História do CIT
Introdução ao 30° aniversário
O trigésimo aniversário da fundação do Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores (CIT) ocorreu em abril de 2004. O Secretariado Internacional (SI) do CIT decidiu, para celebrar as atividades e contribuições do CIT ao movimento dos trabalhadores internacional dos últimos 30 anos, republicar uma versão atualizada e ampliada do panfleto ”A história do CIT”, escrito em 1997. O período que se sucedeu, porém, foi repleto de eventos importantes, incidentes e desenvolvimentos, tanto objetivos quanto relacionados ao movimento dos trabalhadores. O papel e a influência do CIT também mudaram, e em algumas regiões e países isso ocorreu radicalmente.
Nós vimos o surgimento do movimento anticapitalista, e também o importante e colossal movimento de milhões contra a guerra de Bush e Blair no Iraque. Isso foi acompanhado por uma luta defensiva feroz da classe trabalhadora, particularmente na Europa, contra a ofensiva brutal do neoliberalismo lançada pelos capitalistas contra seus direitos e condições. O resultado foi uma série de greves – algumas greves gerais de um dia ou greves do setor público – por todo o continente.
Em vista disso, o SI do CIT notou a necessidade de providenciar uma atualização das opiniões do CIT, tanto em relação a esses acontecimentos como também sobre nosso papel, em contraste com as opiniões e ações de outros que reivindicam o marxismo ou o trotskismo. Assim, a análise das políticas e programas de outras organizações, e de que maneira elas são comparáveis às do CIT, se torna fundamental. O método de fazer contrastes foi empregado pelos grandes marxistas – começando por Marx, Engels, Lênin e Trotsky – quando lidavam com ideias, tendências e organizações sobre as quais eles acreditavam não responder às necessidades da classe trabalhadora e do movimento dos trabalhadores.
Deve-se reconhecer que este método – as polêmicas – parece estar fora de moda no período ”pós-moderno”, particularmente nos anos 1990. ”Conversas” – trocas educadas que se passam por “debates” – tornaram-se a norma para os ideólogos do capitalismo e seus reprodutores, os líderes da ex-socialdemocracia e dos partidos comunistas. A superioridade do capitalismo e o triunfo do ”mercado” deveriam ser aceitos automaticamente; as discussões deveriam ocorrer dentro desse contexto.
A configuração da situação política, no entanto, mais exatamente nos primeiros anos do novo século, resultou em conflitos mais intensos do que foi a norma nos anos 1990. Nesse sentido, durante a guerra no Iraque houve divisões mesmo entre círculos da elite dos EUA e Grã-Bretanha de um lado, França e Alemanha de outro. Da mesma forma, a raiva da classe trabalhadora diante das traições dos líderes direitistas do trabalhismo e dos sindicatos fez com que ela exigisse de forma contundente uma clara direção e explicações de classe por parte das lideranças do movimento dos trabalhadores. Como sempre, a pré-condição para entender que métodos e organização a classe trabalhadora precisa neste período está ligada organicamente à compreensão dos principais aspectos do momento. Isso, por sua vez, envolve o entendimento da história recente e como as mudanças, algumas extremamente repentinas, ocorreram e ocorrerão no próximo período.
A situação na década de 1990 mostrou-se um terreno difícil para o CIT e para outros que permaneceram na esquerda, particularmente os socialistas e a esquerda marxista-trotskista. O colapso do stalinismo prenunciou um período inteiramente diferente daquele que as gerações anteriores do século XX enfrentaram; foi a situação mais difícil, de certo modo, dos últimos 50 anos. Nenhuma outra ‘Internacional’ trotskista entendeu tão rápida e claramente as principais características da situação que se seguiu à queda do muro de Berlim como o CIT. Com o muro de Berlim, veio abaixo não apenas o stalinismo, mas a economia planificada do leste europeu e da URSS.
Em contraste, podemos ver com a análise das posições de diferentes organizações que algumas delas atuaram como ”avestruzes” políticos. Enterrando suas cabeças, recusaram-se a reconhecer, até bem depois, que esses eventos significaram uma grande derrota para o movimento dos trabalhadores internacional. Alguns encararam isso como um ‘recuo’, mas não de caráter decisivo. Outros, porém, viram uma catástrofe histórica terrível: o socialismo e a perspectiva de uma revolução socialista estariam fora da agenda por décadas, senão para sempre. O CIT concluiu que o colapso do stalinismo foi uma derrota, e uma derrota séria, mas não na escala daquela do período do entre-guerras, quando os regimes fascistas triunfaram na Itália, Alemanha e Espanha, que preparou o caminho para a calamidade da Segunda Guerra Mundial e suas incontáveis vítimas.
O colapso do stalinismo permitiu que o capitalismo mundial julgasse o socialismo como um ”fracasso histórico” (falsamente igualando o socialismo aos regimes stalinistas). Isso, por sua vez, possibilitou uma campanha ideológica feroz contra o pensamento socialista. Ao mesmo tempo, defendia-se através de milhares de argumentos que somente o “mercado” pode oferecer um modelo permanente para a humanidade. Isso foi resumido pelo “sofisticado” argumento de Francis Fukiyama, de que a ”História terminou”. Com isso, ele traduziu a seguinte ideia: o capitalismo democrático e liberal não pode ser superado. Seria, então, a única forma de organização da sociedade que é possível e desejável hoje.
Greenspan declara o triunfo das ”economias de mercado”
O Wall Street Journal, de forma crua, simplesmente declarou em favor dos ‘homens de negócio’ que ele representa, e do capitalismo mundial como um todo: “Nós Vencemos!”. Mesmo recentemente, os porta-vozes do imperialismo americano – procurando um tranquilizante para eles mesmos e a sua classe num mundo mais turbulento do que a situação surgida no pós-1989 – ressaltaram as virtudes de seu sistema e reproduziram os mesmo argumentos. Alan Greenspan, presidente do Federal Reserve Bank dos EUA, e principal guru econômico do capitalismo americano, declarou recentemente em Berlim: “Eu tenho afirmado há anos que o debate mais importante entre as teorias conflitantes sobre a organização ideal da economia foi encerrado, presumivelmente de forma definitiva, aqui, há mais de uma década, como resultado do desmantelamento do Muro de Berlim. Excluindo a União Soviética propriamente, as economias do bloco soviético eram, no período pré-guerra, similares em vários aspectos relevantes às economias baseadas nos mercados ocidentais. Durante as primeiras quatro décadas do pós-guerra na Europa, ambos os tipos de economia desenvolveram-se lado a lado, com interações limitadas. Isto foi o mais próximo de um experimento controlado sobre a viabilidade de sistemas econômicos que poderia ter existido”.
“Os resultados, com o desmantelamento do Muro, foram inequivocamente a favor das economias de mercado. As consequências foram amplas. O duradouro debate entre as virtudes da economia organizada através de mercados livres e aquelas governadas centralmente pelo socialismo planificado, nós devemos admitir, está essencialmente no fim. É verdade que poucos ainda sustentam um socialismo ultrapassado. E, para a vasta maioria de antigos adeptos, o socialismo está bastante enfraquecido. O veredicto sobre a rígida planificação centralizada foi dado, e foi apreciado, no geral, como sendo irrestritamente negativa. Não houve louvores para a planificação centralizada; ela apenas deixou de ser mencionada, e a grande maioria das nações desenvolvidas mudou rapidamente do socialismo para economias mais orientadas pelo mercado.” i
No entanto, contra o pano de fundo da ameaça de falência da economia mundial e do caos catastrófico causado pela invasão e ocupação do Iraque, esses comentários de Greenspan são pouco mais do que um assobio na escuridão para manter o espírito da classe dominante que ele representa. Seus comentários pertencem a uma era anterior, aos anos 1990. Por um tempo, na década de 1990, a consciência socialista – principalmente a compreensão geral da classe trabalhadora – indubitavelmente regrediu. Porém, mesmo enfraquecido, o poder básico da classe trabalhadora continuou intacto. A correlação de força entre as classes não pendeu para a classe dominante como aconteceu nos anos 1930.
A campanha ideológica da burguesia, sem dúvida, teve efeitos materiais no suporte às políticas neoliberais, que enfraqueceram os direitos e as condições dos trabalhadores e trabalhadoras. O outro lado da moeda, porém, é que a intensificação da globalização capitalista diminuiu as barreiras nacionais, certamente no que concerne ao “movimento livre do capital”, levando a rápidas transferências de recursos de um país e de um continente para outro. Tudo isso ajudou os trabalhadores a pensar em termos continentais e mesmo mundiais; em outras palavras, o capitalismo preparou as bases objetivas para um novo internacionalismo, manifestado, num primeiro momento, nos poderosos movimentos contrários à “globalização capitalista” do final dos anos 1990 e do início deste século.
De Londres a Seattle, de Praga aos confrontos sangrentos e históricos de Gênova e Gotemburgo, Nice, Quebec, Porto Alegre, Paris e Mumbai, o capitalismo ‘moderno’, desumano, e a avalanche brutal da globalização foram rejeitados. No primeiro momento, isso se expressou nas mudanças de opinião e de ação dos jovens, apoiados, em alguns casos, por setores significativos dos trabalhadores. Em embrião, isso é um novo internacionalismo, que se identifica com a luta do ‘povo’ em termos continentais e globais. No entanto, uma diferenciação de classe surgirá em certa etapa. Karl Marx foi o primeiro em seu tempo a reconhecer a “globalização”, o desenvolvimento do mercado mundial, e com isso, a classe trabalhadora mundial, o que torna possível a “história mundial’: “O proletariado pode… existir mundial e historicamente, do mesmo modo que o comunismo, sua ação, só pode ter uma existência “histórico-mundial’”.ii E mais adiante: “… a ampliação dos mercados até a formação de um mercado mundial – que se tornara possível e se ampliava cada dia mais – provocaram uma nova fase do desenvolvimento histórico”.iii
Isso foi em uma época em que a interdependência do mundo, através do desenvolvimento da divisão mundial do trabalho, ainda estava em sua ‘infância’, se comparada a hoje, e muito invisível à massa da população.
Grandes movimentos de pessoas
Hoje a situação é diferente. Através da internet, da televisão de alcance mundial via satélite e suas notícias 24 horas, das viagens ao exterior, etc., a ligação do mundo é uma realidade palpável e visível, reconhecida pela maioria da população mundial! A televisão e mesmo os celulares estão, cada vez mais, disponíveis em algumas das regiões mais subdesenvolvidas e pobres do planeta. Isso é uma manifestação da lei marxista do ‘desenvolvimento desigual e combinado’; a última palavra em tecnologia é alimentada por relações sociais feudais e semifeudais. A tecnologia é empregada em sociedades subdesenvolvidas que ainda não completaram a ‘revolução democrático-burguesa, nacional e democrática’. Envolvendo uma reforma agrária completa, unificação do país e o desenvolvimento dessas sociedades nos parâmetros modernos, tal revolução foi conduzida pelos capitalistas na Europa há centenas de anos atrás. Porém, em grandes regiões da Ásia, África e mesmo na América Latina, a revolução democrático-burguesa pode apenas ser realizada com a chegada da classe trabalhadora ao poder ajudada pela mobilização da população rural, estabelecendo dessa forma o poder dos trabalhadores – um governo de trabalhadores e camponeses. Por sua vez isso acarretaria medidas socialistas, em escala nacional, continental e mundial. Essa é a essência da ‘Teoria da Revolução Permanente’ de Trotsky. Ela mantém sua completa validade hoje nos países que são mantidos na retaguarda e na pobreza pelo capitalismo através da perpetuação de relações sociais e econômicas feudais, semifeudais e arcaicas.
Mas a humanidade não permanece paralisada e não é condescendente face a condições estagnadas ou deterioradas. Os meios de comunicação em nível global põem em vista uma vida melhor no mundo para alguns, que se estabelece contra a crescente pobreza da maioria. Isso produz um efeito magnético para os setores mais enérgicos dos povos da África, Ásia e América Latina, ou para aqueles com recursos, que buscam acesso aos bens avançados e aos altos padrões de vida da Europa, Japão e EUA. Está ocorrendo grandes movimentos de pessoas, seja por migrações de áreas pobres e seguindo qualquer oportunidade de escapar de sua situação, seja por serem forçadas a sair de seus lares por guerras e perseguições.
As reações dos capitalistas a isso são cheias de hipocrisia e contradições. Eles são forçados a depender da migração para preencher empregos sofridos de baixa remuneração, e também para ‘tapar’ os vácuos de trabalho qualificado. Através do fluxo de jovens imigrantes, eles tentam também compensar o envelhecimento de sua população. Ao mesmo tempo, os capitalistas ainda procuram usar os imigrantes como ‘bodes-expiatórios’ pelas falhas do sistema. Falar da ‘Fortaleza Europa’ é também uma tentativa de flanquear a extrema-direita europeia, que ameaça eleitoralmente os principais partidos capitalistas.
No entanto, enquanto os imigrantes seguem em direção às sociedades industriais avançadas, ocorre um processo oposto, uma realocação massiva de empregos – tanto na manufatura quanto nas recém-criadas ocupações de ‘serviço’ – para a China, Índia e outras partes do mundo subdesenvolvido, inclusive também o leste europeu e mesmo a Rússia. Tudo isso colocou para os trabalhadores a necessidade de um programa em escala internacional, especialmente os sindicatos, para defender seus trabalhos contra essa fuga perniciosa de empresas, e também para defender os direitos trabalhistas dos imigrantes. Essa é apenas a última manifestação do esforço dos capitalistas para maximizar seus lucros. Se isso for ao custo da perda de milhões de empregos de remuneração relativamente alta na indústria, substituídos, em alguns casos apenas parcialmente, por empregos temporários de baixa remuneração na tão falada indústria de ‘serviço’ – que assim seja! Para pegar um exemplo do destino dos trabalhadores no capitalismo ’moderno’: um terço da força de trabalho espanhola é de contratos temporários com uma média de permanência de dez dias!
A consequência disso foi o empobrecimento de setores significativos da classe trabalhadora. Bem remunerados no passado, trabalhadores com empregos estáveis e direitos conquistados foram trocados por um novo exército de pobres – não apenas desempregados, mas ‘pobres com emprego’, o que cria condições para inúmeras revoltas por melhores salários de setores empobrecidos da classe trabalhadora, que podem ocorrer como os levantes dos trabalhadores no setor do gás, dos portuários e das trabalhadoras das indústrias de fósforos, na Grã-Bretanha, durante o final do século XIX. Isso teve paralelo com movimentos similares, em diferentes etapas da história, em outros países da Europa e nos EUA. O argumento dos grandes ‘sacerdotes’ do capitalismo é que o processo de globalização é inexorável, não pode ser parado. Além disso, irá, em última instância, beneficiar a todos, criando novos trabalhos em novas indústrias, tanto no mundo neocolonial como nas regiões industrializadas do mundo – que agora estão sendo ‘desindustrializadas’.
Que digam isso às trabalhadoras das ‘maquiladoras’ (manufaturas americanas) do México, onde os chefes corruptos preferem o trabalho feminino, geralmente de mães solteiras, pois elas são as menos capazes de resistir com greves às ofensivas do capital nos cortes de salários e condições. Os proponentes do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) – entre EUA, Canadá e México – argumentam que o acordo é de benefício mútuo aos trabalhadores da América do Norte e Central. Porém, milhões de empregos nos EUA foram realocados para o México, enquanto as condições da classe trabalhadora no México, supostamente beneficiada por esses empregos, deterioram-se atualmente.
Dessa experiência, a ideia que irá surgir nos setores dos trabalhadores atingidos é a de que os patrões não podem fechar fábricas como uma criança guarda um brinquedo, ou mudar fábricas de um país ou continente para outro sem resistência.
A necessidade de uma política comum para os trabalhadores de diferentes países – por exemplo, na Europa, no próximo período – coordenada com os sindicatos que lutam por salários iguais – irá se aprofundar. O mesmo processo se desenvolverá em relação aos trabalhadores na China, Índia e outros. Eles já estão enfrentando ferozmente o capitalismo venal recém-chegado, que almeja superexplorar a eles e suas famílias. Esse novo internacionalismo no plano sindical é similar ao do terreno político. Estão sendo feitos esforços, desajeitados e incertos no início, em busca de uma ligação internacional, continental e mundial de resistência política. Ainda são pensamentos utópicos; mesmo propostas do tipo do escritor e ambientalista inglês George Monbiot, de criar um ‘parlamento mundial’ (explícito em seu livro ‘A Era do Consenso’) para fiscalizar e controlar o capitalismo, são manifestações das demandas nascentes, dentro do movimento anticapitalista, por soluções políticas internacionais para problemas que existem agora.
Esse processo está sendo seguido por um aumento da consciência sobre o enorme abismo de riquezas, tanto na nação como entre nações, que se desenvolveu nos anos 1990. As dez pessoas mais ricas do mundo, em 2002, têm uma riqueza combinada de US$266 bilhões. Isto é cinco vezes o fluxo anual de ajuda das nações ricas para as pobres. Isto é, aproximadamente, o suficiente para pagar todos os ‘metas do milênio’ das Nações Unidas, ou parar e reverter o crescimento da AIDS, malária, e de outras doenças infecciosas, reduzir a mortalidade infantil em dois terços e diminuir o número de mortes de mães por parto em três quartos de hoje a 2015.
As estatísticas que demonstram a escala e a profundidade da pobreza mundial são bem claras. Grandes setores da população mundial estão agora conscientes de que metade do globo vive com US$2 por dia ou menos, e um quinto com menos de US$1 por dia. Apesar do excedente de comida, 840 milhões de pessoas são classificadas oficialmente como subnutridas, por não ter dinheiro para comprar comida suficiente. Cento e oitenta e quatro milhões de pessoas estão desempregadas em todo o mundo (e isso exclui os ‘subempregados’). O Banco Mundial estimou que 54 países, com uma população conjunta de 750 milhões de pessoas, estão vivenciando a uma deterioração real da renda nos últimos 10 anos. O poder real do planeta está em 500 indivíduos (predominantemente homens ricos e apenas poucas mulheres). Eles controlam a maioria dos meios de produção – a organização do trabalho, ciência, técnica, etc. As instituições do capitalismo mundial – o Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, apoiadas por alianças militares como a OTAN – estão subordinadas, em última instância, a esse poder, que se reflete na assim chamada ‘mão invisível’ do mercado. Governos nacionais parecem impotentes em relação aos investidores que, no novo capitalismo global desregulado, podem subjugar os governos a menos que estes obedeçam como cachorros. O presidente Clinton nos EUA foi forçado, pela pressão do mercado, em especial os financiadores da dívida americana, a abandonar seu inócuo programa de estímulos em 1993. Clinton tornou-se um ‘Eisenhower Republicano’. E isso para satisfazer o que o ex-presidente chamou de “um bando de empresários desgraçados”. iv
A primeira etapa da revolta global
O movimento contra a globalização capitalista representa a primeira etapa dessa revolta internacional contra o sistema capitalista global. Seu grande mérito é ter mobilizado milhões de pessoas, especialmente jovens, pela primeira vez. Nem todos os que participaram do movimento se opõem ao capitalismo de forma consciente; eles estavam, inicialmente, em revolta contra os efeitos do capitalismo – no padrão de vida, no meio ambiente, na crescente militarização, as guerras e o futuro monstruoso que esse sistema invocou para a humanidade.
Até agora, quando o movimento dos trabalhadores e a classe trabalhadora participaram nessas ações anticapitalistas, foram, em geral, numa posição subordinada, não surgindo como uma força independente ou com suas próprias bandeiras políticas. Isso se deve, principalmente, ao papel das direções sindicais de direita, apoiadas, obviamente, pelos líderes dos ex-partidos de trabalhadores, na Europa e outros países, que são agora guarda-costas do capitalismo mundial. Mesmo assim, não se deve subestimar a influência desse movimento como uma antecipação das futuras ações de massas da classe trabalhadora. A organização e ação dos trabalhadores os conscientizarão que o capitalismo é um entrave para o progresso, e instintivamente apresentarão demandas classistas como uma solução para os problemas do mundo.
O movimento anticapitalista tem concentrado sua oposição nas várias instituições do capitalismo mundial, como o FMI e o Banco Mundial. Isso por causa da política de muitos líderes do movimento, que não acreditam que seja possível fazer um ataque frontal ao capitalismo e, portanto, realizam apenas uma mera crítica a aspectos do capitalismo moderno. Alguns, como George Monbiot, são enfáticos nas críticas ao Banco Mundial, FMI e mesmo à ONU. Monbiot também mostra em detalhes a futilidade de imaginar que sejam possíveis ‘reformas’ sérias nessas instituições, como sugerem alguns no movimento anticapitalista. Mas, tendo ido tão longe em sua crítica, Monbiot recua e, com efeito, procura soluções nos limites do sistema.
Esse movimento, porém, está passando por uma nova fase, na qual Monbiot e outros em sua direção mostram-se hesitantes. No futuro, ele irá ainda além. Seus ativistas estão buscando um programa e ideias que possam criar um ‘mundo novo’ alternativo real, que não pode ser um programa capitalista renovado, mas um com conteúdo socialista. O movimento de massas contra a guerra no Iraque resultou em mudanças profundas na consciência em todos os níveis da sociedade, mas especialmente entre os jovens. Os marxistas sempre disseram que a guerra é a ‘parteira’ da revolução. Por exemplo, a Revolução Russa de 1905 foi precedida pela guerra Russo-Japonesa e a Revolução Russa de 1917 pela Primeira Guerra Mundial. A guerra no Iraque ainda não levou a uma revolução, apesar da resistência das massas iraquianas à ocupação, o que é, potencialmente, o início de uma revolução. Na perspectiva dos milhões radicalizados por esses eventos convulsivos, isso seria uma revolução, ou o início dela. Nas mentes de muitos, a necessidade de uma alternativa está posta, e alguns já abraçam o socialismo.
Como efetivar esse ‘novo mundo’, exigido por setores cada vez maiores do movimento, é uma questão chave. A história, mesmo recentemente, tem mostrado que essa vontade não será alcançada nem ‘espontaneamente’ nem ‘parcialmente espontânea’. O século XX foi marcado por movimentos heroicos da classe trabalhadora, insurgências revolucionárias que chegaram a tirar o poder dos capitalistas. Em alguns casos, esse poder escapou das mãos da classe trabalhadora. Tal foi o caso da Espanha, 1936-37, onde inicialmente quatro quintos do país estavam sob o comando dos trabalhadores. No Chile, em 1973 sob Allende, 40% da terra e da indústria foram tirados do poder privado, enquanto que em Portugal, em 1975, um movimento de massas vindo de baixo obrigou o governo a nacionalizar os bancos e, através deles, 70% da indústria. O fracasso da classe trabalhadora em manter o poder derivou não de sua ‘imaturidade’ política, mas inteiramente por causa de sua própria organização, em especial seus líderes, as direções do movimento socialista e dos partidos comunistas, que se mostraram uma barreira. Em quase todos os casos esses dirigentes devolveram o poder aos capitalistas, ao invés de procurar uma solução para as necessidades e demandas dos trabalhadores através da revolução.
As ’Internacionais’
Todos esses movimentos foram instintivamente internacionalistas – procurando soluções no plano internacional – e, como consequência, evocaram fortes apoios da classe trabalhadora mundial.
Desde o início, a classe trabalhadora procurou uma solução não somente na esfera nacional, mas também internacional. A Liga Comunista foi organizada pelos jovens Marx e Engels na década de 40 do século XIX, quando a influência do Cartismo na Inglaterra – primeiro movimento sindical político independente da classe trabalhadora mundial – era ainda sentida. Inclusive, houve cinco tentativas sérias de unir o poder de mobilização política da classe trabalhadora em escala mundial: a Liga Comunista, a Associação Internacional dos Trabalhadores, também organizada por Marx e Engels, a Internacional Socialista (Segunda Internacional), a Internacional Comunista (Terceira), posterior à Revolução Russa, e a Quarta Internacional de Trotsky. Todas essas organizações jogaram importantes papéis no surgimento e no crescimento do poder e consciência dos trabalhadores, como explicaremos ao longo do próximo capítulo.
Hoje, na primeira década do século XXI, quando o capitalismo mostra suas fraquezas e, ao mesmo tempo, a globalização acentua a oportunidade para o verdadeiro internacionalismo e uma organização internacional, não há nenhuma internacional de grande inserção política na classe trabalhadora, com partidos de massas. A tarefa do CIT é ajudar a criar as condições para a formação de tal organização internacional. No entanto, isso é possível somente com base nos aprendizados das lições do passado e, principalmente, das falhas das Internacionais precedentes. Um grande passo para tal Internacional seria a criação de partidos de massas em níveis internacionais. Mas o esboço de tal Internacional não pode deixar de ser construído antes da criação desses partidos. Um poderoso embrião para tal organização internacional deve ser criado neste período explosivo que está se iniciando. Nós acreditamos que o CIT pode jogar um papel vital neste processo. Porém, o terreno político está poluído pelos resquícios de fracassadas ou pretensas ‘Internacionais’. Algumas delas tinham raízes muito superficiais, ou nem mesmo nenhuma, nos movimentos reais da classe trabalhadora. A maioria dessas organizações está fragmentada. A maioria também é organicamente oportunista ou ultra-esquerdista; muitas delas, infelizmente, reivindicam a bandeira do ‘trotskismo’. Explicaremos, no próximo capítulo, porque a concepção original de Trotsky da ‘Quarta Internacional’, lançada em 1938, não deu certo. Nunca se tornou uma força de massas, apesar de em alguns casos o trotskismo ter tido um efeito poderoso no movimento dos trabalhadores, como no Sri Lanka, América Latina, Vietnã, França e Inglaterra nos anos 1970 e 1980. A razão da ’Quarta Internacional’ não ter vingado foi uma combinação de fatores e dificuldades objetivas desfavoráveis, juntamente com os erros dos dirigentes dessa Internacional.
O século XXI, porém, apresenta uma oportunidade de aprender com o passado. O processo pode começar – alguns passos podem, pelo menos, ser dados – com a criação dos fundamentos para tal Internacional. Mas essa tarefa é, primeira e principalmente, política. A única justificativa em tentar construir uma organização política, separada e aparte de outras, certamente como todos os marxistas concordam, é a existência de diferenças políticas e programáticas sérias. Diferenças incidentais, secundárias, pessoais e táticas não são justificativas suficientes para manter uma organização diferente de outra, ainda mais quando tal organização é formada por dúzias, centenas e mesmo milhares de pessoas.
Por essa razão, após a queda do Muro de Berlim e com a nova situação aberta, o CIT explorou a possibilidade de chegarmos a acordos com outras tendências do trotskismo em assuntos fundamentais. Discutimos e nos correspondemos com o Secretariado Unificado da Quarta Internacional (SUQI, também conhecida como a Quarta Internacional). Tivemos contatos e discussões com os trotskistas da corrente ‘morenista’, baseada principalmente na América Latina. Nós procuramos trabalhar, e ainda tentamos (infelizmente com pouco sucesso), em organizações comuns e em alianças com a Tendência Socialista Internacional (TSI), cuja seção mais importante é o Socialist Workers Party (SWP – Partido Socialista dos Trabalhadores) na Inglaterra. Iniciamos tais discussões com a mente aberta, na esperança de que, como nós, essas organizações talvez aprendessem com os erros do passado, reajustassem suas posições políticas e, por meio disso, criassem as bases para um trabalho comum e um acordo político possível sobre as tarefas à frente.
Infelizmente, as conclusões que a maioria das organizações tirou com a nova situação mundial da classe trabalhadora e do movimento marxista diferiu e difere da nossa, e em alguns casos de maneira decisiva. O colapso do stalinismo, simbolizado pela queda do Muro de Berlim, foi um daqueles momentos decisivos na história que, a menos que sejam avaliados corretamente, podem levar a erros políticos, programáticos e organizativos graves. Nenhuma dessas organizações ajustou-se aos principais aspectos da situação imediata do pós-stalinismo com tanta rapidez e clareza que o CIT.
Partido Socialista Escocês
Os ‘terríveis anos 1990’ que se seguiram ao colapso do stalinismo são a origem objetiva do oportunismo de muitas organizações. Paradoxalmente, eventos dentro do CIT – o afastamento dos líderes do que se tornou o Partido Socialista Escocês (SSP) da posição do trotskismo revolucionário – inadvertidamente encorajaram esse processo. A formação e o sucesso eleitoral do SSP tornaram-se, agora, um modelo para aqueles que estão, apressadamente, afastando-se do marxismo e do trotskismo. A decisão dos então dirigentes da seção do CIT na Escócia, no final dos anos 1990, de construir uma formação socialista mais ampla, o SSP, enquanto abandonavam efetivamente o partido revolucionário, representou um rompimento fundamental com o programa, com a tática e a estratégia revolucionárias do CIT. Esse evento, liderado por indivíduos que tiveram papéis importantes no CIT no passado, como Tommy Sheridan, Alan McCombes e outros, não foi, de forma alguma, acidental. Foi o produto da dificuldade em manter a defesa de um programa revolucionário e da chegada de mudanças dramáticas no meio político.
As propostas desses companheiros, de início, não pareceram para muitos como um abandono fundamental de nossas análises e programa. Acima de tudo, foram os dirigentes do CIT e não os dirigentes da seção escocesa, Tommy Sheridan e Alan McCombes, os primeiros a chamarem por um novo partido de massas dos trabalhadores. Isso foi baseado em nossas análises sobre o ’aburguesamento’ da social democracia na Inglaterra (Novo Trabalhismo) e, ultimamente, a social democracia mundial. Apesar das tentativas de Alan McCombes e Tommy Sheridan em pintar a maioria do CIT como se ela tivesse recusado a ideia de formar um partido amplo, tais argumentos não tiveram efeito sobre a maioria dos membros do CIT.
Nossa objeção era contra a liquidação da corrente revolucionária em tal organização. Os argumentos sobre essas ideias podem ser examinados profundamente visitando o site do CIT na em www.marxist.net (em inglês). Os dirigentes do CIT, com apoio de uma esmagadora maioria nesse debate, corretamente anteciparam a evolução política do que depois se tornou a direção do SSP. Apesar de negarem que esses eram seus desejos, nós prenunciamos seu retrocesso político e sua liquidação final no SSP, o que acarretou uma virada para o reformismo que, na prática, somou-se ao fim do Scottish Militant Labour, que tinha sido um partido revolucionário. No início, quando Tommy Sheridan e Alan McCombes formaram o International Socialist Movement (Movimento Socialista Internacional) dentro do SSP, isso não era óbvio. No entanto, em janeiro de 2003, a direção propôs dissolver o ISM, pois o SSP estava “cumprindo esse trabalho”. A proposta foi colocada na ’geladeira’ até depois das eleições parlamentares escocesas daquele ano. Em outubro do mesmo ano, o assunto foi levantado de novo. Foi decidido manter o ISM, mas havia pouco entusiasmo em construí-lo. Eles precisavam manter a aparência de uma organização por causa da oposição política dentro do ISM, mas também por causa da ameaça que isso representaria à sua posição diante de outras plataformas dentro do SSP, particularmente o CIT. A realidade é que o ISM era a fração da maioria da direção do SSP.
A pesar disso, o SSP estava preenchendo parcialmente o vácuo que existia à esquerda do Trabalhismo e obteve sucessos eleitorais, assim como um crescimento numérico. O sucesso eleitoral nas eleições parlamentares de 2003 pareceu justificá-lo, assim como a filiação do sindicato RMT (Rail Maritime and Transport Union) ao SSP. Como consequência, em alguns grupos da ‘esquerda revolucionária’ internacional, ele foi invocado como um modelo de construção e base para novos partidos da classe trabalhadora. É dada muita ênfase na necessidade de ampliar, diluindo, na prática, as organizações revolucionárias em tais formações. Isso parecia estar justificado com o sucesso do SSP. Porém, o que se esquece em tudo isso são os limites do que foi alcançado na Escócia. Existem lá condições concretas e específicas que, pelas condições diferentes de outros lugares, não podem reproduzir imediatamente um partido como o SSP. Sem dúvida, a questão nacional moldou a situação política na Escócia, o que beneficiou o SSP. No entanto, o Partido Socialista (seção do CIT) da Inglaterra e País de Gales também teve êxitos no campo eleitoral. O SP (Socialisty Party) lançou candidatos em onze eleições locais, elegendo e reelegendo vereadores socialistas. Desde 2001, com os votos ganhos em Coventry, durante a campanha eleitoral para Dave Nellist, o SP tem sido, consistentemente, o melhor dos partidos à esquerda do Novo Trabalhismo (New Labour) na Inglaterra e Gales. Além disso, enquanto o SSP recebeu 5,2% dos votos na Escócia durante as eleições europeias de 2004, o SP (CIT) na Irlanda teve 5,5% em Dublin na mesma eleição europeia. Esses resultados eleitorais mostram que o apoio eleitoral pode ser ganho sem abandonar um programa marxista e trotskista consistente.
Nós saudamos e apoiamos a construção do SSP – a despeito das denúncias completamente falsas da direção do partido de que nos opomos a ela (veja mais detalhes no www.marxist.net). Mas insistimos em continuar a construir uma tendência marxista claramente identificável dentro do SSP. Isso corresponde à tática configurada nos anos 1990 – a tarefa dupla de reabilitar e lutar pelas ideias do socialismo e, ao mesmo tempo, construir novos partidos da classe trabalhadora mantendo as ideias do marxismo revolucionário dentro dessas novas organizações.
A direção do SSP contribuiu para a primeira tarefa, mas abandonou a segunda, tarefa vital para os marxistas neste período. Com impaciência – por popularidade rápida – eles diluíram as ideias pelas quais anteriormente aderiram ao CIT. Agora nem eles ou nós, nem outra organização séria no movimento internacional, descreveria os dirigentes do SSP como ‘trotskistas’ consistentes. Eles procuram ao máximo distanciar suas atuais posições do passado revolucionário do Militant e do Scottish Militant Labour, assim como do CIT.
O abandono da posição marxista
Os discursos de Tommy Sheridan não são consistentemente socialistas e marxistas. Por exemplo, como líder do SSP, ele explicou numa entrevista para a BBC que “há vários países que tiveram uma mistura bem-sucedida de propriedade pública e impostos altos… como a Noruega e a Dinamarca, eles conseguem combinar altos níveis de propriedade pública com altos impostos para a riqueza”. Isso implica que o capitalismo norueguês e dinamarquês são o padrão de um tipo de Escócia que Tommy Sheridan gostaria de ver. Ele, então, diz: ”Eu não acho que haja necessidade de nacionalizar a Tesco [uma grande cadeia de supermercados] agora. O que eu acho necessário é impor à Tesco salários e condições de emprego dignos. O que deveríamos estar fazendo é regular os negócios. Você não tem de tê-los, você deve apenas regulá-los”. (The Herald, Glasgow, 30 de abril de 2003)
Na mesma entrevista Tommy Sheridan disse: “O que estamos dizendo é que numa futura Escócia independente, socialista, nós queremos trabalhar na educação, na qualificação. Nós queremos oferecer uma economia altamente qualificada, uma força de trabalho motivada para os grandes negócios. Se isso funciona na Alemanha e na França, onde há salários altos, melhor padrão e melhores mercadorias, por que não aqui, na Escócia?”
Deixando de lado o desejo de Tommy Sheridan em oferecer aos grandes empresários uma “força de trabalho altamente motivada”, os trabalhadores da Alemanha, alguns com 2 ou 3 euros à hora, e os trabalhadores franceses, que veem seus pagamentos e condições sob ataque do programa neoliberal do primeiro ministro Raffarin, não consideram que são “bem pagos”! Além do mais, numa base capitalista, “altos salários” estão se tornando coisa do passado, na Alemanha e em outros lugares. No jornal do SSP, The Voice, Kevin Williamson, um colaborador próximo de Tommy Sheridan e de Alan McCombes, apresenta uma posição liberal e não-classista (sem nenhum comentário deles): “Aqueles que veem a política puramente em termos ou do capitalismo ou do socialismo devem fazer ainda sérias tentativas para explicar como uma classe controladora pode ser impedida de chegar a uma posição de poder numa sociedade pós-capitalista. O resto de nós precisa colocar alternativas práticas”.
O mesmo tipo de retrocesso – comparado ao período em que eles eram do CIT – aplica-se ao posicionamento do SSP nos assuntos internacionais. Isso vai do apoio acrítico ao estado cubano de Fidel Castro, ao qual descrevem como ‘socialista’, ao completo abandono de uma solução socialista para o conflito Palestino-Israelita – de uma Palestina socialista e de uma Israel socialista dentro da esfera de uma confederação socialista do Oriente Médio. Com efeito, na conferência de 2002 do SSP, eles aceitaram a palavra de ordem incorreta do Socialist Workers’ Party (Partido Socialista dos Trabalhadores) de “um estado palestino com direitos de minoria aos israelenses”. Apesar desta posição ter sido retirada na conferência subsequente, nos jornais do SSP e nas declarações de importantes membros do SSP a ideia de um estado palestino com direitos de minorias aos israelenses ainda aparece. Tal slogan abstrato nunca será aceito pela população israelense, com a implicação de seu próprio Estado separado ser liquidado e de serem forçados a se incorporarem ao ‘Estado palestino’.
No momento em que é escrito esse texto, por causa das medidas brutais e repressivas do regime de Sharon, e seus efeitos sob a população palestina, como subnutrição e fome, a maioria dos palestinos, em desespero, parecem ter abandonado a esperança de uma solução por ‘dois Estados’. Uma parte da burguesia palestina abraçou a ideia do abandono da meta de um Estado palestino separado, com os palestinos lutando por direitos iguais dentro do estado de Israel. Eles esperam que, com base em fatores demográficos – a alta taxa de nascimento da população palestina – os judeus israelenses se tornarão minoria em seu próprio Estado em dez ou vinte anos! Obviamente, a burguesia israelense nunca aceitaria tal solução. Ela optaria, se necessário, por uma evacuação forçada dos árabes israelenses e a repartição da área. Em outras palavras, um cenário de conflito sangrento interminável seria a consequência de qualquer solução de ‘um-Estado’. O mesmo se aplica à caricatura de uma política de ‘dois-Estados’ genuínos, a proposta de Sharon que se assemelha a um ‘bantustão’ para os palestinos. Mesmo que, temporariamente, a ideia de uma solução socialista pareça retroceder, no futuro irá reunir o apoio da maioria da população israelense e palestina.
O retrocesso político, teórico e organizativo dos ex-membros do CIT na Escócia tornou-se, por sua vez, o padrão de processos similares que afetam outras organizações denominadas, antes, de marxistas. Algumas delas ainda reivindicam formalmente a bandeira da ‘esquerda revolucionária’ e mesmo do ‘trotskismo’. Para o Democratic Socialist Party (DSP – Partido Socialista Democrático) da Austrália, para a Tendência Socialista Internacional e para o Secretariado Unificado da Quarta Internacional (SUQI), a mudança dos dirigentes do SSP serviu, até, de ‘inspiração’ para uma virada segura à direita ou mesmo como ‘modelo’ – o protótipo do tipo de partido que pode ser criado em qualquer lugar.
Desde os tempos de Karl Marx, o socialismo científico, o trotskismo como expressão atual, viu-se sempre, nas palavras do Manifesto Comunista, como “o movimento do futuro no movimento do presente”. Embora se relacionando sempre com o nível real de consciência e compreensão da classe trabalhadora, a tarefa dos marxistas genuínos no que tange ao programa, à tática e à organização, é direcionar os olhos dos setores avançados da classe trabalhadora para os objetivos do socialismo. Necessariamente, isso exige a demarcação clara entre uma abordagem consistentemente marxista e as ideias e métodos da esquerda reformista e mesmo centrista, que podem se desenvolver em períodos de aumento da tensão social. Aqueles que desejam seguir os passos dos dirigentes do SSP estão, com efeito, sacrificando o futuro da classe trabalhadora por ganhos de curto prazo hoje.
Secretariado Unificado da Quarta Internacional (SUQI)
No plano internacional, o Secretariado Unificado da Quarta Internacional (SUQI) espelhou-se no SSP, que cada vez mais corresponde a sua própria visão política. Ela é, talvez, a organização internacional identificada como trotskista mais conhecida. Porém, o SUQI, por sua própria confissão, diz que seu Congresso Mundial de 2003 teve participantes de 40 países (nem todos eram membros do SUQI). Isso é próximo do número de países nos quais o CIT possui seções, grupos ou membros atualmente. Embora o SUQI tenha uma presença considerável na França, através da LCR, este não é o caso da maioria dos países da Europa Ocidental. A força das diferentes ‘esquerdas revolucionárias’ internacionais não é apenas uma questão de sua força atual, mas da potencial. Isso, por sua vez, depende de análises corretas da etapa pela qual a sociedade e a classe trabalhadora estão passando e todas as conclusões políticas que provêm daí. Se o número de uma organização é de dúzias, centenas, milhares ou mesmo milhões, isso importa por causa do efeito que possa ter, mas o que é fatalmente decisivo, quando a situação se agrava, é a premissa política dessas organizações.
Seria criminoso formar ou manter uma organização política de esquerda separada, a menos que haja diferenças fundamentais que não podem ser acomodadas dentro de uma organização ou através da unificação de diferentes organizações. Ao mesmo tempo, um partido revolucionário não é a mesma coisa que uma formação transitória mais ampla, na qual diferentes posições políticas, organizações e tendências, algumas diferindo radicalmente das outras, podem colaborar e trabalhar conjuntamente.
A necessidade de unidade vem dos acordos básicos dentro da classe trabalhadora para juntar suas forças contra o inimigo comum, a classe capitalista. Maldito seja qualquer partido ou organização política que em períodos críticos fique no caminho do anseio por unidade! Os marxistas devem sempre procurar causas comuns, particularmente com organizações genuínas com raízes na classe trabalhadora, em ações específicas, em iniciativas de ‘frente-única’, etc. Mas isso não deve ocorrer diluindo ou escondendo as bandeiras marxistas, ou retirando ou deixando de defender o programa do marxismo. O futuro das diferentes ‘Internacionais’ será determinado pela abordagem política de hoje e do futuro, e se suas ideias correspondem às necessidades da situação atual.
Nem o TSI nem o SUQI apresentaram nos últimos tempos uma análise marxista ou trotskista consistente. O SUQI reivindica a herança de Trotsky, e é reconhecido no círculo ‘intelectual’ como representante do ‘trotskismo ortodoxo’. Infelizmente, essa não é a realidade, como se vê pelo exame das análises e programa atuais do SUQI. Ser ‘trotskista’ é defender a herança de Trotsky, seus métodos de análise e, em geral, sua atividade no movimento dos trabalhadores. Isso não significa dar ‘carta branca’ para tudo o que Trotsky fez. Na série recente de artigos do jornal International Viewpoint do SUQI, dedicado a Trotsky, aparece uma série de críticas e ataques a suas ideias e métodos. Ao invés de identificar os erros que Trotsky cometeu – e em sua vida ele admitiu-os abertamente, ao contrário da SUQI e seus dirigentes atuais – o SUQI acusa-o de erros que ele nunca praticou; eles condenam os pontos fortes, ao invés dos fracos, e ecoam, talvez inconscientemente, a crítica dos stalinistas sobre uma suposta fraqueza de Trotsky.
Trotsky e o partido revolucionário
Tomemos, por exemplo, a questão da necessidade de um partido. Francois Vercammen, secretário do SUQI, escreveu um artigo intitulado: “A questão do partido: o ponto fraco de Trotsky”. Vercammen diz: ”Seu ponto fraco é o problema do partido… Trotsky não teve a capacidade (1903-1917) ou a oportunidade (depois de 1917) de participar diretamente na construção de um partido revolucionário em seus principais aspectos (tirando as análises e perspectivas gerais), a saber, a elaboração e implementação da linha política e táticas concretas, um trabalho coletivo dentro de uma direção central, a construção de uma aparato político-organizativo, trabalhar em comum com outros militantes e dirigentes; e de modo mais geral, a implementação da uma dialética interna que priorizasse a experiência dos militantes do partido na elaboração de uma linha. Entre 1903 e 1917, tendo rompido com Lênin, ele não tentou organizar uma corrente ou um partido (limitando-se a uma atividade, como a de jornalista e orador)”.v
A incrível incompreensão da posição de Trotsky dentro do Partido Operário Social Democrata Russo (POSDR) reflete a crítica burguesa em busca de uma explicação ‘sociológica’ da revolução. Isso, por sua vez, é reflexo da difamação dos stalinistas. A fraqueza de Trotsky não é aquela apontada por Vercammen, uma incompreensão da necessidade ou do caráter do partido, já que participou plenamente no POSDR, o que exigia uma compreensão da necessidade do partido e de seu caráter, naquela etapa. A observação de Vercammen sobre a “análise e perspectivas mais amplas” ignora a maior contribuição de Trotsky para o sucesso da revolução socialista – seu trabalho monumental –, o livro Resultados e Perspectivas, no qual explica e desenvolve a ‘Teoria da Revolução Permanente’. Ali, Trotsky antecipa corretamente as principais forças envolvidas na primeira e na segunda Revoluções Russas e, em particular, o papel decisivo da classe trabalhadora como força primária, em aliança com o campesinato, o que permitiu a ela tomar o poder em outubro de 1917.
O erro de Trotsky – admitido abertamente por ele, em seu “Diário do Exílio”, por exemplo – não foi na questão do partido, na necessidade de tal partido, no caráter de tal partido etc., foi seu ‘conciliacionismo’, sua esperança de uma reconciliação entre o bolchevismo e o menchevismo, entre 1907 e 1912. Ele esperava que, como na revolução de 1905, bolcheviques e mencheviques se unissem forçados pela pressão das massas. Por acaso, ele não estava sozinho nisso. Militantes do partido bolchevique puseram tanta pressão em Lênin que em várias ocasiões entre 1906 e 1912 ele foi obrigado a iniciar negociações para a unidade com os mencheviques. Além disso, os bolcheviques e mencheviques estavam unidos em organizações comuns em várias partes da Rússia (fora de Petrogrado), até setembro de 1917.
Ao contrário desses ‘bolcheviques’, Trotsky nunca teve ilusões políticas nos mencheviques, ao contrário, divergiu radical e agudamente de seus programas e perspectivas políticas. Portanto, na caracterização política dos mencheviques, Trotsky estava com Lênin. Nós repetimos, onde Trotsky errou não foi na questão do partido, foi na ilusão de que, sob a pressão das massas, ambos os braços do POSDR seriam obrigados a se unir e aceitar as principais linhas de sua abordagem sobre a revolução, principalmente sobre a revolução permanente, e na estratégia e tática que derivariam disso. Lênin, por outro lado, entendeu mais cedo e mais claramente que os Mencheviques já tinham se aproximado das concepções da pequena burguesia e da burguesia sobre a revolução vindoura.
A pesar dessa percepção de Lênin, Trotsky estava mais correto em sua análise da revolução e, particularmente, do papel da classe trabalhadora como principal agente na tomada do poder pelo proletariado, impulsionado pela massa dos camponeses. É um fato histórico que Lênin, com efeito, abandonou a ‘fórmula algébrica’ da “ditadura democrática do proletariado e do campesinato” depois da Revolução de Fevereiro e então, na prática, adotou inteiramente a posição de Trotsky.
Não havia nenhuma diferença fundamental entre Trotsky e Lênin em suas abordagens, táticas, estratégia, etc., sobre a revolução. O mesmo não pode ser dito de Stalin, Kamenev ou Zinoviev. Vercammen escreveu, absurdamente, que: “Foi a determinação de Lênin em ligar-se ao ‘movimento real’ na Rússia, combinada com a sucessão de conjunturas sócio-políticas complexas, que criou e inseriu o Partido Bolchevique na sociedade [urbana] russa. Foi a política de Lênin determinante e não sua ‘concepção’ de partido, como é comumente compreendido (centralismo democrático, o programa geral)… Foi a fraqueza política de Trotsky a base de sua derrota no nível da organização. Pode-se ver isso da seguinte maneira: antes de 1917, sua capacidade extraordinária de compreender o significado das tendências da época e de esboçar perspectivas estratégicas não lhe permitiu desenvolver uma política revolucionária (e ele foi incapaz ou não queria criar um coletivo militante). Sua fraqueza sobre o partido localiza-se nesse ponto”.
Argumentamos que Trotsky, ao invés de Lênin, teve a perspectiva mais clara sobre as forças e os efeitos da Revolução Russa. Vercammen louva a política razoavelmente correta em relação à 1917 – e também fala da “fraqueza política de Trotsky”. E tudo isso, que antes respondemos várias vezes contra os stalinistas, é parte de uma suposta defesa de Trotsky! As raízes dessa crítica recente dos supostos erros de Trotsky surgem da incapacidade do próprio SUQI em construir organizações amplas no passado. Vercammem aponta a falha de sua organização em 1965-68, e compara isso ao período de 1895-1914, quando Lênin foi capaz de estabelecer um esboço do partido revolucionário que amadureceu e tomou o poder em outubro de 1917.
Infelizmente, Vercammem não compreende o caráter geral do período de 1965-68 e suas diferentes conjunturas. O stalinismo e a socialdemocracia, ele argumenta, começaram a se ‘desintegrar’ antes dos eventos de maio de 1968. Isso não é verdade. As organizações reformistas e a consciência que a acompanha ainda, em geral, dominavam as mentes das massas nesse período. Para nós, marxistas, os partidos socialdemocratas e stalinistas de massa eram fatores objetivos, que poderiam ser superados apenas pelos eventos. Isso aconteceu, em certa medida, nos eventos revolucionários na França de maio-junho de 1968. No entanto, a ausência de um partido e direção revolucionários nesse momento permitiu que o stalinista Partido Comunista Francês e os ‘socialistas’ reformistas estabelecessem seus controles e arruinassem o potencial revolucionário.
Na Inglaterra, durante os anos 1970 e 1980, o Militant, precursor do Partido Socialista, realizou avanços em Liverpool e na luta contra o poll tax. Infelizmente, como explicamos outrora, esse início promissor da construção de um partido revolucionário de massas foi atravessado pelo ‘boom’ dos 1980 e, claro, pelo colapso do stalinismo. A reinterpretação de Vercammem do papel e da suposta fraqueza de Trotsky nas questões da organização e partido, etc., junto com sua crítica política sublimada, esconde uma abordagem impaciente para com o problema da criação e esboço de um partido e da construção de tal força.
Essa tarefa envolve a compreensão das diferentes etapas pelos quais a classe trabalhadora e seu nível de compreensão atravessam. Isso quer dizer estar preparado para ‘nadar contra a corrente’ em certos períodos, com o risco de ser acusado de sectarismo. Mas isso também significa reunir os quadros da classe trabalhadora, enraizando o partido nas periferias e nas organizações da classe trabalhadora – sindicatos, cooperativas, etc. – e aproveitando as oportunidades para criar uma base de massas ou parcialmente de massas, assim que elas surjam.
Incrivelmente, Vercammen acusa Trotsky de ser “indeciso e confuso (mesmo depois de 1905) na questão do apoio eleitoral à pequena burguesia”. Isso é feito sem uma tentativa de explicar o que Vercammen quer dizer com isso. No entanto, quando chega à questão do campesinato, ele ataca Trotsky diretamente e, dessa maneira, um dos principais elementos da teoria de Trotsky da Revolução Permanente. Vercammen argumenta: “Em 1906, e nos anos que se seguiram, ele se satisfez com duas generalizações teóricas que traduzem todos os preconceitos do marxismo europeu daquele tempo (pós-Marx): historicamente, o campo segue a cidade e o campesinato, o proletariado (industrial, urbanizado); ao mesmo tempo, o campesinato é incapaz de seguir uma linha política autônoma e criar uma organização independente”. Ele vai além ao fazer eco à crítica dos stalinistas e dos recentes teóricos ‘stalinistas’ do Partido Socialdemocrata da Austrália, argumentando que: “Trotsky não procura, como Lênin, a construção de uma aliança real de trabalhadores e camponeses, com todas as suas demandas. Por seu caráter abstrato, a teoria provou ser uma verdadeira armadilha para Trotsky”vi. Isso é um mero eco da acusação stalinista de que Trotsky subestimou o potencial revolucionário do campesinato.
A revolução permanente
Uma questão similar é feita por Michael Löwy na International ViewPoint, supostamente em defesa da teoria da revolução permanente. O autor escreve: “A teoria da revolução permanente foi verificada duas vezes ao longo da história do século XX. De um lado, pelos desastres resultantes do etapismo, da aplicação cega, pelos partidos comunistas em países dependentes, da doutrina stalinista da revolução por etapas e do bloco com a burguesia nacional, da Espanha em 1936 à Indonésia em 1965 ou Chile em 1973”.vii
Michael Löwy, então, diz que a teoria foi verificada de outra maneira, “Essa teoria, desde que foi formulada em 1906, permitiu-nos predizer, explicar e iluminar, amplamente, as revoluções do século XX, que foram, todas, revoluções ‘permanentes’ nos países periféricos. O que aconteceu na Rússia, China, Iugoslávia, Vietnã ou Cuba correspondeu, de forma geral, a ideia central de Trotsky: a possibilidade de uma revolução combinada e ininterrupta – democrática e socialista – em um país do capitalismo periférico, dependente ou colonial. O fato de que, afinal, os dirigentes dos movimentos revolucionários depois de outubro de 1917 não reconheceram o caráter ‘permanente’ dessas (com algumas exceções, como Ernesto Che Guevara), ou fizeram isso a posteriori e empregando uma terminologia diferente, em nada tira seu mérito histórico efetivo…”
“Hoje como ontem, as transformações revolucionárias que estão na agenda das sociedades na periferia do sistema não são idênticas àquelas dos países centrais. Uma revolução social na Índia não pode ser, do ponto de vista de seu programa, da estratégia e das forças motoras, uma pura revolução de ‘trabalhadores’ como na Inglaterra. O papel político decisivo – certamente não imaginado por Trotsky! – exercido em vários países hoje pelos movimentos indígenas e camponeses (a FZLN no México, o MST no Brasil, a CONAIE no Equador) mostra a importância e potencial de explosão social da questão agrária, e sua relação próxima com a libertação nacional”.viii
Ambos os pontos estão inteiramente errados. Primeiro, Trotsky compreendeu a importância de mobilizar o campesinato, especialmente na Rússia, onde o proletariado era minoria. Mas ele estava absolutamente correto em compreender que o campesinato era heterogêneo e incapaz de chegar a manter o poder independentemente. Em certo sentido, Löwy está correto em dizer que a teoria da revolução permanente foi confirmada pelas vitórias da revolução na China, Iugoslávia, Vietnã e Cuba. Mas essas vitórias fizeram isso, não no sentido clássico sugerido por Löwy, mas como uma caricatura. Fora a Rússia de 1917, a classe trabalhadora não tomou o poder diretamente, ou estabeleceu organizações independentes dos trabalhadores – sovietes, etc. Mobilizando o campesinato na Revolução Chinesa, um grupo bonapartista, liderado por Mao Tse-Tung (Mao Zedong), pôde tomar o poder, equilibrando-se entre as classes e construindo um Estado, que desde o início foi um regime stalinista à imagem da Rússia de Stalin.
Isso não é reconhecido na análise do SUQI sobre o processo que levou à criação desses Estados. Por causa disso, eles cometem erros fundamentais na questão do ‘campesinato’. Como mostraremos no próximo capítulo, isso levou a numerosos e enormes erros do SUQI no passado no que tange às táticas de guerrilha, ao papel do campesinato na revolução, etc., o que fez com que o SUQI apoiasse aventuras guerrilheiras no Uruguai e Argentina, onde alguns dos melhores setores da juventude foram gastos num conflito militar fútil com o Estado, sobre a cabeça da classe trabalhadora. O SUQI também deu apoio acrítico ao IRA na Irlanda, e se meteram em várias outras aventuras.
Infelizmente, o SUQI não aprendeu com seus erros, como mostram os comentários de Löwy sobre a suposta posição de Trotsky em relação ao campesinato. Ele diz: “A principal limitação da análise de Trotsky é de natureza ‘sociológica’ ao invés de estratégica: considerar o campesinato, desigualmente, como um ‘suporte’ da revolução proletária, como uma classe de ‘pequenos proprietários’ cujo horizonte não vai além de demandas democráticas. Ele teve problemas em aceitar, por exemplo, um Exército Vermelho chinês composto por uma maioria de camponeses. Seu erro – como o de muitos marxistas europeus e russos – foi adotar, sem um exame crítico, a análise de Marx no ‘Dezoito Brumário’ sobre o campesinato francês como uma classe atomizada e pequeno-burguesa e aplicar isso às nações coloniais e semicoloniais com características muito diferentes. No entanto, em um de seus últimos escritos, Preconceptions of the Russian Revolution (1939), Trotsky argumentou que a apreciação marxista do campesinato como uma classe não socialista nunca teve um caráter ‘absoluto e imutável’”.ix
Essas críticas a Trotsky estão erradas do início ao fim. A porcentagem precisa do campesinato entre pequenos proprietários e proprietários, camponeses pobres e trabalhadores rurais sem terra, que tendem a penetrar nas fileiras do proletariado, difere de continente para continente, e mesmo de país para país. Porém, a proposição geral marxista, e de Marx, sobre o caráter heterogêneo do campesinato mantém sua validade completa em relação ao mundo neocolonial de hoje. A ideia brilhante de Marx, que somente a classe trabalhadora, organizada em grandes indústrias, disciplinada pela fábrica ou local de trabalho, pode desenvolver a coesão social necessária e, por último, a consciência necessária para realizar uma mudança socialista, foi confirmada por todas as revoluções. Esse foi o caso, principalmente, da Revolução Russa, mas também se aplica mesmo onde as revoluções não tomaram uma forma ‘clássica’, como na China.
China, Iugoslávia e Cuba
Na verdade, as análises de Trotsky sobre a China, especificamente sua caracterização do Exército Vermelho de Mao Tse-Tung nos anos 1930, foram brilhantemente precisas. Ele disse que ele foi o eco rural da revolução operária derrotada de 1925-27. Os ex-comunistas que dirigiam esse movimento, ele diz, poderiam nutrir, por um período, certa suspeita e hostilidade contra a classe trabalhadora, mesmo se eles fossem vitoriosos e entrassem na cidade. Isso porque eles estavam condicionados a uma existência rural entre as massas camponesas, nas quais se apoiavam. Não foi isso o que aconteceu quando o Exército Vermelho derrotou o Kuomintang e tomou as maiores cidades da China? Antes de ele ocupar as cidades, pediu para as massas não se levantarem, alertando que greves seriam punidas. Não havia sovietes, organizações independentes da classe trabalhadora ou do campesinato, neste aspecto. Trotsky defendeu a perspectiva de que, como todos os movimentos camponeses na história, o Exército Vermelho chinês poderia ser vitorioso e derrotar o Kuomintang, mas permaneceria dentro da estrutura do capitalismo, o que poderia resultar na configuração de uma nova dinastia, que iria degenerar em um regime feudal burguês e então o processo de oposição e revolução camponesa iria começar mais uma vez.
Os eventos na China não ocorreram dessa maneira por causa do equilíbrio das forças mundiais manifestado na China. Cronicamente fracos, a burguesia e os proprietários de terras fugiram da China com os exércitos derrotados do Chiang Kai Shek. No vácuo deixado, Mao representou uma camarilha bonapartista e a chefia de um exército vitorioso. A camarilha equilibrou-se entre as classes, mas foi obrigada pela pressão de baixo a expropriar os latifundiários e o capitalismo. Nunca Trotsky escreveu o que Löwy sugere, que o campesinato, particularmente as camadas mais baixas, os camponeses pobres, etc., era impermeável às ideias do socialismo. Mesmo durante a Revolução Russa, como John Reed aponta em seu livro, Dez Dias que Abalaram o Mundo, soldados camponeses viram a Revolução de Outubro como o começo de um novo mundo, uma transformação socialista. Além do mais, em partes do mundo neocolonial hoje, tal é o desespero do campesinato, com seus pequenos e inviáveis pedaços de terra, que a ideia de cooperativas e ideias gerais de ‘socialismo’ podem ser atraentes, principalmente quando defendidos por partidos com raízes poderosas na classe trabalhadora urbano-industrial. Todavia, o campesinato – o ‘campo’ – precisaria ainda achar uma força dirigente nas cidades para a consolidação de uma transformação socialista, que depois apelaria para a classe trabalhadora internacional.
Marx e, depois dele, Trotsky, descreveram as limitações do campesinato e seu caráter disperso e estratificado; como uma classe, ele não seria capaz de exercer um papel independente. Poderia, apesar disso, ter um papel auxiliar necessário e vital em apoio ao movimento revolucionário industrial da classe trabalhadora urbana na tomada do poder. Indubitavelmente, onde os trabalhadores são minoria na sociedade, um clássico levante dos trabalhadores poderia ser ‘complementado’ por uma ‘segunda edição da guerra do campo’ – um movimento dos camponeses, incluindo até elementos de guerrilha. Porém, o CIT, seguindo o método de análise de Trotsky, fez diferenciações claras. Métodos guerrilheiros usados no campo entre a população rural, como um auxiliar ao movimento da classe trabalhadora em áreas industriais, são bem diferentes de usá-los como um método de luta igualmente aplicável entre os trabalhadores.
Isso deveria ser o ABC básico para os marxistas e em especial para os que reivindicam o trotskismo. Infelizmente, o SUQI, sobre isso e em outros assuntos, é culpado de retrocessos teóricos. Na prática, isso pode levar a desastres futuros se o SUQI se tornar influente no movimento de massas.
O mesmo aplica-se à caracterização do SUQI do que chama de regimes ’burocratizados’. Ele diz que sempre foi crítico a regimes como a Iugoslávia de Tito, Cuba, China etc. Porém, essa ‘crítica’ era no contexto da aceitação de que eles eram, basicamente, estados operários relativamente saudáveis. Se elementos de ‘burocratismo’ existiam, eram do mesmo ‘tipo’ de distorções burocráticas que existiram quando a Rússia era um estado operário saudável no período de 1917-23. Ernest Mandel, antigo líder teórico do SUQI, debateu exaustivamente contra o CIT. Nós discordávamos fundamentalmente de sua análise.x Nos opusemos, por exemplo, às afirmações do SUQI de que Tito fosse um “Trotsky inconsciente”, política que incluiu o envio de “voluntários” para a Iugoslávia quando Tito chocou-se com Stalin em 1949. Nós afirmamos no entanto que Tito foi um “stalinista nacional”, que colidiu com Stalin não pelo caráter de seu regime (visto que seu próprio regime foi modelado no de Moscou), mas por expressar a oposição stalinista nacional da burocracia iugoslava ao ‘Big Brother’ de Moscou.
A mesma abordagem foi adotada pelo SUQI na época da disputa sino-soviética no final dos anos 1950 e começo dos 1960. Naquele momento, Mandel acreditava que uma “revolução antiburocrática” – ou seja, uma revolução política – não era mais necessária na China, pois o regime de Mao era um estado operário relativamente saudável com deformações burocráticas leves. Tal posição é insustentável hoje, dada as revelações dos crimes cometidos por Mao e seus súditos para suprimir as demandas das massas chinesas por direitos democráticos básicos.
Em relação a Cuba, a mesma abordagem errônea foi empregada pelos dirigentes do SUQI. Essa revolução foi um enorme golpe para o imperialismo. Nós, como o SUQI, a apoiamos entusiasticamente. Reconhecemos o enorme efeito que teve no mundo inteiro, especialmente na América Latina e no mundo neocolonial. Porém, as origens da Revolução Cubana foram diferentes, em certos aspectos, da Revolução Chinesa, com o regime de Castro ainda hoje gozando de base popular. Mesmo assim, as massas ainda não possuíam e nem possuem meios independentes para exercer controle e poder; não existiu ou existe o direito de reclamar do governo, nem eleições livres, não há limites claros para a diferença salarial entre aqueles de ‘cima’ e os trabalhadores. xi
Consistentemente temos defendido Cuba dos ataques do imperialismo, mas, ao mesmo tempo, chamamos a instituição de uma verdadeira democracia dos trabalhadores como única garantia de mobilizar apoios – em Cuba, na América Latina e no resto do mundo – contra o terrorismo do imperialismo e suas tentativas de devolver Cuba ao capitalismo.
Está errado agora o SUQI dizer, como em uma resolução adotada no seu 15º Congresso Mundial, no verão de 2003: “Nós sempre combatemos os regimes burocráticos que reivindicaram o socialismo enquanto mantinham regimes opressivos contra o povo e os trabalhadores, em nome dos direitos de auto-organização, de autodeterminação e democracia dos trabalhadores”. Apesar de parecer simples para os dirigentes do SUQI concluir isso agora, esse não foi, claramente, o que aconteceu nos casos citados acima. É mais fácil após o fato, quando o caráter do regime foi mostrado como sendo claramente burocrático, fazer essa ou aquela crítica. Mas o SUQI, desde o início da revolução cubana, nunca fez uma clara análise trotskista, que incluía apoiar as medidas anti-imperialistas e anticapitalistas tomadas por Castro, com o estabelecimento de uma economia planificada e os enormes benefícios que isso significou para o povo cubano comparados ao desacreditado regime de Batista. O SUQI fez isso, mas, ao mesmo tempo se recusou a chamar por sovietes e todas as outras demandas essenciais para um estado operário saudável e para o início do movimento até o socialismo.
Oportunidades perdidas na França
Na Europa, a seção nacional mais proeminente do SUQI é a Ligue Communiste Revolutionnaire (LCR – Liga Comunista Revolucionária), na França. Em várias ocasiões desde 1995, incluindo as recentes eleições, existiram oportunidades para se dar passos decisivos para a formação de um novo partido de massas dos trabalhadores. A LCR, junto com a Lutte Ouvrière (LO) parecia estar atraindo apoio significativo dos jovens e dos trabalhadores ativistas com o giro à direita da ‘esquerda pluralista’ – o Partido Socialista (PS), principalmente, mas também o Partido Comunista Francês (PCF). Por exemplo, em janeiro de 2004, dois meses antes das eleições regionais na França, pesquisas indicavam que 9% da população votaria nos candidatos da LO/LCR e outros 22% estavam considerando essa possibilidade seriamente. No entanto, a aliança LO/LCR sofreu um grave recuo. Alcançou apenas 3,3% dos votos nas eleições europeias e perdeu todos os cinco parlamentares. Uma rápida diminuição nos votos de pequenos partidos de esquerda pode, algumas vezes, ocorrer quando os votos se agregam em uma oposição que aparece como um ‘mal menor”, para derrotar os partidos de direita. Porém, a LO/LCR fez uma campanha desanimada, que não apresentou demandas de lutas e uma clara explicação da alternativa socialista. Eles atacaram os partidos da ‘esquerda tradicional’, como o ex-socialdemocrata PS, e as descreviam como ’social-liberais’ – seja lá o que isso for! Mas eles não levantaram a ideia de um novo partido dos trabalhadores como uma alternativa socialista aos partidos burgueses, descartada como algo para depois das eleições; nesse meio-termo, outra oportunidade foi perdida.
Era preciso encampar uma campanha ativa e um plano de ação para a formação de um novo partido dos trabalhadores. Há dois anos, o voto combinado da LO e da LCR alcançou 10,4% no primeiro turno das eleições presidenciais, tal era a oposição ao final do governo do PS/PCF. O movimento contra Jean Marie Le Pen, que chegou ao segundo turno das eleições presidenciais vencendo o então primeiro ministro Jospin, foi uma oportunidade enorme para iniciar uma vigorosa campanha por um novo partido dos trabalhadores.
Ao contrário, a LCR, adotando o slogan “Lute contra a Frente Nacional nas ruas e nas urnas”, não apresentou uma posição classista independente e permitiu que a classe se mobilizasse atrás de Chirac, o atual presidente. Chirac, que recebeu menos de 20% dos votos no primeiro turno, foi visto como totalmente corrupto, alcançou no segundo turno 82,15% dos votos. Isso lançou a base para a segunda vitória eleitoral da direita e a formação subsequente de um governo comprometido em atacar os direitos fundamentais dos trabalhadores, com contrarreformas do bem estar social e da previdência.
Em maio e junho de 2003, houve uma outra oportunidade para formar um novo partido dos trabalhadores. Os protestos contra a reforma no sistema de previdência levaram a uma situação próxima de uma greve geral, com milhões se manifestando contra o governo de direita de Rafarin. A necessidade de um partido de massas para defender os direitos dos trabalhadores e dos pobres estava na cabeça de todos, porém, como ninguém acreditava nos partidos da ‘esquerda plural’ (PS, PCF e os Verdes), não havia nenhuma alternativa a oferecer.
Em uma pesquisa de opinião feita na semana posterior às manifestações de massa no domingo do dia 25 de maio de 2003, 47% achavam que o PS não seria melhor nem pior em lidar com a reforma da previdência (47% disseram o mesmo sobre a reforma do ensino e 50% sobre a reforma da saúde). Nas manifestações, um setor dos trabalhadores culpou a esquerda radical por chamar o voto em Chirac nas eleições presidências do ano anterior; dizendo que isso levou a um governo de direita mais forte. Após a luta contra a reforma previdenciária, quando os sindicatos simplesmente salvaram o governo evitando uma greve geral, as atenções se voltaram, novamente, para o cenário político. xii
O partido revolucionário hoje
Como nos erros do SUQI na França e em outros lugares, a organização jogou fora princípios fundamentais da organização revolucionária, rejeitando a concepção de partido revolucionário e de Internacional revolucionária de Lênin e Trotsky; ao invés, preferiu formações mais amplas, como a Rifondazione Comunista (RC) na Itália e o Partido Socialista Escocês (SSP). Obviamente, não é suficiente no período atual, marcado pela globalização capitalista e o pós-stalinismo, apenas repetir as formulas desgastadas do passado. Isso é verdade tanto na esfera da organização como sobre as ideias políticas. Na explicação da necessidade de organização, tem sido particularmente importante levar em conta as suspeitas da nova geração a respeito de uma organização autoritária. Entre esses setores há uma reação clara contra o caráter burocrático tanto do stalinismo quanto da ex-socialdemocracia, que, de qualquer forma, no nível organizativo, imita o stalinismo. Isso, por vezes, tem tomado a forma de uma rejeição radical de ‘organização’ em geral, do conceito de ‘partido’ e mesmo da ’política’, ao menos da política burguesa. Os marxistas são, dessa forma, obrigados a levar em conta a situação. Infelizmente, em alguns casos isso foi muito longe, envolvendo a tentativa de se adaptar, de maneira oportunista, a sentimentos passageiros e transitórios. Para o SUQI, isso chega à rejeição do passado, tanto de sua própria organização quanto das contribuições históricas de Trotsky e do ‘trotskismo’ para as lutas da classe trabalhadora.
Como exemplo, veja os escritos de Daniel Bensaïd, um dos teóricos da LCR na França, a seção mais conhecida do SUQI. Ele comenta sobre o que considera “uma das características mais contestáveis do Leninismo, o centralismo democrático”. xiii
Na década de 1990, os marxistas estiveram, e estão ainda hoje, sob ferozes ataques, e o CIT esteve preparado para debater a concepção de partido de Lênin, o caráter do partido que foi construído na Rússia e suas aplicações para a luta atual dos trabalhadores. O aspecto centralista foi, indubitavelmente, enfatizado por Lênin e pelos Bolcheviques por causa da luta contra a ditadura czarista. Ao mesmo tempo, o Partido Bolchevique foi extremamente democrático; o partido de massas dos trabalhadores mais democrático da história. Sem esse elemento democrático – totalmente desenvolvido no período entre fevereiro e outubro de 1917 – a classe trabalhadora, ou seus setores mais avançados, não acharia um lugar dentro daquele partido, nem as massas teriam transferido suas esperanças e apoio aos Bolcheviques, que lideraram a Revolução de Outubro. Em certo momento da década de 1990, o CIT se deu conta dos preconceitos contra a ideia do centralismo democrático, distorcido pela herança do stalinismo – centralismo burocrático – e propôs usar, no lugar, o termo “unidade democrática”. Porém, logo ficou claro que o termo mais confunde do que esclarece; nós decidimos retornar ao termo de Lênin, que, quando explicado com propriedade, reflete o que a classe trabalhadora na luta exige de sua organização.
Organizações de trabalhadores necessitam e exigem o máximo de democracia, especialmente no período atual, quando o capitalismo promove ilusões em escala mundial na democracia burguesa. Ao mesmo tempo, os capitalistas concentraram e centralizaram seus poderes, economicamente e também em seus aparatos estatais. Concepções espontaneístas, semi-espontaneístas e anarquistas de organização contra essa força concentrada dos capitalistas não são só inadequadas como podem ser fatal em lutas sérias da classe trabalhadora, iminentes na próxima década. Um partido genuinamente revolucionário, centralizado e democrático não é semelhante ao modelo stalinista, um centralismo autoritário e burocrático, dominado de cima pelas auto-indicações de dirigentes, uma casta do partido. No período atual esse modelo é imitado pelas direções da ex-socialdemocracia, como o Novo Trabalhismo de Blair. Esse não é um partido democrático, mas burocrático, um pesadelo se comparado ao que era 20 anos antes, quando o Partido Trabalhista era, ao menos parcialmente, um veículo para as lutas dos trabalhadores na Inglaterra. A nova geração de jovens e trabalhadores não quer um partido rígido e controlado, no qual os dirigentes são onipresentes e supostamente oniscientes. Por exemplo, um novo partido de trabalhadores de massas na Inglaterra, necessariamente, haveria de ter algumas das ferramentas do Partido Trabalhista no período de formação e em seus ‘melhores dias’. A saber, deveria ter o caráter amplo e federalizado – por causa das diferentes tendências que iria representar inicialmente – e estaria aberto para todos os que estivessem preparados para a luta, baseados em um programa socialista básico.
Por outro lado, um partido revolucionário não é uma formação transitória, como é o caso de um novo partido de massas dos trabalhadores. Representa o agrupamento das forças revolucionárias mais conscientes, que entenderam a necessidade de criar o embrião de um partido combatente, que pode ter proporções de massas numa etapa posterior. Tais partidos revolucionários, hoje, não seguiriam o padrão estrito do conceito de Lênin para a Rússia na primeira metade do século XX. O partido revolucionário tomará muitos empréstimos do exemplo do Partido Bolchevique, mas acrescentaria a essas experiências do passado, os métodos e tradições democráticas da classe trabalhadora em cada país. Como isso iria se conduzir internamente – através de debates e discussões, o espaço que se daria às minorias organizadas dentro do partido, como elas seriam expressas, não só interna, mas publicamente – são questões para serem debatidas e discutidas ao longo da criação de tais partidos. Mas um fato é absolutamente certo: embora seja necessário o máximo de democracia e discussões, também é preciso agir unido quando uma decisão é tomada. Esse conceito elementar é compreendido, por exemplo, por todos os trabalhadores sérios envolvidos numa greve, onde a decisão da maioria impõe disciplina à minoria, e esta têm que aceitar as decisões e agir. Não há diferenças fundamentais em relação a um partido revolucionário.
Essa abordagem sobre a construção do partido foi, infelizmente, abandonada pelo SUQI e trocada por um conceito que envolve, praticamente, ‘qualquer coisa’ – uma perda extrema da forma organizativa. O mesmo aplica-se para a questão de uma nova Internacional de massas. Qual seria o caráter de uma Internacional e como ela seria construída? A resposta do SUQI é jogar fora as verdadeiras lições das contribuições de Lênin e Trotsky nesse assunto. Infelizmente, cederam, de forma oportunista, às pressões da década de 1990, e trouxeram isso para a primeira metade deste século. Isso se torna claro quando é examinado pelo balanço que os dirigentes do SUQI esboçaram sobre suas experiências passadas, o caráter do partido e da Internacional que necessário no período moderno. No recente Congresso Mundial do SUQI, os dirigentes defenderam “A constituição de uma nova força militante internacionalista, pluralista, revolucionária, com impacto de massas”. Eles explicam: “Essa afirmação implica em uma revisão significativa sobre o que a Quarta Internacional poderia lidar. Não é ‘o Partido Mundial da Revolução Socialista’ (o objetivo adotado no momento de sua fundação) ou mesmo o núcleo central de tal partido futuro. Os 65 anos que nos separam dessa proclamação não foram marcados por um processo de reunião das forças revolucionárias, mas por rupturas, grupos divididos e desavenças. Somos uma corrente trotskista entre outras, uma corrente revolucionária entre as outras. Não há mais um período em que basta à Quarta Internacional ter a perspectiva de ser levada à frente do processo revolucionário, com a ajuda de um grande esforço militante, uma análise correta e uma batalha bem-sucedida dentro do movimento trotskista”. xiv
Em outros documentos o SUQI afirma que o modelo que deseja é algo similar ao da Primeira Internacional. É verdade que o CIT, em discussões com o SUQI e outros no início da década de 1990, sugeriu que, à luz da nova situação colocada para o movimento trotskista e o movimento dos trabalhadores, em geral, uma organização internacional ou um fórum similar à Primeira Internacional poderia jogar um papel importante. Isso poderia ajudar no processo de clarificação teórica, iniciando as bases para um trabalho comum, etc. Mas nós nunca vimos isso como um objetivo fechado, o fim último dos marxistas revolucionários. Víamos como uma organização transitória – como Marx e Engels originalmente entendiam a Primeira Internacional – para uma organização posterior, mais firme ideologicamente, baseada nas ideias do socialismo científico. Retornar ao conceito da Primeira Internacional como o modelo histórico pronto para a classe trabalhadora é um erro. Se tal organização viesse a existir, nós participaríamos. Não iríamos, no entanto, dissolver nossas forças, mas manter nossas ideias e programas distintos, assim como nossa organização, dentro dessa formação. Em outras palavras, como no conceito de novos partidos de massas dos trabalhadores em escala nacional, Internacionais como essa não constituem, como afirmam Tony Benn (figura de esquerda influente na Inglaterra) e outros, uma ‘Quinta Internacional’. Seria mais uma reunião de diferentes organizações, uma organização de formato federativo que poderia permitir colaborações, discussões e algumas ações comuns. Portanto, não seria um fim em si mesmo, no sentido que marxistas e trotskistas entendem isso.
Está claro que o SUQI desistiu da ideia de uma Internacional – deixou de lado este nome no momento – que deveria se tornar o ’Partido Mundial da Revolução Socialista’. O SUQI nem mesmo mantém que almeja ser o “núcleo central de tal partido” ou Internacional. A justificativa para isso são as supostas “falhas” no conceito original de uma Quarta Internacional revolucionária de massas. Como veremos no próximo capítulo, o fracasso de tal Internacional se deveu às realidades objetivas do início da Segunda Guerra Mundial, junto com os erros dos dirigentes do SUQI (após a morte de Trotsky) em períodos chave da sua história. O CIT nunca acreditou que a realização da ideia de uma Internacional de massas de Trotsky seria obtida somente pelo “esforço militante, uma análise correta e uma batalha bem-sucedida dentro do movimento trotskista”. xv
Uma nova Quarta Internacional revolucionária seria produto de uma clareza de ideias, que teria em seu ponto de partida o método de Trotsky e da Oposição de Esquerda Internacional, continuamente atualizado e reformulado, mais a soma de novas forças de massas. A pré-condição para isso é o surgimento de uma nova geração de jovens e trabalhadores que, através da experiência, entenderá a necessidade de tal partido revolucionário.
TSI/SWP
A Tendência Socialista Internacional (TSI), cujo grupo mais proeminente é o Socialist Workers’ Party (SWP) da Inglaterra, é outro exemplo de supostos trotskistas que cometem erros políticos e táticos que podem destruir parcialmente o movimento anticapitalista dos trabalhadores e da juventude. A TSI/SWP operou em boa parte da década de 1990 a partir de uma posição completamente oposta à do SUQI; era ultra-esquerdista e sectária. Porém, recentemente girou à direita e está cada vez mais ocupando o mesmo espaço político que o SUQI.
As visões políticas da TSI/SWP sobre a queda do muro de Berlim se diferenciou totalmente daquilo que ocorreu neste ponto de inflexão da história. De acordo com ela, não aconteceu nada de fundamental que alterasse decisivamente a realidade que os marxistas enfrentam. Incrivelmente, ela ignorou que a consciência da classe trabalhadora foi afetada por esses eventos. Mas, como vimos antes, essa não era a opinião da burguesia naquela época ou agora, como indicam os comentários de Greenspan citado anteriormente. Acima de tudo, qualquer um com raízes na classe trabalhadora e em suas organizações não poderia deixar de registrar as mudanças ocorridas; as dificuldades agora encontradas pelos socialistas como resultado dos ataques contra as ideias do ‘socialismo’, deixaram marxistas e trotskistas isolados.
Com efeito, a TSI procura desafiar as ‘leis da gravidade’ da política com o emprego de métodos voluntaristas. Isso lhe traz algum sucesso a curto prazo por seu apelo aos estudantes e à pequena burguesia radicalizada, cujo ambiente é isolado das verdadeiras condições de vida dos trabalhadores. Mas sua má-leitura da situação vem da falsa base teórica dessa organização: a ‘teoria’ do ’capitalismo de estado’, tal como enunciada por seus maiores teóricos, entre eles Tony Cliff: uma ‘teoria’ que ele inicialmente aplicou à Rússia, ao Leste Europeu, à China, etc.
Essas ideias são completamente diferentes das ideias de Trotsky, como visto em seu trabalho monumental, ‘Em Defesa do Marxismo’. O CIT também se opôs continuamente a essa teoria. Foi respondida cuidadosamente no Against the Theory of State Capitalism xvi de Ted Grant, e mais recentemente, em The Struggle for Socialism Today: A Reply to the Politics of the Socialist Workers Party xvii de Peter Hadden e em Welcher Weg zum Sozialismus? xviii de Sascha Stanicic, bem como em outras publicações do CIT. A TSI/SWP, apesar de reivindicar o ‘trotskismo’, divergiu de forma decisiva da herança teórica de Trotsky, particularmente em relação à questão-chave do caráter de classe dos estados do Leste Europeu e da União Soviética sob o controle da burocracia stalinista. Nesse sentido, ela não pode ser considerada uma continuação genuína da tradição trotskista.
Um erro teórico, especialmente numa questão crucial como o caráter de classe da União Soviética, irá, mais cedo ou mais tarde, refletir-se em políticas, métodos e organização falsos. Esse é o caso de quando o Estado stalinista, a União Soviética, que foi a origem do seu erro, colapsou. Assim, revela-se uma abordagem falsa. Esse é, certamente, o caso da TSI/SWP. Os países do Leste Europeu e a antiga União Soviética eram, de acordo com ela, ‘estados capitalistas’ e portanto o seu fim não foi registrado pela TSI como um retrocesso histórico para a classe trabalhadora. Foi apenas um ‘movimento lateral’, a troca de um regime capitalista por outro. Isso levou a conclusões falsas que foram esboçadas pela seção alemã da TSI.
Em relação aos eventos de 1989 e à queda do muro de Berlim, foi dito: “Ao invés de defender a independência da RDA [Alemanha Oriental] a qualquer preço, os socialistas deveriam ter a tarefa de impulsionar as lutas reais dos trabalhadores. Uma greve geral contra a Stasi e por um referendo sobre a unificação seria possível no início de dezembro (1989). Um governo revolucionário transitório surgido de uma greve geral teria a tarefa de dissolver inteiramente os aparatos da Stasi e do antigo poder e negociar as condições para uma reunificação com o governo de Kohl”. xix Em outras palavras, a seção alemã da TSI apoiou a reunificação capitalista, com todos os problemas terríveis que resultaram disso para os trabalhadores alemães, principalmente alemães orientais. O fim da economia planificada – apesar de corrompida e distorcida pelo stalinismo em declínio – não teve consequências, segundo essa ‘tendência’. Pelo contrário, para ela, esses eventos não alteraram, de nenhuma forma, o nível de compreensão e a consciência da classe trabalhadora.
Essa interpretação surreal da situação posterior à queda do muro de Berlim difere completamente das conclusões mencionadas anteriormente. O que inclui as visões de setores avançados da classe trabalhadora, dentro dos sindicatos, em partidos da socialdemocracia, e especificamente dos partidos ‘comunistas’ naquele momento. Em longo prazo, é verdade, o descrédito do stalinismo, que historicamente degradou o movimento dos trabalhadores com seus métodos sujos, expulsão em massa, prisões, etc., provará ser progressivo. Mas, a economia estatal planificada do Leste Europeu e da União Soviética, apesar do caráter totalitário monstruoso do stalinismo, foi relativamente progressista se comparada ao capitalismo. Para parafrasear Trotsky, foi na linguagem da força, concretamente, com um crescimento espetacular ao menos no período inicial, que essas economias mostraram as vantagens da propriedade estatal e da economia planificada contra o obsoleto, caótico e anárquico capitalismo. Seu fim foi sentido intensamente pelos setores socialistas e comunistas avançados da classe trabalhadora. Por razões opostas, esse processo foi celebrado pelos estrategistas do capitalismo mundial. Mas, para a TSI, não teve nenhuma consequência fundamental!
O programa de transição
Agora a TSI, apesar de sua adesão ao objetivo de um ‘partido revolucionário’, segue o SUQI através de um giro claramente oportunista, especialmente na Inglaterra. Isso parece estar em grande contradição com suas políticas da década de 1990. A realidade, no entanto, sempre se impõe, mesmo que tarde, àqueles em contradição política. Com o fim dos anos 1990, a TSI, politicamente, estava numa encruzilhada. O SWP foi compelido então a moderar seu ultra-esquerdismo sectário anterior – “não participação nas eleições”, ”esmagar o Estado” etc., como apontou Peter Hadden em seu panfleto, The Struggle for Socialism Today: A Reply to the Politics of the Socialist Workers Party. Da mesma forma que a socialdemocracia do pré-1914, o SWP colocou o programa ‘máximo’ – a chamada para a revolução e ao socialismo, “esmagar o Estado” – junto com o programa ‘mínimo’ das reformas cotidianas. Os programas ‘máximo’ e ‘mínimo’ são separados na agitação e propaganda do SWP. Trotsky, ao contrário, baseando-se nas experiências do Partido Bolchevique, propôs um programa de demandas transitórias nos anos 1930, derivado da situação econômica do período, no qual o capitalismo não poderia mais suportar reformas. Porém, a luta por reformas, conduzida seriamente, coloca a necessidade de uma transformação socialista da sociedade.
A série de ‘demandas transitórias’ de Trotsky era uma ponte entre o nível de consciência existente da classe trabalhadora para a ideia de uma transformação socialista da sociedade. Mas a TSI, começando por Tony Cliff, rejeitou essa ideia. Cliff deixou clara sua visão de organização: “O argumento básico por trás das ‘demandas transitórias’ de Trotsky era que a crise econômica estava tão profunda que a luta, mesmo por pequenas melhorias nas condições dos trabalhadores, iria trazer conflitos com o sistema capitalista. Quando a vida refuta esse argumento, não há mais base para o programa”. xx
Nenhum programa é formulado sem levar em conta as condições históricas concretas. A abordagem de Trotsky era inteiramente justificada na década de 1930. Mas, o que Cliff não entendeu foi a mudança na situação objetiva que surgiu do ascenso mundial do capitalismo no período pós-1945, que permitiu sérias reformas a serem conquistadas pela classe trabalhadora. Mesmo assim, ao contrário do argumento de Cliff, a classe trabalhadora implementou algumas das demandas transitórias destacadas por Trotsky. Por exemplo, por um período os trabalhadores italianos implementaram a ideia de uma indexação dos salários, através de uma escala móvel. Um grande desenvolvimento de comitês sindicais na Inglaterra no período pós-segunda guerra, e em outros países, realizou parcialmente a demanda por “comitês fabris” do programa de Trotsky.
Mas, as condições esboçadas por Trotsky na década de 1930 estão começando a amadurecer hoje. Há uma crise orgânica da economia mundial capitalista, que obrigou a classe dominante a se engajar num ataque feroz aos padrões de vida, como descrito anteriormente. Isso significa que a luta pelas reformas restantes inevitavelmente coloca a questão da transformação revolucionária da sociedade. De forma alguma isso significa que ganhos importantes a curto prazo não são possíveis, mas são temporários e não podem ter um caráter durável, por causa das tentativas inevitáveis do capitalismo para anulá-los. Testemunhamos a insistência obstinada da elite francesa – apesar de ter sido derrotada várias vezes em dez anos de esforços – de cortar os padrões de vida dos trabalhadores franceses e até retirar as 35 horas semanais, uma conquista do período anterior.
Portanto, justamente quando o método de Trotsky está começando a valer, mesmo que o tipo de programa e as várias demandas sejam diferentes hoje, por causa das condições diferentes, o SWP o rejeita. No passado, ele acusou o CIT, especialmente o “Militant’ (agora Partido Socialista) na Inglaterra, de capitular ao ‘reformismo’. Isso nunca aconteceu; nós ligamos, indissoluvelmente, as demandas cotidianas da classe trabalhadora com a ideia de um objetivo socialista, resgatando as contribuições de Marx, Engels, Lênin e Trotsky.
Algumas vezes o SWP pode ainda gritar: “Revolução!”, mas hoje com mais frequência suas atividades diárias consistem em limitar seu programa a bandeiras mínimas como ”Taxem os ricos!”. Isso anda junto com uma abordagem acrítica para com os dirigentes de esquerda.
Outro exemplo da atitude da TSI é o panfleto Anti-Capitalism, escrito pelo dirigente do SWP Chris Harman, que lida em grande parte com o movimento anticapitalista, mas não faz nem ao menos uma proposta programática e não cita em nenhum momento o socialismo. Em nenhum lugar Harman exige a nacionalização das empresas multinacionais sob controle democrático dos trabalhadores. Em nenhum lugar ele alude a uma economia planificada democraticamente como alternativa ao sistema do mercado. Ele trata o movimento anticapitalista e o movimento dos trabalhadores como se fossem duas coisas completamente separadas e que não podem se unir. A necessidade de um novo partido dos trabalhadores com um programa socialista não é mencionada.
O eleitoralismo do SWP
Antes, o SWP acusava o CIT de ‘eleitoralismo’. Isso nunca foi verdade. Por exemplo, em todas as campanhas eleitorais feitas em Liverpool nos anos 1980, em Coventry, no passado e no presente, ou nas campanhas bem-sucedidas para o parlamento de Joe Higgins, na Irlanda, o socialismo, a necessidade de uma economia socialista, democrática e planificada foi colocada de forma proeminente. O SWP nunca colocou a questão clara do socialismo nas campanhas eleitorais em que se envolveu.
Isso foi mostrado na Inglaterra com o apoio acrítico aos dirigentes e apoiadores da coalizão ‘Respect Unity’ de George Galloway, que os levou a argumentar contra levantar a questão do ‘socialismo’ no fervor de conseguir sucesso eleitoral. Um exemplo interessante de sua relutância em mencionar a letra ’S’ (do SWP) foi dado por Alex Callinicos, um professor da Universidade de York no norte da Inglaterra, e líder central do SWP. Ele foi convidado a participar, em 30 de junho de 2003, de um debate no programa da rádio BBC 4, Broadcasting House, com Ruth Lea, dirigente política da organização de empresários britânicos, o Institute of Directors, e Robert Kelsey, um escritor pró-capitalista. No fim da discussão, perguntaram a Callinicos qual era a alternativa ao capitalismo. Ele nem sequer mencionou o socialismo, na verdade, soou como um liberal. Sua resposta começou simplesmente dizendo que é a hora de “ir além do capitalismo”. Callinicos disse: “Criaremos um modelo alternativo”; prometeu que “traremos uma forma promissora de gerir o mundo”. Finalmente, quando desafiado pelos outros se estava defendendo algo como a Coréia do Norte stalinista, tudo que Callinicos pôde dizer foi que houve “vários modos melhores de gerir o mundo”. A questão que se coloca é se Callinicos está se tornando um ‘pós-socialista’ ou se o SWP pensa que a palavra ’socialismo’ pode ser falada apenas em círculos limitados, e não numa rádio nacional?
Em seu recente livro, Anti-Capitalist Manifesto, as demandas que Callinicos apresenta estão completamente dentro da estrutura do sistema capitalista. Ele pede o controle de capitais, mas não chega à necessidade de nacionalização dos grandes bancos e indústrias. A questão de uma economia planificada parece surgir no livro, mas não como parte de um programa de transição. Seu ‘programa de transição’ também não inclui nenhuma demanda para o movimento dos trabalhadores e nenhuma proposta de estratégia para a classe trabalhadora. Callinicos escreve que essas demandas devem significar melhorias aqui e agora, mas também iniciar a invenção de “uma lógica social diferente”.
A TSI mostra uma atitude similar na discussão de 2004 sobre a necessidade de um novo partido de esquerda na Alemanha. Ela abertamente se coloca contra não somente um programa socialista para o novo partido (conhecido em junho de 2004 como ‘Alternativa Eleitoral – Trabalho e Justiça Social’), mas também mesmo contra um debate dentro da nova formação sobre esta questão. Ela argumenta que seria uma barreira para novos setores engajarem nela. Ao menos em três ocasiões, membros da TSI intervieram abertamente contra os membros do CIT e outros que queriam levantar a “questão do sistema”, e apoiaram os reformistas.
Na luta anticapitalista, por exemplo em Gênova, a principal palavra-de-ordem da TSI/SWP era “Um outro mundo é possível”. Mas eles nem, ao menos, tentaram ligar isso com a ideia de um mundo socialista. Bob Labi, membro do Secretariado Internacional do CIT que participou dessa manifestação, comenta: “Seu contingente irlandês [em Gênova] tinha uma faixa chamando por ‘Comércio Justo, não Comércio Livre’, uma demanda utópica sob o capitalismo que, na realidade, implica pedir por um capitalismo ‘mais gentil’. Quando perguntado sobre esse slogan, um dos dirigentes irlandeses respondeu: ‘Por que você não aproveita esse evento maravilhoso? Olhe quantas pessoas estão aqui, não estrague isso’”.
Além do mais, o agrupamento alemão da TSI, Linksruck, produziu um material especial, de nove páginas, para seus membros, sob o título ‘Um mundo diferente é possível! – Material informativo para os protestos na reunião do G8 em Gênova’. Esse documento, embora se ocupe em construir um movimento anticapitalista com fortes raízes locais, não atinge a questão de como desenvolver esse movimento para um movimento socialista. Na verdade, a palavra ‘socialista’ não é usada em parte alguma desse documento.
Na Inglaterra, o principal porta-voz da TSI argumentou especificamente contra o uso da palavra ‘socialismo’. Lindsey German, do SWP, se opôs à sua inclusão no programa da coalizão ‘Respect’, pois, alegou que a ‘Aliança Socialista’ falhou nas eleições porque se manteve numa plataforma socialista! É desnecessário dizer que essa mudança na ‘política’ não se estendeu aos métodos e abordagens do SWP com os outros grupos, que foram atropelados como sempre.
Uma indicação da completa falta de habilidade da TSI em estimar corretamente uma situação é ver como Alex Callinicos, seu maior teórico desde a morte de Tony Cliff, pôde escrever, em março de 2002, sobre “o isolamento dos socialistas revolucionários… nos últimos vinte anos”.xxi Isso inclui o período na Inglaterra quando a greve dos mineiros de 1984-85, o magnífico movimento contra o poll tax, organizado e liderado pelo Militant, e os levantes tumultuosos no Partido Trabalhista britânico em volta da figura de Tony Benn e a emergência de uma poderosa esquerda, aconteceram! Esse foi um período de isolamento não para os socialistas revolucionários genuínos, mas para os sectários do SWP/TSI, que foi reduzido a ficar resmungando à margem dos movimentos reais da classe trabalhadora. Por exemplo, quando a câmara da cidade de Liverpool humilhou Thatcher em 1984 e extraiu grandes concessões do governo, o SWP denunciou a câmara da cidade em seu jornal, ’Socialist Worker’, dizendo que a classe trabalhadora havia sido traída.
Por outro lado, quando a situação objetiva tornou-se realmente difícil, ou bastante desfavorável, para os socialistas revolucionários, o que Tony Cliff, o chefe teórico da SWP por décadas, declarou? A década de 1990 foi, de acordo com Cliff, “uma reedição dos anos 1930 em câmera lenta”. É realmente o caso da famosa fábula russa de um bobo cantando uma marcha fúnebre em um casamento e uma música de casamento num funeral! Essa conclusão, acima de tudo, foi feita por Cliff não apenas no início da década de 1990, quando não estavam absolutamente claras quais as repercussões políticas da queda do muro de Berlim, mas durante toda a década e depois. A visão de Cliff de que nada aconteceu significa que as organizações da TSI, o SWP na Inglaterra, mas não exclusivamente, poderiam continuar com o zelo fanático em construir sua organização – incluindo um constante rotatividades de membros – na premissa de um período radicalizado. Com sua defesa de ideias simples e bandeiras como “Uma solução, Revolução!” eles não perceberam, de forma alguma, o retrocesso da consciência geral da classe trabalhadora.
Naquele momento, só era possível sustentar tal abordagem de construção do movimento com um custo interno. Houve um questionamento inevitável dentro das fileiras do SWP/TSI quando as falsas perspectivas dessa organização chocaram-se com a realidade da situação dos locais onde os membros trabalhavam.
A consequência foi um inevitável giro do sectarismo para o oportunismo, reforçado pela morte de Cliff em 2001. Os eventos na Inglaterra viram o fim de várias figuras da esquerda – ou dos que pareciam estar na esquerda – como Ken Livingstone, depois de sua expulsão do Partido Trabalhista e enquanto em campanha para a Prefeitura de Londres em 2000. Livingstone tornou-se um pilar sólido do blairismo, o que preparou sua volta ao Partido Trabalhista! Após sua readmissão, a intenção de votos para Livingstone, durante as eleições majoritárias de 2004, caiu em termos percentuais de 39% para 34,5%.
Em junho de 2004, Livingstone, para sua vergonha, declarou que iria passar por cima dos piquetes de greve dos metroviários de Londres, já que eles não iriam desistir de suas demandas nas negociações salariais. As tentativas cuidadosas das seções inglesa e escocesa do CIT – O Partido Socialista – de organizar a ‘Aliança Socialista’ original como uma organização que preparasse as bases para um futuro novo partido dos trabalhadores, foram destruídas pela entrada do SWP e de seus métodos sectários.
Antes de sua entrada, a Aliança Socialista foi uma tentativa genuína para diversas organizações, em sua maioria pequenas (com a exceção do Partido Socialista), de lidar com uma frente única tática limitada, em primeiro lugar para as questões eleitorais. Tudo isso mudou com a entrada da SWP. Fazendo uso de seu tamanho em Londres, em especial de sua grande militância da pequena burguesia, e também de seus recursos materiais, o SWP insistiu numa “linha” única pré-determinada por eles. Isso tomou a forma de oposição a outros na esquerda, e também ao RMT (Sindicato de trabalhadores de transporte) e à Campanha Contra a Privatização do Metrô, nas eleições para a Greater London Assembly (uma assembleia aparte que fiscaliza e acompanha as atividades do prefeito de Londres) de 2000, bem como outras campanhas sobre questões específicas, que desejavam unir as organizações de esquerda numa frente eleitoral comum.
Os marxistas em formações amplas
Rico materialmente, o SWP é ideologicamente pobre, especialmente quando tenta elaborar táticas e estratégias complexas necessárias para lançar os fundamentos para novas formações da classe trabalhadora. O Partido Socialista defendeu uma abordagem federalizada na Aliança Socialista, no qual poderiam se desenvolver uma compreensão comum e confiança mútua, e um verdadeiro acordo no programa, etc., poderia ser debatido e alcançado. Isso foi rejeitado totalmente pelo SWP, que queria impor sua abordagem, seu programa e seus métodos, porém nenhum deles mostrou-se bem-sucedido em qualquer luta séria da classe trabalhadora inglesa.
Mas isso não impediu que os dirigentes do SWP agissem como pavões quando se pronunciam sobre a importância de seu partido, como mostrado por John Rees em sua resposta a Murray Smith (um ex-membro do CIT e agora novamente dentro das fileiras da SUQI, de onde ele originalmente saiu quando entrou no CIT). Num debate sobre ‘O Partido Amplo, o Partido Revolucionário e a Frente Única’, Rees argumentou: “Murray Smith trata o desenvolvimento do SWP como se fosse apenas uma questão tangencial da etapa da luta de classes quando de fato foi, como discutido publicamente, o coração da questão”. xxii
De que forma o SWP foi central? O Militant, a seção britânica do CIT, liderou duas batalhas de massas contra o governo Thatcher: em Liverpool, entre 1984 e 1987, e contra o odiado poll tax. Em Liverpool, isso envolveu setores industriais da classe trabalhadora, que não apenas apoiaram as táticas e a estratégia central, mas se uniram ao Militant como uma organização política, que, em certo momento, organizou 1 mil membros sob suas bandeiras em Merseyside. Durante a greve dos mineiros na Inglaterra (1984-85), nós recrutamos 500 mineiros e tivemos uma influência significativa em áreas chaves do NUM. Neste período, o SWP se focou em quem estava liderando as lutas, algumas vezes em tons bastante acusatórios ou, em outras ocasiões, adotando um tom totalmente passivo. Por exemplo, durante a luta contra o poll tax, Tony Cliff, num encontro na Escócia, sugeriu, escandalosamente, que não pagar o poll tax seria similar a não pagar o passe de ônibus! A consequência disso foi a completa ausência do SWP na luta contra o poll tax. Ele não teve nenhum membro sequer no Comitê Nacional Anti-Poll Tax da Inglaterra. Mas, isso não o impediu de dizer posteriormente, longe dos ouvidos dos apoiadores do Militant, tanto na Inglaterra quanto internacionalmente, que ele estava “realmente dirigindo a campanha”.
O resultado, como admite Rees, foi que por cerca de 20 anos sua organização esteve imune aos eventos reais da classe trabalhadora, incluindo seus retrocessos. Ao contrário, ele se nutria de uma dieta de radicalização perpétua, em particular na década de 1990 onde, como vimos, não estava na luta. Por um tempo, foi possível para uma organização baseada nos elementos instáveis da pequena burguesia, e não dos trabalhadores, agir em discordância com a realidade objetiva e até crescer. Mas, inevitavelmente, um dia é obrigada a encarar o fato de que sua política não corresponde à realidade diária enfrentada pelos trabalhadores. Nessa situação, um partido como o SWP pode mudar dos mais profundos métodos sectários, de repulsão completa aos trabalhadores e aos da esquerda, para um oportunismo terrível.
Isto foi mostrado em várias questões: da posição da TSI/SWP na Guerra do Iraque a suas táticas nos comitês contra a guerra, na Inglaterra, em suas análises sobre o Partido Trabalhista e seu caráter de classe. Pela sua própria admissão, a TSI/SWP mudou de uma posição para outra: “Durante o longo boom, um grupo com pouca agilidade organizativa, mas com uma clara propaganda ideológica, os Socialistas Internacionais (SI), foi tudo o que foi possível construir”, de acordo com John Rees. Ele então argumenta: “Em 1968 o SI cresceu. Nos anos subsequentes ganhou uma pequena, mas real implantação na classe trabalhadora… que se tornou uma organização centralista democrática… então com trabalho mais aberto e agitativo, incluindo o estabelecimento de jornais locais… estavam juntas com uma forma mais ‘leninista’ de organização partidária”. xxiii O que Rees não está preparado para admitir é que esse jeito de trabalhar inevitavelmente os levaram a uma colisão com os poucos trabalhadores que entraram em suas fileiras; e que saíram rapidamente. Por exemplo, os grupos de base em Leicester e outros lugares, foram arbitrariamente desmantelados por Cliff, pessoalmente, assim que os mineiros mostraram a mínima independência em relação à linha da direção. Os que estavam envolvidos nesses grupos foram convidados a se engajarem imediatamente no SWP, porém poucos responderam positivamente a tal oferta.
A democracia e o partido
O SWP nunca foi capaz de tolerar oposições dentro de suas fileiras. O CIT e o Militant, que foram acusados pelo SWP e outros de serem ‘monolíticos’, porém, vivenciaram lutas fracionais, e permitiram direitos totais para as frações. Esse foi o caso do período antes da saída de Ted Grant em 1992, e também antes da saída de Sheridan-McCombes da direção da seção escocesa do CIT no final da década de 1990. Nenhuma dessas possibilidades foi dada para a existência de oposições dentro das fileiras do SWP inglês. Elas foram, invariavelmente, tratadas com suspensões e expulsões. Foi o caso da expulsão da seção americana da TSI, a International Socialist Organization (ISO), em 2001. A oposição política à direção da TSI, que era baseada em Londres envolta do SWP inglês, foi suficiente para a ISO (que tinha 1 mil membros) ser totalmente expulsa, deixando poucos remanescentes leais à TSI. O mesmo fato ocorreu com aqueles que simpatizavam e apoiavam a ISO, como a maioria da seção grega.
Na formação da TSI, Cliff defendeu que ela não era igual a outras supostas “Internacionais trotskistas”. Seria mais democrática, ele disse. Não haveria estruturas internacionais, nenhuma eleição para órgãos internacionais ou uma direção internacional. A tarefa era construir seções nacionais e uni-las fragilmente, como foi dito, sob o guarda-chuva da TSI. Porém, como as discordâncias públicas entre a direção do SWP e a ISO nos EUA demonstraram, isso foi uma completa farsa. A direção do SWP inglês decidiu a ‘linha’ e qualquer oposição era tratada com medidas disciplinares, sem qualquer recurso para os que recebiam tais ações. Em outras palavras, essa forma solta, aparentemente menos ‘rígida’ e, portanto, mais ‘democrática’ de organização internacional, era exatamente o oposto. Permitiu aos dirigentes da maior seção, o SWP inglês, ditar a política, o programa e a organização para o resto da TSI.
Pode-se construir uma organização de “imbecis dóceis” dessa forma, mas nunca uma organização de cooperação genuína e quadros que sejam capazes de analisar e chegar a decisões independentemente – o que é uma qualidade indispensável para direções genuinamente marxistas e revolucionárias.
Os mesmos métodos foram usados arbitrariamente pelo SWP dentro da Aliança Socialista. Isso inevitavelmente o levou a um conflito com as organizações que continuaram lá após a saída do Partido Socialista (CIT) em 2002. Muitas delas criticaram nossa decisão de deixar a Aliança, mas foram obrigadas, fatalmente, a seguir nossas passos quando os métodos do SWP chocaram-se radicalmente com os procedimentos democráticos elementares de uma frente única ou mesmo com os esforços colaborativos da esquerda.
Tendo servido aos objetivos do SWP, a Aliança Socialista na Inglaterra foi destruída; o SWP decidiu pô-la a serviço da coalizão recém-formada, o ”Respect”, que foi um aparato para as eleições europeias na Inglaterra em 2004, em volta da figura do parlamentar expulso do Partido Trabalhista, George Galloway.
A expectativa de que essa organização poderia ser a base para uma nova iniciativa de massas, um passo para um novo partido de massas dos trabalhadores, será frustrada por causa dos métodos e políticas artificiais do principal apoio ao projeto de Galloway, o SWP. A completa adaptação oportunista da fase atual do SWP é demonstrada mais claramente em relação ao Partido Trabalhista. Rees, por exemplo, defende que: “O Partido Trabalhista ainda é da classe trabalhadora no seguinte sentido crucial: seus membros são em grande parte da classe trabalhadora”. xxiv Somente uma formação política que nunca vivenciou o Partido Trabalhista no período em que os trabalhadores realmente participavam dele e, dentro dos limites, decidiam suas políticas e ações, poderia usar tal argumento.
A participação da classe trabalhadora no Partido Trabalhista é mínima, e em muitas áreas da Inglaterra é inexistente. Nós não somos os únicos que dizem isso; Rees deveria ler os comentários da imprensa da esquerda do Partido Trabalhista, como o “Tribune”, que reporta regularmente a antipatia com que os membros e ex-membros veem o Partido Trabalhista hoje. Aqueles que relutantemente aderem ao Partido Trabalhista são, em sua maioria, a velha geração, para a qual a inércia histórica – a falta de uma alternativa real, bem como a necessidade de barrar uma ida maior para a direita – é a maior motivação para participar e votar no partido. Mas esse partido deixou de ser da classe trabalhadora em sua base na forma em que nós, e os marxistas em geral, entendemos. No passado foi realmente um ‘partido operário burguês’, com uma direção burguesa ou pró-burguesa, mas também com uma base da classe trabalhadora, particularmente dos sindicatos.
De forma bizarra, o SWP agora argumenta que os da esquerda e socialistas que ainda estão no Partido Trabalhista devem continuar lá. Já Liz Daves, antes da esquerda do Partido Trabalhista e que colaborou com o SWP por um tempo na Aliança Socialista, antes de deixar a Aliança, protestou sobre os métodos do SWP, em sua carta de saída: “Nesse relatório [da conferência de 2002 do SWP], os dirigentes do SWP argumentam que os ‘reformistas’ deveriam continuar dentro do Partido Trabalhista – uma perspectiva bem diferente daquela que foi colocada para mim por essas mesmas pessoas quando pediram para eu entrar no SWP em 2001”.
Os atuais e inúteis esforços das direções sindicais na Inglaterra de “reconquistar o Partido Trabalhista” fracassarão. Como disse um dos 47 magníficos ex-vereadores de Liverpool, em relação ao Partido Trabalhista de Liverpool: “Boa sorte para os líderes de esquerda se querem tentar reconquistar o Partido Trabalhista, porém o problema, primeiro, é se vão achá-lo”. Em sua posição em relação ao Partido Trabalhista, o SWP está à direita dos melhores militantes lutadores nos sindicatos, como os dos ferroviários e transportes, o RMT, e mesmo suas direções, que efetivamente desfiliaram-se na Escócia, e deveriam fazer o mesmo no resto da Grã-Bretanha. O sindicato dos bombeiros (Fire Brigades Union – FBU) tomou a mesma decisão após uma resolução defendida pelos membros do CIT para o FBU da Irlanda do Norte. Isso aconteceu quando o SWP e seus apoiadores confundiram a situação. Ao invés de colocar a questão às claras, sugerindo a desfiliação do partido pró-imperialista, degenerado e já não mais dos trabalhadores – o Partido Trabalhista – e iniciar a tarefa da construção de um novo partido, o SWP apenas propôs uma “democratização” dos fundos políticos dos sindicatos.
Os argumentos do SWP hoje são análogos aos dos trabalhadores perdidos e dirigentes sindicais conservadores na última parte do século XIX, que argumentavam que a classe trabalhadora deveria manter-se como um sustentáculo do Partido Liberal e “reconquista-lo”! Os mesmos argumentos – “a teoria do mal menor” – são ditos nos EUA para justificar o apoio aos democratas contra Bush. Os apoiadores americanos do CIT opõem-se a essa posição veementemente, dizendo: “Esse argumento pode ser usado não só para 2004, mas para 2008, 2012 até 3016 se necessário”. Em outras palavras, a teoria do ”mal menor” é um argumento contra a construção de uma alternativa independente da classe trabalhadora e a prende para sempre aos partidos da burguesia.
A tentativa do SWP de equacionar as ilusões no “reformismo’ (que, sem dúvida, existem entre os trabalhadores) com o apoio ao Novo Trabalhismo, é espúria. Numa era em que a classe trabalhadora está sujeita a ataques ferozes dos patrões e de seus governos, o Novo Trabalhismo procura destruir os padrões de vida. Quando o socialismo está sendo removido oficialmente da agenda política pela campanha ideológica da burguesia, é inevitável então que haja amplas ilusões numa era passada de reformismo, por exemplo, de melhoras no padrão de vida da classe trabalhadora. Mas como isso é equacionado com o Novo Trabalhismo? Esse partido é veículo de políticas neoliberais ferozes que buscam rebaixar o padrão de vida ainda mais. As diferenças entre o Novo Trabalhismo, os Tories e os liberais democratas, que aceitam uma ampla privatização, são apenas em nuances, no papel as diferenças são bem pequenas.
Como tantos autoproclamados marxistas em épocas passadas, o SWP adotou uma posição cada vez mais de direita e oportunista na tentativa de ganhar influência política significativa em um curto período de tempo. Essa não foi a primeira vez em que empregou tal tática; na ‘fase liberal’ da década de 1960 desta organização, ele se adaptou, oportunisticamente, a todos os tipos de campanhas episódicas e particulares sem tentar ligá-las a uma alternativa socialista. Há, no entanto, algumas diferenças em sua posição atual, que é direcionada, cada vez mais, para a cúpula de qualquer movimento e não para sua base radicalizada – por exemplo, para George Galloway através do ‘Respect’, Livingstone no passado, famosas figuras antiguerras, etc.
A pesar de suas proclamações rituais sobre a necessidade de um ‘partido revolucionário’, na prática, o SWP está em rápida evolução para longe de seu plano inicial. Como a direção do SSP na Escócia, ou da LCR na França, isso marca um abandono das posições iniciais. O que pode levá-los a serem os ideólogos, e em certa medida a organização e a estrutura de uma grande corrente, até de massas, reformista de esquerda ou mesmo centrista, que pode se desenvolver no futuro, numa crise econômica e social. Embora isso possa não resultar em um abandono formal completo de suas ideias iniciais, na prática, no futuro, elas serão relegadas ao esquecimento. Hoje, eles rebaixam suas posições ‘revolucionárias’, efetivamente marginalizando a mensagem central do socialismo, ao invés de colocar uma posição ampla e radical, pois pensam que esta é a única maneira de atingir os trabalhadores.
Houve vários períodos na história em que as ideias do socialismo pareceram estar fadadas à extinção. O co-fundador do socialismo científico, Friedrich Engels, comentou que depois da execução de Babeuf no final da Revolução Francesa, suas ideias socialistas e comunistas foram restringidas a áreas periféricas de Paris e de outras cidades francesas. Porém, os resíduos dessas ideias fizeram uma pequena chama, que então se transformou num fogo ardente na ação da classe trabalhadora com as mudanças na situação objetiva e com o crescimento da classe trabalhadora na França e outros lugares. A classe trabalhadora francesa, nos movimentos de 1830 e 1848, e na imortal Comuna de Paris de 1871, como também nos eventos dramáticos e revolucionários do século XX, mostrou o seu crescimento inexorável e, com isso, o das ideias do socialismo. O mesmo processo ocorreu em outros países, apesar dos padrões históricos serem diferentes.
A morte prematura da classe trabalhadora e, com ela, das ideias do socialismo, foi proclamada em várias ocasiões, inclusive, como vimos, por Alan Greenspan hoje. Os bolcheviques, sob Lênin, no período posterior à derrota da primeira Revolução Russa de 1905-1907, encararam uma situação similar à que os marxistas enfrentaram na década de 1990. Os adeptos de Lênin reduziram-se a um pequeno grupo e ele, como Trotsky, foi obrigado a combater as ideias oportunistas, mesmo dentro das fileiras dos próprios bolcheviques. Lênin também lutou contra as manifestações ultra-esquerdistas, como o boicote à antidemocrática Duma czarista – uma política que adotada inicialmente pela maioria dos bolcheviques após a derrota da Revolução Russa de 1905-1907.
O reformismo do SWP
O reformismo – um programa que restringe a luta dos trabalhadores às supostas “medidas possíveis” e fortalece a ilusão de que a sociedade pode ser transformada por medidas incrementais durante um período prolongado – foi combatido energeticamente pelos marxistas desde o tempo de Marx. Na era do capitalismo globalizado, com seu programa de ataques neoliberais brutais sobre a classe trabalhadora, essas ideias são mais utópicas do que jamais foram. Isso não significa que os marxistas não devam lutar em defesa dos ganhos obtidos ou que não devam lutar por melhorias das condições da classe trabalhadora, porém, nós devemos, constantemente, explicar que, mesmo quando vitórias são alcançadas, elas são necessariamente de caráter temporário – dada com a mão esquerda e pega de volta com a direita quando for possível. Por isso é preciso construir uma força poderosa da classe trabalhadora que possa se encarregar de uma transformação socialista na organização e funcionamento da sociedade.
As forças do socialismo e do marxismo retrocederam em número e apoio na década de 1990. Mas a viabilidade do socialismo democrático e libertador, como proposto por Marx, Engels, Lênin e Trotsky, mantém sua validade mesmo num período de relativo isolamento de seus apoiadores. O andar dos acontecimentos, com a crise do capitalismo, alterou a situação objetiva e em última instância a consciência da classe trabalhadora, trazendo, assim, essas ideias de volta para a agenda política. O processo já está no caminho, como explicado antes, e irá se desenvolver em alta velocidade, provavelmente antes da primeira década do século XXI. Enquanto luta pelo socialismo, o CIT também está envolvido intimamente com as lutas cotidianas dos trabalhadores.
Diferente de outros que estão preparados apenas a comentar de fora, o CIT nunca hesitou em se envolver nas lutas cotidianas da classe trabalhadora. Por isso nosso crescimento em vários países. Nossa seção britânica, uma pioneira em vários campos, como visto antes, teve agora o maior sucesso eleitoral dos partidos à esquerda do Partido Trabalhista na Inglaterra e País de Gales. Além disso, nos sindicatos temos o número mais significativo de membros nos comitês nacionais e na base do que qualquer outra tendência da esquerda britânica. Isso só foi possível pelo fato de que nossos quadros sindicais e nossos militantes em geral estabeleceram fortes vínculos nos locais e dentro de alguns sindicatos.
Ao mesmo tempo, nunca escondemos nossas ideias e nosso programa, reivindicamo-nos abertamente como socialistas e trotskistas. E mais importante, expressamos as ideias gerais do marxismo de uma forma que pode ser compreendida pelos trabalhadores e trabalhadoras mais avançados.
Essa é a razão do CIT, em geral, ter conseguido congregar alguns dos melhores lutadores da classe trabalhadora em suas fileiras, porém, isso ainda é muito pouco para as tarefas à frente.
A TSI, liderada pelo SWP britânico, é geralmente vista com suspeita no movimento dos trabalhadores internacional. Em toda grande greve na Inglaterra – seja ela a recente batalha dos bombeiros, a greve dos servidores municipais, a luta no Heathrow, etc. – quando os militantes do Partido Socialista (CIT) visitam os piquetes, encontram, invariavelmente, a seguinte pergunta: “Vocês não são do SWP, são?” Somente depois de dizer aos trabalhadores que não são, nossos companheiros conseguem ser ouvidos! A atitude do SWP era, no passado, de uma abordagem extremamente ofensiva contra os líderes da esquerda, denunciados como “vendidos” pelo SWP da maneira sectária mais feroz. Isso, é claro, foi durante o período da década 1990, com a ideia de Cliff de uma “volta aos anos 1930 em câmera lenta”. Seu exagero levou o SWP a dizer ridiculamente que, se tivesse 15 mil militantes e 30 mil apoiadores na manifestação de massa dos mineiros de 21 de outubro de 1992 – provavelmente 100 mil pessoas participaram dessa manifestação – o SWP poderia levar a marcha ao parlamento, os parlamentares dos Tories não ousariam apoiar o programa de Michael Heseltine, e o governo de John Major teria caído! xxv
Como visto, com certo atraso, esse choque com a realidade dos anos 1990 levou, por sua vez, o SWP a virar 180º sobre a própria cabeça para uma adaptação total a figuras da esquerda, com a recém-descoberta necessidade da “unidade da esquerda”. Isso envolve uma aproximação com figuras de esquerda e radicais na coalizão “Stop the War”, e na sua última frente, o Respect. Foi feita a mesma coisa nas eleições sindicais. Por exemplo, no sindicato dos professores, o NUT, o SWP uniu-se à “Campaign for a Democratic Fighting Union” (CDFU) – que não é socialista – contra o único candidato sério da esquerda, Martin Powell-Davies. Os ziguezagues políticos do SWP criaram, inevitavelmente, tensões em suas fileiras, o que mostra que a pouca permanência dos seus membros – uma característica dessa organização – será agravada. E isso pode resultar em maiores rachas.
Como girou para a direita, o SWP também se aproximou do SUQI. Ele afirma que o núcleo da “esquerda revolucionária… é formado pelas organizações que conseguiram sobreviver às derrotas da década de 1980 [?!] – principalmente, em escala internacional, os apoiadores da Tendência Socialista Internacional (TSI) e do Secretariado Unificado da Quarta Internacional (SUQI)”. xxvi Com esse tipo truque, o SWP espera isolar o CIT – eliminá-lo da arena política mundial, com sua implantação considerável em vários países, que excede de longe a da TSI. Além do mais, a TSI é, em geral, composta pela pequena burguesia radicalizada, especialmente na Inglaterra. O Partido Socialista do CIT no momento é menor numericamente que o SWP (apesar de isso não ter sido verdade nos anos 1980). Por outro lado, o Partido Socialista tinha uma posição mais significativa nas organizações da classe trabalhadora e tem mais efeito na consciência política da classe trabalhadora e do movimento dos trabalhadores.
As tendências ’morenistas’
Outras correntes trotskistas também foram incapazes de, inicialmente, compreender as mudanças da situação na década de 1990. Algumas delas são remanescentes da tradição ‘morenista’ baseada principalmente na América Latina, que teve, e ainda tem, em vários países, um efeito significativo no movimento dos trabalhadores. Tony Saunois, que debateu com elas várias vezes, resumiu as visões do CIT sobre essa tendência: “As forças da tradição morenista, principalmente aquelas da Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT) e do racha de sua internacional, a Unidade Internacional dos Trabalhadores (UIT), têm em suas fileiras trabalhadores e jovens heroicos. Infelizmente, cometeram inúmeros erros na análise do caráter do período atual. Elas não encararam a realidade das condições objetivas tal como aconteceram, particularmente depois do colapso do stalinismo. Alguns simplesmente repetiram discursos e frases de Lênin e Trotsky sem enfrentar a situação real do mundo ou as tarefas atuais colocadas para o movimento dos trabalhadores. Isso foi revelado especialmente durante o período do colapso do stalinismo. Baseando-se em suas ‘Teses de 90’, elas inicialmente viram os eventos de 1989-90 como parte de uma contínua onda revolucionária internacional! Por todo um período se recusaram a reconhecer a natureza do que estava acontecendo na União Soviética e no Leste Europeu e quais as repercussões internacionais que isso teria”.
”Foi só em 96 que eles aceitaram, finalmente, que a Rússia era capitalista. Mesmo em 1995 eles argumentaram que ’a queda das burocracias através das ações revolucionárias das massas foi altamente positiva para o desenvolvimento, pois destruiu o aparato stalinista’.xxvii No mesmo ano, seu partido brasileiro, o PSTU, disse simplesmente: ’O colapso do aparato stalinista mundial é uma vitória estratégica para o movimento socialista dos trabalhadores’.”
A UIT, que saiu da LIT, aceitou a ideia da restauração capitalista mais cedo que a LIT, em parte como resultado das discussões com o CIT. Uma seção daquele agrupamento infelizmente se moveu para uma direção mais oportunista a fim de lidar com a nova situação. Como os antigos membros do CIT na Escócia, eles agora se movimentaram para a construção de formações socialistas mais amplas ao custo da construção de um partido revolucionário independente. A maioria do UIT rejeitou essa abordagem e entre eles no Brasil o famoso parlamentar, Babá, que foi expulso juntamente com outros três parlamentares do PT por se opor aos ataques neoliberais à classe trabalhadora, como a reforma da previdência. A CST (seção brasileira da UIT) jogou um papel proeminente na formação de um novo partido dos trabalhadores (PSOL – Partido Socialismo e Liberdade), que pode abrir um novo futuro para a classe trabalhadora brasileira”.
Outra organização é o Comitê por uma Internacional Marxista (CMI), também conhecida como a Tendência Marxista Internacional – o grupo de Woods-Grant que saiu, no início dos anos 1990, e com forças pequenas, do CIT. Nós tratamos de suas ideias e sua crescente degeneração oportunista em outra ocasião. xxviii
Uma Internacional ou uma caixa postal?
Uma questão vital para os marxistas hoje é a necessidade ou não de construir partidos revolucionários e o caráter dos partidos que a classe trabalhadora irá precisar na luta para superar o capitalismo e estabelecer um mundo socialista. O planeta é controlado por capitalistas impiedosos e espertos. Seus governos são dirigidos por um imperialismo americano renovado, que aterroriza toda a humanidade e todo o planeta. O jornal dominical britânico ‘The Observer’, revelou o conteúdo de um documento secreto do Pentágono, que alerta sobre grandes destruições ambientais. Mudanças climáticas, diz, podem resultar até num “Inverno Siberiano” na Inglaterra dentro de 20 anos, se a destruição do meio-ambiente continuar desenfreada.
A guerra no Iraque mostra até onde os líderes da burguesia – nos EUA e Grã-Bretanha, em particular, mas apoiados por outros, incluindo a Itália e a Espanha – estavam preparados para ir com o objetivo de capturar os recursos, particularmente as reservas de petróleo, do segundo maior produtor de petróleo do Oriente Médio. A ‘libertação’ do Iraque é na realidade uma ocupação brutal e a reação a ela não enfraquece nossa análise sobre os métodos agressivos e brutais do imperialismo, especificamente o imperialismo americano, na era moderna. Logo os EUA irão, com base nos gastos feitos agora, gastar em armas, para sua suposta ‘defesa’, o mesmo que o total que o resto do mundo gasta junto. Isso contrasta de forma obscena com a pobreza em massa e a piora das condições de vida de partes significativas do mundo, com a perspectiva de ficar ainda pior enquanto o capitalismo e o imperialismo continuarem.
A centralização do capital, não apenas dentro das nações, mas em escala internacional, e a colaboração entre os governos burgueses contra as demandas da classe trabalhadora – especialmente para fortalecer as políticas neoliberais – exigem dos trabalhadores ações contrárias. No entanto, se elas forem imaturas, restritas meramente a um ‘movimento’, serão fatalmente derrotadas. Os enormes movimentos anticapitalistas e antiguerras abalaram a elite burguesa mundial em suas bases. Mas até movimentos esplêndidos como esses, sem organização, não são capazes de parar a guerra, muito menos derrotar o capital centralizado. Isso foi compreendido claramente por partes significativas dos jovens e trabalhadores que participaram desses movimentos. Portanto, a ideia de um partido e de uma Internacional pode crescer rapidamente nesse período. A questão é: que tipo de partido? Também, qual o papel dos marxistas e trotskistas dentro deste processo?
Os dirigentes do Partido Socialista Escocês (SSP) apontaram claramente para a necessidade de um partido amplo, com o qual concordamos. Mas, eles não acompanharam isso com a ideia que a manutenção de um núcleo revolucionário, a qual pertenciam antes, era ainda necessário. O oportunismo – uma adaptação ao reformismo, a ideias não-revolucionárias, particularmente em um período não revolucionário – nunca proclama abertamente seu abandono do marxismo e do trotskismo. Bernstein, que revisou as ideias de Marx na direção reformista, dizia estar defendendo os conceitos de Marx. Agora, nossos antigos companheiros da Escócia ainda reivindicam manter suas ‘credenciais revolucionárias’, enquanto na prática aplicam uma agenda reformista.
Nós apontamos que, inevitavelmente, eles iriam revisar oportunisticamente seu programa, sobretudo na questão nacional, e na necessidade de uma organização revolucionária. Infelizmente, nossos prognósticos estavam certos e numa escala de tempo menor do que prevíamos. Constituindo-se como o Movimento Socialista Internacional (International Socialist Movement – ISM) dentro do SSP (Partido Socialista Escocês), os dirigentes dessa tendência, como vimos, propuseram, posteriormente, que ela deveria acabar. Mas isso encontrou resistência mesmo dentro de suas fileiras, que não estavam sincronizadas com esse processo. Por outro lado, o ISM é agora um agrupamento frágil que faz parte da direção do SSP. Eles fizeram pouco para impedir a virada oportunista da direção para uma posição mais nacionalista (apoio à independência capitalista da Escócia), ou por uma ’Europa Social’. Ao contrário, eles reforçaram esse processo.
Uma situação semelhante ocorre com o SUQI – particularmente com sua maior seção, na França, a Liga Comunista Revolucionária (LCR). A LCR defende abertamente que não é mais uma organização revolucionária, no entanto se assemelha à socialdemocracia da esquerda, apesar de conter dentro dela “forças revolucionárias”. Tudo isso foi feito em nome de uma popularidade barata e sucesso eleitoral. Essas políticas oportunistas se combinam com uma organização interna peculiar, que diverge consideravelmente das normas de uma organização revolucionária baseada no centralismo democrático. Uma forma de organização interna extremamente frouxa prevalece agora na LCR.
No plano internacional, existem as mesmas frágeis concepções de organização. O documento do Congresso Mundial do SUQI, ‘O papel e as Tarefas da Quarta Internacional, novos estatutos adotados em 2003’ diz: ”O CI [o antigo Comitê Executivo Internacional do SUQI] deve continuar a jogar seu papel no centro de gravidade de um contínuo debate com posições contrárias. O debate é totalmente livre, assim como o estatuto codifica uma autonomia das seções nacionais que não mais impõem nenhuma obrigação de ter as posições tiradas pela maioria do CI. Isso é muito mais aberto dada a presença, no CI, de organizações de fora que contribuem nas nossas discussões, sem qualquer comprometimento organizativo conosco”. Em outras palavras, tal Internacional é apenas um clube de discussão que não impõem nenhuma obrigação organizativa de tomar posições vindas e através do debate. O quanto isto está longe da descrição de Lênin da Segunda Internacional como uma mera caixa postal, e uma não muito efetiva? O SUQI agora existe como uma organização para a troca de documentos internacionais, ao invés de um centro internacional para mobilizar os setores avançados dos trabalhadores e da juventude e, através deles, a classe trabalhadora.
Uma Internacional genuinamente democrática e revolucionária não ‘impõe’ decisões de cima para baixo, à maneira burocrática. Infelizmente, o SUQI fez isso no passado, como fizeram outras organizações internacionais que usavam a bandeira do trotskismo. Os métodos de Gerry Healy e do Partido Revolucionário dos Trabalhadores, na Grã-Bretanha vem à mente, como também os métodos de James Cannon e Joseph Hansen, antigos dirigentes do SWP americano. Nesses casos, quando os dirigentes falham em convencer diferentes seções de sua ‘Internacional’, eles tomam, geralmente, medidas disciplinares ou impõem uma decisão sem discussão ou debate apropriado. Isso é contrário aos métodos dos primeiros dias da Terceira Internacional (a Internacional Comunista – IC), sob Lênin e Trotsky. A Terceira Internacional envolveu partidos de massas, no caso da França, por exemplo, mas realizava um diálogo e discussões durante um período de tempo considerável antes que uma seção nacional fosse obrigada a tomar qualquer decisão. Por exemplo, Trotsky, em nome da Internacional Comunista, polemizou com o Partido Comunista Francês (PCF) durante quase dois anos sobre a questão da ‘Frente Única’, a qual o PCF inicialmente se recusou a aceitar. Somente depois de um debate considerável, e com o apoio da maioria dentro da Internacional Comunista, o Comitê Executivo da IC obrigou, então, o PCF a tomar uma decisão. Se não o fizessem, teriam reduzido a Internacional Comunista de uma organização internacional combatente a um clube de discussão.
Há obrigações em qualquer organização ou partido e, por necessidade, disciplina em qualquer partido revolucionário que mereça tal denominação. Não há direitos sem deveres, e nenhum dever sem direitos. Discussões e debates plenos e a tomada de decisões pela maioria são necessárias, mas depois as decisões devem ser seguidas com disciplina. Isto deveria ser um axioma para um partido revolucionário, mas não é para o SUQI. No caso de uma organização federalizada, transicional e ampla, tal disciplina rigorosa é inapropriada. Mas para uma organização que reivindica estar sob a bandeira do marxismo e do trotskismo, formas de organização amorfas e confusas destroem o objetivo de preparar uma força de massa que seja capaz, juntamente com a classe trabalhadora, de superar o capitalismo e estabelecer o socialismo. O fato é que o SUQI, como a direção do SSP, abandonou uma conquista do passado, que é o verdadeiro conceito do centralismo democrático, e colocou no lugar uma forma de organização não-revolucionária e próxima da social democracia. O SUQI coloca sua questão sucintamente: “Numa nova Internacional, a Quarta Internacional será uma entre outras. Irá definitivamente envolver uma certa continuidade. Mas a maior característica é a refundação em um novo programa cuja renovação, obviamente, lançará as bases de uma nova constelação social e ideológica”. xxix
A referência à ‘Quarta Internacional’ é utilizada pelo SUQI e não por outra corrente trotskista, como o CIT, que ainda partilha do conceito de Trotsky de uma nova Internacional de massa e revolucionária. Em todos os escritos do SUQI, seus dirigentes citam críticas vindas do oportunismo político das tendências que foram trotskistas, como o Partido Socialista Democrático (DSP) na Austrália, ou de outros que reivindicam ainda permanecer sob a bandeira do trotskismo. Mas isso parece não ser um problema para o SUQI. Historicamente, o marxismo e o trotskismo lutaram não apenas contra o sectarismo e o ultraesquerdismo, mas também contra o oportunismo, o reformismo, o centrismo e outras abordagens diferentes do corpo de ideias sustentadas por Marx, Engels, Lênin e Trotsky. Ainda hoje o SUQI declara: “Nós temos a convicção de que será através de uma colaboração sistemática com outras correntes radicais e não-sectárias e, especialmente com as novas forças e novos partidos, que a nova internacional irá atrair”. xxx
O colaboracionismo de classes no Brasil
Para onde tal abordagem leva, é mostrado concretamente no colaboracionismo dos dirigentes da seção brasileira do SUQI com o governo Lula. Dada a virada à direita de Lula, eles concluíram corretamente que: “A direção do Partido dos Trabalhadores brasileiro, que por anos afirmou a luta de classes e a luta contra o neoliberalismo, está hoje implementando uma política neoliberal exigida pelos mercados financeiros e pelo FMI”, escreve François Sabidel, uma liderança da LCR. xxxi A mesma afirmação é feita em relação à Refundação Comunista na Itália: “Outro exemplo é a virada de Fausto Bertinotti e da direção da Rifondazione Comunista na Itália, que está preparado para discutir a perspectiva de coalizão com a centro-esquerda, ou seja, as forças da Oliveira e Romano Prodi, presidente da Comissão Europeia neoliberal”. (Ibid) Desde que essas linhas foram escritas, a RC aceitou o pacto formal com as forças burguesas da “Oliveira”.
No caso do Brasil, o governo de Lula está tão à direita que a piada entre a esquerda brasileira é que ele está prestes a romper com o FMI, “pois [o FMI] é muito de esquerda”! O governo Lula, como a seção brasileira do CIT mostrou, atacou tanto os professores quanto os servidores públicos – resultando numa manifestação de 30 mil trabalhadores de todo o Brasil em junho de 2003. Em 2004, o padrão de vida daqueles que trabalham abaixou e espera-se que o salário real caia 15%. Uma das grandes decepções das massas brasileiras tem sido a questão agrária.
Apenas 13 mil famílias foram assentadas até o fim de 2003, bem longe dos 60 mil assentados prometidos por Lula. Porém, o Ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, é nada menos que um membro da seção brasileira do SUQI, a Democracia Socialista (DS), que tratou de recuar enquanto outros membros da seção do SUQI estavam sendo expulsos do PT! A mais proeminente dentre os últimos é Heloisa Helena, que está ajudando na formação do novo partido, PSOL. Isso ocorre num momento em que a DS permanece como uma tendência do PT, sustentando a posição do Ministro do Desenvolvimento Agrário no governo, como mencionado anteriormente, mas também têm membros que são conselheiros políticos no Ministério da Fazenda. Mesmo a ‘esquerda’ da DS restringe suas demandas dentro do PT à saída desses conselheiros do Ministério da Fazenda e não para a renúncia do ministro do desenvolvimento agrário. Mesmo isso foi barrado pelo o que agora se apresenta como uma maioria à direita na DS.
Tudo isso é efetivamente ignorado pela direção do SUQI, que está preparada para um ‘debate’, mas não para fazer uma crítica dura a seus membros brasileiros que, claramente, servindo a um governo burguês, estão traindo os interesses das massas no Brasil. O quão diferente é o comportamento da seção brasileira do SUQI ao POUM na Espanha que, como todos os trotskistas sabem, teve um papel fatal no desenrolar da Revolução Espanhola nos anos 1930? No entanto, o SUQI é culpado de fortalecer não um governo de ‘esquerda’, como o que supostamente existiu na Espanha em certo momento de 1936, mas de um claro partido ‘neoliberal’ anteriormente de esquerda, que está sustentando um governo de direita. Porém, Heloisa Helena lançou, com outros três parlamentares – Babá, Luciana Genro e João Fontes – e com o apoio do Socialismo Revolucionário (CIT no Brasil), um movimento por um novo partido, precisamente porque nenhuma oposição no PT é tolerada por Lula.
O mesmo silêncio diplomático é mantido pelo SUQI sobre a Rifondazione Comunista (RC) na Itália. De um lado, no verão de 2003, em seu Congresso Mundial, o SUQI elogiou o que acha ser “um significativo avanço representado por organizações como a Rifondazione Comunista e o Partido Socialista Escocês” xxxii. No caso da RC, ela sem dúvida representou um rompimento significativo quando foi fundada, mas isso foi em 1991! Ela não realizou os desejos originais dos setores da classe trabalhadora italiana que se revoltaram contra o oportunismo da direção do DS (anteriormente o Partido Comunista) e sua degeneração política. A RC ziguezagueou da esquerda para o centro e durante a última década os membros do SUQI dentro da RC fizeram parte de uma fração da direção. Agora, com a abertura de Bertinotti para a direita por sua aliança com a Oliveira, o SUQI dentro da RC tentou aparecer como oposição. Mas, isso foi feito de maneira muito confusa e incoerente. Eles dizem, por exemplo, que desde o final de junho de 2003 houve uma “abertura… para uma alternativa em colocar a problemática de uma nova relação entre a RC e o que tem sido a Oliveira, projetando uma alternativa programática sobre o conteúdo emergente da realidade do conflito e da oposição social. Isto não é uma relação programática entre dois sujeitos, mas uma relação entre vários companheiros, aberto aos movimentos que os próprios movimentos irão escolher”. xxxiii
Faça o que quiser disso! Mas o SUQI não fez nada para preparar os membros do RC e, em particular, os apoiadores passivos da RC, para o esperado movimento à direita de Bertinotti. Ao contrário, agiu como um apoio a Bertinotti, que foi rejeitado quando a RC virou à direita através da Oliveira. Por causa do vácuo político na Itália, é possível que, a despeito desta direitização, a RC possa colher apoio eleitoral. Porém, embora a inércia das massas possa dar apoio eleitoral à RC, os trabalhadores ativos que acompanharam todo esse desenvolvimento podem até se opor ou tornarem-se passivos, alguns até saindo da RC. Seu apoio eleitoral pode crescer enquanto sua militância contrai. Além do mais, há algumas evidências de que isso está acontecendo hoje. O que não significa que o capítulo da RC acabou, mas, na sua atual direitização certamente não será uma proposta atrativa para grandes setores da juventude, que estão buscando uma alternativa socialista e revolucionária.
Os eventos revolucionários no futuro
O papel da direção trotskista-marxista é prever os eventos e propor ações sobre eles, inclusive examinar a fraqueza política dos partidos, de seus programas e os métodos de suas direções. Inevitavelmente, os dirigentes desses partidos podem ir para a direita, a menos que encontrem fileiras conscientes influenciadas pela alternativa marxista. Por esse critério, o SUQI falhou, e continuará falhando enquanto mantiver sua atual trajetória política. Nada disso significa que a possibilidade de novos partidos de massas da classe trabalhadora, contendo um núcleo revolucionário, está fora da agenda. Nem a perspectiva de uma nova Internacional de massas, que foi a perspectiva do CIT em sua fundação, torna-se menos importante. Ao contrário, as condições que levaram à fundação do CIT – os eventos revolucionários de 1968-76, e a emergência de uma nova geração combativa – serão superadas por eventos explosivos que se anunciam na primeira década deste novo século.
Os primeiros anos deste milênio surgiram sob um cenário semelhante àquele do século XX. Foram anos de guerras – a mais devastadora delas, até agora, tem sido a do Iraque – a fumaça venenosa do racismo, ondas de refugiados econômicos e crises. Ainda há também o desejo sem igual de parte da população mundial por uma sociedade de plenitude e paz, de harmonia social, e de libertação e desenvolvimentos dos talentos de cada um. Tal mundo não é possível sob o obsoleto capitalismo. Mais cedo ou mais tarde, parte da população mundial – começando pela classe trabalhadora – verá isso claramente.
Mas grandes reviravoltas sociais – e a socialista será a maior na história mundial – são preparadas por uma minoria corajosa. Eles condensam esse desejo por mudança na forma de um programa e de um partido revolucionário, conscientemente socialista, marxista, e a organização que decorre dela. Esta é a razão do CIT nascer em 1974. Isso é tão relevante e “moderno” hoje quanto foi há 30 anos atrás! Na era da globalização capitalista, nós vimos a emergência de uma embrionária ‘globalização socialista’, que apenas pode ser completamente realizada através de uma nova Internacional revolucionária de massas, que não significará uma estéril luta sectária entre pequenos grupos, e sim uma batalha de ideias diante dos movimentos de massas para a aquisição de respostas ideológicas claras aos problemas da classe trabalhadora e deduzindo daí as inferências táticas e organizativas.
i Comentários feitos por Alan Greenspan no Bundesbank Lecture 2004, Berlim 13 de janeiro de 2004. ’Bank of International Settlements Review’, março 2004.
ii Karl Marx, Ideologia Alemã, Hucitec, São Paulo, 1993. p. 52.
iv Bob Woodward, ’The Agenda: Inside the Clinton White House’, 1994.
v International Viewpoint, outubro 2000.
vi Vercammen, ’The question of the party: Trotsky’s weak point’, International Viewpoint, outubro 2000.
vii Michael Löwy, International Viewpoint, outubro 2000.
x Veja ’Cuba: Socialism and Democracy – Debates on the Revolution and Cuba Today’, CWI Publications, 2000 ou visite socialistworld.net
xii Karl Debbaut, ’France: Workers on the move’, Socialism Today, junho 2003. Pode também ser encontrado no www.socialistworld.net/eng/2003/06/28france.html.
xiii International Viewpoint, novembro 2001.
xiv ’At the heart of the anti-capitalist combat… Relaunch, opening, regroupment and repositioning’ Francois Vercammen International Viewpoint 349 – maio 2003
xvi Ted Grant, The Unbroken Thread, junho 1989.
xvii Disponível em inglês no www.marxist.net.
xviii ’Which Way for Socialism?’ 2001, disponível, em alemão, no site www.sozialismus.info.
xix Publicado primeiramente em ’Sozialismus von unten’ (’Socialism from below’), Número 2, novembro/dezembro 1994.
xx Tony Cliff, Trotsky: The Darker the Night, the Brighter the Star, p. 300.
xxi Alex Callinicos, The Anti-Capitalist Movement and the Revolutionary left, março 2001.
xxii ’International Socialist Journal’, inverno 2002.
xxv’The SWP and the Crisis of British Capitalism’, 1992.
xxvi Alex Callinicos, ’The Anti-Capitalist Movement and the Revolutionary left’, março 2001.
xxvii ’For the Re-building of the Fourth International – Joint Declaration of the LIT and the Workers’ International’ (publicado em inglês), dezembro 1995.
xxviii Veja ’Revolutionary Socialists and the Venezuelan Revolution’ em www.socialistworld.net e ’Militant’s Real History’, em www.marxist.net.
xxix ’At the heart of the anti-capitalist combat… Relaunch, opening, regroupment and repositioning’ Francois Vercammen International Viewpoint 349 – maio 2003.
xxxi ’A New Force’, International Viewpoint, fevereiro 2004.
xxxii ’Fourth International: A Congress of Optimism’.
xxxiii Livio Maitan, International Viewpoint, setembro 2003.
A história do CIT
Introdução à edição de 1998
O desenvolvimento da crise econômica mundial ilustra como o mercado internacional domina o mundo. Essa ideia básica de socialismo é a razão pela qual todas as organizações e partidos genuinamente socialistas veem-se como parte integrante de um movimento internacional. Embora o início da criação de uma nova sociedade possa ser feito num país específico, uma vez sua classe trabalhadora tendo superado o capitalismo, a construção de uma sociedade socialista plena só será possível no momento em que a economia mundial estiver livre das amarras do capitalismo.
Aí se explica porque desde os anos 1840 houve diferentes tentativas de criar um movimento internacional dos trabalhadores. A solidariedade é parte importante do internacionalismo, mas não é a única motivação dos socialistas para criar tal organização internacional. Uma internacional operária deve ser também uma arma política na luta contra o imperialismo e por um mundo socialista.
Em diferentes momentos, foram criadas fortes organizações internacionais de trabalhadores mas, por diversos motivos, todas entraram em colapso. O Partido Trabalhista na Grã-Bretanha é parte da Internacional Socialista, mas essa deixou de ser socialista de fato quando a maioria de seus líderes sustentou sua própria classe dominante durante a Primeira Guerra Mundial. A Internacional Comunista, criada na onda de entusiasmo posterior à Revolução Russa de 1917, decaiu e então desapareceu quando a camarilha de Stalin esmagou os direitos democráticos e a ideia de uma luta internacional.
O Partido Socialista na Grã-Bretanha é a seção britânica do Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores. O CIT, fundado em 1974, defende a tradição da luta de Trotsky contra o stalinismo e a criação de um ‘Partido Mundial da Revolução Socialista’, a Quarta Internacional.
Hoje o CIT tem membros e apoiadores trabalhando em mais de 35 países em todos os continentes.
O programa e a política do CIT são decididos democraticamente em um Congresso Mundial, constituído por delegados provenientes das seções nacionais. Esse Congresso elege um Comitê Executivo Internacional (CEI), que decide sobre as políticas entre os Congressos. O cotidiano do CIT é tocado pelo Secretariado Internacional (SI), eleito pelo CEI e baseado no sede do CIT, que atualmente está em Londres.
Origens do CIT
Este é um balanço geral do desenvolvimento do Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores nos seus primeiros 24 anos. É baseado num pronunciamento feito por Peter Taaffe na Escola Europeia do CIT em julho de 1997. Comentários valiosos também foram feitos durante a discussão por vários companheiros, alguns com longa história dentro do CIT. Em particular, Arne Johansson da Suécia, Angela Bankert da Alemanha, François Bliki da Bélgica e muitos outros que fizeram complementos importantes sobre a história do CIT. Quando possível, seus comentários foram incorporados no texto. Este não pretende ser um balanço completo do trabalho do CIT durante duas décadas e meia, o que ainda é ansiosamente esperado. Seria desejoso que um companheiro tenha a possibilidade de realizar essa tarefa num futuro próximo.
Fundação, 1974
O CIT foi fundado numa reunião com 46 companheiros de 12 países em abril de 1974. Esse não foi o começo do trabalho internacional dos apoiadores do Militant britânico (agora Partido Socialista), que foram os principais incentivadores da fundação do CIT. Vários esforços foram feitos nos dez anos anteriores para expandir a influência das ideias do Militant internacionalmente. Mesmo antes de ter contatos internacionais, o Militant sempre agiu com uma visão internacionalista. Uma internacional é, primeiramente, ideias, um programa e perspectivas. As ideias gerais são os sustentáculos de qualquer organização. E disso deriva o tipo de organização necessária. Portanto, a história do CIT, tal como do Militant, é a história das ideias dessa organização, em contraste com as ideias defendidas por outras organizações marxistas.
A necessidade de uma organização internacional brota do próprio desenvolvimento do capitalismo. O grande mérito histórico do capitalismo foi desenvolver as forças produtivas, das quais a classe trabalhadora é a mais importante, e ligar as nações individuais através do mercado mundial. O internacionalismo, como apontou Marx, surge da situação específica criada pelo capitalismo, a saber, a criação do mercado mundial e da classe trabalhadora mundial. Essa ideia é ainda mais importante hoje, em um período de globalização. As ligações entre companhias, continentes e diferentes economias nacionais em escala mundial têm ocorrido em uma extensão que Marx, Engels, Lênin e Trotsky jamais imaginaram.
Primeira Internacional
A primeira tentativa de construir uma internacional foi, claro, realizada por Marx e Engels com a fundação da Primeira Internacional. Marx tentou congregar em uma organização internacional os mais avançados setores da classe trabalhadora: os radicais franceses, os sindicatos britânicos e até os anarquistas russos. Um grande trabalho foi realizado pela Primeira Internacional, culminando na heroica Comuna de Paris. Engels apontou que a Internacional foi ‘intelectualmente’ responsável pela Comuna mesmo que não tenha ‘mexido um dedo’ para criá-la.
Essa primeira grande tentativa da classe trabalhadora de estabelecer seu próprio Estado fez a burguesia temer. Ela afogou a Comuna em sangue e conduziu uma caça às bruxas contra os seus responsáveis, principalmente todos os líderes e membros da Primeira Internacional. Mas a derrota da Comuna de Paris também coincidiu com a recuperação do capitalismo e uma séria crise da Primeira Internacional, especialmente causada pelos anarquistas, liderados por Bakunin. Marx e Engels conduziram um luta vitoriosa contra as ideias anarquistas, porém, ao lado das atividades corrosivas dos anarquistas, o desenvolvimento do capitalismo mundial criou ilusões reformistas naqueles, que como os líderes sindicais britânicos, foram responsáveis por divisões e fragmentação da Primeira Internacional. Marx e Engels concluíram, então, que a Primeira Internacional tinha cumprido seu trabalho, estabeleceu a ideia do internacionalismo e de uma Internacional na consciência da classe trabalhadora. Mas eles também concluíram que, tendo terminado sua missão histórica, deveria mudar a sede para Nove Iorque, e depois dissolvida.
Segunda e Terceira Internacional
O período que se seguiu viu a criação de partidos de massas da classe trabalhadora. Esses partidos foram influenciados principalmente pelas ideias de Marx e Engels. Esse processo culminou na fundação da Segunda Internacional em 1889. Essa organização se desenvolveu numa fase progressiva do capitalismo.
Dezenas de milhares de trabalhadores foram mobilizados por esses partidos, atraídos pelas ideias do socialismo e aprendendo alguns dos ensinamentos básicos de classe. Mas por causa das condições objetivas – o progresso constante do capitalismo no desenvolvimento das forças produtivas – os dirigentes dos partidos que aderiram à Segunda Internacional colaboraram com os capitalistas, buscando meio termos, que se tornaram uma constante. Com efeito, se elevou uma camada por cima da classe trabalhadora, com consequências catastróficas quando a fase de progresso capitalista se esgotou. Isso foi visto claramente no início da Primeira Guerra Mundial. A esmagadora maioria dos dirigentes dos partidos da Segunda Internacional apoiou suas próprias burguesias na batalha sangrenta da guerra.
Os adeptos do internacionalismo genuíno foram reduzidos a um punhado. Aqueles que acham que os internacionalistas genuínos hoje estão muito fracos pelo colapso do stalinismo e pela ofensiva ideológica da burguesia, deveriam ponderar a situação de Lênin, Trotsky, Connolly, MacLean, Liebknecht, Luxemburgo e outros marxistas genuínos, na Primeira Guerra Mundial. Na conferência de Zimmerwald, que reuniu os que se opuseram à Primeira Guerra Mundial, a velha piada diz que os delegados cabiam em dois vagões de trem! No entanto, dois anos depois a Revolução Russa explodiu, e dentro de nove meses, os bolcheviques estavam no poder e o primeiro Estado genuíno de trabalhadores foi estabelecido. Isso iniciou os dez dias que abalaram o mundo.
Com a Revolução Russa veio a criação, em 1919, da Terceira Internacional. Se alguém tem alguma dúvida sobre os efeitos da revolução russa, leia a trilogia USA de John dos Pasos. Ele mostra várias manchetes da imprensa americana sobre a revolução russa. Não apenas os raivosos da imprensa marrom, mas também os jornais tidos como ‘responsáveis e bem informados’, como o New York Times, que publicou manchetes como: “Lênin assassina Trotsky”, ou “Trotsky mata Lênin”. Mas chocante ainda foi a edição que anunciou: “Trotsky mata Lênin numa briga de bêbados”. Os trabalhadores húngaros tentaram seguir os russos, tal como fizeram os trabalhadores alemães e italianos. De fato, o conjunto da classe trabalhadora europeia estava indo nessa direção. Trotsky fez uma análise profunda das causas de degeneração da Terceira Internacional no livro ‘Revolução Traída’; não podemos reproduzir aqui de maneira detalhada. As principais causas foram o isolamento da revolução russa e o desenvolvimento de uma camada privilegiada que usurpou o poder político. A derrota da revolução alemã e a posterior traição da classe trabalhadora com a chegada de Hitler ao poder consolidaram a contrarrevolução política da elite stalinista.
Quarta Internacional
O colapso político da Terceira Internacional levou Trotsky a colocar a necessidade de uma nova Internacional. Mas a conferência de fundação não ocorreu até 1938. E não foi por acaso. Esse passo se baseou na perspectiva desenvolvida por Trotsky e o movimento trotskista de uma nova guerra mundial.
Como consequência, ele visualizou uma forte onda revolucionária sobre a Europa Ocidental. Ele estava absolutamente certo nisso, como os eventos de 1944-47 mostraram. Eles começaram com a revolução italiana de 1943-44, seguida pelos eventos revolucionários da França e outras convulsões na Europa. Mas Trotsky não pôde prever que o stalinismo sairia da guerra fortalecido e que o imperialismo estaria seriamente enfraquecido.
Como parte desse processo, os partidos comunistas, que participaram e muitas vezes lideraram a luta contra Hitler, Mussolini e o fascismo, aumentaram seu apoio de massas. A socialdemocracia também se fortaleceu. Todo o poder investido nessas organizações pela classe trabalhadora mobilizada permitiu que seus líderes salvassem o capitalismo numa conjuntura histórica crítica. A contrarrevolução capitalista foi feita, não de forma militar ou fascista, mas principalmente por meios ‘democráticos’. A socialdemocracia, o stalinismo, e os partidos de massas que se basearam nessas ideias, salvaram o capitalismo na Europa Ocidental neste período e, com efeito, lançaram as pré-condições políticas para o início de um avanço do capitalismo mundial na situação do pós-1945.
Depois de Trotsky
Como todo trotskista, nossas raízes remetem ao próprio Trotsky. Na Grã-Bretanha, porém, viemos da Liga Internacional dos Trabalhadores (WIL), formada em 1937, e do Partido Comunista Revolucionário (RCP), de 1944. Acreditamos que as análises desse partido e de seus dirigentes, como Ted Grant, Jock Haston e outros, eram mais precisas que as outras perspectivas. Eles anteciparam o desenvolvimento das ‘estados operários deformados’ do leste europeu e da China, em particular. A direção da ‘Quarta Internacional’, Ernest Mandel, Michael Raptis (Pablo), Pierre Frank e outros, acreditavam que esse fenômeno – a criação de ‘estados operários deformados’ – era impossível. De frente com a realidade, no entanto, eles mudaram completamente, indo então para o outro extremo e Tito, na Iugoslávia, tornou-se um ‘Trotsky inconsciente’, como também Mao Tse-Tung.
É claro que os dirigentes do RCP cometeram erros. Não existe direção infalível. Ted Grant, por exemplo, caracterizou, primeiramente, os regimes do leste europeu, como a Polônia ou a Tchecoslováquia, como ‘capitalismo de Estado’. Mas ele reviu sua posição, reexaminou os trabalhos dos grandes mestres, como Marx, Engels, Lênin e Trotsky, e chegou a uma avaliação correta da situação desses Estados. Tony Cliff, por outro lado, manteve a doutrina do capitalismo de Estado.
Os dirigentes do RCP também erraram, em nossa opinião, ao entrar no Partido Trabalhista em 1949-50. A maioria, liderada por Grant e Haston, argumentou corretamente que não havia condições para entrar no Partido Trabalhista. O governo trabalhista de 1945 estava, de fato, fazendo reformas, a criação do Estado de bem-estar social, etc., e havia o início de uma recuperação da economia mundial. Teria sido mais correto continuar como partido independente, com a maioria dos esforços dos trotskistas, naquela etapa, direcionada para o trabalho sindical na indústria. Mas a capitulação de Jock Haston levou à desintegração da maioria e, na prática, à capitulação de Ted Grant também à política errada de Gerry Healy, de entrismo no Partido Trabalhista. Porém, com o início do boom do pós-guerra, mesmo uma organização marxista forte teria sido atingida ou minada. A situação objetiva neste período, e para o futuro provável, favorecia tanto ao reformismo quanto ao stalinismo.
O Congresso do SU-QI de 1965
Minha geração entrou em cena no final dos anos 1950 e começo dos 1960. Eu entrei na organização em 1960. Tínhamos uma base entre os trabalhadores de Liverpool e também havia uma base entre um setor bastante promissor de estudantes que entraram em nossa organização na Universidade de Sussex. Nós fomos impelidos a uma fusão sem princípios com a organização de Mandel na Grã-Bretanha, o Grupo Internacionalista, posteriormente Grupo Marxista Internacional (IMG), no meio de 1964. Os trotskistas naquele tempo se diziam (ironicamente, debochando de si mesmos) “infelizes com as fusões, felizes com os rachas”. Dito e feito, deu nisso mesmo, no fim de 1964, após seis meses da unidade sem bases principistas, houve um racha. Com o objetivo de esclarecer os motivos do racha, Ted Grant e eu fomos ao Congresso do SUQI em 1965. Nossos argumentos para continuarmos a ser a única seção oficial britânica do SUQI foram rejeitados. Essa decisão, infelizmente, estava na tradição de seus dirigentes, que preferiam seguidores capazes de reproduzir sua linha ao invés de colaboradores genuínos, mesmo com diferenças políticas sérias. Nossa tradição foi sempre a de tentar debater as diferenças politicamente. O tom do SUQI foi dado pelo Partido Socialista dos Trabalhadores (SWP) dos Estados Unidos. James Cannon foi um líder hábil, mas possuía certo trato zinovievista, ou seja, manipulador. Uma abordagem honesta sobre as diferenças nas seções do SUQI era estranha a essa direção.
O Congresso do SUQI ocorreu nas Montanhas Taunus, na Alemanha, em novembro/dezembro de 1965, onde enviamos documentos alternativos e emendas para a direção. Nós tínhamos diferenças em relação à perspectiva corrente sobre o capitalismo e economia.
Nós afirmávamos, creio que corretamente, que as ideias de Mandel eram neokeynesianas em conteúdo. Também diferimos dele nas perspectivas para o Mercado Comum, como a União Europeia era denominada na época. A direção do SUQI claramente achava que o capitalismo europeu estava pronto para ‘decolar’, que o capitalismo conseguiria unificar a Europa. Também diferíamos sobre a análise do mundo colonial e semicolonial. Apoiamos as lutas de libertação nacional, mesmo sob direção burguesa, mas, sem de qualquer forma, dar o mínimo apoio político às direções desses movimentos. O SWP americano, que era então parte da direção do SUQI, acreditava que Fidel Castro estava, mais ou menos, cuidando das tarefas naquela altura como um genuíno trotskista. Não havia a necessidade, de acordo com o SWP americano, de uma revolução política em Cuba, como a criação dos sovietes, a eleição dos integrantes de cargos de chefia, o direito de revogação, etc. Durante o congresso, a direção reconheceu que houve uma diferença entre Mandel, de um lado, e o SWP americano, de outro, em relação a Cuba e a Mao Tse Tung. Quando questionamos Mandel sobre uma fórmula em seu documento a respeito da necessidade de um ‘movimento anti-burocrático’ na China, ele admitiu que o SWP americano acreditava que uma revolução política era necessária, mas que Mandel, Maitan e Frank não tinham acordo. Em geral, porém, apesar do fato de que nossos documentos eram a única oposição real no congresso, não houve quase menção nenhuma a eles nos debates e ninguém se deu ao trabalho de discutir as nossas ideias.
Refutando nossos argumentos, Mandel e Cia. reconheceram dois grupos simpatizantes do SUQI na Grã-Bretanha, nós e o IMG. Isso nunca teve precedentes na história do movimento trotskista. Embora houvesse exemplos de seções oficiais e grupos simpatizantes aceitos, não havia precedentes de uma seção oficial deixando de ser reconhecida, menos ainda de igualdade com um grupo simpatizante. Isso foi uma forma de expulsão e, além de tudo, desleal e desonesta. Decidimos que já tinha chegado a hora de virar as costas a essa organização e às lutas internas desses setores que se descreviam como ‘trotskistas’.
Fora do SUQI
Tentamos ser coerentes com os conselhos de Marx e Engels aos seus seguidores na Alemanha nos anos de 1870. Escrevendo para Babel, um dos líderes do que se tornou posteriormente o Partido Social Democrata de massas da Alemanha, Engels comentou, em 1873: “É fácil prestar bastante atenção a um rival e ter o hábito de pensar sempre nele primeiro. Mas tanto a Associação Geral dos Trabalhadores Alemães quanto o Partido Social Democrata dos Trabalhadores, juntos, constituem apenas uma pequena minoria da classe trabalhadora alemã. Nossa opinião, que foi confirmada pela longa experiência, é que a tática e a propaganda não têm que se ajustar para captar aqui e lá alguns militantes isolados do adversário ou alguns grupos de militantes, mas influenciar as grandes massas que ainda não se juntaram ao movimento. A energia virgem de um único indivíduo sem formação que captamos das massas menos conscientes vale mais do que dez trânsfugas dos lassallianos, que sempre trazem para o partido os germes dos seus conceitos errôneos”. (Os ‘lassalianos’ eram os seguidores de Ferdinand Lassalle, que fundou a Associação Geral dos Trabalhadores Alemães, em 1863).
Marx comentou antes, em 1868, que: “A seita vê a sua razão de ser e sua ‘questão de honra’ – não naquilo que tem em comum [enfatizado por Marx] com o movimento de classe, mas na sua ideia particular, que é a divisora entre a seita e o movimento.”
Decidimos encarar na Grã-Bretanha, Alemanha, Irlanda, Suécia, e outros lugares, a tarefa de atingir esses trabalhadores, principalmente os trabalhadores jovens, que tinham um interesse nas políticas de esquerda e que poderiam ser ganhos para uma posição marxista e trotskista.
Havia vários bons companheiros nos pequenos grupos trotskistas, muitos com potencial, mas as oportunidades de transformá-los em marxistas com formação e prática adequadas foram perdidas pelos erros das direções desses grupos.
A guerrilha e o SUQI
Tivemos diferenças fundamentais com a posição do SUQI sobre o papel dos estudantes na revolução, e em especial na guerrilha. Sua posição sobre a guerrilha resultou na destruição de muitos potenciais bons lutadores revolucionários. Não se trata de criticar post facto, pois nós polemizamos com o SUQI já naquela época, quando estava envolvido em aventuras sectárias na América Latina e em outros lugares. Em janeiro de 1972, por exemplo, quando foi revelado que havia um racha entre as principais seções europeias do SUQI e os seguidores do SWP americano, nós utilizamos a oportunidade para explicar nossa posição para os companheiros e armá-los teoricamente contra as ideias de Mandel e similares.
O principal defensor da guerrilha, pelo menos publicamente, era Lívio Maitan. Citaremos apenas alguns trechos de um documento, escrito em 1972, com nossas críticas à sua posição: “Este pequeno texto é para familiarizar os companheiros com a presente evolução do Secretariado Unificado (SUQI), a organização da qual fomos expulsos em 1965. Os documentos internos do SUQI que chegaram às nossas mãos revelam um racha entre as principais seções européias do SUQI e o SWP americano. A questão central que polarizou essas tendências é a da guerra de guerrilha (mas não para aí) e a atitude tomada por sua organização sobre essa questão. Isso é de interesse especial para a nossa tendência porque foi uma das questões que tentamos colocar no Congresso Mundial do SUQI de 1965. O tema foi analisado a fundo em nosso documento sobre a revolução colonial que apresentamos ao congresso. Foi rejeitado e nem sequer houve um debate”. (Veja nosso documento sobre a revolução colonial e o informe do Congresso).
“Maitan faz inúmeras citações dos grandes mestres marxistas. Marx, Engels, Lênin e Trotsky são transformados, pelas mãos de Maitan, dos mestres do socialismo científico em românticos guerrilheiros que anteciparam Guevara, Debray e similares como defensores da ideia de operações guerrilheiras baseadas no campesinato. Então, na resposta a uma crítica do SWP, Maitan colheu trechos fora do contexto de Engels, Marx e Lênin para demonstrar a validade da guerra de guerrilha! Ele citou, por exemplo, a introdução de Engels para ‘A Luta de Classe na França’ de Marx, que se refere à insurreição como uma ‘arte’. Engels estava tratando dos problemas de um levante do proletariado nas cidades! Onde os grandes mestres do marxismo apoiaram conflitos de guerrilha, foi apenas como auxiliar do movimento da classe trabalhadora nas cidades. A tentativa de Maitan de utilizar artigos de Lênin sobre a guerrilha em 1906 está completamente distorcida. Ele faz Lênin parecer mais um teórico dos populistas (SRs ou Socialistas-Revolucionários) ao ver a guerrilha e o movimento camponês como os principais fatores na situação daquele tempo, acima dos bolcheviques. Na realidade, o Partido Bolchevique forjou uma batalha teórica insistente precisamente contra tais ideias, insistindo no papel primeiro do proletariado industrial, enquanto dava apoio aos movimentos camponeses nas áreas rurais e tentava trazê-los para a influência do proletariado”.
“Trotsky elaborou essa ideia em seu livro sobre a revolução permanente e em vários artigos sobre a incapacidade do campesinato, por causa de sua posição social, sua falta de coesão, etc., de ter qualquer papel independente na revolução; ou apoia o proletariado, como na revolução russa, ou a burguesia”.
“Lênin apoiou realmente a guerrilha em 1906, como auxiliar quando ele considerou que a revolução estava avançando. Depois, quando estava claro que ela recuou, Lênin se opôs à continuação da guerra de guerrilha, como fez com aquela facção de boicotistas entre os bolcheviques que se opuseram a qualquer participação na Duma czarista e à possibilidade de mesmo um limitado trabalho legal. Ele trataria como um insulto se, por causa desses artigos, fosse acusado de propor uma teoria da guerrilha como Maitan esboça”.
“A posição é ainda pior no caso de Trotsky: ‘Sobre a questão mais específica do conflito de guerrilha, Trotsky compreendeu a importância do campesinato armado independente na segunda revolução chinesa’ (USFI International Information Bulletin, janeiro de 1968, p.13). A impressão que dá é que Trotsky saudou a guerrilha camponesa na China entusiástica e acriticamente. Na realidade, como os trechos seguintes mostram, ele se preocupava que, por causa da base social do Exército “Vermelho” chinês ser predominantemente camponês, ele poderia colidir com o proletariado se derrotasse Chiang Kai Shek e entrasse nas cidades: “Uma coisa é quando o Partido Comunista, fundamentado firmemente no proletariado urbano, esforça-se através dos trabalhadores para liderar a guerra camponesa. É uma coisa completamente diferente quando alguns milhares e mesmo dezenas de milhares de revolucionários assumem a direção da guerra camponesa sendo comunistas, ou assumindo o nome, sem ter um apoio sério do proletariado. Essa é, precisamente, a situação na China. Isso aumenta ao extremo o perigo de conflitos entre trabalhadores e camponeses armados… Não é possível que as coisas caminhem de uma maneira que todo esse capital seja direcionado em certo momento contra os trabalhadores?… O campesinato, mesmo quando armado, é incapaz de conduzir uma política independente” (Peasant War in China, 1932).
“Como sabemos, o chamado ‘Exército Vermelho’ realmente atirou e matou trabalhadores que se levantaram nas cidades com o objetivo de apoiar este exército. Por causa do impasse da sociedade chinesa, os stalinistas chineses foram capazes de usar o exército camponês para manobrar entre as classes e construir um aparelho de Estado à imagem de Moscou”.
“E, como se fosse escrito hoje, Trotsky respondeu aos argumentos ‘guerrilheiristas’ quando escreveu essa passagem: ‘Os narodniques russos (populistas) acusam constantemente os marxistas russos de ignorar o campesinato, de não realizar trabalhos nas aldeias, etc. A isso os marxistas respondem: ‘Nós vamos inflamar e organizar os trabalhadores avançados e através deles devemos mobilizar os camponeses’. No geral, esse é o único caminho possível para um partido proletário’.”
“Esses princípios fundamentais do marxismo nunca foram questionados, por exemplo o papel social da classe trabalhadora, organizada na indústria em larga escala, sendo a única classe capaz de desenvolver a coesão e consciência necessárias para levar as tarefas da revolução socialista.”
“Ao contrário, tendo-se curvado ao sentimento do guerrilheirismo rural dentro de suas próprias fileiras, está a um passo de saudar os últimos eventos da guerrilha urbana como um avanço: ‘Nós também visualizamos a possibilidade de conflito de guerrilha essencialmente urbano e de luta armada’. (USFI International Information Bulletin, p.17).”
“Uma das ideias defendidas desde o início do movimento marxista foi a do protagonismo das massas do proletariado como a principal força para a revolução social, ao contrário do que defendiam os anarquistas e terroristas. Nenhum autossacrifício individual ou pequenos grupos armados com bombas e pistolas é capaz de derrotar o sistema capitalista. Pelo contrário, o terror individual pode trazer uma onda de repressão sob todo o movimento dos trabalhadores, como tem sido o caso em uma série de países da América Latina e em Quebec recentemente…”
“Hansen, do lado do SWP na resposta aos argumentos de Maitan e Mandel, deu um indício crucial da orientação abertamente ‘guerrilherista’ atual da maioria de sua própria organização internacional. Vários argumentos corretos são feitos contra a maioria, com os quais nós… concordaríamos.”
“Mas as críticas de Hansen são ao mesmo tempo iguais às posições que ele e o SWP tinham até ontem e que não abandonaram totalmente.”
“Muitas dessas ideias e mesmo as formulações relacionadas ao papel da guerra de guerrilha e, por consequência, do campesinato, são emprestadas de nossos documentos apresentados no Congresso Mundial de 1965.”
“Se o SWP reivindica agora que manteve essa posição consistentemente, deveria explicar por que se opôs ao nosso documento apresentado no Congresso Mundial, onde é dada uma perspectiva marxista clara em relação aos eventos no mundo colonial e semicolonial. A nossa posição era a única que partiu de ideias fundamentais do marxismo, a primazia da classe trabalhadora e a necessidade de que quadros marxistas enraízem-se no proletariado.”
“Na verdade, a orientação pró-Castro e, portanto, pró-guerrilherista é um dos temas do documento de Hansen. Ele cita com aprovação o documento de reunificação em 1963 que fundou o atual Secretariado Unificado: ‘O conflito de guerrilha, sob uma direção que se tornou comprometida em levar a revolução até seu final, pode jogar um papel decisivo ao minar e precipitar a queda de um poder colonial e semicolonial. Essa é uma das principais lições a serem tiradas da experiência posterior à Segunda Guerra Mundial. Deve ser incorporada conscientemente na estratégia de construção de partidos revolucionários marxistas em países coloniais’.”
“Não se tentou, como nós em nosso material, apontar como principal estratégia das tendências marxistas nesses países a de concentrar primeiramente as pequenas forças disponíveis entre os trabalhadores industriais enquanto, obviamente, dava-se toda a assistência a ações armadas dos camponeses e tentar juntar esses movimentos com os trabalhadores organizados. As ‘experiências’ referidas são aquelas de Cuba, Argélia, etc., dos métodos de conflito de guerrilha rural…”
“Talvez o ponto mais pertinente em todos esses documentos é aquele feito por Hansen contra Maitan: ‘Um dos itens na evolução do pensamento do companheiro Maitan pode ter sido os eventos na seção italiana da Quarta Internacional quando, se estou bem informado, grande parte da juventude foi perdida para uma corrente maoísta’! (USFI International Information Bulletin, p.22).”
“Só essa frase é uma prova clara das críticas que fizemos no Congresso de 1965 e em nosso documento sobre a disputa sino-soviética e a revolução colonial (escrito por Ted Grant). Nós alertamos: ‘Nenhuma concessão pode ser feita ao nacionalismo degenerado de todos as tendências do stalinismo… Aqueles companheiros que sonham com uma abordagem mais ‘fácil’ estão se iludindo. Não é possível imaginar uma abordagem numa linha ‘moderna’, ‘atual’ e oportunista, enquanto a abordagem revolucionária for deixada de lado.’
‘Por que algum quadro do lado russo ou chinês se aproximaria da Quarta Internacional, a menos que esta tenha algo a oferecer? O que temos a oferecer neste momento, além da teoria dos mestres, reforçada e enriquecida pela experiência das últimas décadas?’ (Colonial Revolution, p.25-6)”
“A posição pró-chinesa do conjunto do SUQI não apenas falhou em ganhar setores dos Partidos Comunistas para uma posição crítica a Moscou como, pelo contrário, resultou na ida da seção da juventude italiana do SUQI para o maoísmo! Eles preferiram os maoístas de verdade!”
Essa posição do SUQI causou estragos incontáveis na América Latina. Não há exagero em dizer que milhares, dezenas de milhares, de jovens e trabalhadores na Argentina, Brasil, Bolívia e outros lugares, que estavam inicialmente atraídos para o trotskismo, foram levados para o beco sem saída da guerrilha pelos dirigentes do SUQI, que teve uma posição similar de apoio acrítico ao IRA Provisório da Irlanda. É desnecessário dizer que tal posição de defensores políticos de diferentes líderes guerrilheiros não resultou em ganhos substanciais para sua organização. Pelo contrário, como vimos acima, causou em certa etapa o êxodo de apoiadores em potencial do trotskismo para esses movimentos guerrilheiros. O SUQI destruiu vários potenciais importantes lutadores revolucionários.
Em busca de novos setores e o Partido Trabalhista
Nós consideramos que nossa principal tarefa no período da década de 1970, e também depois, era adotar uma orientação decisivamente rumo ao proletariado, especialmente para novos setores. Na Grã-Bretanha, como detalhado em nosso livro, ‘A ascensão do Militant’, concentramos nosso trabalho no Partido Trabalhista e, particularmente, nos setores jovens do partido. Tivemos que nos adaptar com habilidade a esse ambiente, mas nunca escondemos nossas ideias. De fato, tornou-se uma piada constante entre nossos adversários que um apoiador do Militant seria reconhecido imediatamente pelo suposto exagero nos movimentos das mãos mas, acima de tudo, se mencionassem que permanecem na bases das ideias de ‘Marx. Engels, Lênin e Trotsky’. Isso não impediu que nossos adversários ‘marxistas’, geralmente omissos do movimento dos trabalhadores organizado, nos acusassem de ‘oportunismo’. Enquanto dávamos apoio crítico para a esquerda, particularmente ao movimento de Benn nos anos 1980, sempre defendemos nossa própria posição independente.
Poderia o mesmo ser dito daqueles ‘puristas revolucionários’ que não sujaram suas mãos dentro das organizações de massas da classe trabalhadora? Os seguidores de Mandel, em vários países, agarraram-se, de forma oportunista, a diferentes reformistas de esquerda e no processo jogaram fora seu programa. Tal crítica não poderia ser feita aos apoiadores do Militant (agora o Partido Socialista) na Grã-Bretanha. Construímos uma base sólida entre a juventude, especialmente na Juventude Socialista do Partido Trabalhista (LPYS). Noventa por cento de nossos esforços se concentraram nesse campo. Não foram apenas os jovens companheiros, mas os companheiros mais velhos que participaram e tiveram um papel na educação do novo setor da juventude que estava sendo ganha para o marxismo.
Ganhamos a maioria da LPYS em 1970, com explicado em outra ocasião, e depois conseguimos todas as posições no Comitê Nacional. Isso provavelmente foi um pouco longe, mas os membros do Comitê Nacional da LPYS eram eleitos em conferências regionais. A experiência mostrou que, a não ser que os marxistas ganhassem o posto do CN na região, a burocracia do Partido Trabalhista iria barrar, destruir e frustrar as tentativas da juventude naquela área de se engajar em qualquer movimento de massa real dos trabalhadores. No futuro, porém, onde estávamos engajados na massa trabalhadora, em geral não seria apropriado para nós, mesmo onde tínhamos uma esmagadora maioria, ter todos os cargos no movimento.
Éramos tolerados no Partido Trabalhista naquele período. Uma das razões para isso é que havia uma genuína democracia de base no partido. Também éramos enérgicos, muitos dos companheiros eram jovens, tinham boas ideias, etc. Uma parte da burocracia acreditava que os jovens do Militant, como as gerações anteriores, iam caminhar mais à direita com o passar do tempo. Porém, esse ‘trotskistas’ cresceram, mas, para o horror da direita, continuaram a defender suas ideias e alguns deles se tornaram parlamentares. Eles não eram o tipo de parlamentar que a direita e a burocracia tinham previsto.
Os anos 1980 foram um período bem-sucedido para os marxistas na Grã-Bretanha, como explicamos no ‘A ascensão do Militant’. Num certo momento nossa militância atingiu os 8 mil. Três parlamentares – que todos sabiam ser trotskistas – foram eleitos e deram contribuições maravilhosas para as lutas da classe trabalhadora britânica. É claro que a classe dominante nos odiava e pressionou enormemente a burocracia do Partido Trabalhista para nos enfraquecer e expulsar do partido. No entanto, isso não nos impediu de chegar aos trabalhadores que estavam engajados na luta. Além da batalha de Liverpool, ganhamos uma experiência valiosa na liderança do movimento de massa contra o poll tax. Derrotamos esse imposto e, no processo, derrubamos Thatcher.
Um trabalho meticuloso
O desenvolvimento da seção britânica sempre caminhou ao lado do crescimento do CIT. Mas seria um equívoco ver o CIT como um mero apêndice do trabalho que fazíamos na Grã-Bretanha. O CIT tem uma identidade separada. Era impossível reproduzir exatamente a experiência dos marxistas britânicos em cada país da Europa Ocidental.
Houve discussões meticulosas constantes com companheiros de diferentes países para elaborar estratégias e táticas diferentes e variadas para melhorar o perfil, os números e a eficácia dos apoiadores e membros do CIT. Como explicado acima, mesmo quando estávamos restritos a uma pequena ilha da Grã-Bretanha, sempre tivemos uma visão internacional. Nunca tomamos uma posição puramente britânica, mas partíamos de uma análise internacional, só então examinávamos como a situação britânica se encaixava nela. Sempre estivemos interessados em contatos internacionais. Muitos dos contatos internacionais que fizemos pareceram ser puramente ‘acidentais’. Mas esses ‘acidentes’ estavam ligados às mudanças na situação objetiva, que afetavam a classe trabalhadora e suas organizações.
Construindo as seções
Irlanda
O forte crescimento de nossos contatos internacionais estava relacionado, no início dos anos 1970, às grandes mudanças que estavam em progresso nas massas e nas organizações tradicionais da classe trabalhadora. Mas a primeira ampliação de nossa influência veio da Irlanda.
Recrutamos um jovem estudante na Grã-Bretanha que depois voltou para a Irlanda do Norte no auge do explosivo movimento pelos direitos civis no final da década de 1960. Nós, então, fizemos contatos com uma nova geração da juventude, tanto católica como protestante, em volta do Partido Trabalhista da Irlanda do Norte da cidade de Derry. Fui convidado a visitar a Irlanda do Norte em 1969. Cheguei apenas uma semana antes dos eventos explosivos, quase revolucionários, de agosto de 1969 em Derry. Pude fazer contato e discutir como vários jovens socialistas naquele momento: John Throne, Bernadette Devlin (agora McAlliskey), Cathy Harkin (falecida), Gerry Lynch e vários outros.
Naquele momento, construímos uma posição importante entre a juventude católica e protestante através da Juventude Socialista de Derry. Depois, através de nosso trabalho na Universidade de Sussex, recrutamos Peter Hadden, que voltou para a Irlanda do Norte no início dos anos 1970, e teve um papel decisivo em nossa seção do norte e em toda a Irlanda nesse período. Depois dessas discussões, viajei para o sul e encontrei um grupo de jovens membros do Partido Trabalhista da Irlanda do Sul em Dublin. Infelizmente, muitos dos que se proclamavam marxistas não se encaixaram à tarefa de construir uma organização marxista poderosa. Todavia, nosso trabalho na Irlanda do Norte levou, posteriormente, ao estabelecimento de uma presença importante no sul, com o recrutamento de companheiros que se tornaram dirigentes da seção irlandesa, como Dermot Connolly e Joe Higgins, que é agora um membro do parlamento irlandês pelo Partido Socialista (SP).
União Internacional da Juventude Socialista
Naquele momento, trabalhamos não só com diferentes organizações da juventude na Europa, mas também na organização internacional da juventude socialdemocrata, a União Internacional da Juventude Socialista (IUSY). Confrontamos um grupo de jovens, mas extremamente cínicos e carreiristas, que foram preparados como futuros dirigentes dos partidos de massas socialdemocratas. Seu principal objetivo era ocupar os luxuosos escritórios e limusines dos ministérios em futuros governos socialdemocratas. Representamos um perigo mortal a eles. Comparados à burocracia trabalhista na Grã-Bretanha, eles eram de uma raça muito mais agressiva. Porém, nossos jovens companheiros, em toda reunião, não importa o quão perigosa ou chata fosse a tarefa de confrontar esses jovens carreiristas, se focavam em atrair valiosos lutadores potencialmente socialistas e revolucionários.
Fomos recompensados em 1972 quando dois de nossos companheiros, Peter Doyle e Andy Bevan, foram mandados para a conferência da Juventude Socialdemocrata na Suécia (SSU). Eles encontraram Arne Johansson e Anders Hjelm, que foram imediatamente reconhecidos como correligionários dos jovens socialistas britânicos. Arne comenta:
“A visita de dois representantes do Militant britânico veio na hora certa. Havia uma radicalização entre a Juventude Socialdemocrata na Suécia, com a crescente oposição à burocracia. Naquele momento éramos parte de uma crescente fração de esquerda dentro da Juventude Socialdemocrata. Ficamos bem conhecidos de todo mundo, pois mesmo um burocrata socialdemocrata nos falou dos jovens socialistas britânicos e disse que nossas ideias eram parecidas com as deles e que deveríamos ‘discutir com eles’. Fizemos isso durante o congresso e descobrimos que tínhamos muito em comum”.
“Estávamos concentrados na cidade de Umeå, no norte da Suécia, num grupo frouxo de discussão de esquerda marxista. Sem dúvida, se não encontrássemos o Militant naquele momento, essa organização iria se desintegrar completamente. Não éramos homogêneos politicamente. Nem estava pré-decidido que iríamos automaticamente nos afiliar ao Militant ou à organização que depois se tornou o CIT. De fato, os representantes do SUQI, na pessoa de Pierre Frank, fizeram esforços persistentes para nos ganhar. Ele viajou para Umeå para agendar uma reunião com nosso grupo de estudantes. Eu perguntei a ele se conhecia o Militant britânico. Sua resposta foi curta e grossa: ‘Eles são completamente impotentes!’”
“Roger Silverman, pelo Militant britânico, visitou a Suécia, engajou-se em discussões profundas conosco, e ajudou a nos consolidar nas posições políticas dos companheiros britânicos. Demos passos para organizar uma força marxista séria, mas ela era muito, muito pequena naquela etapa. Por outro lado, a Juventude Socialdemocrata sueca era uma grande organização e a burocracia aprendeu com a experiência da Grã-Bretanha. Ela, portanto, agiu muito rapidamente para nos expulsar do SSU, mas isso não significou que estávamos completamente barrados do partido – você poderia ser expulso do SSU e ainda ser membro da socialdemocracia. A ‘esquerda frouxa’ em Umeå se desintegrou, mas no entanto nós ganhamos alguns companheiros muito bons para nossa organização.”
“Sem dúvida, os anos 1980 foi um tempo difícil para os marxistas suecos e somente estabelecendo raízes firmes, junto com o contato internacional sério, foi possível sobreviver a esse período. Com efeito, não podíamos ter um trabalho efetivo dentro do SSU, já que nossas forças estavam do lado de fora e, subsequentemente, fora do Partido Social Democrata. Na criação de nossa organização, tivemos que combater não apenas o reformismo, mas as ideias falsas dos mandelistas na Suécia. Sua atitude consistia em afirmar que os estudantes revolucionários eram a nova vanguarda da classe trabalhadora e adotaram uma atitude extremamente sectária a qualquer um que não concordasse com eles. Apenas através de análises corretas da situação fomos capazes de sobreviver e fazer sérios progressos ao longo dos anos 1990.”
Alemanha
Tivemos uma situação parecida, mas com diferenças, na Alemanha. Eu conheci um companheiro na conferência da LPYS em 1971. Ele foi logo recrutado para nossa organização e, por sua vez, atraiu um setor de jovens que entraram em nossas fileiras. Mas se na Suécia nós chegamos bem na hora, como Arne comentou, esse talvez não foi o caso na Alemanha. Angela Banket comenta: “O CIT chegou um pouco tarde na Alemanha. A radicalização da juventude estava em curso e se canalizou na juventude da socialdemocracia, o Jusos. Infelizmente, não foi o marxismo genuíno, sob a forma de nossas ideias e organização, que interviu com sucesso nessa situação, mas sim organizações influenciadas pelo stalinismo”.
Em diferentes contextos históricos de crises agudas, de situação revolucionária ou pré-revolucionária, essa posição na Alemanha poderia ter sido crucial, como foi o caso em outros países no passado. Por exemplo, na Espanha nos anos 1930, os ‘trotskistas’ recusaram o conselho de Trotsky para entrar nas juventudes socialistas espanholas. Mas os stalinistas não eram tão ‘puros’. Eles entraram e ganharam, virtualmente, toda a juventude socialista, o que não só fortaleceu o Partido Comunista Espanhol, como resultou na perda da oportunidade para o trotskismo estabelecer uma base de massas. A consequência foi o isolamento dos trotskistas e a derrota da revolução espanhola. Angela comenta que: “Intervimos, com nossas pequenas forças, já quando a onda radical estava começando a retroceder. Todavia, havia uma audiência entusiasmada para nossas ideias. Em conferências regionais do Jusos e do partido, com, algumas vezes, trezentas pessoas presentes, nós conseguíamos frequentemente vender cerca de 150 jornais.”
Bélgica
A seção belga do CIT foi fundada em 1974, novamente por ‘acidente’. Roger Silverman estava voltando para a Grã-Bretanha e perdeu o barco da Bélgica para a Grã-Bretanha e foi, assim, obrigado a passa a noite lá. Ele procurou um contato de uma conferência da LPYS e desse encontro sui generis, um ativo grupo de jovens dentro da social democracia belga veio até nós e fori ganha politicamente para nossas ideias.
François Bliki, que participou na seção belga do CIT quase desde sua fundação, comenta:
“Se nós estivéssemos em contato com o CIT antes da década de 1970, não seria exagero dizer que agora seríamos a maior seção do conjunto do CIT, talvez excedendo os números da seção britânica. Houve efervescência e tremendos protestos dentro do movimento dos trabalhadores no início dos anos 1970. Isso se refletiu na socialdemocracia, com seu giro à esquerda, particularmente através da juventude. A maior corrente trotskista naquele momento circundava a organização de Ernest Mandel, que se recusou a entrar nesta luta dentro da socialdemocracia. Nós éramos muito jovens e inexperientes, mas, todavia, tivemos um grande impacto desde o início. Em 1986, organizamos um movimento de massas de 26 mil estudantes em 25 cidades diferentes da Bélgica. Foi organizado sob o nome de nossa organização, pois os Jovens Socialistas Belgas não nos deixariam usar seu nome. Tivemos ganhos significativos durante o trabalho que conduzimos dentro da social democracia.”
“De um ponto de vista histórico, esse trabalho era inteiramente justificado. Mas é claro que as condições mudaram, e o racha com o grupo de Grant em 1992 também foi sentido na Bélgica, com 32 companheiros permanecendo com a maioria e 30 com a minoria. Essa minoria apenas repetia as ideias do passado, que eram bastante adequadas para seu tempo, mas se tornaram completamente ultrapassadas pelas mudanças na situação. Enquanto eles estagnaram, nós tivemos um grande crescimento. Agora nós temos mais de cem e eles têm 20, companheiros com uma militância estagnada, bastante velha”.
“Em 1995, houve uma racha no grupo de Mandel com a ida dos melhores companheiros para nossa organização. Naquele momento, o IS (o grupo belga ligado ao SWP britânico) tinha 34 membros. Eles de fato se aproximaram do ex-grupo de Mandel, liderados por um companheiro que agora está conosco, mas não tinham razão maior para entrar nessa organização do que na nossa. Então, em 1997, num encontro nacional com 21 presentes, a direção baseada em Londres do SWP tentou impor sua linha internacional (apesar de não implementada na Grã-Bretanha), o que significava que os membros da IS belga deveriam entrar e se dissolver na socialdemocracia. Tudo contra um pano de fundo onde as condições para um trabalho dentro da socialdemocracia não existiam mais para uma tendência marxista séria. Nos aproximamos e tivemos discussões com 13 deles que votaram contra (foram a maioria) e, consequentemente, a maioria desses companheiros entrou na nossa organização. Foram os companheiros que deixaram o grupo de Mandel anteriormente, e que foram abordados pelo IS para entrarem em sua organização, que agora participaram no convencimento do IS belga para entrar em nossa organização.”
Abril de 1974 – CIT e Grécia
Em 1974 estava claro que amadureciam as condições para a iniciativa de se formar uma organização internacional estruturada. Grandes movimentos ocorriam por toda a Europa. O CIT foi fundado numa conferência em Londres em 20/21 de abril de 1974. Quatro dias depois, em 25 de abril, explodiu a revolução portuguesa e intervimos imediatamente. Levantes similares ocorreram na Grécia e no Chipre logo depois, e a ditadura de Franco estava em seus últimos suspiros.
A história de nossa Internacional é a de ideias, da tentativa de trabalhar a estratégia e táticas mais efetivas para a construção das forças do marxismo. Com uma pequena organização, a questão é sempre de concentrar todas, ou quase todas, as forças em um ‘ponto de ataque’. Para nós, naquele momento – no início da década de 1970 – o ponto era dentro das organizações de massas que ainda mantinham o apoio massivo do proletariado. Um dos casos foi a Grécia: projetamos a necessidade de trabalhar em organizações de massas mesmo antes que fossem criadas formalmente. Quase tão logo a junta militar foi derrubada na Grécia, em julho de 1974, nossa organização delineou a perspectiva para o desenvolvimento de um partido socialista de massas. Argumentamos que isso decorreria, inevitavelmente, da situação que se seguiu à superação da junta, que abriria as comportas para a participação política das massas.
A nova geração, em particular, estava buscando um caminho revolucionário, mas foi barrada pelos partidos que ainda eram adeptos do stalinismo. Identificamos a figura que provavelmente iria liderar tal partido – Andréas Papandreou, dirigente da ‘esquerda’ do partido liberal burguês, a União do Centro, antes do golpe militar, mas que logo virou um radicalizado adversário socialista da junta militar. E logo após seu retorno do exílio, em setembro de 1974, Papandreou deu passos para organizar um partido socialista, o PASOK, que rapidamente atraiu grandes setores da juventude e da classe trabalhadora, que buscavam uma alternativa revolucionária.
Só conseguimos intervir na Grécia porque houve mais um encontro ‘acidental’ com um companheiro grego na Grã-Bretanha. Eu estava discursando no encontro da LPYS no leste de Londres logo após a junta ter tomado o poder e um companheiro grego, um escritor que falava mal o inglês, imediatamente nos identificou como ‘trotskistas’. Esse companheiro participou na periferia de nossa organização por anos. Quando voltou para a Grécia em 1973 e tentou reentrar na Grã-Bretanha foi impedido pelas autoridades. Essa forte medida repressora contra ele acabou sendo bastante afortunada para nós. Ele estava lá quando a junta foi derrubada e imediatamente contatou um grupo de trotskistas que teve um papel heroico na luta contra a ditadura. Ele pediu que visitássemos a Grécia urgentemente, o que fizemos logo depois.
No final de 1974, reuni-me com esse e outro grupo, e os dois se filiaram ao CIT. O primeiro grupo era liderado por Nicos Redoundos. Nicos ainda tem papel vital no Xekinima, a nossa organização grega. Também ganhamos um grupo muito importante de jovens socialistas no Chipre. Os companheiros Doros e Andros continuaram em nossa organização e têm papel importante nela. Do grupo original que entrou para a organização, Andros está agora ativo na direção da organização grega. Conseguimos realizar a fusão de dois grupos na Grécia que, por um período, trabalharam com certo sucesso. Infelizmente, essa unidade não durou, mas, todavia, nossa organização atingiu, em certo momento, uma militância de 750. Além do mais, teve um papel bastante decisivo nos desdobramentos da esquerda no PASOK durante um período histórico muito importante. Agora o PASOK, ao lado de vários outros partidos tradicionais da Europa Ocidental, está no processo de abandono de sua base de classe e, portanto, a tarefa na Grécia é trabalhar como uma organização independente.
A Revolução Portuguesa
O CIT, desde seu nascimento, foi extremamente enérgico ao intervir em qualquer movimento sério dos trabalhadores. Por exemplo, logo que a revolução portuguesa estourou, tanto Bob Labi como Roger Silverman estavam nas ruas de Lisboa distribuindo material, saudando a revolução e destacando a perspectiva que considerávamos como a mais provável.
Para nós não era só a questão de ideias corretas, mas de ideias ligadas à ação e à intervenção. Uma abordagem similar e bem-sucedida foi adotada em relação à Espanha. Destacamos no ‘A ascensão do Militant’ a nossa intervenção na situação espanhola. O que normalmente não é compreendido é que houve várias tentativas de estabelecer contato com marxistas e revolucionários, mas esses contatos não tiveram sucesso até entrarmos em contato com forças sérias em 1974. Lynn Walsh, mais tarde, também foi mandado para ver se o CIT poderia achar contatos em Portugal. Valorizamos qualquer contato internacional como se fosse ouro e investimos na sua formação com a esperança que isso levaria a maiores possibilidades adiante.
Chamamos nossa organização internacional de ‘Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores’ por várias boas razões. Houve muitas ‘Internacionais’, todas afirmando que eram a ‘verdadeira’ Internacional. Não queremos seguir esse caminho. Por isso chamamos a organização de ‘Comitê’, apontando uma futura Internacional de massas. Usamos a expressão ‘dos Trabalhadores’ pelo desejo de enfatizar o papel central do proletariado, em distinção a outros que se baseiam no campesinato, nas ideias de guerrilha ou nos estudantes, como os ‘detonadores’ da revolução.
O Sri Lanka e a Índia
E não foi apenas na Europa, onde estava nossa principal base, que começamos a ter sucesso. Tínhamos um importante contato do Sri Lanka em Londres, que tinha ligação com uma grande oposição de esquerda que estava se desenvolvendo dentro do Partido Lanka Sama Samaja (LSSP). Esse era o maior partido trotskista do mundo, com uma grande tradição revolucionária, mas cuja direção estava caminhando em um sentido oportunista ao entrar em frentes populares com o Partido Libertador do Sri Lanka (SLFP) depois de 1964. Através desse companheiro cingalês, estabelecemos contato com essa organização liderada por Siritunga Jayasuriya (Siri), Vasudeva Nanayakkara (Vasu) e Vickremabahu Karunaratnee (Bahu). Dessa forma, Ted Grant fez uma visita ao Sri Lanka em 1976, o que levou a relações políticas próximas com esses companheiros.
Também fizemos uma visita à Índia, a um grupo mais solto de ‘marxistas’ que entraram em contato conosco. Eu visitei, posteriormente, o Sri Lanka em 1977 e a tendência liderada por Siri, Vasu e Bahu foi ganha para o CIT. Eles trouxeram consigo um grupo significativo de trabalhadores, na escala de centenas. Com efeito, todos os melhores dirigentes sindicais que estavam no LSSP foram para essa tendência que se constituiu, após ser formalmente expulsa do LSSP, como o Partido Nava Sama Samaja (NSSP).
Fiz também uma visita à Índia com Bahu depois de visitar o Sri Lanka em abril de 1977. As discussões que tivemos com um grupo de ‘marxistas’ em Bangalore provaram ser completamente inúteis. Esse era um agrupamento de pseudo-intelectuais sentados em suas poltronas, contemplando seus umbigos mais do que o próprio Buda. Nós, imediatamente, viramos as costas para eles, mas, felizmente, fizemos contatos com membros do antigo partido maoísta de massas, o Partido Comunista da Índia (Marxista) – CPI(M). Desses contatos tivemos discussões com trabalhadores excelentes e ativos nos sindicatos e no CPI(M), e estabelecemos a primeira base da nossa organização indiana. Roger Silverman, consequentemente, fez várias visitas à Índia e viveu um longo período no subcontinente.
A primeira escola internacional
Depois de dois anos de existência do CIT organizamos, em 1976, uma escola internacional na cidade de Ulm, na Alemanha Ocidental. Fizemos esforços espetaculares na Grã-Bretanha para ter o máximo de companheiros possíveis nessa escola. Compramos um ônibus velho e danificado para viajar para a escola. Esse antigo veículo passou pelo continente europeu, apesar da surpresa da população dos diferentes países por qual passou. No retorno à Grã-Bretanha, nós prontamente vendemos o ônibus.
O encontro em Ulm foi parte uma escola, parte uma conferência dos quadros que aproximamos em torno da bandeira do CIT. Além dos países mencionados antes, havia vários outros que tinham ligações frágeis ou grupos que estavam se aproximando do CIT. Um desses grupos era do Chipre, de companheiros que tiveram um papel-chave no momento da invasão turca da ilha em 1974 e tiveram uma participação heroica ao pegar em armas contra os invasores turcos junto com a organização juvenil do partido socialista, o EDEK.
Expulsos da social democracia
Embora na Grã-Bretanha tivéssemos um amplo trabalho dentro do Partido Trabalhista durante os anos 1970 e grande parte dos 1980, esse não foi o caso de muitos companheiros de outros países. As burocracias socialdemocratas nos países da Europa Ocidental aprenderam com a experiência da Grã-Bretanha. Rapidamente, na Espanha e na Suécia, nossos companheiros, quase tão logo formaram agrupamentos distintos e significativos, encararam no meio dos anos 1970 uma caça às bruxas e expulsões.
Isso não os impediu de ter uma participação importante nas lutas dos trabalhadores e da juventude em seus países. Na Grã-Bretanha, iniciamos com sucesso uma greve de estudantes secundaristas em 1985 contra os estágios de ‘experiência de trabalho’ mal-remunerados nas empresas – o que denunciamos como ‘trabalho escravo’ –, com 250 mil estudantes em greve. Baseando-se na experiência na Grã-Bretanha, a seção espanhola do CIT organizou um movimento de massas entre os estudantes secundaristas, envolvendo uma greve de milhões da jovens. Eles também fizeram um ótimo trabalho durante a Guerra do Golfo no início dos anos 1990. Nossa seção alemã e outras seções também realizaram trabalhos extremamente úteis naquele período.
Emissários pelo mundo afora
Mas não mandamos emissários das ideias do CIT somente para a Europa. Também fizemos intervenções determinadas na América Latina. No início dos anos 1980, enviamos companheiros como Paulina Ramirez, seu irmão Mattias e Tony Saunois para o Chile. Isso envolvia um grande perigo para esses companheiros, pois a ditadura de Pinochet ainda estava no poder. Foi feito um grande trabalho no Chile, onde foram fundadas as bases para a organização que temos hoje. Também encaminhamos um companheiro da seção espanhola para trabalhar na Argentina, o que não teve tanto sucesso.
Companheiros da Grã-Bretanha também, como Clare Doyle e Dave Campbell, interviram na antiga URSS em condições de extrema dificuldade no final dos anos 1980 e início dos anos 1990 para estabelecer as bases da organização que temos lá. Outros companheiros, como Steve Jolly, Robyn Hoyl e Paul True foram mandados para a Austrália, onde novamente um ótimo trabalho foi feito. Isso agora está dando frutos, com o crescimento bem-sucedido de nossa seção australiana.
Nossa política geral sempre foi trabalhar, onde for possível, em organizações de massas. Depois de, inicialmente, reunir os quadros, a tarefa era então desenvolver seções viáveis do CIT. Mas relacionado a isso estava também o melhor método de desenvolver os quadros iniciais e, juntamente, a direção das diferentes organizações nacionais do CIT. Liderança não é algo fácil de se obter; é uma arte que deve ser apreendida e que envolve, inevitavelmente, erros, particularmente nas direções jovens. Não há nada errado com isso – de fato é inevitável – principalmente nas questões táticas, mas o importante é aprender com os erros.
Campanha Internacional
Um componente vital do desenvolvimento do CIT foi a organização bem-sucedida de campanhas internacionais. Na questão da Espanha, por exemplo, antes de termos quadros iniciais, conduzimos uma campanha de solidariedade com os trabalhadores espanhóis em geral, mas, em particular, com os sindicatos e o partido socialista clandestinos, a UGT e o PSOE. Naquele momento, esse partido permanecia bem à esquerda do Partido Trabalhista da Grã-Bretanha e da socialdemocracia em geral. Essas campanhas eram importantes não somente por nos permitirem intervir na Espanha, mas também por aproximarem de nós figuras importantes dos sindicatos britânicos.
Em nossas discussões com os companheiros da Lutte Ouvrière, que estavam presentes na Escola Europeia de 1997, dissemos que apesar de termos trabalhado, com sucesso, nos sindicatos, essa não era a única forma de ganhar os trabalhadores. É possível ganhar trabalhadores muito bons, incluindo dirigentes de fábricas, por meio de trabalho não relacionado diretamente com a fábrica ou o setor em geral. Por exemplo, ganhamos Bill Mullins, dirigente sindical numa montadora com 12 mil trabalhadores em Birmingham, não através de uma questão sindical, mas através de uma campanha de solidariedade com os trabalhadores espanhóis. Depois de ganhá-lo para nossa organização, tivemos um trabalho bem-sucedido nessa fábrica nos assuntos sindicais. Depois, ele desempenhou um papel-chave na sua região e no trabalho sindical pelo país todo e hoje dirige todo nosso trabalho sindical.
Defendendo nossos companheiros
Também nos anos 1980 as diferentes seções nacionais do CIT cresceram em importância e estavam envolvidas em campanhas vitais de defesa de companheiros que foram presos em suas atividades. Em Israel/Palestina, o companheiro Mahmoud Masarwa foi detido e torturado, Femi Aborisade e outros companheiros na Nigéria foram detidos, companheiros sul-africanos foram detidos e alguns foram presos. Também nos envolvemos da direção de uma greve geral no Sri Lanka em 1980, que resultou na vitimização de milhares de trabalhadores. Assim, organizamos uma campanha de solidariedade efetiva com esses trabalhadores numa escala internacional.
Nigéria
Todo esse trabalho trouxe para nós alguns contatos muito importantes. Alguns foram ganhos em condições muito peculiares e improváveis. Por exemplo, a forte posição que temos na Nigéria hoje foi devido até certo ponto pela nossa participação no ‘Feira de Livros Negros’ de Londres. Um acadêmico nigeriano de visita a Londres acidentalmente se aproximou através de alguns livros e documentos nossos. Ele ficou bastante impressionado com as ideias contidas neles e os levou para a Nigéria. Isso teve um grande efeito em vários ativistas nigerianos que se consideravam marxistas, alguns deles ainda sob a influência do stalinismo, mas que ouviram falar de Trotsky, e que se aproximaram de nós para fazer discussões. Com isso, ganhamos a posição na Nigéria que temos no presente momento.
África do Sul
Semelhantemente, na África do Sul, um grupo de ativistas, alguns deles advogados e intelectuais que participaram da fundação dos primeiros sindicatos independentes de trabalhadores negros em 1973, foram contatados porque leram nossos documentos. Ficaram muito impressionados e alguns deixaram os empregos e se exilaram em Londres para discutirem conosco. Isso, por sua vez, levou a uma fase bastante bem-sucedida de intervenção nas lutas clandestinas na África do Sul, onde nossa organização foi considerada uma ‘tendência’ do Congresso Nacional Africano. Alguns dos materiais produzido em seu jornal, Inqaba ya Basebenzi, tinha um efeito poderoso na posição dos militantes que estavam lutando nas fábricas e na luta contra o regime do apartheid. Isso foi posteriormente confirmado no início dos anos 1990, quando o regime do apartheid começou a se desintegrar. Isso também levou os companheiros sul-africanos a intervirem no Zimbábue, o que deu origem à nossa seção zimbabuana.
Nos EUA, as visitas de Sean O’Torain e o trabalho de Alan Jones, que veio originalmente da Grécia, resultaram na construção da seção americana.
Esgotando as possibilidades
O trabalho em organizações de massas, era claro, estava esgotado no final dos anos 1980. Cada vez mais o trabalho de nossas diferentes seções nacionais ocorria por fora dessas organizações. Mas, como ocorre constantemente na história, não tiramos todas as conclusões necessárias no tempo que deveríamos. Eu coloquei essa questão no meu livro, ‘A ascensão Militant’, onde defendi que um trabalho independente e bem-sucedido sobre nossa própria bandeira seria possível na Grã-Bretanha já em 1985-86.
A perseguição aos marxistas e o posterior giro à direita dentro do Partido Trabalhista mudou completamente a situação. O processo começou quando o Partido Trabalhista britânico se separava cada vez mais de sua base na classe trabalhadora. Organizamos encontros de massas que tiveram 50 mil trabalhadores protestando contra as expulsões de nossos companheiros. Mas infelizmente, nós não oferecemos uma clara alternativa organizativa e política naquele momento. Pedimos para as pessoas entrarem no Militant, que ainda descrevíamos apenas como um jornal.
Não éramos um partido. O principal foco de nossa propaganda era contra as expulsões. Chamar as pessoas para militar ao redor do jornal, em lugar de militar num partido, não chegou a impactar na consciência dos que foram aos nossos encontros. Isso contrasta com nossa experiência desde que mudamos nosso nome para Partido Socialista da Grã-Bretanha. Duzentos e vinte trabalhadores concordaram em entrar no Partido Socialista Britânico ao longo das eleições gerais de 1997. O fato de estarmos agora formando um partido teve um efeito decisivo em nossas fileiras ao conscientizá-las das tarefas que estão postas, mas também ao atingir e ganhar trabalhadores que buscavam um partido como o nosso.
1992 – o trabalho independente
Como é bem-sabido, em 1992 houve um racha no Militante e no CIT. Não há tempo para entrar em todas as questões envolvidas nesse racha – fizemos isso em outro lugar. Mas está claro que a pequena minoria que saiu de nossas fileiras foi totalmente incapaz de encarar o novo período e as novas tarefas que estavam postas pelos desenvolvimentos no final da década de 1980 e início da de 1990. A decisão de conduzir um trabalho mais independente lançou as bases para os sucessos de nossa organização nos anos 1990. A iniciativa de construir a Juventude contra o Racismo na Europa (JRE) levou a grandes avanços, que detalhamos no ‘A ascensão do Militant’.
Mas, junto com o estabelecimento de seções nacionais independentes nós, desde 1994, lançamos abertamente o CIT como uma Internacional. Não teria sido possível fazer isso com sucesso no período anterior. A bagagem que trazíamos de nosso trabalho dentro das organizações de massas inevitavelmente levou-nos a disfarçar a verdadeira extensão de nossa organização internacional. Na verdade, quase todo o mundo sabia da existência do CIT. Foi constantemente apresentado pelas diferentes burocracias dos partidos socialdemocratas como ‘prova’ para justificar nossas expulsões. A burocracia sabia dela, nossos adversários da esquerda, particularmente os stalinistas, falavam abertamente sobre isso. Mas a classe trabalhadora, infelizmente, não tinha um completo conhecimento da existência do CIT. Agora, como uma organização mais independente, corrigimos isso.
Estabelecemos um trabalho e uma organização internacional mais independentes, talvez no momento histórico certo. Agora existe um grande vácuo no movimento dos trabalhadores. Basta olhar para o encontro de Malmö da chamada Segunda Internacional em 1997. Ela reuniu líderes socialdemocratas e banqueiros, que muitas vezes são a mesma coisa. Significativamente, a oposição a esse encontro, nas ruas das cercanias da conferência, foi organizada por nossa seção sueca.
Não há nenhuma Internacional stalinista de massas hoje, apenas fragmentos do stalinismo – alguns deles com certa importância – espalhados pelo mundo. Infelizmente, os companheiros do SUQI, em seu Congresso de 1995, abandonaram de fato a ideia da construção, nesse período, de partidos trotskistas de massa ou de uma Internacional trotskista revolucionária de massas. Acreditamos também que eles começaram a abandonar a ideia do partido como organização revolucionária, com centralismo democrático. É bem óbvio que não se pode ter um centralismo rígido em qualquer organização hoje. Mas apesar de termos que examinar cuidadosamente esta terminologia e mudá-la se necessário, todavia a ideia de uma Internacional unificada, de uma unidade revolucionária, é uma ideia que devemos defender, como também temos de defender e desenvolver a ideia da necessidade de criar partidos que garantam a vitória da classe trabalhadora.
Em outro nível, a greve dos portuários de Liverpool, na Grã-Bretanha, ii mostra a necessidade de ação internacional da classe trabalhadora como nunca antes na história. A batalha dos trabalhadores de ônibus dinamarqueses em 1995 também demonstrou a necessidade da classe trabalhadora ligar os sindicatos a nível internacional, como fizeram os motoristas hindus de Bangalore. Ao mesmo tempo, há uma grande necessidade, como mencionei antes, numa era da globalização, de não só ter uma abordagem geral internacional, mas também de criar organizações políticas de massas que estejam ligadas a uma verdadeira Internacional de massas.
Reunindo as forças revolucionárias
A questão é saber como construir uma Internacional. Temos um papel fundamental a desempenhar nesse processo. No passado, como mostrei, enviamos companheiros a diferentes países e continentes por todo o mundo, para estabelecer agrupamentos iniciais de marxistas genuínos. Se necessário, continuaremos a fazer isso. Mas uma nova Internacional de massas não se desenvolverá de forma linear. O processo envolverá fusões, rachas e reagrupamentos de forças revolucionárias genuínas nos planos nacional e internacional.
Nós temos sido bem-sucedidos nessa perspectiva. Desde o início, tentamos nos unir com organizações que não concordavam com tudo o que o CIT defendia. No Chipre, por exemplo, o grupo mencionado antes e que eventualmente entrou em nossa organização, após longas discussões, era um pouco heterogêneo. Muitos dos que continuaram com o CIT, e que tiveram um papel-chave na construção de uma seção muito importante no Chipre, estavam comprometidos, desde o início, com as perspectivas gerais e com o programa do CIT. Mas havia outros que poderiam ser descritos como ocupantes de uma posição de centrismo de esquerda, vacilando entre as ideias do CIT e as ideias centristas. Alguns deles ficaram de lado quando o grupo tornou-se mais sério, enquanto outros se tornaram genuínos revolucionários, com uma posição plenamente desenvolvida. Houve casos semelhantes no Sri Lanka. Embora o NSSP tenha se filiado ao CIT, os dirigentes dessa organização, particularmente Bahu, nunca concordaram completamente com as análises que fazíamos do stalinismo, dos eventos do antigo mundo colonial e semicolonial, da questão colonial etc. Embora uma colaboração bem-sucedida tenha continuado por um período, as diferenças nunca desapareceram, e foram um fator na saída do NSSP do CIT em 1989 (apesar de uma minoria muito importante, liderada por Siri, que tenha continuado no CIT).
Um exemplo mais recente de uma fusão foi na França. Renaud, da Esquerda Revolucionária (GR), a seção francesa do CIT, comenta: “Nós viemos para o CIT do SUQI. Surgimos da oposição política à direção da organização na França, a Liga Comunista Revolucionária (LCR). A partir de 1987, a sua política destacou a ‘autonomia’ dos movimentos. Toda iniciativa tomada por eles mesmos era chamada de sectária. Companheiros da direção do LCR chegaram até a dizer que vender jornal era sectário. A linha era que devíamos tentar intervir em ‘novos tipos’ de formas organizativas, de novas formações, por exemplo, nos progressos da questão ambiental e entre os ecologistas.”
“Havia, é claro, alguns pontos corretos naquilo que diziam. Nós nunca hesitamos em ajudar qualquer grupo do movimento dos trabalhadores, particularmente os que surgiram da esquerda, ou ambientalistas que se envolvem em lutas sérias etc. Mas o problema com a posição do SUQI era que ele nunca tentou colocar sua própria linha política, mas tentou adaptar seu programa, de maneira oportunista, aos líderes dessas ‘novas formações’. Por exemplo, quando um grupo de esquerda dentro do Partido Socialista (PS) lançou uma união dos estudantes secundaristas, o SUQI deliberadamente subestimou seu próprio papel e abriu mão de qualquer tentativa de ganhar esse grupo. Na realidade, a organização de juventude mandelista era maior que esse grupo. Criticamos a ideia de que nosso papel era de apenas ‘ajudar’ os líderes das organizações tradicionais da esquerda e não os desafiar politicamente.”
“No início não estava claro em nossas cabeças, mas queríamos construir a força do trotskismo numa organização aberta e combatente. Queríamos construir e recrutar para nosso partido, com nosso programa. Nosso choque com os mandelistas nessa questão foi o que moldou nossa tendência dentro de sua organização. Já tínhamos começado a publicar um jornal mesmo dentro da LCR. Ganhamos a maioria da Juventude Comunista Revolucionária (JCR – a organização da juventude da LCR) em 1989. Mas vocês verão que houve muitas mudanças em nossa linha política quando procuramos esclarecer nossa posição. Na organização madelista francesa há várias tendências, que são de fato frações. Na verdade, a LCR não é um partido, mas uma federação de frações”.
“Eles nos expulsaram em outubro de 1992, quando estávamos bem organizados, com um grupo de 50-60 jovens em nossa volta. Quando nos expulsaram fomos abordados por vários grupos. Creio que os companheiros ficariam atônitos com o número de grupos trotskistas pelo mundo, muitos deles bastante estranhos, para dizer o mínimo. Nós conhecemos, e encontramos, todos eles. Tínhamos ouvido falar do Militant, e nossa primeira impressão era um tipo de tendência de esquerda socialdemocrata, ‘trabalhista’ dentro do movimento socialdemocrata e trabalhista. Mas então tivemos a experiência da manifestação em Bruxelas, depois de um companheiro ter visto um cartaz na Irlanda.”
“Após a manifestação, nos aproximamos do CIT com o objetivo de lançar a JRE (Juventude contra o Racismo na Europa) na França. Num primeiro momento, pensamos que teríamos que entrar no CIT como condição para construir o JRE. Mas foi bom saber que não era assim e pudemos fundar nosso JRE. Achamos que isso foi um ótimo começo, que então levou a discussões políticas e eventualmente, a um nível amplo de concordância que resultou na nossa entrada no CIT.”
Murray Smith iii também foi um dos fundadores do GR na França e, no momento que teceu os seguintes comentários, era membro de nosso Secretariado Internacional. Murray diz:
”O SUQI e Mandel falharam completamente em compreender as mudanças na situação mundial. Chegamos à conclusão definitiva que essa organização era impossível de reformar após seu congresso de 1991. Então, como Renaud comentou, começamos a olhar para outras organizações. Não nos limitamos a isso, mas também desenvolvemos nossas ideias em oposição à LCR. Isso nos levou a entrar em contato com várias organizações, mais do que queríamos!”
“Um companheiro do JCR que não está mais conosco – rompeu de forma ruim, voltando para a LCR – foi num feriado para a Irlanda no verão de 1992 e comprou uma cópia do Militant irlandês numa banca. Assim, ficamos sabendo da manifestação antirracista da JRE em outubro de 1992. De fato, passamos anos dentro da LCR e do SUQI propondo iniciativas deste tipo e eles não se mexeram. Depois da manifestação de Bruxelas, tivemos muitas discussões com o CIT”.
“Para quê, de fato, serviram essas discussões? Primeiro, para acabar com qualquer equívoco de que estávamos lidando com ‘reformistas de esquerda’. Quando se aproxima de uma organização, você deve descobrir a natureza dessa organização. São marxistas? São reformistas? São sectários? São stalinistas? O segundo ponto é como essas pessoas analisam o que está ocorrendo no mundo? Quais são suas perspectivas? E, é claro e o que é vital, eles são competentes para construir organizações viáveis tanto em escala nacional quanto internacional? Durante as discussões, nos convencemos de que tanto o Militant quanto o CIT se encaixavam no critério que impomos para nós mesmos”.
“Há várias lições em relação à maneira como entramos no CIT e que serão úteis em experiências semelhantes no futuro. Eu não acho que fusões com outros grupos seja o principal caminho para construir uma Internacional. Creio que faremos isso trazendo novos setores para a ação, mas, também, a questão de trabalhar com outros grupos e de se fundir também pode ser colocada”.
“Na França, no momento, há certo recomposição na esquerda. Na minha opinião, há o início de rupturas nos três maiores grupos trotskistas – que foram formados nos anos 1960 –, com o nascimento de uma oposição na Lutte Ouvrière, por exemplo. E ao mesmo tempo, surgem correntes políticas bem definidas, até com seus próprios jornais, dentro do PCF (Partido Comunista Francês). Há, portanto, a possibilidade de fusões e reagrupamentos colocadas, junto com contribuições para nossa intervenção nas organizações de massas. Penso que questões semelhantes serão postas em outros lugares. Renaud disse no final de sua contribuição que, quando entramos no CIT, não éramos perfeitos – ainda não somos perfeitos. Creio que apreendemos muitas coisas com a Internacional e espero que também contribuamos para a Internacional.”
“Apenas uma palavra sobre o trabalho dentro das organizações tradicionais do passado. A seção francesa é uma das poucas da Internacional que nunca fez, realmente, trabalho de ‘entrismo’. Entramos na Internacional depois do CIT ter esgotado a tática de trabalho dentro das organizações de massas tradicionais. Eu imagino que, se tivéssemos entrado dez ou quinze anos antes, o que nós teríamos feito na França? Deixe-me colocar a questão de outra forma. A LCR com 1,5 mil membros, em 1968, e 3-4 mil, no meio dos anos 1970, poderia ter sido mais efetiva trabalhando dentro de uma das duas maiores organizações de massas da classe trabalhadora francesa? Centenas de trabalhadores entraram no Partido Comunista Francês na década posterior a 1968 e dezenas de milhares entraram no Partido Socialista. Agora, se a LCR tivesse decidido empregar a tática do CIT (dado o tamanho da LCR) e entrar no PCF – difícil, mas não impossível – ou no PS – fácil, mas não vantajoso – não seria possível que ela teria um maior impacto? Parece para mim que quando uma organização desse tamanho – e deste ponto de vista o tamanho é importante – pode manter um organização independente e ainda, ao mesmo tempo, trabalhar dentro com um braço numa organização de massas, esse seria o método mais eficaz”.
Lições do passado para o futuro
As principais forças do CIT virão dos novos setores do proletariado que apenas começaram a entrar em ação ou ainda não entraram na arena política. A tarefa de ganhar esses novos setores pode parecer mais árdua imediatamente que a ‘fácil’ tarefa de tentar agrupar deferentes organizações ‘revolucionárias’. Há, claro, companheiros excelentes em várias organizações de tradição diferente de nossa própria. Seria um erro não procurar a unidade revolucionária através de princípios com forças genuínas. Porém, temos que virar nossas costas para os fragmentos sectários que nunca serão capazes de construir forças marxistas genuínas de massas.
O início dos anos 1990 não foram os mais fáceis para nós ou para os marxistas revolucionários em geral. Mas tratamos de manter viva a linha revolucionária. Acreditamos que analisamos corretamente, em profundidade e de forma equilibrada, a situação objetiva da classe trabalhadora e de nossa organização, e estamos bem preparados para uma nova e mais favorável conjuntura. Apesar de não estarmos completamente fora dessa selva, o período mais difícil está, talvez, atrás de nós. Isso não significa que não teremos mais problemas, mas, ao mesmo tempo, haverá grandes oportunidades para o desenvolvimento de nossas organizações e do CIT se trabalharmos corretamente. Os sucessos do futuro irão ultrapassar largamente os que tivemos no passado. Devemos melhorar o nível político de nossos companheiros, desde a direção até os companheiros mais novos. Cada membro tem um papel vital a jogar no desenvolvimento do movimento revolucionário. Cada companheiro, como Trotsky comentou, carrega uma partícula da História em seus próprios ombros. Nós permanecemos nas melhores tradições revolucionárias de Marx, Engels, Lênin e Trotsky e nos sucessos dos movimentos revolucionários das últimas quatro ou cinco décadas. Um trabalhador que começa a militar hoje pode no futuro ganhar 10, 50 ou 100 colegas e preparar o terreno para o desenvolvimento de novos partidos de massas dos trabalhadores e de uma nova Internacional de massas dos trabalhadores.
Devemos aprender com as lições do passado. Houve muitas derrotas para o proletariado. Por não termos atingido ainda uma influência de massas, inevitavelmente haverá recuos e derrotas. Mas haverá vitórias também. E, entre derrotas e vitórias, essa nova geração aprenderá com as lições do passado e construirá uma organização que, desta vez, levará a classe trabalhadora para a vitória.
i Desde que escrevemos, a seção belga do CIT dobrou sua militância e aumentou significativamente sua influência entre os jovens e a classe trabalhadora.
ii Essa luta heroica ocorreu durante um ano (1996-1997) e evocou uma solidariedade e apoio fantásticos da classe trabalhadora britânica e internacional. Infelizmente, a greve foi derrotada. Os portuários continuaram demitidos. Mais uma vez, os dirigentes sindicais de direita, em particular o secretario geral do sindicato dos portuários, o Transport and General Workers’ Union, não fizeram nada para organizar a solidariedade necessária para garantir a vitória.
iii Murray Smith, que foi ativo na entrada do GR para o CIT, voltou posteriormente para a LCR e foi recompensado com uma posição no Comitê Nacional da organização. Isso é irônico, dadas as críticas anteriores de Murray Smith sobre o retorno de um companheiro para a LCR, Murray Smith disse que esse companheiro “rompeu de forma ruim!” Todavia, Murray Smith nunca notou sua inconsistência. Ele concordava com o SUQI em seu apoio ao IRA. Ele reconheceu para mim, quando entrou no CIT, que foi o autor do slogan, “Vitória ao IRA”, que eles usaram na Grã-Bretanha. Depois, Murray Smith se convenceu das análises e slogans do CIT sobre a Irlanda do Norte, mas quem vai saber o que ele defende hoje, e ainda mais no futuro!
Posfácio
A construção do CIT (1998-2004)
Nos anos que se seguiram à publicação do ‘History of the CWI’ (em inglês, 1998), as seções e militantes do CIT estiveram envolvidos em atividades num ritmo ainda mais intenso. Não é possível, no espaço aqui disponível, dar detalhes das atividades do CIT e de suas seções, mas um resumo das principais áreas de trabalho mostrará o amplo alcance e a importante influência do CIT.
O movimento antiglobalização e contra a guerra
Assim como pela retomada das lutas de classes em vários países, os anos recentes foram marcados pelo crescimento do movimento anticapitalista e antiglobalização e, é claro, pelo grande movimento de protesto contra a guerra e a ocupação imperialista do Iraque. O CIT analisou esses processos, a situação mundial após os ataques de 11/09 em Nova York e as agressivas políticas imperialistas de Bush, dando clareza aos nossos membros e apoiadores numa era de grande crescimento das contradições políticas. O CIT rejeitou o pessimismo generalizado de muitos da esquerda, que viram apenas uma máquina imperialista ‘imbatível’. Ao contrário, argumentamos que as invasões militares americanas só iriam deixar o mundo mais instável e perigoso e que significariam a criação de novos problemas para o imperialismo. Na verdade, o CIT alertou meses antes que o Iraque se tornaria um pântano para as forças de ocupação norte-americana e as demais, e que suas presenças no país levariam a uma ampla resistência iraquiana.
O amplo movimento antiglobalização representou uma radicalização dos jovens em protesto contra muitos dos resultados da globalização capitalista. Esse processo – um ressurgimento político depois dos retrocessos dos anos 1990 – foi previsto pelo CIT na última década (quando vários na esquerda internacional tinham desistido da capacidade da juventude e da classe trabalhadora em mudar a sociedade). Isso marca um passo à frente na retomada geral da luta de classes. É claro que esse processo ainda está numa etapa inicial. Mas o movimento antiglobalização e os protestos contra a guerra incluem aqueles atraídos pelas ideias genuínas do socialismo como a única alternativa viável ao sistema capitalista.
O CIT participou dos protestos antiglobalização, incluindo os de Londres, Seattle, Praga, Melbourne, Gotemburgo e Gênova, e apresentou nesses protestos um programa socialista. Em vários casos, os militantes do CIT tiveram um papel vital na organização e na condução desses protestos. Também encontramos uma recepção entusiasmada das ideias do CIT durante o Fórum Social Mundial de Porto Alegre e em Mumbai, na Índia. Para participar com sucesso, combinamos as forças do CIT no Brasil (2002 e 2003) e na Índia (2004) com as várias outras seções do CIT – uma ilustração prática do internacionalismo socialista.
Sem dúvida, o amplo sentimento antiglobalização ajudou no desenvolvimento dos protestos e debates contra a guerra, que começaram com as manifestações em 1999 contra a guerra das forças da OTAN contra a Sérvia, seguidas pelos protestos em 2001/2002 contra a invasão liderada pelos EUA ao Afeganistão e, claro, as enormes manifestações em oposição à guerra no Iraque, em 2003. Em vários países as seções do CIT tiveram um papel crucial nesses protestos. Militantes ajudaram a iniciar a ‘Juventude contra Guerra’ em vários países na Europa, na América do Norte, na Austrália e em outros lugares, o que levou as impressionantes greves escolares no início da guerra. Cerca de 20 mil estudantes marcharam na Alemanha. Milhares saíram das escolas em Londres. Na Irlanda do Norte, a ’Juventude Contra Guerra’ trouxe milhares de estudantes católicos e protestantes. O CIT nos EUA, Socialist Alternative, ajudou nos protestos universitários, como parte dos protestos que atingiram o país.
Batalhas sindicais
Os últimos anos também viram um ascenso nas lutas dos trabalhadores, especialmente na Europa. Muitas dessas lutas foram defensivas e em oposição aos cortes governamentais. Os militantes do CIT na Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte tiveram um papel importante na ajuda à greve dos bombeiros no ano de 2002. Através disso, o CIT aumentou sua influência neste importante sindicato. Dirigentes do FBU, o sindicato dos bombeiros, entraram no Partido Socialista da Irlanda do Norte.
A seção alemã do CIT, contra o desejo dos dirigentes sindicais, foi ativa na campanha bem-sucedida de protestos de massas contra os enormes ataques de Schroeder aos trabalhadores. Isso levou a grandes manifestações em 1º de novembro de 2003. Em 2003, os militantes franceses do CIT, ativos no sindicato dos professores, tiveram um papel de liderança na ofensiva dos trabalhadores contra os pacotes de cortes do Primeiro Ministro Raffarin. A onda de greve de 2003 na Áustria impulsionou a ‘Plataforma por Sindicatos Democráticos e de Luta’, uma rede de ativistas sindicais, iniciada pelos militantes do CIT, que resiste aos cortes e ao bloco dos dirigentes sindicais de direita.
Os membros do CIT também estão envolvidos em importantes lutas ofensivas para conseguir melhores condições e direitos, como a bem-sucedida batalha por melhores salários dos assistentes dos professores nas salas de aula na Irlanda no Norte, e a recente luta dos trabalhadores das creches na Escócia. Agora, o CIT tem uma influência importante em vários sindicatos na Grã-Bretanha e na Irlanda. Dezoito militantes do CIT então nas executivas nacionais dos sindicatos britânicos. Janice Godridge, presidente do PCS, sindicato de servidores públicos, é membro do CIT, assim como Chris Baugh, vice secretário geral do PCS, que é o principal sindicato dos servidores civis.
O presidente do principal sindicato do setor público na Irlanda do Norte, o NIPSA, é Carmel Gates, militante do CIT, e outros membros do Partido Socialista estão na direção do NIPSA. Por um tempo, o Partido Socialista na Irlanda também ocupou a posição de presidência do CWU (sindicato de comunicação) na Irlanda do Sul.
A atividade sindical é crucial para o CIT no mundo neocolonial, do Chile à Caxemira. Os militantes do CIT exercem um papel importante, por exemplo, no sindicato dos professores no Brasil, e está envolvido na recomposição das organizações dos trabalhadores na situação complicada da antiga União Soviética (inclusive na Rússia e no Cazaquistão).
Campanhas antirracistas
Não é apenas nas condições do ‘Terceiro Mundo’ que a luta pela construção de organizações dos trabalhadores por direitos sindicais básicos e pelo fim dos baixos salários precisa ser conduzida. Em junho de 2004, na Austrália, uma campanha pelos direitos dos jovens trabalhadores, ‘Unite!’, construída pelos militantes do CIT, forçou a gerência da livraria multinacional ‘Borders’ a concordar com a melhora das condições de seus trabalhadores jovens.
Tanto nas palavras quanto na ação, o CIT permaneceu do lado das mulheres, dos jovens e dos pobres, e, em particular, das minorias oprimidas. O trabalho bem-sucedido entre os imigrantes pela seção grega do CIT resultou na entrada de vários ativistas imigrantes no partido. Sozialistische Linkspartei, o CIT na Áustria, esteve na linha de frente do ‘movimento de resistência’ em 2001, que protestou contra a inclusão da direita populista, FPÖ (‘Partido da Liberdade’), no governo nacional de coalizão.
Os companheiros australianos foram ativos na campanha contra as cruéis e desumanas políticas anti-imigrantes do governo liberal de John Howard. Isso incluiu a ajuda na organização de protestos no lado de fora dos centros de detenção de imigrantes no deserto. O Partido Socialista (Inglaterra e País de Gales), e o JRE (Juventude contra o Racismo na Europa), organizou campanhas consistentes contra as políticas anti-imigrantes do governo do ‘Novo Trabalhismo’ e também contra a extrema-direita racista e a direita populista. A campanha ‘Blokbuster’ na Bélgica, iniciada pelo CIT, esteve na frente nos protestos contra a extrema-direita populista Vlaams Blok. O CIT holandês, Offensief, organizou vivos contingentes, em 2004, durante as grandes manifestações de protesto contra os planos do governo da coalizão de direita na Holanda de forçar o ‘retorno’ de milhares de refugiados para zonas de guerras, extremamente pobres, correndo riscos mortais.
Trabalhando com outras forças de esquerda
Além de construir suas próprias forças, o CIT está preparado para trabalhar com outras organizações de esquerda, inclusive em eleições, onde isso for possível e onde for interessante para a classe trabalhadora. Durante as eleições municipais alemãs de junho de 2004, um militante do CIT, Sozialistische Alternative (SAV), conquistou um mandato de vereador em Rostock, sendo parte de uma lista eleitoral de esquerda que incluía membros de fora da SAV. A Sozialistische Alternative está também trabalhando na associação ‘Alternativa Eleitoral Trabalho e Justiça Social’, que tem com objetivo se tornar em um novo partido. Os militantes da SAV irão trabalhar para que isso deslanche, apresentando uma alternativa socialista ao SPD (socialdemocracia). No Brasil, a seção do CIT fazia parte do PT, mas deixou o partido, depois que este assumiu o poder e avançou nos ataques neoliberais à classe trabalhadora. A seção brasileira está atualmente colaborando, junto com outras forças de esquerda, no recém lançado PSOL (‘Partido Socialismo e Liberdade’) com o objetivo de criar uma alternativa trotskista socialista de massas ao PT de Lula.
Na Escócia, Holanda e Portugal, o CIT participa em formações amplas de esquerda, enquanto levanta a bandeira do marxismo. Após a saída dos antigos membros do CIT na Escócia, em 2003, para formar a maioria da direção do Partido Socialista Escocês (SSP) – abandonando, no caminho, o trotskismo e o objetivo de construir um partido marxista –, o CIT na Escócia (International Socialists) está ganhando novos membros, tanto de dentro quanto de fora do SSP. O CIT apresenta no SSP um programa baseado no marxismo, e está na linha de frente da oposição às crescentes políticas reformistas e nacionalistas de esquerda da direção do SSP. O CIT holandês, Offensief, ganhou membros do Partido Socialista (um partido amplo de esquerda) defendendo as ideias marxistas dentro do partido. Em 2003, os militantes do Offensief, e outros ativistas do PS, organizaram-se para forçar os dirigentes do PS a chamar um encontro especial em Amsterdã para discutir a limitada democracia interna no PS e as políticas reformistas de esquerda do partido. Isso levou a um ataque aos militantes do Offensief pela direção do PS de Amsterdã. Porém, no ano seguinte, foram ganhos novos apoiadores do Offensief dentro do PS, inclusive um vereador, que levou outros vereadores, na cidade de Breda, a apoiar o Offensief.
A Alternativa Socialista, em Portugal, participa do Bloco de Esquerda e os membros do CIT estão na direção nacional do Bloco. Novamente, a tarefa dos marxistas numa formação ampla como o Bloco de Esquerda é promover um programa e uma ação socialista audaciosos que possam ganhar o apoio da classe trabalhadora e da juventude.
O CIT também luta consistentemente junto com as comunidades locais da classe trabalhadora. Os socialistas na República Tcheca, no Socialisticka Alternativa Budoucnost (CIT), trabalham com as organizações de moradores em Praga na luta para barrar a privatização de suas casas. Uma campanha contra a terrível taxa do lixo, na Irlanda do Sul, atingiu o auge em 2003, quando os governos municipais tentaram implementar taxas injustas nas áreas da classe trabalhadora em Dublin. O Partido Socialista (CIT) estava na frente da oposição de massas da comunidade a essa taxa, ajudando a organizar manifestações para parar as operações dos garis. Ao mesmo tempo, a campanha fez um apelo aos trabalhadores dos municípios para se engajarem na luta. Mantendo esse princípio, os manifestantes contra a taxa do lixo foram para o tribunal e alguns foram presos, inclusive Joe Higgins, membro do parlamento pelo Partido Socialista de Dublin West, e Clare Daly, vereadora por Dublin North, e outros jovens e corajosos ativistas comunitários, entre eles membros do Partido Socialista. Por lutar pelos interesses dos trabalhadores, Clare Daly foi reeleita vereadora em junho de 2004, e Joe Higgins teve uma votação excelente, no mesmo mês, quando disputou o parlamento europeu.
Fortalecendo o CIT
Desde 1998, o CIT se fortaleceu, reconstruiu seções e grupos, e também surgiu em novas áreas do mundo.
Um dos eventos mais impressionantes ocorre na Bélgica onde, através de campanhas audaciosas e determinadas entre a juventude, em sindicatos e nas eleições, os companheiros construíram uma presença significativa tanto na parte do país de fala flamenca quanto na francesa. A seção conseguiu 20 mil votos durante as eleições europeias em 2004. Da mesma forma, o CIT na Suécia produz um jornal semanal e está envolvido em todas as principais lutas na sociedade, como a greve dos trabalhadores municipais em 2003. A seção foi uma das forças principais por trás dos protestos anticapitalistas em Gotemburgo em 2001, lutou pelos direitos das mulheres, e também fez campanha contra a extrema-direita (enfrentado ataques físicos no processo).
A segunda maior seção do CIT, depois do PS na Inglaterra e País de Gales, é Movimento Socialista Democrático (DSM) na Nigéria. Esse sucesso se deu depois de uma mudança significativa no país, a queda da última ditadura militar. Por anos, os companheiros do DSM trabalharam sob repressão militar, e ganharam influência e respeito por sua abordagem de classe entre os pobres, trabalhadores e estudantes. Após o fim do regime militar, em 1998, o DSM foi lançado como uma organização aberta. O novo período ‘democrático’ de regime civil viu o DSM responder com audácia e iniciativa, e o crescimento da seção foi rápido depois de 1999. A seção é um componente importante do amplo e radical Nigerian Conscience Party (NCP) e tem autoridade entre os trabalhadores organizados, especialmente em Lagos. Os companheiros nigerianos do CIT defendem a ação militante, inclusive de greves gerais bem preparadas, para resistir aos ataques do governo, como os aumentos do preço do petróleo. A seção também alertou contra o enfraquecimento dos líderes dos trabalhadores e dos dirigentes do NCP frente à elite capitalista – apenas a construção de organizações de trabalhadores de massas e independentes, com um programa socialista, pode mostrar uma saída para a pobreza, a corrupção, e às divisões em linhas tribais, étnicas e religiosas.
Também no mundo neocolonial, o Partido Socialista Unificado (USP), no Sri Lanka, está reconstruindo as ricas tradições do genuíno trotskismo na ilha. Único entre a esquerda, o USP contém membros tanto de origem cingalesa como tâmil da população e vem ganhando apoio de amplas comunidades durante as eleições.
O CIT nos EUA, Alternativa Socialista, está agora presente em cidades e todo esse país de escala continental. É dada uma grande prioridade em ganhar a juventude, nas universidades e nas comunidades. A Alternativa Socialista participou do embrionário ‘Partido Trabalhista’ até ele se tornar um mero grupo de pressão sobre o partido democrata dos grandes empresários. Durante as disputas eleitorais presidenciais de 2000 e 2004, a Alternativa Socialista chamou voto em Ralph Nader. Apesar das políticas radicais limitadas de Nader, ele atraiu muitos jovens e trabalhadores que buscavam uma alternativa aos dois partidos das grandes empresas. Durante as reuniões dos apoiadores de Nader, os companheiros do CIT apresentaram uma posição socialista, argumentando que apenas isso pode construir uma alternativa de massas viável. A recente campanha antirracista e antifascista feita pelo CIT em Toronto também está ajudando a ampliar a influência desse grupo no Canadá.
Em alguns países a situação política esteve relativamente ‘dormente’ por anos, mas quando a classe trabalhadora e a juventude acordarem, o CIT responderá. O CIT no Japão participou das grandes manifestações contra a guerra em 2003 e defendeu uma posição socialista contra as aventuras militares estrangeiras no Iraque. Os militantes do CIT no Chipre encontraram uma resposta calorosa para seu chamado pela unidade da classe trabalhadora e por uma solução socialista para a divisão na ilha. Os apoiadores do CIT na Espanha e no Caribe, por exemplo, participaram dos movimentos contra a guerra e o governo em 2003/2004, e estão envolvidos na luta pela construção de sindicatos combatentes e democráticos.
Novas seções
A seção em Israel, Maavak Sozialisti, foi criada oficialmente em 1999. Ela defende a unidade dos trabalhadores contra os patrões e o governo de Sharon, e dá apoio e assistência importantes para as lutas dos trabalhadores em Israel. Os companheiros do Maavak Sozialisti também apoiam o direito de autodeterminação dos palestinos, e defendem uma Palestina socialista e independente junto com uma Israel socialista, como parte de uma confederação socialista da região.
O CIT agora também trabalha na situação de extrema dificuldade da Caxemira, um país dividido e ocupado, e que sofre repressão, pobreza e desemprego terríveis. E, sob esse contexto, os militantes do CIT ajudaram a organizar as manifestações do Primeiro de Maio chamando a unidade dos trabalhadores.
Novos grupos do CIT se estabeleceram na Nova Zelândia (2003), Polônia (2004) e Itália (2004). Convencidos de que o CIT é a melhor força trotskista internacional, esses companheiros estão ansiosos para construir uma seção nesses países.
Os últimos anos viram também o ressurgimento das atividades do CIT na África do Sul, através do Movimento Socialista Democrático (DSM). O fim do apartheid foi um enorme passo para os negros, mas a chegada ao poder do governo do Congresso Nacional Africano com um programa neoliberal provocou apreensão e mesmo desilusão entre muitos na esquerda. Isso inclui alguns antigos apoiadores do CIT, que concluíram que a globalização e o capitalismo eram sistemas imbatíveis e que os socialistas podiam fazer pouca coisa para mudar. O CIT, no entanto, apontou os limites da globalização e a necessidade da classe trabalhadora organizar uma mudança consciente na sociedade (argumentos que são, cada vez mais, aceitos por vários jovens e trabalhadores na África do Sul e internacionalmente). Armado com um sólido programa, o DSM está reconstruindo suas forças na África do Sul, e ajuda a liderar as lutas contra a privatização nas favelas e contra as crescentes taxas nas universidades. A experiência ruim de vida sob os governos pró-capitalistas do CNA significa que o chamado do DSM por um novo partido de massas dos trabalhadores está se tornando mais popular entre as massas.
Um fator importante no sucesso do estabelecimento do CIT em novas partes do mundo é o papel dos nossos websites. O principal site do CIT (socialistworld.net) e o site de arquivo do CIT (marxist.net) são meios vitais para divulgar as ideias trotskistas internacionalmente. Junto com o socialistworld.net (que é amplamente visto internacionalmente como um dos melhores sites da esquerda), os sites de várias seções nacionais do CIT estão trazendo novas forças para o CIT. Claramente, o trotskismo na internet é um valioso complemento aos jornais, panfletos e livros do CIT e de suas seções.
O CIT também construiu novas forças em países onde antes esteve envolvido em debates necessários que levaram alguns membros a deixarem nossas fileiras e o marxismo. Após nosso rompimento com os dirigentes cada vez mais reformistas do Partido Trabalhista do Paquistão (LPP) em 1998, o CIT se reorganizou como o ‘Partido Socialista Unificado’. Isso melhorou a posição do CIT no Paquistão, especialmente na opinião de muitos ativistas da esquerda, que estavam cheios da corrupção e entreguismo de seus ‘dirigentes’. Em 2003, outros socialistas da esquerda revolucionária no Paquistão entraram no CIT, para formar o ‘Movimento Socialista’. Com a influência dos grupos recém-estabelecidos nos sindicatos e entre as comunidades, e aliado a um programa e políticas corretos, o CIT está agora prestes a fazer progressos significativos no Paquistão.
A seção francesa do CIT, Esquerda Revolucionária (GR), surgiu dos debates dentro do grupo francês do CIT durante muitos anos. Depois de um tempo, alguns antigos membros voltaram para a LCR mandelista, e rapidamente se dissolveram dentro da esquerda reformista. Os companheiros do GR, em contraste, construíram uma base importante para o trotskismo revolucionário nas cidades do norte da França, como Rouen, e em outras partes do país. A seção tem importantes pontos de apoio nos sindicatos dos professores e entre a juventude. Já em 2004, um membro do GR que fez parte da lista de candidatos da LCR/LO nas eleições locais, e apresentando o programa do GR, teve uma votação respeitável.
As ideias duráveis e relevantes do trotskismo
O fato de que o CIT não só manteve uma presença na antiga União Soviética, mas também aumentou seus apoios por toda a CEI, na Rússia, Cazaquistão, Ucrânia e Moldova, e está atualmente ganhando novos apoiadores nas repúblicas da Ásia Central, é um testemunho da durabilidade e relevância das ideias do trotskismo na terra da revolução socialista de 1917. As condições na CEI (’Comunidade dos Estados Independentes’) pioraram visivelmente desde o colapso do stalinismo e a restauração do capitalismo, levando a uma queda na expectativa de vida. A classe trabalhadora sofreu grandes derrotas e está, fundamentalmente, na etapa de recomposição de suas organizações independentes. Porém, apesar desses fatores, e da onda de ataques da classe dominante ao bolchevismo e ao marxismo, o CIT tratou de construir uma presença importante na CEI. As campanhas da juventude, sindicais e contra a guerra (inclusive contra o atual conflito tchetcheno) melhoraram a imagem do CIT e trouxeram novos militantes da classe trabalhadora e da juventude para suas fileiras. Além do mais, o CIT teve que resistir aos altos níveis de corrupção e oportunismo no movimento dos trabalhadores, e sustentar a posição principista do marxismo. Nenhuma outra força trotskista, sem mencionar as organizações da esquerda em geral, apresentou o mesmo sucesso na antiga União Soviética.
Na verdade, nenhuma outra organização trotskista tem a mesma presença internacional que o CIT. É claro que o CIT é ainda uma força relativamente pequena e a tarefa a ser feita para a transformação socialista da sociedade é enorme. Todavia, armada com as ideias e tradições ricas do marxismo e do trotskismo, a militância do CIT não se intimida com o caminho que tem pela frente. Ao contrário, o CIT está ansioso para cumprir sua parte na criação de fortes organizações da classe trabalhadora e de uma nova internacional de massas dos trabalhadores, que podem começar a expurgar o mundo do capitalismo e todos os seus horrores de uma vez por todas.
Para mais informações sobre qualquer assunto mencionado acima, e para acompanhar as campanhas e atividades do CIT, visite nosso site: www.socialistworld.net
Glossário dos partidos e organizações
Associação Internacional dos Trabalhadores (Primeira Internacional) – Fundada em 1864, com Marx e Engels como líderes centrais; organizou vários trabalhadores na Europa e na América do Norte; enfrentou uma forte repressão depois da Comuna de Paris em 1871; entrou em declínio e se dissolveu em 1876.
Comintern (Terceira Internacional ou Internacional Comunista) – Fundada em 1919 como partido revolucionário mundial; sob Stalin tornou-se um instrumento contrarrevolucionário da política externa e depois dos interesses da casta dominante privilegiada na Rússia; foi dissolvida em 1943.
Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores (CIT) – organização trotskista internacional, com organizações e partidos afiliados em mais de 35 países.
Democracia Socialista (DS) – seção brasileira do SUQI (veja também “Quarta Internacional”)
International Socialists (IS) – seção do CIT na Escócia.
International Socialist Movement (ISM) – Direção majoritária agrupada no Partido Socialista Escocês (veja abaixo), que deixou o CIT no início de 2001.
Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT) – tendência ‘morenista’, baseada principalmente na América Latina.
Liga Comunista Revolucionária (LCR) – seção do SUQI na França.
Linksruck – tendência da TSI/SWP na Alemanha.
Lutte Ouvrière (LO) – um partido trotskista na França.
Quarta Internacional – Estabelecida por Trotsky e parceiros em 1938 como a sucessora revolucionária da Segunda e da Terceira Internacional; porém, depois da morte de Trotsky e do fim da Segunda Guerra Mundial, a Quarta Internacional degenerou e rachou, sob a liderança de Mandel, Pablo, J. P. Cannon e cia.
Partito della Rifondazione Communiste (PRC) – partido de esquerda na Itália, formado em 1991 a partir do racha do antigo Partido Comunista Italiano.
PSOL – Partido brasileiro, que foi formado em 2004 pelos membros expulsos do PT e outros, inclusive grupos trotskistas.
Partido Socialista Escocês (SSP) – partido amplo de esquerda formado no final dos anos 90.
Respect Unity Coalition (’Respect’) – agrupamento eleitoral na Grã-Bretanha, dominado pelo SWP e pelo parlamentar expulso George Galloway.
Secretariado Unificado da Quarta Internacional (SUQI – ‘Quarta Internacional’) – tendência internacional liderada por Mandel durante um longo tempo.
Tendência Socialista Internacional (TSI) – agrupamento internacional estabelecido por Tony Cliff; dominado por sua seção britânica, o Socialist Workers’ Party (SWP).
Unidade Internacional dos Trabalhadores (UIT) – Organização formada em 1995 a partir de rupturas da LIT.