Irã: um levante contra a ditadura
Após um ano de greves e protestos de operários, professores e aposentados, manifestações massivas eclodiram em 28 de dezembro em Mashhad, a segunda maior cidade do Irã. O que se iniciou como um protesto local contra o aumento nos preços de alimentos e combustíveis se tornou rapidamente um levante nacional contra a República Islâmica.
No dia seguinte (29) os protestos tinham se espalhado para outras cidades, incluindo Rohjelat, leste do Curdistão. Os confrontos entre manifestantes curdos e a milícia Basij continuaram no dia 1º de janeiro em Kermanshah.
Em Teerã, as palavras de ordem ecoavam contra o regime, como “Morte a Khamenei”, “Morte a Rouhani” – o supremo líder religioso e o presidente – e “Morte à ditadura”, e agora são repetidas por todo o país.
Polícia e forças de segurança foram enviadas para retomar o controle, sem sucesso.
A declaração da milícia Basij, de que “não deixaremos o país ser prejudicado”, foi seguida por centenas de prisões. Nos dois primeiros dias, duzentas pessoas tinham sido presas, mas os protestos continuaram a crescer.
O regime respondeu fechando o acesso à internet e rede de celulares para dificultar a divulgação dos protestos.
Está claro que o que está acontecendo no Irã não é somente uma repetição de protestos anteriores. As manifestações são mais militantes e determinadas. Os protestos se espalharam mais rapidamente e o caráter político é mais nítido. Há um cheiro da revolução de 1979.
Depois de cinco dias de protestos, o levante se espalhou para mais de cem cidades em grande parte do país, incluindo a cidade sagrada de Qom.
Num videoclipe no Youtube de 1º de janeiro uma mulher é entrevistada na manifestação, chamando a juventude a se levantar e se juntar ativamente aos protestos: “Abaixo o regime dos mulás! Estou preparada para enfrentá-los, não temo mais nada”.
Dezenas de milhares tomaram as ruas ao redor do país. Prédios do governo foram ocupados e postos policiais foram incendiados.
Policiais que tentaram conter as manifestações foram atacados. Motocicletas da polícia foram incendiadas e os policiais perseguidos pelas ruas por manifestantes. Pelo menos um policial e um membro da milícia Basij foram mortos nos confrontos. No dia 31 de dezembro os protestos tinham se espalhado para o Baluchistão, com uma população de 5 milhões.
Em Kermanshah (no Curdistão) os manifestantes desafiaram os canhões de jato de água, gás lacrimogêneo e balas reais.
Rouhani se pronunciou dizendo que “a nação vai lidar com aqueles que insultam a santidade da revolução e seus valores” e o ministro Rahmani comentou na TV estatal que “quem viola as leis e danifica propriedade pública vai pagar por isso”.
Depois de cinco dias de protestos, foi confirmada a morte de 24 pessoas. Pelo menos outras 400 estão presas.
Dois manifestantes foram mortos por policiais em Doroud, quando a polícia abriu fogo para dispersar manifestantes que tentaram ocupar um prédio do governo local.
Em vários lugares houve confrontos entre manifestantes e policiais, onde a polícia foi forçada pela multidão a recuar.
Na universidade de Teerã, manifestantes gritavam “Morte à ditatura” e entraram em confronto com forças de segurança.
O pano de fundo dos protestos é a pobreza, desemprego, aumento dos preços e fim dos subsídios. O preço do combustível subiu 50%, e ovos e frango em 40%. Metade dos 80 milhões de habitantes do Irã vive abaixo da linha da pobreza. Vinte e um milhões de pessoas vivem em favelas que carecem de sistemas de saúde e outros serviços públicos. Sete milhões de crianças estão no trabalho infantil.
O desemprego entre a juventude chega aos 40%, num país onde grande proporção dos habitantes tem menos de 30 anos.
Há ainda uma grande raiva contra o fato de que jovens iranianos são enviados para lutar no Iraque e Síria, enquanto suas famílias passam fome em casa.
Os protestos continuam por todo o país e se tornaram os maiores desde a insurgência de 2009, que foi reprimida violentamente pelas forças armadas da Republica Islâmica. Há muitas diferenças com os protestos de 2009, quando foi principalmente a classe média e a juventude que protestaram, enquanto a classe trabalhadora esperava para ver o resultado. Naquele momento a luta era vista como um conflito entre duas alas rivais do regime, os reformistas e os conservadores. Hoje a classe trabalhadora cumpre um papel ativo, mesmo que em nível individual e ainda não coletivamente.
Mulheres cumprem um papel decisivo nos protestos e cada vez mais conseguem desafiar as duras leis do véu, o que mostra que o medo do regime gradualmente começa a se dissipar. 46% das jovens mulheres da faixa dos 15 aos 24 anos estão desempregadas, e aquelas que têm emprego são as mais maltratadas pelos empregadores.
Em 2015, 37 mil meninas com menos de 15 anos foram casadas pelos pais, principalmente na zona rural. O principal fator é econômico. 75% dessas meninas abandonaram os estudos.
Algumas das palavras de ordem nos contingentes de mulheres nas manifestações eram “Hussain, Hussain é seu lema, mas o estupro é o que honram” (Hussain é um dos principais líderes religiosos dos xiitas) e “As famílias vivem na pobreza, mas os mulás como deuses”.
Com o aumento das prisões, as manifestações vêm incorporado a demanda “Liberdade aos presos políticos”.
Para que o movimento progrida, as melhores experiências da Revolução de 1979 devem ser utilizadas, assim como as lições das revoluções da Tunísia e do Egito em 2011, e as novas experiências adquiridas na luta atual.
O Irã é um país chave no Oriente Médio. É a segunda maior economia no Oriente Médio e África do Norte, depois da Arábia Saudita, e a segunda maior população, depois do Egito.
A classe trabalhadora deve tomar a liderança do movimento, não apenas se tornar parte dele. Comitês devem ser estabelecidos nos locais de trabalho e nos bairros, e se ligarem em todo o país. O movimento de protestos deve se desdobrar em uma revolução. No primeiro momento se trata de ganhar o controle das ruas, mas um regime como o da República Islâmica não vai sumir por causa de marchas. A classe trabalhadora tem que assumir o controle dos locais de trabalho e dos bairros, construindo sua própria força de autodefesa. Uma lição fundamental do Egito é a necessidade de desmantelar o aparato militar e julgar os responsáveis.
Ativistas socialistas e sindicais tem que intervir no movimento, dando uma direção política que se volta contra o regime como um todo, ligando as demandas sociais por emprego e salário a um programa de ação para derrubar o regime capitalista e islâmico atual, estabelecendo um governo genuíno do povo, que garanta direitos democráticos a todos, incluindo as minorias, dando apoio ao direito à independência dos territórios ocupados de Curdistão e Baluchistão, se a população assim desejar.
Trabalhadores, juventude e os oprimidos devem confiar apenas na sua própria força e na solidariedade dos trabalhadores internacionalmente. Imperialistas hipócritas podem estar prometendo “apoio”, mas Trump apoia ditaduras e a União Europeia quer muito fazer negócios com a ditadura no Irã.
Uma verdadeira revolução no Irã pode mostrar o caminho para o resto da região e plantar a semente para uma confederação socialista.