‘Fim da guerra’ prepara novos grandes conflitos – O povo tamil deve ter o direito de decidir o próprio futuro
A interpretação dada pela mídia controlada pelo exército do Sri Lanka, de que a guerra está quase terminada, e a vitória sobre os Tigres de Libertação de Tamil Eelam (LTTE) é apenas uma questão de tempo, é o tipo de mentira praticada em todas as guerras. Contudo, é pertinente enfatizar que o LTTE está enfrentando a derrota na fase atual de uma guerra civil de décadas.
As afirmações dos comandantes do exército de que a zona de luta está restrita a uma área geográfica cada vez menor, com as operações do LTTE confinadas a 30 ou 50 quilômetros quadrados, é apenas uma interpretação da realidade. Pensar que a guerra com o LTTE – uma força guerrilheira pesadamente armada – chegará ao fim com tais estratégias é como acreditar nas previsões das Testemunhas de Jeová sobre o fim do mundo.
O curso dos eventos na Província Oriental do país, depois da suposta vitória sobre o LTTE, é apenas um indicativo da complexidade da guerra conduzida contra uma força guerrilheira travando uma luta de libertação nacional. A deserção do antigo líder do LTTE naquela área, Karuna, sem dúvida deu ao exército do Sri Lanka uma enorme vantagem. A ‘pacificação’ do Leste, com eleições realizadas literalmente a ponta de fuzis, contribuiu para o recuo do LTTE para o Norte.
As potências, a uma escala internacional, querem acreditar na propaganda do exército, na esperança de que a dor de cabeça do “terrorista LTTE” seja eliminada e elas possam continuar fazendo negócios lá. Para o ‘Grande Irmão’ da região, a Índia, é urgente que a guerra chegue a um fim por causa das explosões dentro de suas áreas no sul, especialmente em Tamil Nadu.
Desastre Humano
A ‘Guerra 4 de Eelam’, como tem sido rotulada pela mídia do Sri Lanka, está agora chegando perigosamente perto dos civis pegos na zona de guerra. Poucos dias atrás, a 55º Divisão do Exército afirmou ter afundado 10 botes operando sob o comando do líder dos ‘Tigres Marinhos’ Soosai. Essa é outra indicação de que o LTTE está preparado para lutar até o amargo fim, independentemente das perdas civis. Estimativas independentes dizem que há ainda aproximadamente 200.000 pessoas vivendo – ou antes, esperando morrer – na zona de guerra. Eles estão na situação sem precedentes de terem que viver entre equipamento militar pesado, como morteiros e outras peças de artilharia, que o LTTE estocou na área e que constitui sua última esperança.
Não é difícil entender, nesta situação, porque o LTTE não está permitindo que civis saiam da zona de guerra. Talvez a maioria dos civis tenha até decidido ficar com o LTTE até o fim, já que cada um perdeu algumas de seus entes próximos e queridos na sangrenta guerra civil de 30 anos. A escolha de sair da zona de guerra é como escolher entre o forno ou a frigideira. O destino das pessoas que saem para as chamadas áreas seguras controladas pelo exército é como ir para campos de concentração. Cada tamil é considerado um suspeito do LTTE.
As tensões estão se amontoando à medida que JVP e o governo chauvinista cingalês discutem implantar assentamentos cingaleses no norte do Sri Lanka. Quarenta mil aldeões nas ‘áreas de fronteira’ do sul do Sri Lanka já receberam armas do governo para se protegerem. Tais medidas são uma garantia de mais explosões de violência e a continuação do conflito nacional no Sri Lanka de uma forma ou de outra.
A euforia da “vitória” prevista já está no ar. Todos os grupos comunalistas (de sectarismo étnico-religioso) linha-duras estão fazendo uma propaganda que diz que essa vitória militar será uma vitória dos cingaleses sobre os tamis. Eles também descrevem isso como uma rara ocasião – o Sri Lanka unificado por um governante cingalês.
Dada a situação atual, não se pode descartar que o exército irá se mover para limpar as áreas controladas pelo LTTE cedo ou tarde. Mas permanece a grande questão do que acontecerá depois disso. Mesmo que se possa dizer que o LTTE será derrotado militarmente, não é de modo algum certo de que será derrotado politicamente, especialmente com as crescentes preocupações e apoio que é testemunhado em Tamil Nadu e entre a diáspora tamil ao redor do mundo.
No sul do país, as forças nacionalistas cingalesas extremistas estão trabalhando dobrado para frustrar qualquer tentativa de introduzir qualquer devolução substancial do poder. A campanha “majoritária budista cingalesa” irá ficar estridente à medida que chegar a vitória na guerra. O pseudomarxista Janata Vimukthi Perumuna (Frente de Liberação Popular – JVP) já começou sua política imunda construindo a resistência a qualquer divisão do poder. Ele espera voltar ao centro das atenções usando isso como sua questão central no presente momento. Um setor do exército irá apoiar fortemente essa idéia.
O presidente Mahinda Rajapaksa terá que atravessar novas águas turbulentas enquanto se prepara para a situação pós-guerra. Qual é sua oferta à minoria nacional tamil? Ele já está sob extrema pressão da Índia e de outras potências ocidentais. A vitória militar sobre o LTTE provavelmente será de vida curta para ele, já que abrirá novas zonas de batalhas políticas muito em breve.
Todos os tamis, incluindo os muçulmanos de língua tamil, no Sri Lanka devem achar difícil entender o que as três décadas de luta armada conseguiram para eles. É fácil apontar as tolices e o beco sem saída do terrorismo individual e as táticas de guerrilha armada no contexto moderno e a falta de apelo, nos Tigres, de uma luta de massas contra o regime. Não obstante, a responsabilidade primária pela desastrosa guerra deve ser vista na incapacidade da classe capitalista de resolver as questões básicas que afetam o povo pobre e trabalhadores comuns, incluindo a concessão do direito democrático dos tamis à autodeterminação. Seu exemplo no Sri Lanka, especialmente desde a independência dos britânicos, é manifestamente óbvia. Os primeiros líderes dos tamis, durante os anos 1950, pediam apenas por direitos iguais para a língua tamil. Isso não era aceitável para a classe capitalista cingalesa. Ao mesmo tempo, as traições dos líderes da classe trabalhadora devem ser igualmente condenadas, por não se apropriarem desta questão e ligá-la com a luta de classes contra o imperialismo e os capitalistas e latifundiários locais.
Como socialistas, nós do Partido Socialista Unido (CIO no Sri Lanka) temos uma posição principista, desde o início de nosso trabalho, de defender o direito à autodeterminação do povo tamil como um grande passo para resolver a questão nacional. Mais concretamente, no momento estamos lutando primeiro e antes de tudo para deter o maior desastre humanitário que está acontecendo com os civis presos nas selvas de Mulaittivu. O governo do Sri Lanka foi pressionado para terminar a guerra; eles prometeram repetidamente termina-la antes do Ano Novo do Sri Lanka, em abril. Aproximadamente 200.000 vidas estão em jogo. Agora a classe trabalhadora internacional deve organizar sua voz contra essa carnificina em massa. Um tremendo apoio já está sendo construído entre a classe trabalhadora e o povo comum na Índia, através de uma campanha lançada sob o nome “Parem a Matança dos Tamis”. Apelamos aos trabalhadores e outros setores oprimidos internacionalmente para se unirem a essa campanha e lutarem para acabar com essa guerra imediatamente. Lute também para ganharmos genuínos direitos democráticos para todos no Sri Lanka.
Eleições provinciais
As últimas eleições provinciais foram realizadas em 14 de fevereiro no centro e no norte do Sri Lanka. A ‘Aliança Sandanaya’ de Mahinda Rajapaksa conseguiu ganhar facilmente com quase 65% dos votos. Rajapaksa ainda é popular entre os eleitores cingaleses por causa da perspectiva de uma vitória na guerra. Mas está claro que a maioria dos eleitores tamis e muçulmanos não votou em Rajapaksa.
No distrito de Kandy, por exemplo, a Sandanaya não teve um único membro tamil ou muçulmano entre os 18 vereadores que ganharam. Em Nuwara Eliya, o partido sem princípios de Thondeman afirma representar os trabalhadores super-explorados das fazendas, mas também apóia o governo Rajapaksa. Ele tinha 7 vereadores, mas agora foram reduzidos a três. Outro aliado de Rajakpasa, ‘Sandanaya Chandrasekaran’, tinha três vereadores, e agora tem zero. Tudo isso mostra a raiva contra o regime Rajapaksa sentida pelos tamis comuns que vivem totalmente fora do Nordeste.
Nestas eleições, o USP disputou em 3 de 5 distritos. Havia dois outros partidos de esquerda que também disputaram. Em geral, nas últimas eleições o USP conseguiu ficar em 4º lugar. Igualmente também nesta eleição, o USP chegou a 4º e 5º. Isso apesar de ter os principais candidatos encarcerados sob acusações forjadas e libertados apenas depois da eleição!
De fato, recebemos mais votos do que outras organizações de esquerda. Por exemplo, em Nuwara Eliya o USP recebeu 688 votos, a ‘Frente de Esquerda’ (do Partido Nava Sama Samaja) ganhou 118 e o Partido da Igualdade Socialista recebeu 98 votos. No distrito de Matale, a Frente de Esquerda disputou sozinha e recebeu apenas 60 votos.
Mesmo que não estejamos felizes de disputar eleições em uma situação semiditatorial, por causa da falta de uma alternativa da classe trabalhadora e da esquerda no país, estamos sendo obrigados a disputar as eleições novamente, desta vez na Província Ocidental (distritos de Colombo, Gampaha e Kalutara) em 25 de abril. A Frente de Esquerda e o SEP estão disputando de novo, mas apenas no distrito de Colombo.
Nesta eleição, o USP está lutando acima de tudo para parar a guerra, mas também para defender o direito à autodeterminação do povo tamil, a liberdade de viver e de formar sindicatos unidos para lutar contra os cortes e pelas demandas da classe trabalhadora. As recentes discussões com o Fundo Monetário Internacional sobre um empréstimo de 1,9 bilhões de dólares também envolviam promessas de austeridade para os trabalhadores. Grandes batalhas políticas e de classes podem se abrir muito rapidamente, dadas as grandes dificuldades para o capitalismo local e internacionalmente.