foi acompanhada pela estagnação e cortes no sistema de saúde existente. Fora dos postos do programa Barrio Adentro, uma consulta a um médico local vem acompanhada de uma conta a pagar! A crise na saúde chegou agora a proporções explosivas.
Serviços básicos como as cozinhas e lavanderias de um dos maiores hospitais de Caracas, El Agodonal, foram fechados ou não estão funcionando corretamente por anos e estão causando infecções e contaminações. Uma caminhada pelo hospital, que já recebeu Che Guevara, e você verá projetos de reformas abandonados por mais de um ano. Entre 2007 e 2009, o governo autorizou mais de 2 bilhões de Bolivars para consertos na infraestrutura do hospital. Até agora, nenhum projeto atingiu 30% de sua execução depois de dois anos. Isso tem um efeito direto no funcionamento do hospital. El Agondonal está funcionando com apenas 30% de sua capacidade.
Apesar dos numerosos médicos cubanos mandados ao país, ainda há um défict de 30% de médicos na Venezuela.
A ausência de uma sistema de gestão e controle genuinamente democrático dos trabalhadores está resultando num câncer de corrupção e burocracia abocanhando e destruindo a efetividade dos programas de reformas. Sob Chávez, houve um crescimento explosivo da burocracia estatal. A recente reorganização do governo fez Chávez agora ter seis vice-presidentes! O estado hoje emprega mais de dois milhões de pessoas de uma força de trabalho de 12 milhões. O número de administradores estatais cresceu enormemente. A quantidade de administradores trabalhando para a estatal petrolífera PDVSA cresceu em 266% desde 2002. A companhia de eletricidade nacionalizada emprega aproximadamente 42,000 trabalhadores que estão divididos em mais de 200 departamentos gerenciais!
Os projetos de infraestrutura que o governo inicia frequentemente ficam incompletos – muitas vezes como resultado de má-administração burocrática e de corrupção. No centro de Caracas, um novo corredor de ônibus, construído ao lado de movimentadas ruas supostamente para aumentar a velocidade das viagens de ônibus pela cidade, permanece incompleto e é usado por carros e motos: culpa da corrupção e do fato da companhia russa contratada para construí-la ter pego o dinheiro e fugido. A essa lista lamentável, devemos somar os cortes de energia e água que ocorrem frequentemente. Isso se deve parcialmente à falta de investimento, parte pela má administração burocrática, e também às mudanças climáticas do efeito do El Nino.
Este é um país com capacidade potencial abundante para desenvolver mais do que adequados fornecimentos de energia hidro-elétrica, dado ser vasto em rios e acesso a água. Chávez afirma que esses cortes são consequência de mudança no padrão climático. Na realidade, os cortes em energia e água são um símbolo da falta de investimento sério em infra-estrutura desde que Chávez chegou ao poder e nas décadas anteriores a ele. A solução que Chávez apresentou foi: banho de apenas 3 minutos. Um minuto para se lavar, outro para ensaboar e o terceiro para enxaguar! Isso supondo que se tenha acesso a um chuveiro com abastecimento de água.
Mesmo o limitado programa de reforma agrária foi afetado pelo crescimento da burocracia e também pela falta de subsídios para que os trabalhadores e camponeses possam comprar máquinas. Desde 1999, o Estado desapropriou cerca de 2,5 milhões de hectares de terra. Em 1999, a quantidade de carne produzida por mês foi de 17,4 kg por pessoa. Isso era suficiente para satisfazer quase todo o mercado interno. A produção em 2009 deve cair a meros 7,8 kg por mês – aproximadamente 38% da demanda local. Isso levou o Estado a importar mais de 50% da carne consumida na Venezuela.
Os trabalhadores devem, sem dúvida, estar preparados para aceitar sacrifícios e mesmo reduzir o padrão de vida por um curto período se necessário em determinadas condições. Um exemplo é a situação que seguiu a revolução russa em 1917, quando a revolução ficou isolada e ameaçada, com 21 exércitos do imperialismo intervindo para tentar esmagá-la. No entanto, para os trabalhadores aceitarem tal dureza, eles devem estar convencidos que isso é necessário para defender a revolução socialista, e sentir que os dirigentes e ativistas estão também preparados para fazer tal sacrifício. Quando há desigualdade e corrupção crescentes, e um enriquecimento de um setor da população, os trabalhadores não aceitarão ataques e cortes no padrão de vida. A contínua pobreza em massa que existe em Caracas, a corrupção e ausência de um claro caminho a seguir estão refletidos nos altos níveis de crime e violência, entre os maiores da América Latina.
O CIT saudou os programas de reforma quando eles foram criados como um passo positivo afrente. Porém, nós também alertamos que, a menos que se supere o capitalismo e seja criada uma genuína democracia de trabalhadores e camponeses, esses programas poderiam ser sustentados e avançar. Agora eles estão retrocedendo sob o impacto da profunda crise econômica.
O controle dos preços que Chavez implementou permaneceu uma formalidade que não teve relação com os preços de fatos dos bens vendidos na rua graças ao estocamento, a especulação e o lucro abusivo. Mesmo o supermercado popular Mercal aumentou significativamente os preços de vários alimentos básicos. O preço do arroz aumentou em 29%, o leite em 68% e o macarrão em 78%. Ainda que esse supermercado estatal ofereça preços mais baratos, esses aumentos estão afetando diretamente os mais pobres. Ironicamente, vinte anos depois da queda do muro de Berlim, o racionamento, as prateleiras vazias e as filas gigantescas fazem a ida ao supermercado Mercal lembranças dos antigos regimes stalinistas do Leste Europeu e da antigo União Soviética. Não é incomum ter que percorrer quarto ou cinco lojas para encontrar leite. Num domingo é quase impossível de encontrá-lo. Sem uma democracia planejada esses racionamentos são inevitáveis.
Em parte, esses racionamentos são produtos da sabotagem econômica por setores das empresas capitalistas de direita. No entanto, em parte eles, são também consequência da burocracia, da má administração e da corrupção.
Durante o governo de Salvador Allende no Chile, entre 1970 e 1973, racionamentos de alguns bens surgiram em consequência de sabotagem e boicotes dos patrões, que estavam preparando as condições para um golpe militar contra o governo. No Chile, as consequências desses racionamentos foi parcialmente superada pela democracia dos trabalhadores e pelas organizações populares que existiam naquele momento. Os comitês de fábricas, Cordones – e os JAPs que foram criadas nas favelas – organizaram a distribuição de comida segundo as necessidades básicas e a disponibilidade. A especulação nos preços foi controlada pelos JAPs por um certo período em que eles estabeleceram os preços dos alimentos básicos. Infelizmente, organizações desse tipo não existem na Venezuela. Tais organizações são necessárias para lidar com o racionamento de alimentos causado tanto pelos patrões quanto pela corrupção e ineficiência da burocracia.
As lições da história – a classe trabalhadora deve tomar a frente
O regime de Chávez sofre da contradição inconciliável que surge ao tentar implementar reformas e mantê-las sem superar o capitalismo e implementar uma economia planificada socialista e democrática. Os marxistas saúdam todas as reformas que beneficiam os trabalhadores e os pobres. No entanto, sob o capitalismo todas as reformas e concessões que foram conquistadas estão sob ameaça e podem ser retiradas. O sistema capitalista não sustenta e não permite um programa contínuo de reformas. Isso foi claramente demonstrado durante os movimentos revolucionários que convulsionaram o México entre 1910-20 e a Bolivia em 1952. O fracasso em derrotar a oligarquia e o capitalismo em ambos os casos resultaram na destruição dos enormes ganhos e reformas conquistadas durante as duas revoluções. O mesmo processo está em curso na Venezuela hoje.
Essa contradição foi acirrada na Venezuela pelos métodos advindos dessa “revolução”. Ela foi dirigida de cima para baixo, usando os métodos administrativos e burocráticos sem uma organização consciente dos trabalhadores e das massas que controlasse o processo por baixo.
Esses métodos foram aplicados por Chavez desde o começo e refletiram seu passado militar e a ausência de um movimento independente e consciente organizado da classe trabalhadora e dos pobres. O melhor das tradições da classe trabalhadora de cada país precisa ser incorporado num forte movimento revolucionário com o programa e método necessários para derrotar o capitalismo. Ao mesmo tempo, é preciso superar as fragilidades e deficiências que existem. Uma revolução socialista não pode ter sucesso disfarçando e ignorando os problemas e obstáculos existentes.
Na Venezuela, diferentemente do Chile, Bolívia ou Brasil, a organização independente dos trabalhadores sempre foi fraca sindical e politicamente. A primeira federação sindical de fato, a CTV, não foi formada até 1936 e não começou a funcionar realmente até os anos 50. O Partido Comunista só foi formado em 1931 – na clandestinidade e como um partido stalinista desde sua origem. Não houve um bastião histórico como o dirigente Luis Recabarren no Chile, que teve um papel central na construção do movimento independente dos trabalhadores, criando vários jornais operários, ajudando a construir sindicatos e o Partido Comunista e que chegou ao Congresso do Comintern, conhecendo Lenin e Trotski.
Essa fragilidade foi um dos fatores que permitiu Chavez e seus apoiadores assumirem a direção do movimento e moldar seu caráter a partir dos anos 90. Esse ponto foi ilustrado pelo dirigente da histórica guerrilha esquerdista, Douglas Bravo, que colaborou com Chávez. O escritor britânico, Richard Gott, em seu livro, “In the shadow of the Liberator” cita Douglas Bravo que reconta o encontro com Chávez. Eles estavam discutindo a questão da greve geral e a preparação de um levante contra o velho regime. Gott comenta: “Isso era exatamente o que Chávez não queria, absolutamente. Chávez não queria que os civis participassem como uma força concreta”. Bravo conta que durante a discussão acalorada, Chavez interveio: “os civis apenas atrapalham”. (‘Shadow of the Liberator’ page 64/65).
Em discussões recentes, em Caracas, com esse autor, Bravo foi além e ilustrou como Chávez fez tudo que era possível para evitar o envolvimento ativo das massas. Em 1992, Chávez iniciou uma rebelião militar populista radical que foi derrotada. De acordo com Bravo, durante a reunião mencionada por Gott, participaram várias organizações estudantis, civis e outras incluindo oficiais do exército como Chávez. Uma data específica em Fevereiro foi acordada para um levante conjunto civil e militar. Para evitar o envolvimento da populações civil, Chavez se lançou às armas e organizou seu derrotado golpe populista alguns dias antes.
Infelizmente, as experiências da guerrilha de Bravo e os desenvolvimentos nacional e internacionalmente levou ele a renunciar o “marxismo-leninismo” e abraçar o “humanismo de esquerda” como uma alternativa ao regime de Chávez.
O enfoque militar hierárquico do movimento bolivariano tem sido uma das suas características desde que Chávez chegou ao poder. O CIT alertou em diversos artigos e documentos sobre as consequências deste perigo. Por exemplo, nós alertamos: “…sem um controle democrático dos trabalhadores, esses setores do exército que se veem tendo um papel dirigente podem levar ao desenvolvimento de tendências burocráticas e administrativas chegando ao autoritarismo. Sem uma clara compreensão do papel da classe trabalhadora na revolução e sem o controle democrático, mesmo o mais bem intencionado dos oficiais desenvolverão tais tendências e farão impor sua vontade sobre a classe.” (‘Os Socialistas Revolucionários e a Revolução Venezuelana’ – 2004).
Hoje, o aparato repressivo do estado e do partido começaram a ser usado diretamente contra setores dos trabalhadores que foram a luta para defender seus salários e os direitos democráticos.
Infelizmente, a máquina estatal dirigida por Chávez tanto na frente sindical quanto na frente política tem começado a adotar formas stalinistas de repressão contra os trabalhadores e aqueles que criticam o governo pela esquerda. Os críticos de esquerda estão sendo denunciados como contra-revolucionários ou “agentes do imperialismo, da CIA e do MI5”. Dentro do PSUV isso é frequentemente usado pelos setores da burocracia contra aqueles que levantam a questão do genuíno controle pelos trabalhadores, falando contra a corrupção e citando Trotski. Em uma ocasião, um dirigente do PSUV disse a um apoiador do CIT que só é permitido falar de “Chávez, Fidel, Che, Mao mas não do contra-revolucionário Trotski”. Isso apesar de Chávez ter citado positivamente Trotski num discurso. Um militante de base do PSUV que discursou contra a corrupção foi simplesmente denunciado como “contra-revolucionário”.
São métodos quase stalinistas que fazem lembrar aqueles usados durante a guerra civil espanhola pelos dirigentes do Partido Comunista. Na Espanha, a classe trabalhadora se levantou contra a rebelião fascista e levou a revolução adiante – chegando a controlar quatro quintos do país. O velho estado burguês estava encurralado enquanto a classe trabalhadora avançava à revolução. No entanto, os trabalhadores não tiveram sucesso em constituir e estabelecer seu próprio estado ou tomando o poder completamente em suas mãos. A política dos stalinistas era recuar na revolução socialista e pactuar um acordo com um setor “progressista” dos capitalistas. Como uma consequência dessa política, o estado capitalista foi reconstituído, a revolução foi derrotada e os fascistas de Franco tomaram o poder. Aqueles que se opunham à política do Partido Comunista foram denunciados e frequentemente executados como “contra-revolucionários”.
Essa não é a situação na Venezuela hoje, mas o uso de métodos quase stalinistas são uma sombra daqueles usados durante a guerra civil espanhola onde tanto o capitalismo quanto o estado burguês se mantiveram vivos.
Durante este ano, houve um significante aumento na quantidade de greves que lutavam por melhores salários e condições de trabalho, e em defesa dos direitos. Segundo algumas estimativas, houve mais de 400 disputas laborais nos 20 meses anteriores a agosto de 2009. Isso incluiu setores do aço, eletricidade, ferro, alumínio, transporte, saúde e outros. Em resposta, o Estado usou os métodos repressivos contra eles.
Quando trabalhadores do Metrô em Caracas estavam preparando uma greve para defender um contrato coletivo, Chávez ameaçou colocá-los sob lei militar e proibir o direito à greve. Usando as leis de “segurança nacional”, áreas importantes estrategicamente como Metrô e hospitais foram classificadas como “zonas de emergência” onde protestos e greves estão proibidas.
No Estado de Zulia, quando petroleiros entraram em greve exigindo sua incorporação ao contrato coletivo, 40 membros da Guarda Nacional atacaram os trabalhadores e prenderam os dirigentes sindicais que ficaram detidos por 17 horas.
A mídia mundial deu bastante destaque ao lançamento feito por Chávez do novo celular “socialista”, Vergatario (“excelente”), que começou a ser produzido no primeiro de maio de 2008. Pouca atenção foi dedicada às terríveis condições e à repressão contra os trabalhadores da empresa onde ele é produzido – Vtelca. Sem obrigação de pagar os trabalhadores, a gerência usou vários métodos repressivos contra os trabalhadores, que tentaram formar um conselho e eleger delegados para tratar de questões de segurança e de trabalho. A um certo ponto, a Guarda Nacional foi usada contra os trabalhadores e contra todas as leis trabalhistas quando sessenta trabalhadores foram demitidos por “falta de compromisso e dedicação” ao trabalho.
Setores da classe trabalhadora tiveram que se lançar a ações desesperadas para tentar enfrentar os problemas. Entre eles estão os 27 trabalhadores dos 1,400 que participaram num conflito com a PDVSA. Os trabalhadores estavam exigindo que fossem incorporados ao contrato coletivo ao invés de serem deixados a uma empresa terceirizada sem contrato fixo.
Esses trabalhadores, que não tinham nenhuma confiança nos dirigentes sindicais, iniciaram uma greve de fome. Costuraram suas bocas para não comerem!
Ao mesmo tempo em que esse ação ocorria, setores da direita incentivaram estudantes universitários a tomarem as ruas para protestar contra modestas reformas incluindo reformas na lei educacional. Alguns desses estudantes entraram em greve de fome. Chávez e o governo simplesmente atacaram os trabalhadores por terem sido manipulados pela direita e pelos universitários contra-revolucionários!
Esses ataques contra a classe trabalhadora que tem agido para defender seus direitos abriu uma outra porta para o perigo de forces reacionárias de direita tentar derrubar Chávez. Enquanto trabalhadores na luta são denunciados de “contra-revolucionários” a direita está sendo capaz de se apresentar como “amiga” dos trabalhadores.
Como um setor da velha elite que tentou se reconciliar com o chavismo, uma parte dos velhos sindicatos de direita fizeram o mesmo. Recentemente ocorreram as cruciais eleições para a direção do FUTPV – a federação nacional dos petroleiros. A chapa vencedora foi encabeçada por Wills Rangel com o apoio do governo e do PSUV. Rangel foi, anteriormente, membro da executiva sindical do partido social-democrata Ación Democratica, um dos principais partidos que compunham o establishment anterior a Chávez. Rangel rompeu com a AD somente em 2003.
A situação que se desenvolve na Venezuela é de setores dos trabalhadores sendo denunciados como “contra revolucionários” em nome do socialismo, enquanto se permite que as forças reacionárias capitalistas sejam apresentadas como defensoras dos direitos democráticos e amigas dos trabalhadores.
Em uma subsidiária da empresa nacionalizada SIDOR, centenas de trabalhadores foram excluídos dos contratos coletivos e entraram em greve enfrentando repressão policial e detenções. Um dos dirigentes do sindicado – que é crítico ao governo – declarou: “socialismo do século XXI significa trabalhadores na cadeia!”.
Esses acontecimentos tem minado o apoio a Chávez e às figuras principais de seu governo. Ainda assim, é inevitável que diferentes conclusões desse processo sejam tiradas por setores dos trabalhadores e pobres. Enquanto um crescente número de trabalhadores está se afastando do governo, uma parte dos mais massacrados e oprimidos dá apoio fervoroso ao governo. Vários desses, em algumas áreas, compõem as “patrulhas socialistas” recém formadas que foram estabelecidas como os núcleos de base do PSUV.
Apesar de haver claramente diferentes setores dentro do movimento chavista, uma parte desses grupos comunitários “vigilantes” está sendo mobilizada e mandada para o Metrô e alguns hospitais para impedir que assembleias de trabalhadores sejam organizadas. Algumas vezes, esses grupos são formados pelos mais oprimidos, que estão de forma fanática em defesa de Chávez e que respondem a propaganda de que esses grupos de trabalhadores são privilegiados que apoiam a contra-revolução.
Seria um erro superestimar essa tendência, mas ela está emergindo em algumas áreas e serve de alerta sobre o perigo de um racha dentro da classe trabalhadora e dos pobres. Tem havido uma rápida aceleração de tais métodos no PSUV e na máquina estatal em geral. O PSUV agora afirma ter 5 milhões de filiados. Estão divididos em três categorias – membro pleno, simpatizante, e, o mais numeroso, “a reserva” – “a reserva” é um reflexo de quão longe tem ido a militarização do processo. As medidas da administração burocratizada tem reflexo no PSUV. Candidatos, por exemplo, a delegados ao quarto congresso do partido são escolhidos pelos vice-presidentes regionais do partido, o que levou ao protesto de alguns membros dissidentes excluídos da chapa.
Alguns desses métodos foram inicialmente emprestados do regime cubano. Agora, no entanto, eles parecem terem sido muito mais inspirados no regime chinês, cuja influência tem crescido ao passo que tem aumentado os acordos comerciais e as empresas conjuntas para infra-estrutura. Os chineses estão no processo de construção de uma série de ferrovias de alta-velocidade dentro da Venezuela. Chávez elogiou recentemente o governo “revolucionário” na China e mandou para lá 100 quadros do PSUV para um “treinamento ideológico”. Cada vez mais, a China aparece como seu “modelo”. O governo veiculou na imprensa uma propaganda oficial sobre o aniversário da revolução chinesa elogiando o governo de Hu Jintao!
No entanto, não é apenas o regime chinês que vem tendo apoio entusiasmado de Chávez. Uma das políticas estratégicas de seu governo é tentar formar um bloco de todos os regimes que estão em conflito com o imperialismo americano. Um governo genuinamente socialista revolucionário em qualquer país pode se encontrar isolado por um período até que a revolução se desenvolva em outros países. Sob tais condições, não há nada de errado em o estado dos trabalhadores fazer acordos comerciais que sejam necessários. Explorar rachas e divisões entre diferentes forças imperialistas seria totalmente legítimo sob tais condições. Os bolcheviques, e Lenin e Trotski, foram obrigados a fazer acordos como esses dado o isolamento da revolução russa.
Porém, estabelecer acordos comerciais não é o mesmo do que colecionar elogios a regimes brutais que reprimem e agem contra seu próprio povo em luta. Acordos comerciais não exigem elogios a Ahmadinejad do Irã como se fosse um grande líder revolucionário. O movimento de massa contra esse governo foi, segundo Chávez, todo parte de uma conspiração imperialista. Numa reunião recente dos chefes de estado da América Latina e África (ASA), Chávez adicionou alguns novos amigos em sua lista, incluindo o líder libanês Muammar Gaddafi.
Nem seu governo, nem o governo cubano estavam preparados para condenar a brutal chacina do povo Tamil pelo governo do Sri Lanka e votaram contra a condenação na ONU!
O apoio a regimes como as ditaduras iranianas e libanesas por um governo que alega defender o “socialismo revolucionário” é indefensável e pode apenas ferir a ideia do socialismo entre os trabalhadores nesses países e internacionalmente.
O futuro do governo Chávez está no fio da navalha. Os métodos e as limitações do seu programa estão agora seriamente minando seu apoio. As eleições parlamentares à Assembleia Nacional ocorrerão em 2010. Chávez planeja garantir uma maioria de dois terços. Isso parece improvável agora. Para ajudar nesse objetivo, o governo alterou as regras eleitorais e eliminou o sistema de representação proporcional que existia. Tais ações apenas diminuem seu apoio e reforçam a ideia de que ele está construindo um governo repressivo. É a direita que ganha com isso. A ameaça de “contra-revolução” permanece na medida em que setores da população ficam mais frustrados e desiludido com o governo atual.
Ao mesmo tempo, o prospecto de erupção de mais enfrentamentos entre classes e mesmo grandes explosões sociais contra os ataques do governo está presente na situação. Sob tais condições, especialmente com a recessão econômica aguda, não está excluído que Chávez poderia tomar medidas radicais populistas incluindo mais nacionalizações e expropriações e tomar mais medidas contra a “Boli-burguesia” e a corrupção. Isso apesar da recente acomodação com a sua “nova burguesia” e da burocracia.
Todavia, tais ações não resolvem o problema de fundo se não for baseado num movimento consciente e independente dos trabalhadores com um programa para a revolução socialista. Mesmo que o capitalismo fosse totalmente destruído, a ausência de um governo democrático dos trabalhadores impediria a construção do socialismo.
Um programa para a revolução socialista na Venezuela necessita incluir:
- A introdução de um genuíno sistema de controle pelos trabalhadores através de comitês com delegados eleitos sujeitos a revogação que supervisionem o dia-dia dos locais de trabalho. Acesso dos livros de contabilidade de todas as empresas – incluindo empresas nacionalizadas – para serem inspecionados pelos comités de trabalhadores para acabar com a corrupção e com a burocracia.
- Esses comitês devem se organizar em nível municipal, estadual e nacional. As empresas estatais devem ser geridas sobre base de um sistema democrático de trabalhadores com o corpo administrativo sendo formado de representantes eleitos de trabalhadores da indústria, de setores mais amplos dos trabalhadores e dos pobres e do governo dos trabalhadores e camponeses.
- Todos os oficiais devem ser eleitos e sujeitos a revogação imediata, e receber não mais que o salário de um trabalhador qualificado.
- A expropriação dos bancos, multinacionais e das 100 famílias mais ricas que ainda controlam a economia venezuelana e a introdução de um plano democrático e socialista de produção.
- A formação de uma federação sindical independente e democrática com uma direção eleita sob o controle dos militantes de base.
A luta por tal programa é agora urgente para dar vida à revolução venezuelana e impedir a estagnação, a corrosão e a ameaça da contra-revolução.