A vida, luta e morte de Santo Dias

“Olha só o que vocês fizeram, vocês mataram um trabalhador, uma pessoa digna, um ser humano que tinha uma importância muito grande, e vocês vão sentir na pele tudo isso que vocês fizeram.”   

Essas foram as palavras de Dom Paulo, arcebispo de São Paulo, ao se deparar com o corpo do metalúrgico e sindicalista Santo Dias. No dia 30 de outubro de 1979, Santo Dias foi brutalmente assassinado pela polícia militar com um tiro nas costas, interrompendo uma vida de luta e dedicação ao movimento dos trabalhadores que deixa um legado até hoje. 

Santo Dias da Silva nasceu em 1942, em Terra Roxa, interior de São Paulo, crescendo no campo e trabalhando nas plantações de café e cereais. Mudou-se para a cidade como tantos outros para trabalhar na indústria que crescia cada vez mais. Foi morar na zona sul, um dos pólos de fábricas grandes como a Metal Leve, Caterpillar, Massey Ferguson entre outros. Essa foi a época das grandes migrações, com um fluxo de pessoas vindo para a cidade do interior e do nordeste procurando emprego e mudando radicalmente a cidade. 

Muitos dos bairros que existem hoje surgiram naquela época sendo construídos pelos próprios trabalhadores e trabalhadoras e suas famílias. Santo ajudou nessa construção e participou de vários movimentos que lutavam para conseguir linhas de ônibus, luz e escolas para os bairros. Seu envolvimento com a comunidade também se deu através da igreja católica atuando junto com o movimento da teologia da libertação ajudando os mais pobres. 

Mas é como sindicalista no movimento metalúrgico da zona sul que ele é mais lembrado. Na época, as empresas metalúrgicas eram uma peça chave da indústria brasileira, empregando milhões de trabalhadores. A zona sul foi onde se concentrava a maioria das fábricas na capital. Em 1975, na região havia 947 empresas com cerca de 115.072 trabalhadores. Nas regiões oeste e leste também havia importantes fábricas onde o movimento foi forte.  Ele atuou no movimento em uma das épocas mais difíceis da história brasileira. Testemunhou o golpe militar de 1964 e a forte repressão dos anos de chumbo. Muitos dos seus companheiros de fábrica foram presos e torturados pela ditadura que reprimia aqueles que lutavam por condições de trabalho melhores, salários dignos e pela democracia. 

A ditadura militar tinha fortes laços com os empresários e donos das fábricas. Eles utilizavam todo tipo de táticas repressivas para garantir seus interesses e lucros às custas dos trabalhadores. Além da repressão explícita do Estado havia infiltrados nas fábricas e no movimento que deduravam qualquer um que eles achassem que era “subversivo”. As listas sujas eram passadas entre os empresários da FIESP com a finalidade de demitir e impedir trabalhadores demitidos de achar outros empregos.  Na mesma hora, as direções dos sindicatos eram compradas e muitas estavam no bolso dos patrões. 

Mas mesmo nessas condições difíceis, Santo se jogou na construção da luta, ajudando a formar a Oposição Sindical Metalúrgica que levantava demandas para melhorar a situação dos operários. Não foi fácil. A direção pelega controlava a máquina do sindicado e a comunicação enquanto a oposição para chegar nos operários fazia trabalho de formiguinha conversando com colegas de trabalho, distribuindo materiais nas portas de fábrica e construindo com a comunidade. Uma das iniciativas mais importantes foram os grupos de fábrica que funcionavam para organizar os operários nas lutas e nas greves diretamente nas fábricas. Isso ajudou a construir uma adesão maior e também reagir rapidamente quando os patrões tentaram reprimir os trabalhadores.

Mas onde conseguiram chegar construíram um forte apoio e Santo foi chave nisso. Conhecido por ser uma pessoa calma, paciente, que levava o tempo que fosse necessário para escutar cada um e que conseguiu agregar grupos diferentes, ele construiu uma forte rede de apoio que foi crucial nas greves dos anos 70.

Essas greves tiveram um papel importante na história do país. Junto às greves no ABC Paulista e em outras regiões, os metalúrgicos foram a vanguarda em uma onda de greves e lutas que representaram o começo do fim da ditadura militar.  Em 1978, só no estado de São Paulo, entraram em greve 213 fábricas, em nove cidades, envolvendo mais de 214 mil trabalhadores. 14 categorias diferentes. No ano todo, 24 greves de 14 categorias diferentes ocorreram no país, envolvendo cerca de 540 mil trabalhadores.*

Santo esteve no meio desses processos, mas na greve do segundo semestre de 1979 as coisas terminaram em tragédia. Não tinha tanto clima para greve e o próprio Santo não achava que era o momento de fazer greve pela precariedade da situação, mas quando foi tomada a decisão, ele tentou construir o máximo possível. Mas antes mesmo da greve começar a repressão já estava agindo. Na noite do 29 de outubro, a Polícia Militar invadiu as subsedes dos sindicatos, prendendo 113 operários só no Clube Arco-Íris, onde a subsede da zona sul era localizada. No dia seguinte, a PM tentava acabar com os piquetes em frente das fábricas com repressão forte. No piquete da fábrica Silvânia, um PM atirou para o alto, mas logo depois mirou nas costas de Santo e disparou. 

A morte de uma figura tão importante para o movimento abalou os operários. Foi um ato de covardia de um regime desesperado que enxergava seu fim mas que também tinha uma tradição de violência. Essas greves e o movimento dos metalúrgicos ajudou a construir as bases para a redemocratização do país. Sem elas não teria havido o movimento pelas “Diretas Já” com tanta força, por exemplo. Também foram importantes na construção de uma alternativa dos trabalhadores, que na época se deu com a formação do PT. 

Santo Dias entendia a importância do papel do movimento dos operários nisso e também na construção de uma visão alternativa de sociedade. Também entendia a necessidade da unificação das lutas ao redor de um programa que atendesse as necessidades da classe trabalhadora e que só assim, com um trabalho paciente de base e com luta nas ruas, seria possível conquistar essas mudanças e derrotar um regime extremamente autoritário. 

Devemos hoje tirar as lições da vida de Santo e do movimento dos metalúrgicos da capital, ABC Paulista e outras regiões, juntando a isso um programa socialista e revolucionário para que nós possamos enfrentar os desafios hoje! 

* Santo Dias. Quando o Passado se transforma em História. Luciana Diasa, Jô Azevedo, Nair Benedicto. Cortez Editora 2004

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