A revolucionária Rosa Luxemburgo

Em 15 de janeiro de 1919, Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, os melhores cérebros da classe trabalhadora alemã e suas figuras mais heróicas, foram brutalmente assassinados pelo militarismo alemão derrotado e sedento de sangue, apoiado completamente pelos covardes líderes social-democratas. Neste importante aniversário, é importante o inspirador legado revolucionário de Luxemburgo.

Os assassinatos de Luxemburgo e Liebknecht foram decisivos na derrota da revolução alemã. Também estiveram ligados à vitória de Adolf Hitler e dos nazistas em 1933. Wilhelm Canaris, o oficial naval que ajudou na fuga de um dos assassinos de Rosa, iria comandar a Abwehr, a inteligência militar dos nazi.

Outros luminares do regime nazista nesta época estavam igualmente cobertos de sangue por suas atividades assassinas na Alemanha e em toda a Europa. Wilhelm von Faupel, o oficial que enganou os delegados dos recém-eleitos conselhos de operários e soldados, foi embaixador de Hitler na Espanha de Franco 20 anos depois. O poder político por trás do trono era o major Kurt von Schleicher, o chanceler que em 1932 abriu as portas para os nazistas. Mas, com toda a probabilidade, se a revolução alemã tivesse triunfado, a história não teria conhecido essas figuras ou os horrores do fascismo. Rosa Luxemburgo, como uma grande líder e teórica marxista, poderia ter jogado um papel crucial, até decisivo, nos eventos da revolução de 1923 se não tivesse sido tão cruelmente eliminada.

Karl Liebknecht é colocado corretamente com Luxemburgo como uma heróica figura de massas. Ele lutou contra a máquina de guerra alemã e simbolizava para as tropas nas trincheiras encharcadas de sangue – não apenas alemãs, mas francesas e outras – um infatigável adversário trabalhador e internacionalista da primeira guerra mundial. Sua famosa frase, “O Principal inimigo está em casa”, capturou suas imaginações, principalmente à medida que aumentava a montanha de cadáveres.

Mas Rosa Luxemburgo merece uma atenção especial por causa da contribuição colossal que fez à compreensão das idéias marxistas e sua aplicação aos movimentos da classe trabalhadora. Muitos atacaram Rosa Luxemburgo por seus “métodos falsos”, especialmente sua suposta falta de compreensão da necessidade de um partido e organização revolucionários. Entre eles estão Josef Stalin e os stalinistas no passado. Outros a reivindicam por sua ênfase no papel espontâneo da classe trabalhadora. Isso parece corresponder a um sentimento antipartido, especialmente entre a geração mais jovem – um produto da repulsa pela herança burocrática do stalinismo e seus ecos nos ex-partidos social-democratas. Mas uma análise global das idéias de Rosa Luxemburgo, levando em conta a situação histórica na qual elas se desenvolveram, demonstram que as afirmações de ambos os campos são falsas.

É claro, ele cometeu erros: “Mostre-me alguém que nunca cometeu erros e eu lhe mostrarei um tolo”. Mas há toda uma obra que permanece fresca e relevante, especialmente quando contrastadas com as idéias caducas das cúpulas do movimento dos trabalhadores de hoje. Por exemplo, seu livro Reforma ou Revolução (1899), não é apenas uma exposição das idéias gerais do marxismo contraposta com a mudança reformista, incremental, da sociedade. Ele foi escrito em oposição ao principal teórico do “revisionismo”, Eduard Bernstein. Como os líderes de trabalhadores e sindicais de hoje – embora ele fosse originalmente um marxista, um amigo do co-fundador do socialismo científico, Friedrich Engels – Bernstein, sob a pressão do boom do final dos anos de 1890 e começo do século 20, tentou revisar as idéias do marxismo. De fato, isso as teria anulado. Seu famoso aforismo “O movimento é tudo, o objetivo final, nada”, representava uma tentativa de reconciliar o Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD) com o que era um capitalismo em expansão naquela etapa.

Rosa Luxemburgo – como Vladimir Lenin e Leon Trotsky – refutou suas idéias e aumentou nossa compreensão do capitalismo de então, e de agora em certa medida, analisando a relação entre reforma e revolução (que não devem ser contraposta uma a outra, de um ponto de vista marxista) e muitas outras questões. Ela escreveu: “O que melhor prova a falsidade da teoria de Bernstein é que nos países onde houve o maior desenvolvimento dos famosos “meios de adaptação” – crédito, aperfeiçoamento das comunicações e trustes – a última crise [1907-08] foi mais violenta”. Sombras da crise econômica de hoje, que afeta as economias mais endividadas dos EUA e Grã-Bretanha?

A socialdemocracia apóia a guerra

Além disso, Luxemburgo esteve entre os poucos que reconheceram a atrofia ideológica da socialdemocracia antes da primeira guerra mundial, que culminou na catástrofe dos deputados do SPD votando pelos créditos de guerra do imperialismo alemão no Reichstag (parlamento) – originalmente, com a única exceção de Karl Liebknecht, e depois também por Otto Rühle. Os líderes do SPD e dos sindicatos tinham se acostumado a compromissos e negociações dentro da estrutura do capitalismo em ascensão. O que significava que as perspectivas para o socialismo, especificamente a revolução socialista, eram relegadas para as brumas do tempo em suas consciências.

Isso foi reforçado pelo crescimento do peso social do SPD. Ele era virtualmente um estado dentro do estado, com mais de um milhão de membros em 1914, 90 jornais diários, com 267 jornalistas profissionais, 3,000 funcionários, diretores e representantes. Tinha mais de 110 deputados no Reichstag (parlamento nacional), 220 deputados nos Landtags (parlamentos regionais), e quase 3.000 vereadores municipais.

O SPD parecia progredir implacavelmente nas eleições. Isso era, nas palavras de Ruth Fischer, mais tarde líder do Partido Comunista da Alemanha (KPD), um “meio de vida… O trabalhador individual vivia em seu partido, o partido penetrava nos hábitos cotidianos do trabalhador. Suas idéias, suas reações, suas atitudes, eram formadas a partir da integração do pessoal com o coletivo”. Isso representava uma força e uma fraqueza. O poder crescente da classe operária refletiu-se no SPD e nos sindicatos. Mais isso se combinou com o estrangulamento e subestimação desse poder pelos líderes do SPD, uma crescente hostilidade para com as possibilidades revolucionárias, o que inevitavelmente eclodiria em alguma data futura.

Rosa Luxemburgo entrou cada vez mais em colisão com o aparato do SPD, cujo efeito estultificador ela contrastava com as explosões sociais da primeira revolução russa de 1905-07. Luxemburgo era uma verdadeira internacionalista, participante do movimento revolucionário de três países. Originalmente uma polonesa, ela foi fundadora do Partido Socialdemocrata do Reino da Polônia (SDKP), participante do Partido Operário Socialdemocrata Russo (POSDR), naturalizada alemã e membro proeminente do SPD. Ela comparava o instinto e energia vindos de baixo na Rússia, testemunhados em primeira mão, com o aparato cada vez mais burocratizado do partido e dos sindicatos na Alemanha. Argumentava que isso poderia se tornar um obstáculo colossal para a tomada do poder pela classe trabalhadora no caso de uma erupção revolucionária.

Neste sentido, ela foi mais perspicaz do que até mesmo Lenin, que estava apaixonadamente absorvido nas questões russas e via o SPD como o modelo para os partidos da Segunda Internacional – e seus líderes, como Karl Kautsky, como mestres. Trotsky escreveu: “Lenin considerava Kautsky como seu mestre e enfatizava isso sempre que podia. Nas obras de Lenin naquele período e por vários anos depois, não se pode encontrar um traço de crítica de princípios dirigida contra a tendência Bebel-Kautsky”.

De fato, Lenin pensava que as crescentes críticas de Luxemburgo a Kautsky e à direção do SPD eram exageradas. Em Duas táticas da Socialdemocracia Russa (1905), ele escreveu: “Quando e onde eu já chamei o revolucionarismo de Bebel e Kautsky de ‘oportunismo’?… Quando e onde foram trazidas à luz diferenças entre mim, de um lado, e Bebel e Kautsky de outro?… A completa unanimidade da socialdemocracia revolucionária internacional em todas as grandes questões de programa e tática é o mais incontroverso dos fatos.

Lenin reconhecia que havia tendências oportunistas dentro dos partidos de massas da classe trabalhadora, mas ele comparava os mencheviques na Rússia com o revisionismo de direito de Bernstein, não com o kautskismo. Isso durou até o voto do SPD a favor dos créditos de guerra em 4 de agosto de 1914. Quando Lenin viu uma edição do jornal do SPD, Vorwärts, apoiando os créditos de guerra, inicialmente pensou que era uma falsificação do estado-maior alemão. Rosa Luxemburgo não estava tão despreparada, já que estava envolvida em uma luta prolongada com os líderes de direita do SPD, mas também com os elementos de “esquerda” e “centristas” como Kautsky.

Trotsky, em Resultados e Perspectivas (1906), na qual a teoria da revolução permanente foi delineada pela primeira vez, também tinha uma percepção do que poderia ocorrer: “Os partidos socialistas europeus, especialmente o maior deles, o Partido Socialdemocrata Alemão, desenvolveram seu conservadorismo em proporção com as grandes massas que abraçaram o socialismo e quanto mais essas massas se tornaram organizadas e disciplinadas… A socialdemocracia como uma organização que encarna a experiência política do proletariado, pode em certo ponto se tornar um obstáculo direto para o conflito aberto entre os trabalhadores e a reação burguesa”. Em sua autobiografia, Minha Vida (1930), ele escreveu: “Eu não esperava que os líderes oficiais da Internacional, em caso de guerra, se provassem capazes de uma iniciativa revolucionária séria. Ao mesmo tempo, eu nem mesmo podia admitir a idéia de que a socialdemocracia simplesmente abaixasse a cabeça perante um militarismo nacionalista”.

Ação de massas espontânea

Foi o imenso poder do SPD, e a inércia de sua pesada burocracia em face das agudas mudanças iminentes na Alemanha e Europa, que levou a uma das mais conhecidas obras de Luxemburgo, Greve de Massas (1906). Esse era um resumo da primeira revolução russa, da qual Luxemburgo tirou conclusões tanto políticas quanto organizativas. É uma análise profundamente interessante do papel das massas como a força dirigente, de seu caráter espontâneo, no processo da revolução. Ao enfatizar o movimento independente e a vontade da classe trabalhadora contra “a linha e a marcha dos funcionários”, ela estava correta em um amplo sentido histórico.

Muitas revoluções foram feitas nas barbas da oposição, e até da sabotagem, dos líderes das próprias organizações dos trabalhadores. Nos eventos revolucionários de 1936 na Espanha, enquanto os trabalhadores de Madri inicialmente fizeram manifestações por armas, que seus líderes socialistas inicialmente se recusaram a dar, os trabalhadores de Barcelona insurgiram-se espontaneamente e esmagaram as forças de Franco em 48 horas. Isso iniciou uma revolução social que varreu a Catalunha e Aragão e chegou às portas de Madri, com quatro quintos da Espanha temporariamente nas mãos da classe trabalhadora. No Chile em 1973, de outro lado, onde os trabalhadores escutaram seus líderes e continuaram nas fábricas enquanto Augusto Pinochet executava seu golpe, eles foram sistematicamente cercados e massacrados.

Também vimos uma explosão revolucionária espontânea na França em 1968, quando dez milhões de trabalhadores ocuparam as fábricas por um mês. Os líderes do Partido Comunista e da Federação “Socialista”, ao invés de procurarem a vitória através de um programa revolucionário incluindo conselhos de trabalhadores e um governo dos trabalhadores e camponeses, usaram todos os seus esforços para desencaminhar essa magnífico movimento. Em Portugal em 1974, a revolução varreu a ditadura de Marcelo Caetano e, em seu primeiro período, deu uma absoluta maioria de votos para os que tinham uma bandeira socialista ou comunista. Em 1975, isso levou à expropriação da maioria da indústria. O The Times declarou: “O capitalismo está morto em Portugal”. Não foi assim porque as iniciativas vindas da base da classe trabalhadora e as oportunidades que elas geraram foram desperdiçadas. Isso porque não havia um partido de massas coerente e suficientemente influente e uma direção capaz de juntar todos os fios e estabelecer um estado operário democrático. Estes exemplos mostram que o movimento espontâneo da classe trabalhadora é insuficiente para garantir a vitória em uma luta brutal contra o capitalismo.

O caráter espontâneo da revolução alemã se evidenciou em novembro de 1918. Essa explosão espontânea fugia de tudo os que os líderes do SPD queriam. Mesmo a criação antes disso do Partido Socialdemocrata Independente (USPD) – de uma divisão no SPD em 1917 – não surgiu de qualquer política consciente de seus líderes, incluindo Kautsky, Rudolf Hilferding e o revisionista Bernstein. Ela se desenvolveu por causa da revolta da classe trabalhadora com o estrangulamento de qualquer objeção à política de apoio à Guerra da direção do SPD. Essa divisão não foi nem preparada nem desejada por esses “oposicionistas”. Não obstante, eles levaram consigo 120.000 membros e vários jornais.

A greve geral

Ligada à ênfase de Rosa Luxemburgo sobre a espontaneidade estava a questão da greve geral. Baseando-se nas greves de massas da revolução russa, ela não obstante adotou uma certa abordagem passiva e fatalista. Em certa medida, isso mais tarde afetou os líderes do KPD depois de sua morte. Rosa Luxemburg corretamente enfatizou que uma revolução não poderia ser feita artificialmente, fora da maturação das circunstâncias objetivas que permitiam essa possibilidade.

Contudo, o papel do que os marxistas descrevem como o “fator subjetivo”, um partido de massas, uma direção perspicaz etc., é crucial para transformar uma situação revolucionária em uma revolução vitoriosa. Assim como agir no momento certo, já que a oportunidade para uma mudança social vitoriosa pode durar por um curto período. Se a oportunidade for perdida, ela pode não ocorrer de novo por um longo tempo, e a classe trabalhadora pode sofrer uma derrota. Portanto, em um período crucial, um prazo de tempo definido, uma direção correta pode ajudar a classe trabalhadora a tomar o poder. Tal foi o papel dos bolcheviques na revolução russa de 1917.

Ocorreu o oposto em 1923 na Alemanha. A oportunidade de seguir o exemplo dos bolcheviques foi posta, mas perdida por causa da hesitação dos líderes do KPD, apoiados, entre outros, por Stalin, condicionada parcialmente pela experiência histórica que, até a 1ª Guerra Mundial, apresentara greves gerais parciais nas lutas da classe trabalhadora. Neste period, houve exemplos onde o governo assustou-se com a greve geral desde seu próprio início e fez concessões, não levando as massas a um conflito de classes aberto. Essa foi a situação após a greve geral belga de 1893, chamada pelo Partido Trabalhista Belga, com a participação de 300.000 trabalhadores, incluindo grupos católicos de esquerda, e, em escala muito maior, em outubro de 1905 na Rússia. Sob a pressão da greve, o regime czarista fez “concessões” constitucionais em 1905.

A situação após a 1ª Guerra Mundial, uma época de revolução e contra-revolução, era inteiramente diferente, com a greve geral pondo a questão do poder de forma mais aguda. A greve geral é uma questão de excepcional importância para os marxistas. Em alguns exemplos, é uma arma inapropriada. Na época da marcha do general Lavr Kornilov contra Petrogrado em agosto de 1917, por exemplo, nem os bolcheviques nem os sovietes (conselhos de trabalhadores) pensaram em declarar uma greve geral. Pelo contrário, os ferroviários continuaram a trabalhar para que os adversários de Kornilov pudessem ser transportados para desencaminhar suas forças. Os operários nas fábricas continuaram a trabalhar, também, exceto aqueles que partiram para combater Kornilov. Na época da revolução de outubro, não se falou de greve geral. Os bolcheviques desfrutavam de apoio de massas e, sob estas condições, uma greve geral os teria enfraquecido, não o inimigo capitalista. Nas ferrovias, nas fábricas e escritórios, os trabalhadores ajudaram o levante a derrubar o capitalismo e a estabelecer um estado democrático dos trabalhadores.

Nos dias de hoje, uma greve geral normalmente é uma situação ou/ou, onde um governo dos trabalhadores alternativo está implícito na situação. Na greve geral de 1926 na Grã-Bretanha, a questão do poder foi colocada e o poder dual existiu por nove dias. Em 1968 na França, a maior greve geral da história colocou a questão do poder, mas a classe trabalhadora não o tomou.

A revolução alemã de 1918-24 também testemunhou greves gerais e tentativas parciais nesta direção. O putsch de Kapp em março de 1920 – quando o diretor da agricultura na Prússia, representante dos Junkers e altos funcinários públicos do Império, tomou o poder com o apoio dos generais – encontrou uma das mais completas greves gerais da história. O governo “não podia imprimir sequer um cartaz”, já que a classe trabalhadora paralisou o governo e o estado. Esse putsch durou no total 100 horas! Mas, mesmo com essa impressionante demonstração do poder da classe trabalhadora, não houve uma virada socialista, precisamente por causa da ausência de um partido e direção de massas capazes de mobilizar as massas e criar um estado democrático dos trabalhadores alternativo. Os antigos seguidores de Luxemburgo no recém-criado KPD cometeram erros ultra-esquerdistas ao não apoiar inicialmente e fortalecer a ação de massas contra Kapp.

O papel de um partido revolucionário

A questão da direção e da necessidade de um partido é central numa avaliação da vida e obra de Rosa Luxemburgo. Seria inteiramente unilateral acusá-la, como fizeram alguns críticos seus e de Trotsky, de subestimar a necessidade de um partido revolucionário. Toda a sua vida dentro do SPD esteve voltada para o resgate do núcleo revolucionário dentro desta organização do reformismo e centrismo. Além disso, ela construiu uma organização independente muito rígida – um partido – com seu correligionário Leo Jogiches na Polônia. Contudo, sua repulsa para com o caráter ossificado do SPD e de seu centralismo fez com que ela, às vezes, esticasse demais a vara para outro lado. Ela era crítica da tentativa de Lenin na Rússia de criar um partido democrático, mas que fosse centralizado.

Sobre a divisão entre bolcheviques e mencheviques, ela foi uma conciliadora – assim como Trotsky (mostrado por sua participação no Bloco de Agosto) – procurando uní-los na Rússia. Mas, depois que os bolcheviques ganharam quarto quintos dos trabalhadores organizados na Rússia em 1912, ocorreu uma divisão formal com os mencheviques. Lenin entendeu antes de outros que os mencheviques não estavam preparados para uma luta além da estrutura do latifundio e capitalismo russos. Sua abordagem foi justificada na revolução russa, com os mencheviques terminando no outro lado das barricadas. Após a revolução russa, Rosa Luxemburgo aproximou-se do bolchevismo e tornou-se parte de sua tendência internacional, assim como Trotsky.

A principal acusação que pode ser feita contra Luxemburgo é que ela não organizou suficientemente uma tendência claramente delineada contra a direita do SPD e os centristas em torno de Kautsky. Houve certas críticas na época e depois de que Luxemburgo e seus seguidores espartaquistas deveriam ter rompido imediatamente com os líderes do SPD, certamente depois de sua traição no início da 1ª Guerra Mundial. Lenin, logo que se convenceu da traição da socialdemocracia, chamou por uma ruptura imediata, junto com o chamado por uma nova Terceira Internacional. Era exigido uma divisão política tanto da direita quanto da “esquerda” do SPD. Rosa fez isso, caracterizando o SPD como um “cadáver apodrecido”.

A conclusão organizativa disso, contudo, era de um caráter tático, e não principista. Além disso, uma vista retrospectiva é maravilhosa quando se lida com problemas históricos reais. Rosa Luxemburgo enfrentou uma situação objetiva diferente da que enfrentaram os bolcheviques na Rússia. Passando a maior parte de sua história na clandestinidade, com uma organização relativamente menor de quadros, os bolcheviques necessariamente adquiriram um alto grau de centralização, sem abandonar seus fortes procedimentos democráticos. Havia também a tumultuosa história do marxismo e do movimento dos trabalhadores na Rússia, condicionada pela experiência da luta contra o Narodya Volya (Vontade do Povo), as idéias do terrorismo, as revoluções de 1905 e 1917, a ruptura entre bolcheviques e mencheviques, a 1ª Guerra Mundial etc., que preparou uma camada endurecida de trabalhadores avançados na época da revolução. Rosa Luxemburgo enfrentou uma situação inteiramente diferente como minoria, e estava um tanto isolada em um partido de massas legal.

Embora fosse naturalizada alemã, era considerada uma estrangeira, especialmente quando entrou em conflito com a direção do SPD. Apesar disso, sua coragem brilha quando se lê os discursos e críticas que ela fez à liderança do partido ao longo dos anos. Ela criticou as “névoas viscosas do cretinismo parlamentar”, o que se chamaria hoje de eleitoralismo. Ela até fustigou August Bebel, o líder do partido, que cada vez mais “podia ouvir apenas com seu ouvido direito”. Acompanhada de Clara Zetkin, ela disse a Bebel: “Sim você pode escrever em nosso epitáfio: ‘Aqui jaz os dois últimos homens da socialdemocracia alemã’.” As conquistas de Rosa, especialmente no campo das idéias, da teoria marxista, são memoráveis por si mesmas, mas ainda mais por ser uma mulher no que era uma sociedade ainda fortemente machista, o que afetava também o SPD. Ela castigou a busca do SPD pelos líderes da classe media em um excelente aforismo, apropriado para os que apoiam o coalicionismo hoje. Escreveu que era mais necessário “agir sobre os progressistas e possivelmente mesmo os liberais, do que agir com eles”.

Mas um elemento vital do marxismo, desenvolver sua influência política através de uma firme organização ou partido, não foi suficientemente desenvolvido por Rosa ou seus apoiadores. Nem em todas as ocasiões isso toma a forma de um partido separado. Mas um núcleo bem organizado é essencial para a preparação do futuro. Luxemburgo não fez isso, o que teria sérias consequências com a eclosão da revolução alemã. Rosa Luxemburgo e Jogiches corretamente se opuseram a rupturas prematuras. Ela escreveu: “Sempre é possivel sair de pequenas seitas ou pequenos círculos e, se não quiser ficar lá, se aplicar a construir novas seitas e novos círculos. Mas é um devaneio irresponsável querer libertar toda a classe trabalhadora do opressivo e perigoso jugo da burguesia por uma simples ‘saída’.”

Trabalhando em organizações de massas

Tal abordagem é justificada quando os marxistas perseguem uma tática dentro dos partidos de massas. Tal foi a abordagem do Militant na Grã-Bretanha, agora Partido Socialista, quando ele trabalhou dentro do Partido Trabalhista, onde nos anos 1980 estabelecemos talvez a mais ponderosa posição do trotskismo na Europa Ocidental – pelo menos, provavelmente, desde a Oposição de Esquerda de Trotsky.

Mas tal abordagem, justificada em um period histórico, pode ser um erro monumental quando as condições mudam, especialmente quando estão colocadas abruptas rupturas revolucionárias. Rosa Luxemburgo e Jogiches não podem ser acusados por procurarem se organizar dentro SPD enquanto fosse possível, e no USPD depois. De fato, Lenin, em seu zelo de criar partidos comunistas de massa depois da revolução russa, algumas vezes foi um pouco impaciente em suas sugestões de ruptura com as organizações socialdemocratas. Ele propos uma rápida ruptura dos comunistas com o Partido Socialista Francês em 1920, mas mudou de opinião depois que Alfred Rosmer, em Moscou na época, sugeriu que os marxistas precisavam de mais tempo para trazer a maioria para a posição da (Terceira) Internacional Comunista.

Lenin, além disso, embora propusesse a formação da Terceira Internacional como uma divisão da Segunda, estava preparado a emendar sua posição se os eventos não ocorressem como imaginasse. Ele escreveu: “O futuro imediato irá mostrar se as condições já estão maduras para a formação de uma nova Internacional marxista… Se não estiverem, isso mostrará que é preciso uma evolução mais ou menos prolongada para esse expurgo. Neste caso, nosso partido sera a oposição extremista dentro da velha Internacional – até que seja formada uma base em diferentes países para uma associação internacional dos trabalhadores que se baseie no marxismo revolucionário”. Quando as comportas da revolução foram abertas em fevereiro de 1917 na Rússia, e as massas inundaram a arena política, mesmo os bolcheviques – apesar de sua história anterior – tinham cerca de 1% de apoio nos sovietes, 4% em abril.

A verdadeira fraqueza de Luxemburgo e Jogiches não era que eles se recusaram a romper mas que, no periodo histórico anterior, não se organizaram como uma tendência definida claramente na socialdemocracia que se preparasse para as explosões revolucionárias nas quais o trabalho de mais de dez anos de Rosa se baseava. A mesma acusação – apenas com maior justificativa – pode ser feita a algumas correntes de esquerda e até marxistas que trabalham ou trabalharam em formações amplas, algumas vezes em novos partidos. Eles não se distinguiam politicamente dos líderes reformistas ou centristas. Esse foi o caso no PRC da Itália, onde os mandelistas (agora organizados por fora, no Sinistra Critica) apoiaram a maioria de Fausto Bertinotti até deixarem o partido. A organização alemã do SWP (Linksruck, agora Marx 21) persegue uma política similar, dentro do Partido de Esquerda hoje. Consequentemente, eles não terão ganhos substanciais.

Politicamente, Luxemburgo não agiu assim. Mas ela também não tirou todas as conclusões organizativas ao preparar uma estrutura de quadros preparados para uma futura organização de massas, antecipando-se aos eventos convulsivos na Alemanha. Foi esse aspecto que Lenin criticou em seus comentários sobre a brochura Junius de Rosa (1915). Lenin admitiu que esse era uma “esplêndida obra marxista”, embora argumentasse contra confundir a oposição à 1ª Guerra Mundial, que era imperialista, com as guerras legítimas de libertação nacional. Mas Lenin também comenta que ele “conjura em nossas mentes o quadro de um homem solitário [ele não sabia que Rosa era a autora] que não possui camaradas em uma organização illegal acostumada a elaborar palavras de ordem revolucionárias até suas conclusões e educar sistematicamente as massas em seu espírito”.

Lenin treinou e organizou sistematicamente os melhores trabalhadores na Rússia em uma implacável oposição ao capitalismo e suas sombras no movimento dos trabalhadores. Isso envolvia necessariamente a organização clara de um agrupamento, uma fração que se organizasse e se baseasse sobre firmes princípios politicos, pronto para as futures batalhas, incluindo a revolução.

Rosa Luxemburgo foi uma importante figura em todos os congressos da Segunda Internacional e geralmente representava o Partido Socialdemocrata Polonês no exílio. Ela também foi membro do Buro Socialista Internacional. Contudo, como aponta Pierre Broué: “Ela nunca foi capaz de estabelecer dentro do SPD uma plataforma permanente baseada no apoio de um jornal ou uma audiência estável mais ampla do que um punhado de amigos ou apoiadores em torno dela”.

A crescente oposição à guerra, contudo, ampliou o círculo de apoio e de contatos para Luxemburgo e o grupo espartaquista. Trotsky resume seu dilema: “O máximo que pode ser dito é que em sua avaliação historica-filosófica do movimento dos trabalhadores, a seleção preparatória da vanguarda, em comparação com as ações de massa que eram esperadas, estava aquém em Rosa; enquanto Lenin – sem se consolar com os milagres das ações futuras – tomou os trabalhadores avançados e constante e incansavelmente uniu-os em núcleos firmes, ilegal e legalmente, nas organizações de massa ou na clandestinidade, por meio de um programa claramente definido”. Depois da revolução de novembro de 1918, contudo, ela começou seu “ardente trabalho” de reunir tais quadros.

Um programa para a democracia dos trabalhadores

Além disso, ela colocou as tarefas ideológicas muito claramente: “A escolha hoje não é entre democracia e ditadura. A questão que a história colocou na agenda é: democracia burguesa ou democracia socialista, pois a ditadura do proletariado é democracia em um sentido socialista do termo. A ditadura do proletariado não significa bombas, putsches, motins ou a ‘anarquia’, como afirmam os agentes do capitalismo”. Isso responde aos que procuram distorcer a idéia de Karl Marx quando ele falou sobre a “ditadura do proletariado”. Nos termos atuais, como Luxemburgo apontou, isso significa democracia dos trabalhadores. Os marxistas têm que alcançar os melhores trabalhadores, e devem evitar uma linguagem que possa dar uma falsa idéia do que pretendemos para o futuro. Assim, por causa de suas conotações com o stalinismo, não usamos mais o termo “ditadura do proletariado”. A mesma idéia é expressada em nosso chamado por uma economia socialista planejada, organizada com base na democracia dos trabalhadores.

A revolução alemã não apenas derrubou o Kaiser, mas apresentou o germe deste programa através da rede dos conselhos de trabalhadores e soldados, nas linhas da revolução russa. Iniciou-se um período de poder dual e os capitalistas foram obrigados a dar importantes concessões às massas, como a jornada de 8 horas. Mas os líderes do SPD, como Gustav Noske e Philipp Scheidemann, conspiraram com os capitalistas e a escumalha reacionária dos Freikorps, predecessores dos fascistas, para se vingar. O general Wilhelm Groener, que liderou o exército alemão, admitiu depois: “O corpo de oficiais apenas poderiam cooperar com um governo que empreendesse a luta contra o bolchevismo… Ebert [o líder do SPD] entendeu isso… Fizemos uma aliança contra o bolchevismo… Não existia outro partido que tivesse suficiente influência sobre as massas para permitir o restabelecimento de um poder governamental com a ajuda do exército”. Gradualmente, as concessões aos trabalhadores foram minadas e uma violenta campanha contra o “terror bolchevique”, o caos, os judeus, e especialmente a “Rosa sangrenta”, foi desencadeada. A Liga Anti-Bolchevique organizou seu próprio serviço de inteligência, nas palavras de seu fundador, uma “ativa organização de contra-espionagem anticomunista”.

Em oposição ao slogan ‘Todo o poder aos sovietes’ (da revolução russa), a reação liderada pelo SPD de Noske mobilizou-se atrás da idéia de ‘Todo o poder ao povo’. Essa era uma maneira de minar os “sovietes” alemães. Uma Assembléia constituinte foi colocada como uma alternativa à idéia de Luxemburgo e Liebknecht de um conselho nacional de sovietes para criar um governo dos trabalhadores e camponeses. Infelizmente, a confusa esquerda centrista, cujo partido USPD crescia cada vez mais enquanto os líderes do SPD perdiam apoio, deixaram escapar a oportunidade de criar um movimento de conselhos em toda a Alemanha.

O descontentamento das massas refletiu-se no levante de janeiro de 1919. Tais etapas são alcançadas em todas as revoluções quando a classe trabalhadora vê seus ganhos arrancados de volta pelos capitalistas e saem às ruas: os trabalhadores russos nas jornadas de julho de 1917, as jornadas de maio na Catalunha em 1937 durante a revolução espanhola.

As jornadas de julho ocorreram quarto meses depois da revolução de fevereiro. Na Alemanha, o levante ocorreu apenas dois meses depois da virada revolucionária de novembro de 1918, uma indicação da velocidade dos eventos. Dado o isolamento de Berlim do resto do país, naquela etapa, um retrocesso ou derrota era inevitável, que se tornou ainda maior para a classe trabalhadora com o assassinato de Liebknecht e Luxemburgo. Foi como se Lenin e Trotsky fossem assassinados em julho de 1917, removendo os dois líderes cujas ideias e direção política levaram ao sucesso da revolução de outubro. Lenin – extremamente modesto a nível pessoal – sabia de sua própria importância política e tomou medidas, ao fugir escondido para a Finlândia, para evitar cair nas mãos da contra-revolução.

Apesar de pedir a alguns, como Paul Levi, para deixarem Berlim, Luxemburgo e Liebknecht permaneceram na cidade, com as terríveis consequências que se seguiram. Não há dúvida que a experiência política de Luxemburgo teria sido um poderoso fator para se evitar alguns dos erros – especialmente os ultraesquerdistas – que mais tarde foram feitos na revolução alemã. Nos eventos convulsivos de 1923, Rosa Luxemburgo, com seu agudo instinto para o movimento de massas e habilidade de mudar com as circunstâncias, provavelmente não teria cometido o ero de Heinrich Brandler e a direção do KPD, quando deixaram escapar uma das mais favoráveis oportunidades na história para fazer uma revolução da classe trabalhadora e mudar o curso da história mundial.

Luxemburgo e Liebknecht estão no panteão dos grandes marxistas. Apenas por sua contribuição teórica, Rosa Luxemburgo merece estar ao lado de Marx, Engels, Lenin e Trotsky. Aqueles que tentam retratá-la como uma crítica do bolchevismo e da revolução russa estão inteiramente equivocados. Inicialmente ela criticou as políticas dos bolcheviques em 1918, no isolamento de sua cela de prisão, mas foi persuadida por seus apoiadores mais próximos a não publicar seus comentários na época. Mas mesmo em seu trabalho mais errôneo ela escreveu sobre a revolução russa e os bolcheviques: “Tudo o que um partido poderia oferecer de coragem, perspicácia revolucionária e consistência numa hora histórica, Lenin, Trotsky e os outros camaradas o deram em boa medida… Seu levante de outubro não foi apenas a verdadeira salvação da revolução russa; foi também a salvação da honra do socialismo internacional”. Apenas inimigos maliciosos das heróicas tradições do Partido Bolchevique usaram esse material depois de sua morte, numa tentativa de separar Luxemburgo de Lenin, Trotsky, dos bolcheviques e da revolução russa.

Ela cometeu erros na questão da independência polonesa. Esteve errada sobre as diferenças entre os bolcheviques e mencheviques, mesmo em julho de 1914, apoiando os oportunistas que eram pela “unidade” entre eles. Como Lenin pontuou, ela também esteve errada sobre a teoria econômica da acumulação. Mas, também nas palavras de Lenin, “Apesar de seus erros ela foi – e continuará sendo para nós – uma águia”. Assim deveriam dizer os melhores trabalhadores e jovens hoje, que têm ocasião de estudar suas obras preparando-se para a luta pelo socialismo. 

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