Honduras: continua a luta contra o golpe
Com o retorno de Zelaya, que buscou refúgio na embaixada brasileira, aumentou novamente a mobilização contra o golpe, mas também a repressão, com estado de sítio, toque de recolher e morte de ativistas.
O golpe contra o governo de Manuel Zelaya em Honduras no dia 28 de julho é um sinal de alerta para os trabalhadores do continente. Num contexto de crise, a elite hondurenha não estava preparada para aceitar nem as limitadas reformas de Zelaya. Desde então, uma Frente Nacional contra o Golpe de Estado tem organizado lutas diárias e enfrentando a repressão do regime golpista.
Forças do exército hondurenho, em ação coordenada com as lideranças políticas mais reacionárias do Congresso e do poder Judiciário, romperam as regras do próprio regime democrático burguês no país e, na noite de 28/06, sequestraram e deportaram o presidente Manuel Zelaya, eleito em 2005 para um mandato até 2010. No mesmo dia indicaram o presidente do Congresso, Roberto Micheletti, como novo presidente do país.
Os militares e a oposição de direita a Zelaya desferiram o golpe no dia em que estava planejada uma consulta popular informal sobre a possibilidade de que, junto com as eleições gerais de novembro, ocorresse um referendo sobre a convocação de uma Assembléia Constituinte no país.
O golpe de estado em Honduras reflete os interesses de parte da classe dominante e das elites políticas atemorizadas com a perda de controle sobre as ações de Zelaya no último período e seu distanciamento da agenda política e econômica mais conservadora dessas elites. Somente 10 famílias no país controlam 90% da economia, incluindo a mídia, agronegócio, etc.
Manuel Zelaya foi eleito pelo Partido Liberal, mas a partir de 2007 passou a adotar uma postura de aproximação com o governo venezuelano de Chávez, solicitando a adesão formal de seu país à ALBA, Aliança Bolivariana das Américas.
Entre as medidas que Zelaya implementou que desagradaram a elite do país estão um aumento do salário mínimo e uma redução do preço dos combustíveis, se aliando ao Petrocaribe (através do qual o governo venezuelano vende petróleo com preço reduzido aos países do Caribe e América Central).
Independentemente do caráter do governo Zelaya, que não deixa de ser um governo burguês, o golpe de Estado é um duro ataque sobre os trabalhadores e a maioria do povo num país com mais de 50% da população abaixo da linha de pobreza e uma elite reacionária historicamente associada ao imperialismo estadunidense. Honduras sempre foi utilizada como base para operações contra qualquer levante anti-imperialista na região, como no caso de Cuba e Nicarágua.
Um golpe de Estado no momento em que trabalhadores, camponeses, indígenas e jovens de vários países da região ousam levantar a cabeça e resistir contra as políticas que colocam nas nossas costas o preço da crise capitalista é um precedente perigosíssimo.
Derrotar o golpe em Honduras é impedir que os mesmos métodos sejam utilizados no futuro contra o avanço da luta dos trabalhadores nos demais países. É, portanto, uma tarefa unitária e prioritária dos movimentos sociais e da esquerda conseqüente no continente.
Diante da impossibilidade de que até mesmo o imperialismo estadunidense respaldasse abertamente o novo governo golpista – com Obama mantendo uma postura vacilante e dúbia, mas sem reconhecer Micheletti como presidente – os golpistas tentarão manter as eleições de 29 de novembro, sem o referendo sobre a Assembléia Constituinte.
A tática de Zelaya tem sido de apostar no isolamento diplomático do governo de Honduras, paralelo à mobilização de protestos no país.
Ao mesmo tempo em que exigimos uma clara posição de todas as autoridades, governos e organismos internacionais em rechaço ao golpe, não estimulamos nenhuma ilusão nas credenciais democráticas de organismos como a OEA ou mesmo a ONU e alertamos a todos os trabalhadores que fiquem atentos às manobras do imperialismo e seus aliados na América Latina.
O governo de Obama, por exemplo, não reconhece o governo Micheletti, mas recusa-se a dizer que o que aconteceu foi um golpe militar. Segunda a lei estadunidense, no caso de golpe militar o governo teria que cortar toda a forma de ajuda econômica. O governo Obama diz também que não vai reconhecer as eleições, “nesse momento”. Ele pressiona para uma saída negociada. Mas a proposta de mediação de Arias, presidente de Costa Rica, inclui a não convocação de referendo sobre uma Assembléia Constituinte, quer dizer, manter a estrutura social da elite do país.
Zelaya enfatiza sempre que os protestos têm que ser pacíficos, o que é uma maneira de manter o controle e colocar os protestos a serviço das negociações diplomáticas. “Nunca se reverteu um golpe na história de forma pacífica, este vai ser o primeiro”, disse Zelaya, segundo a BBC Brasil. Mas depois de meses de greves e atos, o risco é que, sem uma perspectiva de vitória, o movimento comece a cansar. Os confrontos com o retorno de Zelaya mostram que é uma ilusão perigosa apostar em que o golpe vai ser revertido sem que as organizações de massa da classe trabalhadora organizem sua autodefesa.
Há uma contradição embutida no movimento ao tentar conciliar os setores da esquerda com setores liberais ligados a Zelaya. A grande massa dos trabalhadores quer defender seus direitos democráticos para aprofundar as medidas que favorecem os pobres do país. Em algum momento isso vai se chocar com a linha do Zelaya, que não vê as mobilizações como uma maneira de mobilizar para mudar as estruturas da sociedade.
Zelaya mesmo coloca, segundo a BBC Brasil, que seu governo tem como fonte de inspiração muito mais o governo Lula do que Hugo Chávez. “Em Honduras, há um liberalismo social. Não um socialismo… Sim, temos muita afinidade com Chávez, no amor que ele tem pela América Latina. Mas o povo hondurenho só deve solidariedade a Chávez, pelo apoio que ele nos deu no setor energético, na área da saúde.”
Até agora Zelaya não tem entrado em acordos com a elite, já que ela não cede na questão mais imediata – a restauração do governo derrubado pelo golpe.
As eleições serão um momento decisivo. Com certeza vai ocorrer a uma nova radicalização do movimento. Mas qual é a melhor tática? Participar nas eleições, ou boicotar? Está claro que uma eleição sob as atuais condições não será democrática. Quem controla as eleições é o Judiciário e o Exército, os mesmos setores que destituíram Zelaya. O movimento deve colocar que as eleições devem ocorrer sob o controle dos movimentos, e que devem ser para eleger um parlamento com poderes de uma constituinte, para mudar a estrutura de poder do país.
A Frente Nacional contra o Golpe de Estado decidiu na sua assembléia nacional do dia 06 de setembro não reconhecer as eleições organizadas pelos golpistas.
Mas numa situação em que o movimento perde o fôlego, é possível que grande parte da classe trabalhadora acabe votando num candidato anti-golpe (já existem dois candidatos que se declararam contra o golpe, e quatro a favor). Se não houver um boicote massivo às eleições, o provável é que a maioria dos governos, e principalmente os EUA, acabem por reconhecer o novo governo.
A Frente também deliberou por manter-se organizada sob o nome “Frente Nacional de Resistência Popular” e desencadear a luta por uma Assembléia Constituinte democrática e popular se a “ordem constitucional” for restituída. Isso aponta que a luta continua, mesmo se for feito um acordo sobre as eleições. É importante que a Frente, que inclui os movimentos sociais, sindicatos e partidos de esquerda, se mantenha para organizar a luta, mas é também importante discutir as reivindicações sociais.
Para os trabalhadores e o povo hondurenho é fundamental que se aprofunde a adoção dos métodos de luta da classe trabalhadora, a greve geral, as mobilizações massivas e a organização democrática pela base, incluindo a autodefesa, trazendo consigo todos os demais setores da população pobre e oprimida, para cortar pela raiz a tentativa de inflexão política autoritária e reacionária no país.
É preciso trabalhar para que a ação golpista se reverta numa radicalização maior da luta dos trabalhadores, ultrapassando as moderadas reformas do governo Zelaya, superando os limites do regime político burguês e avançando numa direção autenticamente democrática, anticapitalista e socialista.