II Congresso do PSOL: Faltaram as respostas que os trabalhadores precisam
O ‘Ofensiva Socialista’ entrevistou ANDRÉ FERRARI, membro da direção da LSR e do Diretório Nacional do PSOL, sobre o balanço do II Congresso do partido e as perspectivas para a esquerda socialista no Brasil.
O nome da Tese do Bloco de Resistência Socialista para o II Congresso falava em “colocar o socialismo na ordem do dia e o partido à altura do momento histórico”. O Congresso avançou nessa direção?
Infelizmente não. O II Congresso abriu uma nova fase no partido, ainda muito incerta quanto ao seu futuro. O Congresso foi marcado pela ruptura entre as correntes que compunham o campo majoritário surgido no I Congresso. A APS dirige um campo junto com Enlace e CSOL. Do outro lado, o MES encabeça um campo com o PP/MTL, além da própria Heloísa Helena.
Essa ruptura não se deu sobre bases políticas claras e um debate aprofundado sobre estratégia ou concepção de partido. Isso torna o partido mais frágil e volátil.
Não achamos que esta nova fase do PSOL seja melhor que as anteriores. Na verdade, o partido vive uma situação extremamente delicada e o projeto original do PSOL está em sério risco.
Como dissemos na defesa de Tese em plenário, nunca a situação política exigiu tanto como agora uma esquerda socialista conseqüente para responder à maior crise capitalista desde os anos 30. Ao mesmo tempo, nunca antes o PSOL viveu momentos de tanta incerteza.
Fundamos o PSOL para intervir em situações como as de hoje. O neoliberalismo faliu, há muita confusão do lado de lá, do lado da burguesia e do imperialismo. Há uma ânsia por alternativas do lado da nossa classe, da juventude, etc.
Mas, a falta de uma alternativa socialista clara pode abrir espaço para muita confusão na consciência de setores de massas. Vemos isso nas ilusões de que a crise e os ataques já passaram e nas ilusões em Lula, mas podemos ver também em situações ainda piores. A retomada da extrema direita racista na Europa e o golpe em Honduras são exemplos disso.
A crise não vai fazer o trabalho que deve ser feito pelo movimento dos trabalhadores e uma esquerda forte, organizada e com um projeto claro. Sem isso, o cenário pode ficar ainda mais dramático.
Ao invés de se preparar para construir respostas à altura desses desafios, as correntes majoritárias colocaram o PSOL no momento de maior crise desde sua fundação. O que tivemos foi um Congresso de crise. Ameaças de ruptura no ar, pouco debate e muita disputa na cúpula.
Não houve deliberação política de fundo no Congresso. Praticamente nada foi decidido sobre 2010. Candidatura presidencial, plataforma programática, política de alianças, perfil de campanha, relação com os movimentos sociais, diferenciação em relação a falsas alternativas como Marina Silva, tudo isso foi empurrado com a barriga para ver se conseguem algum acordo numa Conferência Eleitoral em outubro.
Havia uma possibilidade bastante concreta de que o Congresso promovesse um retrocesso político, programático e organizativo profundo. Basta olhar a dinâmica do último período, a ênfase despolitizada na questão da corrupção, a forma como setores do partido defendiam o ingresso do delegado Protógenes (hoje um governista assumido filiado ao PCdoB), as alianças com partidos burgueses e governistas feitas em 2008, o dinheiro da Gerdau na campanha de Porto Alegre, etc.
Se olhamos tudo isso, podíamos sim desconfiar que esse Congresso legitimaria todas essas políticas, o que significaria um retrocesso qualitativo em relação ao projeto fundacional do partido.
Para começar é bom lembrar que foi um Congresso inchado na base, pois os critérios de participação não exigiam nada além de preencher uma ficha dentro do prazo. Mas, foi extremamente restrito na cúpula, com o funil dos Congressos estaduais e um número de delegados ao Congresso nacional que era menos da metade do que vimos no I Congresso. Com esse grau de descaracterização da militância partidária era possível esperar-se qualquer coisa.
Mas, um retrocesso político maior foi evitado, em primeiro lugar, porque a crise internacional do capitalismo teve impacto sobre o partido. Por exemplo, setores que antes eram muito refratários em assumir bandeiras como a suspensão do pagamento da dívida ou a estatização de setores da economia passaram a assumir essas bandeiras.
A divisão no antigo campo majoritário também criou uma situação em que ambos os lados, ironicamente, reivindicam estar na esquerda do partido. Uma parte do campo majoritário (a APS, por exemplo) passou a enfatizar mais a questão da crise para se contrapor à outra que falava mais no tema da corrupção. Passou também a criticar o financiamento de campanha por empresas, sendo que antes não levantava nenhum questionamento sério em relação a isso.
Já o outro lado (o MES, por exemplo) passou a adotar uma retórica de que são os legítimos continuadores dos ‘radicais’ que fundaram o partido enquanto os outros ainda mantêm algo do velho ‘petismo’.
Ambos os lados, em nosso entender, são responsáveis politicamente pela situação a que o partido chegou, suas crises e incertezas, e têm que responder por isso.
Nós continuamos a defender no II Congresso, a necessidade de construir uma forte ala esquerda, classista, democrática e socialista no partido. Defendemos a formação de uma chapa de esquerda envolvendo o Bloco de Resistência Socialista, onde atuamos, junto com correntes como a CST e o CSOL, militantes independentes e coletivos regionais.
Infelizmente, um desses setores com quem construímos uma chapa de esquerda no I Congresso, o CSOL, foi ganho para a idéia de que o mais importante no Congresso seria derrotar o MES e seus aliados. Acabaram formando uma chapa junto com a APS e o Enlace.
Nós achamos que foi um erro. Primeiro porque as diferenças políticas que tínhamos, todos os setores mais à esquerda do PSOL, com a APS não deixaram de existir. Por exemplo, o debate sobre a questão do programa democrático e popular não se limita a conseguir um acordo nas palavras de ordem para a conjuntura. É uma discussão de fundo que repercute na forma como eles encaram a disputa institucional e o balanço que fazem da experiência do PT. Além disso, achamos que a APS é tão responsável quanto o MES pelo balanço do último período.
Mas, além de tudo isso, entendemos que a tarefa central no Congresso era mostrar para militantes e apoiadores do PSOL no Brasil inteiro que há uma esquerda conseqüente no interior do partido com base e força para avançar. Sem isso, a decepção e falta de perspectivas pode levar à perda de um setor importante de ativistas e não teremos as bases de uma alternativa quando a nova maioria mostrar alguns dos mesmos problemas da anterior.
Mesmo assim, entendemos que a intervenção do Bloco de Resistência Socialista foi muito positiva, atraiu setores, provocou a discussão e manteve um fio de continuidade da luta por uma ala esquerda revolucionária conseqüente no PSOL. Acabamos formando uma chapa, junto com a CST, que, embora minoritária, representa uma referência importante.
Bem, achamos que não é uma avaliação séria. É parte de uma disputa interna despolitizada. Mesmo com diferenças políticas que tenhamos no debate interno, Heloísa é um patrimônio construído pela esquerda nesse país. Ela jogou, joga e jogará um papel fundamental no PSOL. Nós inclusive defendemos que ela fosse definida como candidata do partido e de uma Frente de Esquerda à presidência em 2010. Achamos que não se justifica a política de apresentá-la como candidata ao senado por Alagoas.
Mas, para nós o fundamental é a definição do programa, do perfil político, da política de alianças e das táticas eleitorais e sua relação com as lutas dos trabalhadores. Somente com essas definições políticas uma candidatura do PSOL pode fazer avançar a luta socialista no Brasil. Se Heloísa não for candidata, é necessário apresentar outro nome. Há nomes já sendo colocados sobre a mesa. O partido precisa de candidatura própria em 2010 e precisa de uma definição rápida.
Apresentar as disputas internas como uma disputa entre os que estão com Heloísa e os que estão contra ela só confunde as coisas e enfraquece o partido. Da mesma forma que apresentar o debate como sendo entre os que estão a favor ou contra o MES, concentrando nessa corrente todos os males do partido, como foi feito pelos setores da APS e Enlace com a adesão posterior do CSOL.
A resolução sobre a reorganização sindical reafirmou o apoio do partido à formação de uma nova central, o que é muito positivo. É bom lembrar que esse tema era polêmico no I Congresso e muitos no partido se colocaram contra essa política que acabou sendo aprovada indicativamente no Congresso e referendada na Conferência Eleitoral de 2008.
Mas, também achamos que a resolução refletiu uma intransigência por parte da maioria das correntes do partido ao querer tomar posição nessa resolução, sem debate e em meio a um Congresso de crise, sobre o tema da natureza e o caráter da nova central.
Na prática, a resolução aponta que a nova central não deve incorporar no seu interior parte importante dos movimentos sociais. Nós, que atuamos na Conlutas, defendemos uma central sindical e popular com participação até do movimento estudantil com orientação classista. Mas, no Congresso, defendíamos que era melhor aprovar uma resolução que reafirmasse claramente a necessidade da nova central e remetesse a discussão sobre o caráter e natureza dessa nova organização a um debate mais profundo posteriormente.
Isso acabou não sendo aceito. Nem mesmo um acordo na formulação do texto foi aceito. Como o texto da resolução sequer mencionava que setores do partido defendiam uma concepção de central sindical e popular, tivemos que apresentar outra proposta de resolução para reafirmar nossa posição. Isso se deu apenas em razão da intransigência dos demais setores.
O PSOL é parte importante da recomposição da esquerda brasileira. Seu fortalecimento como partido de luta, enraizado nos movimentos sociais e com um claro projeto socialista é uma necessidade. É por isso que lutamos. Nesse momento, grande parte do futuro do partido estará sendo jogada na Conferência Eleitoral a se realizar ainda esse ano. Mesmo se Heloísa não for candidata à presidência, o partido pode jogar um papel importante no acúmulo de forças para o próximo período.
O PSOL tem que se preparar desde já para ser a direção de um grande movimento de massas que pode surgir no contexto de crise capitalista, ataques sobre os trabalhadores e um governo eleito em 2010 que será muito mais frágil do que o governo Lula hoje. Mas, para isso, terá que ter a coragem, ousadia e clareza política que, infelizmente, faltou no seu II Congresso.