160 anos de luta política
De Marx até hoje:
160 anos de luta política
Luta internacional pelo socialismo
Sem perspectiva e programa internacional é impossível construir um movimento que pode encarar a difícil tarefa de transformar a sociedade. Nessa época de “globalização” é mais óbvio do que nunca que a classe trabalhadora de um país tem os mesmos interesses que os trabalhadores de outros países. O capitalismo desenvolveu uma divisão de trabalho internacional e preparou o caminho para uma organização do trabalho internacional e uma economia planificada em escala mundial. Isso significa que a luta internacional dos trabalhadores é a base da luta pelo socialismo.
O capitalismo desenvolveu a indústria através da propriedade privada dos meios de produção, esmagando as relações limitadas do feudalismo. As tarifas e taxas feudais que impediam o comércio foram abolidas. A agricultura foi transformada e racionalizada, rompendo os laços que acorrentavam o servo à terra. Legiões de sem-terras foram atraídas para as novas indústrias nas cidades e formaram a base de uma nova classe, o proletariado ou classe trabalhadora, que não tinha outra maneira de se sustentar a não ser por meio da venda de sua força de trabalho.
A classe trabalhadora cresceu até constituir a grande maioria da população dos países capitalistas avançados e, cada vez mais, dos países pobres. A classe trabalhadora é composta por trabalhadores(as) da produção e de serviços, dos setores privado e público. Os servidores e funcionários públicos ou privados tornam-se mais e mais proletarizados, e são hoje uma parte importante da classe trabalhadora moderna. Ao mesmo tempo, os trabalhadores das indústrias ainda formam um setor central, por causa de sua relação direta com a produção das mercadorias que geram o fundamento das riquezas do sistema.
O estado-nação e o mercado mundial são as grandes criações do capitalismo. Mas depois de ter cumprido essas tarefas, o capitalismo se tornou um freio para o desenvolvimento das forças produtivas. Os capitalistas tentam desesperadamente superar os limites impostos pelo estado-nação e a propriedade privada, mas estão atados ao seu próprio sistema. A construção de blocos regionais como Mercosul, NAFTA, ALCA, União Européia, etc., é um reflexo disso. Mas, ao mesmo tempo em que os capitalistas tentam precariamente se coordenar dentro de um bloco, a concorrência entres os blocos aumenta e as contradições internas de cada bloco ameaça constantemente a sua coesão. As tentativas de desregulamentar o comércio mundial também não é uma saída. Todas essas tentativas são feitas aos custos dos trabalhadores, camponeses e outros grupos pobres, e ao custo do desenvolvimento dos países pobres.
Para utilizar plenamente o potencial da produção, é necessário extinguir completamente as barreiras nacionais, construindo uma federação de estados socialistas de trabalhadores na América Latina e no resto do mundo. Esses estados – baseados na propriedade coletiva das grande empresas e do sistema financeiro, sob controle e gestão democrática dos trabalhadores – são os fundamentos do caminho ao socialismo no mundo. No Manifesto Comunista, Marx e Engels explicavam que “os trabalhadores não tem pátria” e, por isso, afirmavam “Proletários em todos países, uni-vos!”.
Marx e Engels – a Primeira Internacional
Marx e Engels desenvolveram os métodos e teorias do socialismo moderno, o socialismo científico. Eles se baseavam em três fontes: o socialismo utópico e o radicalismo francês, a economia política clássica inglesa e a filosofia alemã. Também é importante ver o marxismo como uma generalização das lutas da classe trabalhadora, que, nessa época, estavam se desenvolvendo rapidamente. Marx e Engels participaram na construção da Liga dos Comunistas, que deu a eles a tarefa de escrever o Manifesto Comunista. Este seria uma expressão pública do que tinha, até esse ponto, sido uma organização secreta que estava se preparando para a onda revolucionária que abalou a Europa em 1848.
Esse trabalho teórico, junto com a intervenção nas lutas, foi uma preparação importante para a primeira organização de trabalhadores internacional de grande escala. Marx e Engels participaram da fundação da Primeira Internacional – Associação Internacional de Trabalhadores – em 1864, que serviu para unir os setores mais avançados internacionalmente. Na Primeira Internacional participaram sindicalistas britânicos, radicais franceses e anarquistas russos. A I Internacional se constituiu como a coluna vertebral da construção do movimento dos trabalhadores na super-potência da época, a Grã Bretanha, na Europa e na América do Norte.
A primeira vez em que os trabalhadores tomaram o poder e começaram uma transformação revolucionária da sociedade foi durante a Comuna de Paris em 1871. Durante 72 dias os trabalhadores de Paris mantiveram o poder e começaram a implementar várias reformas para melhorar a situação do povo trabalhador. Os fundamentos da democracia dos trabalhadores foram ali estabelecidos e são válidos até hoje: todos os funcionários da sociedade devem ser eleitos, com o direito de revogabilidade a qualquer momento; esses funcionários devem viver com o salário de trabalhadores e não têm direito a nenhum privilégio; deve existir rotatividade nos postos para evitar uma burocracia permanente; a existência do povo armado ao invés de um exército profissional.
A Comuna de Paris foi esmagada, com um massacre de dezenas de milhares de trabalhadores pela contra-revolução da classe dominante. Mesmo assim, a Comuna de Paris serviu como um exemplo importante para trabalhadores ao redor do mundo. Marx e Engels também puderam tirar várias lições importantes da Comuna. Uma lição fundamental foi sobre o Estado: “A Comuna de Paris demonstrou, especialmente, que não basta que a classe trabalhadora se apodere da máquina estatal para fazê-la servir a seus próprios fins”. Não, o aparelho estatal burguês tem que ser esmagado e substituído por um estado dos trabalhadores para organizar a nova sociedade e impedir uma contra-revolução sangrenta. Esse estado dos trabalhadores tem que ser baseado numa classe trabalhadora combativa e requer o apoio das massas para a revolução. Nesse ponto os marxistas diferiam dos anarquistas, pois estes pensavam que era suficiente que um pequeno grupo realizasse um golpe para derrubar o atual governo e que os trabalhadores não precisavam organizar o seu próprio aparelho estatal.
Depois do colapso da Comuna de Paris os conflitos políticos levaram a I Internacional para uma crise. Além disso, o capitalismo entrou num período de crescimento que, temporariamente, afetou as possibilidades da organização. Depois de tentar manter a organização transferindo o seu quartel general para Nova Iorque, a Primeira Internacional foi dissolvida em 1876.
A Segunda Internacional: o surgimento do reformismo e da burocracia
O contínuo desenvolvimento do capitalismo levou ao crescimento numérico e da força da classe trabalhadora. Isso preparou o caminho para a construção de sindicatos e partidos social-democratas com base de massas em países como Alemanha, França, Itália, os países nórdicos e etc.
Em 1889 nasceu a Segunda Internacional (A Internacional Socialista), que tinha o marxismo como base teórica fundamental. Mas o desenvolvimento preparou uma nova divisão do movimento. Os novos partidos surgiram durante um período de crescimento do capitalismo. Dentro das organizações de massas surgiu uma camada privilegiada de parlamentares, líderes sindicais e editores. Eles foram contagiados pelos costumes e modo de vida da classe dominante. Ao invés da luta, eles reivindicavam negociações, meio termo e adaptação ao que era “realista” e “pragmático”. Greves e outras atividades em que as massas trabalhadoras jogavam um papel decisivo eram vistas como uma ameaça contra os seus privilégios e, por isso, eram contrariadas. Mesmo que essa camada de dirigentes ainda apoiasse o marxismo da boca para fora, eles estavam sob a pressão do capitalismo e, desta forma, desenvolveram ideologicamente uma nova posição. Uma revolução não era mais necessária, diziam eles. Argumentavam que o aumento do padrão de vida conseqüente da pressão das lutas das organizações de massas, poderia continuar para sempre, sem ruptura com o sistema. Através de pequenos passos, reformas, o socialismo seria atingido em certo ponto no futuro.
O crescimento do reformismo não aconteceu sem antagonismo. Na Alemanha, Rosa Luxemburgo travou uma luta contra o primeiro teórico do reformismo, Bernstein, e depois contra Kautsky. Ela mostrava como a luta pelas reformas era essencial para acumular forças e mostrar para os trabalhadores exatamente o limite dos avanços possíveis dentro do sistema. Concessões dadas sob pressão das lutas e em períodos de crescimento, seriam alvo de constante ataque e retiradas em períodos de refluxo das lutas e de crise econômica.
No fim do século XIX e começo do século XX surgiu o movimento de mulheres. Mulheres militantes jogaram um papel importante na construção dos novos sindicatos e partidos, mas tiveram que travar também uma luta contra a dominação masculina no movimento dos trabalhadores, no qual os dirigentes muitas vezes não deixavam espaço para as mulheres e suas lutas. Reivindicações de direito a voto, a trabalhos em que mulheres eram barradas, a educação acadêmica, a redução da jornada de trabalho, a salário igual e a direitos iguais, organizavam esse movimento que também obteve muitas vitórias.
Os primeiros fundamentos para explicar a opressão de gênero foram desenvolvidos no trabalho de Engels que mostrava as raízes comuns das opressões de gênero e de classe. Para os marxistas a luta das mulheres e de classes sempre foi dois lados da mesma moeda. As primeiras conferências socialistas internacionais de mulheres em 1907 e 1910 lançaram o Dia Internacional da Mulher, que em 1921 passou a ter uma data fixa cada ano – 8 de março, o dia no qual a lutas das mulheres deu início à Revolução Russa em 1917.
A traição e a Primeira Guerra Mundial
Os líderes da Segunda Internacional ainda saudavam o internacionalismo com frases vazias, mas foi exatamente nessa questão que realizaram a traição decisiva. Na conferência de Basel em 1912 a Internacional deliberou que, num contexto de crescente antagonismo entre as potências imperialistas que inevitavelmente resultaria em uma grande guerra, usaria todos os meios, inclusive a greve geral e a guerra civil, contra uma tentativa de iniciar uma chacina mundial.
Mas quando a guerra começou, os líderes social-democratas em quase todos os países deram apoio à sua própria classe burguesa na guerra. Essa crise e traição foram tão surpreendentes que até Lenin acreditou que a edição do jornal social-democrata alemão, Vorwärts, era uma falsificação do estado maior alemão. No primeiro teste histórico sério a Segunda Internacional entrou em colapso.
No início de uma guerra é normal que o nacionalismo predomine, com uma maioria da população apoiando o seu próprio exército. Quando o andar da guerra mostra quem é que paga os custos da guerra e morre nela e quem é que ganha, a consciência muda. A esquerda internacionalista, que continuava acreditar nas idéias revolucionárias, se encontrou isolada na eclosão da guerra. Os internacionalistas do mundo podiam se reunir em dois vagões de trem, diziam sarcasticamente os participantes da conferência de Zimmervald em 1916. Mesmo dentro da esquerda que se reuniu em Zimmervald para discutir a oposição à guerra e a reconstrução da esquerda, existia uma esquerda e uma direita. Lá se encontrava o germe da nova Internacional que ia ser fundada depois da Revolução Russa.
Os bolcheviques
Um dos únicos partidos que se oporam a Primeira Guerra Mundial foi o Partido Bolchevique na Rússia, sob a direção de Lenin. Na social-democracia russa a ruptura entre os reformistas e revolucionários já havia acontecido em 1903. Os grupos ganharam seu nomes segundo o resultado das principais votações durante o congresso social-democrata desse ano. A ala revolucionária de Lenin era chamada de “os bolcheviques” (a maioria) e os reformistas de “os mencheviques” (a minoria).
Lenin combateu freneticamente as ilusões na guerra. Para se diferenciar dos “social-patriotas” (os social-democratas nacionalistas) ele enfatizava os princípios marxistas – o caráter imperialista da guerra, o direito a autodeterminação das nacionalidades oprimidas, a necessidade da classe trabalhadora se organizar independentemente com sua própria política e de lutar pelo poder. Lenin colocava que a fala de que a Primeira Guerra Mundial seria “uma guerra para acabar com todas as guerras” era um conto de fadas perigoso inventado pelos dirigentes social-democratas para ocultar a sua própria traição. Se a guerra não era seguida por revoluções vitoriosas, novas guerras seriam inevitáveis.
O princípios marxistas foram confirmados com a Revolução Russa em 1917, sob a direção dos bolcheviques. Ela foi seguida por uma onda de revoluções e situações revolucionárias em vários países entre 1917 e 1923. A onda revolucionária e, principalmente, a revolução na Rússia deu um fim à Primeira Guerra Mundial. Mas essa onda revolucionária foi traída pelos partidos social-democratas. Em alguns países os social-democratas assumiram a direção do movimento para desviá-lo. Em outros, como na Alemanha, os líderes social-democratas ajudaram diretamente a esmagar o levante dos trabalhadores. Somente na Rússia os trabalhadores conseguiram manter o poder.
A Revolução Russa
A Revolução Russa se coloca como o mais importante acontecimento da história da humanidade até agora. Em outubro de 1917 os trabalhadores, com o apoio dos camponeses pobres, tomaram o poder pela primeira vez em um país inteiro. Imediatamente após a tomada de poder, os bolcheviques implementaram várias reformas importantes: negociações pela paz, terra para os camponeses, jornada de trabalho de 8 horas, direitos iguais para as mulheres e para as nacionalidades oprimidas, etc. A Finlândia e os países bálticos obtiveram independência pela primeira vez. A revolução despertou um enorme entusiasmo entre os trabalhadores do mundo inteiro.
As mulheres jogaram um papel importante na Revolução Russa – foram a greve das trabalhadoras nas fábricas têxteis e sua marcha de fome em Petrogrado que serviram como a faísca da revolução que derrubou o czar em fevereiro de 1917. A revolução de outubro no mesmo ano significou grandes avanços para a conquista de direitos das mulheres: direito ao aborto e divórcio, creches, licença maternidade, restaurantes, lavanderias comunitárias e etc.
Todo o resto do século XX foi marcado pela Revolução Russa. É tarefa dos socialistas de hoje defender as melhores tradições da Revolução Russa, mas também tirar as lições de como ela se degenerou numa ditadura stalinista. A principal lição da Revolução Russa e da onda revolucionária internacional foi o papel decisivo do partido revolucionário. Sem um partido com programa socialista e marxista, com raízes nas massas trabalhadoras e que está preparado para levar a luta às suas últimas conseqüências, a revolução não será vitoriosa. As inúmeras tentativas revolucionárias fracassadas durante o século XX servem como exemplos disso.
O regime que foi estabelecido depois da revolução era baseado nos conselhos – os sovietes – de trabalhadores, camponeses e soldados, que haviam surgido espontaneamente durante a primeira revolução russa de 1905-1906. Os princípios eram os mesmos que aqueles da Comuna de Paris: eleições democráticas para todos os cargos, com direito à revogabilidade a qualquer momento, nenhum privilégio para os eleitos e a dissolução do exército do czar.
A Terceira Internacional
Para organizar as forças revolucionárias internacionalmente foi fundada a Terceira Internacional, a Internacional Comunista (Comintern) em 1919. Com exceção dos bolcheviques, os novos partidos comunistas foram demasiadamente frágeis e imaturos para poder conduzir as revoluções à vitória. Muitos cresceram e tornaram-se partidos de massas, mas não chegaram a ter raízes suficientes ou capacidade para aproveitar as situações antes que elas retrocedessem. A mais decisiva foi a derrota na Alemanha. Os principais líderes do jovem partido comunista, Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, foram assassinados no início de 1919. A última de várias chances de tomar o poder foi em 1923, que foi desperdiçada pelos erros da direção. Depois disto, o imperialismo socorreu a classe dominante alemã, temendo que o bolchevismo conseguisse se estabelecer na Europa Ocidental.
As lições desse período, foram tiradas pelos quatro primeiros congressos do Comintern e são parte dos fundamentos dos marxistas de hoje.
A revolução permanente
A Revolução Russa também confirmou a teoria da revolução permanente de Trotsky. Trotsky liderou, junto com Lenin, os bolcheviques durante a Revolução Russa. Essa teoria foi posteriormente confirmada repetitivamente durante o século XX nas lutas por libertação nacional dos países colonizados. Em países pobres e subdesenvolvidos como a Rússia, onde o avanço do capitalismo foi tardio, as tarefas da revolução burguesa ainda não estavam resolvidas: a questão nacional (libertação e unidade nacional, no caso da Rússia era a luta contra a opressão grã-Russa dos finlandeses, ucranianos, caucásios etc.), a abolição dos vestígios feudais como o poder latifundiário por meio de uma reforma agrária e a implementação da democracia burguesa (o parlamentarismo) ao invés do poder dos nobres e do monarca (o czar). Mas, nestes países, a classe burguesa se desenvolveu em um mundo já dominado pelas potências imperialistas, isto é, ela surgiu subordinada aos capitalistas estrangeiros. Além disso, a classe burguesa russa tinha mil e um laços com os latifundiários feudais.
Trotsky fez a comparação com a análise de Marx sobre a revolução alemã de 1848 em que a classe burguesa alemã, quando queria se revoltar, temia mais a classe trabalhadora emergente do que a continuação do domínio dos nobres. Da mesma forma, a classe burguesa russa não iria resolver as tarefas da sua própria revolução burguesa. Ao invés disso, a tarefa de resolver esses problemas caiu sobre a classe trabalhadora com o apoio dos camponeses pobres. Mas quando os trabalhadores tomam o poder, eles também colocarão suas próprias reivindicações: melhores condições de trabalho, aumento de salários, redução da jornada de trabalho etc., que não podem ser implementadas se a revolução não continuar rumo ao socialismo e se espalhar internacionalmente. Dessa maneira, a revolução teria um caráter “permanente”, passando da revolução burguesa à revolução socialista.
Os acontecimentos de 1917 confirmaram totalmente a análise de Trotsky. Em fevereiro de 1917 o czar foi derrubado, mas o auto-proclamado governo provisório não resolveu nenhuma das questões centrais: acabar com a guerra, implementar a reforma agrária, acabar com a fome e a miséria do povo e resolver as questões nacionais urgentes, como a independência da Finlândia. Quando os bolcheviques ganharam a maioria dos sovietes, organizaram uma nova revolução, uma revolução socialista na qual os trabalhadores tomaram o poder em outubro 1917.
O isolamento da Rússia
A Rússia era um país pobre e subdesenvolvido. A única chance para uma revolução sobreviver sob tal situação seria a expansão da revolução, principalmente para os países mais avançados, como a Alemanha. Depois da derrota das revoluções na Europa as condições na Rússia pioraram ainda mais. A devastação causada pela Primeira Guerra Mundial se agravou com a guerra civil iniciada pelos que queriam re-introduzir o czarismo (“os brancos”) e os 21 exércitos estrangeiros que invadiram o país. Antes da guerra civil dos brancos, pouco sangue foi derramado durante a Revolução Russa.
O massacre de dezenas de milhares de trabalhadores pelos brancos, depois da derrota da revolução finlandesa no início de 1918 mostrou o que uma vitória dos brancos significaria na Rússia e levou a uma intensificação dos confrontos. A guerra civil levou a uma catástrofe de fome, agravada pelo bloqueio dos países capitalistas. Muitos dos mais importantes dirigentes dos trabalhadores morreram na luta contra os brancos. Nessa situação, não foi possível manter a incipiente gestão dos trabalhadores nessa situação.
O isolamento, a pobreza e a devastação depois da guerra mundial e da guerra civil levou a uma burocratização muito mais rápida comparada com a que ocorreu nos partidos social-democratas. Antigos burocratas czaristas, mencheviques e outros oportunistas, na falta de militantes trabalhadores formados e por causa do baixo nível cultural em geral, começaram a ocupar mais e mais espaço no aparelho estatal e no partido bolchevique deixando a sua marca. Depois da morte de Lenin em 1924 Stalin consegue chegar ao poder através de manobras, como representante dessa burocracia que começou a se elevar acima do poder e influência dos trabalhadores e camponeses.
A chegada da burocracia ao poder significou que todos os desvios em relação à democracia dos trabalhadores que foram implementados sob a pressão da guerra civil, e que sempre foram vistos como temporários pela direção dos bolcheviques, começaram ser definidos como princípios da “ditadura do proletariado”. O modelo do stalinismo era o do estado de um único partido, com poderes absolutos e com um aparato partidário em que qualquer debate e democracia real foram abolidos. Os princípios que impediam os privilégios para os funcionários do estado desapareceram no mesmo ritmo que o poder desses se consolidou.
“Socialismo num só país”
A direção stalinista baseava-se no prestígio e autoridade da revolução dos trabalhadores e manteve uma fraseologia socialista para ocultar a nova ditadura que estava emergindo. Em 1924 Stalin começou uma revisão dos princípios marxistas para adaptá-los às suas necessidades. Ele lançou a teoria utópica do “socialismo num só país”, contra toda a tradição marxista e bolchevique. Os internacionalistas, sob a direção de Trotsky, combateram essa teoria e previram que ela resultaria no colapso da Internacional Comunista e em uma degeneração nacionalista de suas seções.
A teoria não se resume a conceitos vazios, mas é um guia para a ação. Teorias que chegam a ter apoio de massas, representam os interesses ou pressões de grupos, setores ou classes da sociedade. A teoria de “socialismo num só país” representava a ideologia da casta dominante da União Soviética, uma camada de burocratas que queriam paz e tranqüilidade para consolidar a sua própria posição.
A tomada do poder pelo stalinismo significou uma contra-revolução política. O poder foi usurpado do povo trabalhador que realizou a revolução, mas sem que as condições sociais voltassem ao ponto de partida. Na União Soviética todos os restos de democracia dos trabalhadores foram esmagados, mas sem que o capitalismo fosse restaurado. Uma sociedade socialista requer um desenvolvimento econômico mais avançado, baseado numa economia planificada, que pode tirar proveito dos recursos combinados do mundo inteiro. Esse desenvolvimento econômico superior é necessário para que a maioria da população possa participar da gestão da sociedade – este é um pré-requisito para que a economia planificada funcione plenamente. A União Soviética era uma união de países subdesenvolvidos isolados e ficou emperrada numa fase de transição entre o capitalismo e o socialismo. Mais cedo ou mais tarde se daria o salto para um socialismo verdadeiro com a ajuda da vitória das revoluções em outros países ou o capitalismo seria restaurado.
Trotsky levantava a necessidade de uma revolução política na União Soviética para derrubar a burocracia e re-introduzir a democracia dos trabalhadores.
A direção do Comintern usou a enorme autoridade da Revolução Russa para impor a sua política em todas as seções da Internacional, o que levou a inúmeras cisões. Em 1943 Stalin dissolveu o Comintern formalmente, sem nenhuma oposição, como um sinal para os seus aliados imperialistas durante a Segunda Guerra Mundial.
Para tomar o poder no partido, Stalin conduziu uma brutal perseguição à Oposição de Esquerda liderada por Trotsky, na União Soviética e internacionalmente. O poder de Stalin foi reforçado pelas derrotas da greve geral britânica de 1926 e da revolução na China em 1925-1927, que desmoralizaram os trabalhadores mais conscientes na União Soviética e diminuiu a confiança deles na expansão da revolução. A razão fundamental para essas derrotas foi a política errada que Stalin e a direção do Comintern impuseram sobre os partidos comunistas desses países.
Bonapartismo proletário
Trotsky, fazendo um paralelo com a Revolução Francesa, chamava o regime stalinista de “bonapartismo proletário”. Bonapartismo é um termo cunhado por Marx que se refere à situação em que a luta entre as classes entra em um impasse, abrindo o caminho para uma pequena camada ou grupo ao redor de um “líder” que, aparentemente, se eleva acima dos antagonismos de classe, se equilibra entre essas classes e governa “pela espada”. O bonapartismo burguês teve a sua expressão mais comum na forma de ditaduras militares.
O stalinismo equilibrava entre os trabalhadores, os camponeses e a pressão do capitalismo que o rodeava. Por isso, o stalinismo não tinha uma base política sólida. Sua política era, principalmente, manter o poder. Isso levava a giros rápidos na linha política oficial, entre a esquerda e a direita. Os erros na Grã Bretanha e na China em meados dos anos 20 representavam uma giro a direita, no qual o stalinismo tentava a conciliação com líderes reformistas no Ocidente e a classe burguesa colonial no Oriente. Esse giro à direita baseava-se nas necessidades domésticas da burocracia soviética.
Na luta contra a Oposição de Esquerda, Stalin formou um bloco com a ala de direita, representada por Bukárin, para forjar uma aliança com os camponeses ricos, os kulaks, contra os representantes dos trabalhadores. Porém, a ameaça crescente dos camponeses ricos na própria União Soviética, a ascensão das forças fascistas e a crise econômica profunda nos países capitalistas em 1929-1933 levou a um novo giro político brusco da parte de Stalin. O Comintern lançou a política ultra-esquerdista do “terceiro período”. O capitalismo estava supostamente na sua “crise final”. Da subjugação aos líderes social-democratas, o Comintern passou a declarar que o fascismo e a social-democracia eram “gêmeos”. Essa “teoria” resultou em uma catástrofe para a classe trabalhadora no mundo.
A ascensão do nazismo
O fascismo na Itália e o nazismo na Alemanha cresceram como uma reação contra a força revolucionária dos trabalhadores. Esse movimento de extrema direita surgiu com organizações de fura-greves e grupos armados. Na Alemanha os nazistas buscaram suas forças entre os pequeno-burgueses: artesaõs, pequenos comerciantes e outros grupos que sofreram golpes duros da crise capitalista e foram mais e mais marginalizados pelas grandes empresas. Eles não tinham uma organização como a da classe trabalhadora, com o seu sistema de seguro coletivo: seguro desemprego e auxílio-doença, etc. Por isso, muitos pequeno-burgueses foram levados à ruína. Com bases num revanchismo alemão (as duras condições impostas para a Alemanha após a derrota na Primeira Guerra Mundial afetou duramente o povo alemão) e no anti-semitismo surgiu um movimento de massas desses pequeno-burgueses arruinados junto com os setores mais marginalizados da classe trabalhadora. A idéia do nazismo era reconstruir o grande poder da Alemanha e rebater a ameaça do “judo-bolchevismo”.
O movimento nazista era a última carta da classe dominante para garantir o seu poder e o seu sistema. Ele tinha grande apoio na classe dominante e entre acadêmicos, assim como o respaldo das grandes empresas que temiam uma revolução dos trabalhadores.
Hoje a classe dominante – que precisa ter um perfil anti-nazista depois da catástrofe que este criou – tenta “explicar” o nazismo como um mal inexplicável, baseado somente no racimo e no anti-semitismo. Mas o nazismo e o fascismo eram no fundo movimentos da direita. A classe trabalhadora e os revolucionários eram os seus maiores inimigos. Sua política representava um “imperialismo destilado”, tal como dizia Trotsky. “A nação inteira” se uniria atrás de sua burguesia em uma guerra para se apoderar de outros países. Para chegar até lá, todas as organizações dos trabalhadores – partidos, sindicatos e até clubes esportivos e culturais – tinham que ser esmagados. A organização independente dos trabalhadores seria substituída pela submissão aos patrões, como por exemplo, no caso das “corporações”, órgão de cooperação de classes do fascismo italiano.
O fascismo e o nazismo tentavam se apresentar como movimentos do “pequeno povo”. Os nazistas até se auto-proclamavam como “o partido trabalhador nacional-socialista”. Mas quando chegaram ao poder se livraram de sua base pequeno-burguesa e implementaram uma ditadura brutal, mostrando a sua verdadeira face de aliados das grandes empresas.
A vitória do fascismo e do nazismo abriu o caminho para a maior matança da história, a Segunda Guerra Mundial. Mas essa vitória não estava pré-determinada. A classe trabalhadora era forte e bem organizada e o nazismo nunca conseguiu construir uma base entre os trabalhadores organizados, embora a força da classe trabalhadora nunca foi usada para barrar a tomada de poder de Hitler.
As teorias de Stalin fizeram com que o partido comunista alemão subestimasse a ameaça do nazismo, já que o capitalismo estava na sua “crise final”. A social-democracia era vista como um inimigo importante, o “social-fascismo”. Essa política impediu realizar um bloco entre os social-democratas e os comunistas, no qual toda a força da classe trabalhadora poderia se unir para esmagar o nazismo, pois este era muito mais fraco antes de chegar ao poder. Essa era a linha proposta por Trotsky e pela Oposição de Esquerda Internacional, seguindo a linha da “frente única” que o Comintern adotou no seus primeiros congressos, antes do stalinismo.
A Oposição de Esquerda Internacional e a Quarta Internacional
Em 1927 Trotsky foi expulso do Partido Comunista da União Soviética e em 1929 foi exilado. Os ataques contra a Oposição de Esquerda cresceram. A luta entre o stalinismo e a Oposição de Esquerda foi travada também internacionalmente. Grupos de oposição surgiram na Alemanha, França, Grã Bretanha, Estados Unidos, África do Sul e outros países.
A tomada do poder pelos nazistas foi um ponto de inflexão para a história mundial e também para a Oposição de Esquerda. Hitler conseguiu tomar o poder e esmagar a classe trabalhadora mais forte e bem organizada do mundo, sem disparar um tiro. Este foi um teste decisivo para o Comintern, que fracassou totalmente. A direção do Comintern nem mesmo admitiu que sofreu uma derrota, mas declaravam que a tomada de poder do Hitler era um avanço, que preparava o caminho para a revolução. Mesmo em 1934 continuaram com a mesma política suicida, organizando atos conjuntos com os fascistas contra os “social-fascistas” e o “radical-fascista” Daladier. Se essa colaboração fosse bem sucedida, isto teria aberto o caminho para um golpe fascista na França em fevereiro 1934.
Essa traição, junto com o efeito terrível da tomada de poder por Hitler, levou Trotsky e a Oposição de Esquerda a reavaliarem o papel da Internacional Comunista. Uma internacional que podia cometer a traição de sacrificar a classe trabalhadora alemã à favor de Hitler, sem que isso provocasse um crise nas suas fileiras, não podia servir mais às necessidades do proletariado. A Terceira Internacional estava morta como ferramenta para o socialismo mundial. Ela tinha degenerado a uma ferramenta obediente do stalinismo soviético, um representante laranja da política externa russa.
Era necessário preparar a organização de uma Quarta Inter nacional, limpa em relação aos crimes e traições das internacionais social-democrata e stalinista.
Tal como no período posterior ao colapso da Segunda Internacional, os revolucionários e internacionalistas estavam reduzidos a pequenos grupos. Na Bélgica tinham dois parlamentares e uma organização de dois mil, na Áustria e na Holanda algo semelhante. As forças da nova internacional eram fracas e imaturas, porém tinham o apoio de Trotsky, com suas perspectivas sobre os grandes acontecimentos, junto com as experiências da Revolução Russa que ele ajudou a liderar. Elas foram formados com as experiências da Segunda e da Terceira Internacional, das revoluções russa, alemã e chinesa, a greve geral britânica e outros grandes acontecimentos que ocorreram depois da Primeira Guerra Mundial. Com essa base seriam formados e treinados os quadros que constituiriam a coluna vertebral da nova Internacional.
A Revolução Espanhola e a frente popular
A Revolução Espanhola mostrou o potencial que havia para os partidos trotskistas tornarem-se partidos de massas. Apesar dos erros cometidos pela direção de Andres Nin, o partido ex-trotskista POUM passou, em alguns meses, de algumas centenas para 40.000 membros durante a revolução.
Nesse período os stalinistas usaram uma nova tática, a “frente popular”. Essa tática foi o resultado de um novo giro de 180 graus durante o congresso do Comintern em 1935. Quando os líderes stalinistas começaram a perceber o grau de ameaça que Hitler representava, largaram a teoria do “social-fascismo”. Agora todas as “forças democráticas” se uniriam contra o fascismo, não só a social-democracia, mas também os “burgueses democráticos”. Mais uma vez isso fazia com que as reivindicações dos trabalhadores fossem submetidas aos interesses dos burgueses para não ameaçar a unidade da “frente popular”, enquanto a luta pelo socialismo foi deixada para um futuro distante. Essa nova táctica refletia as intenções de Stálin de realizar uma aliança com a França e a Grã Bretanha contra a ameaça de Hitler. Para a Revolução Espanhola, esta foi uma receita para a derrota.
A luta revolucionária dos trabalhadores nas cidades e no campo, junto com camponeses pobres, foi enfrentada com um golpe fascista em junho 1936. A Revolução Espanhola teve um apoio entusiástico dos trabalhadores da Europa, e milhares de voluntários foram para a Espanha quando começou a guerra civil para lutar contra os fascistas de Franco. As potências da Europa Ocidental se posicionaram como “neutras”, enquanto a Alemanha e a Itália apoiaram Franco.
A burocracia soviética usou seu apoio material para impor sua política de frente popular na esquerda espanhola. Isso fez com que os trabalhadores fossem obrigados a desistir de sua luta revolucionária e subordinar as suas forças ao exército republicano, dominado pelos burgueses e stalinistas. O governo da frente popular, no qual toda esquerda chegou a participar junto com os partidos burgueses, era, tal como Trotsky colocava, uma aliança entre os partidos dos trabalhadores e a sombra da burguesia. A burguesia já tinha se aliado a Franco, temendo a revolução dos trabalhadores.
Na Catalunha a revolução chegou ao ponto de esmagar o estado burguês por um período. Os anarquistas, que tinham uma base de massas entre os trabalhadores na Espanha, se oporam a construção de um estado de trabalhadores e deixaram o campo livre para os burgueses reconstruírem seu aparelho estatal. Isso não impediu que os anarquistas mais tarde, contrariando os seus princípios, entrassem no governo de frente popular na Catalunha. A política de frente popular fez com que a classe trabalhadora ficasse com as mãos atadas e abrisse o caminho para a vitória de Franco – que realizou um massacre de ativistas trabalhadores.
As derrotas dos trabalhadores na Itália, na Alemanha e na guerra civil da Espanha eram de total responsabilidade da política fracassada da Segunda e da Terceira Internacional – o que, por sua vez, abriu o caminho para a Segunda Guerra Mundial.
Os Processos de Moscou
Pesquisas recentes mostram que a oposição estava crescendo na União Soviética durante os anos 30. A Revolução Espanhola ameaçava dar novo ânimo à classe trabalhadora da União Soviética. A camarilha de Stálin decidiu lançar um golpe decisivo contra a oposição. Stálin passou da posição inicial de vacilar entre diferentes posições erradas para a posição de conscientemente trair a revolução.
O poder da burocracia e do próprio Stalin se consolidariam plenamente com uma guerra civil unilateral contra todos os membros da oposição e possíveis futuros oponentes. Isto levou a um ajuste de contas com toda a geração que incorporava as memórias da Revolução Russa. Cada tendência de pensamento independente era uma ameaça à casta dirigente. Os expurgos atingiram milhões de pessoas. A expressão pública disto foram os processos de Moscou de 1936-1938. Toda a direção do partido de Lenin, que encabeçou a revolução em 1917, foi eliminada. Esse processo foi completado com o assassinato de Trotsky no México em 1940.
O Programa de Transição e a perspectiva de Trotsky
Em 1938 foi fundada a Quarta Internacional. O seu documento de fundação faz parte dos fundamentos dos marxistas de hoje. O Programa de Transição é ao mesmo tempo um programa e um método. Ele consiste de um sistema de reivindicações que faz uma ponte entre a consciência de hoje e a necessidade de uma revolução socialista. Ao contrário da divisão social-democrata entre um programa mínimo (reformas a curto prazo) e um programa máximo (um futuro socialismo), o programa de transição liga as reivindicações atuais com a luta pelo socialismo. Num período de guerra e crises profundas nenhuma demanda por reforma seria viável sem ao mesmo tempo estar preparando um desafio ao poder dos capitalistas.
A idéia de Trotsky de fundar a Quarta Internacional baseava-se no colapso do stalinismo e do reformismo como correntes revolucionárias e a urgência de se preparar para uma nova onda revolucionária. A necessidade de novos partidos e uma nova internacional era uma perspectiva imediata. Uma nova guerra mundial desencadearia mais uma vez uma onda revolucionária nos países industriais e coloniais. Trotsky previa que em dez anos não restaria nada das organizações traidoras e que a Quarta Internacional se tornaria a força decisiva no planeta. A análise não estava errada na época, mas cada prognóstico tem que ser condicional. Vários fatores – econômicos, políticos e sociais – podem levar a um resultado diferente do esperado.
A guerra se desenvolveu de uma maneira que ninguém esperava. As vitórias iniciais de Hitler dependiam da política de Stalin no período pós-guerra, como o “pacto de não agressão” entre Hitler e Stalin e os expurgos no Exército Vermelho da União Soviética – o qual teve quase toda a direção eliminada. A burguesia no Ocidente fez vista grossa para as ações de Hitler: a construção de seu exército, a expansão na Europa Central, com o “Anschluss” (unificação forçada) da Áustria e a tomada da zona dos Sudetas na Tchecoslováquia.
O ataque à União Soviética em 1941, junto com os crimes do nazismo, sem qualquer resistência na Alemanha – onde a classe trabalhadora estava derrotada pelo monstro nazista – fez com que os trabalhadores e os camponeses da União Soviética vissem a der rota dos nazistas como sua tarefa principal. A batalha decisiva foi a guerra entre a União Soviética stalinista e a Alemanha nazista, que foi ganha pela União Soviética com enormes dificuldades (no total morreram 26-27 milhões de soviéticos durante a Segunda Guerra Mundial, quase a metade de todas as mortes da guerra). O imperialismo anglo-americano (EUA e Grã-Bretanha) fez uma avaliação totalmente errada da situação. Pensavam que a União Soviética ou seria derrotada e, assim, eles poderiam derrotar uma Alemanha enfraquecida, ou sairia tão enfraquecida que os imperialistas poderiam ditar as condições da política mundial como queriam.
Mas os acontecimentos da guerra levaram ao fortalecimento do stalinismo. A onda revolucionária que surgiu logo após a guerra foi, desta vez, traída pelos stalinistas, assim como os líderes da Segunda Internacional traíram a onda revolucionária depois da Primeira Guerra Mundial. Por exemplo na França e na Itália os partidos comunistas se tornaram os maiores partidos nas eleições depois da guerra, mas entraram em governos burgueses de coalizão e ajudaram a conter as lutas. Esses partidos ganharam uma enorme autoridade por causa de seu papel na resistência contra os nazistas e a sua traição contribuiu para desviar a luta dos trabalhadores.
Uma nova perspectiva era necessária
A perspectiva de Trotsky se mostrou correta em relação ao fato de que a Segunda Guerra Mundial foi seguida por uma onda revolucionária até maior do que após a Primeira guerra. Mas as massas nos países em que os comunistas desempenharam o papel principal na resistência contra os nazistas (mas só depois do ataque de Hitler à União Soviética), juntaram-se aos partidos comunistas. Em outros países os social-democratas também foram apoiados.
Em 1944 era necessária uma reorientação das seções da Quarta Internacional, entendendo que o que estava por vir era um período prolongado de democracia capitalista no Ocidente e de dominação stalinista na União Soviética. A seção britânica da Quarta Internacional, Revolutionary Communist Party (RCP), deixava claro em seus documentos que o próximo período na Europa Ocidental seria o de uma “contra-revolução em forma democrática”.
A burguesia tinha que achar um caminho para escapar da onda revolucionária, mas não poderia manter o poder sem a ajuda do stalinismo e da social-democracia. A direção da Quarta Internacional (ISFI – Secretariado Internacional da Quarta Internacional) dizia o contrário, que a única forma em que a burguesia poderia manter o poder na Europa seria por meio da ditadura militar e do bonapartismo. Incapazes de entender a nova situação histórica, eles não enxergavam que a União Soviética stalinista saiu fortalecida da guerra e que o imperialismo estava na defensiva.
A aliança entre o imperialismo anglo-americano e a burocracia soviética era ditada pelo anseio mútuo de uma revolução socialista nos países industrializados. Ao mesmo tempo em que a onda revolucionária na Europa e no mundo impediam qualquer tentativa do imperialismo de tentar invadir a União Soviética – como fizeram na Rússia em 1918, ao lado dos brancos, no momento em que a Rússia estava mais fraca. Sem entender essa nova correlação de forças, a ISFI apresentava uma proposta de resolução para o congresso mundial de 1946 que afirmava que a “mera pressão diplomática” seria suficiente para “restaurar o capitalismo na União Soviética”! Ao invés disso, a União Soviética se manteve por mais 45 anos antes de ser dissolvida e o capitalismo ser restaurado. O stalinismo russo chegou a controlar a metade da Europa e o mundo foi dividido em dois blocos, o bloco imperialista e o bloco stalinista.
O Leste Europeu
O avanço do Exército Vermelho no Leste Europeu deu um grande impulso revolucionário, que a burocracia russa utilizou em prol de seus próprios fins, para mais tarde abortar a revolução. Nessas circunstâncias não era o caso de capitular diante do capitalismo, mas sim o de concluir a revolução seguindo o modelo stalinista.
Os stalinistas se aproveitaram da situação na qual as classes dominantes, que tinham colaborado com os nazistas, foram forçadas ao exílio, junto com o exército nazista que recuava, temendo a vingança das massas. Quando as tropas nazistas se retiravam, o estado entrava em colapso. Dessa maneira o Exército Vermelho se tornou quase a única força militar no Leste Europeu. Equilibrando entre as classes, construíram um novo estado, mas o modelo não era a Rússia de 1917, mas sim a União Soviética de Stálin de 1945.
Esses novos fenômenos históricos confundiram os líderes da Quarta Internacional. Eles declararam que os países do Leste Europeu eram um “capitalismo de estado” (capitalismo baseado em propriedade estatal), enquanto a União Soviética permanecia um “estado de trabalhadores degenerado”. Essa análise não era sustentável. Se o Leste Europeu, onde os meios de produção tinham sido estatizados e a produção planificada era capitalista, seria absurdo manter a avaliação de que a União Soviética, com a mesma situação de ditadura burocrática prevalecendo, era algum tipo de estado de trabalhadores. As condições eram basicamente as mesmas.
Uma parte da Quarta Internacional, sob a direção de Tony Cliff e o SWP (Socialist Workers Party/ Partido Socialista dos Trabalhadores) da Grã-Bretanha iria, mais tarde, afirmar que a União Soviética também era um capitalismo de estado. Isso fez com que eles vissem o colapso do stalinismo em 1989 apenas como uma troca de forma de capitalismo. Conseqüentemente eles não se opunham às privatizações devastadoras que foram implementadas no Leste Europeu.
A Revolução Chinesa
A Revolução Chinesa aboliu o capitalismo e o latifúndio no país mais populoso do mundo. Mas, diferentemente da Rússia, a classe trabalhadora desempenhou um pequeno papel na revolução chinesa. O Partido Comunista Chinês (PCC), depois do massacre de trabalhadores com o fracasso da revolução chinesa em 1927, voltou sua atenção totalmente ao campesinato e perdeu sua base entre os trabalhadores. Mao Tse-tung conduziu uma guerra camponesa, na qual a questão de terra era o principal motor. A perspectiva de Mao nunca foi a de derrubar o capitalismo. O líder do PCC explicava que a China tinha adiante “50 anos de “democracia capitalista”. Porém, não era possível um acordo com Chiang Kai-shek, líder do partido nacionalista burguês Kuomintang (KMT), já que este não aceitaria uma reforma agrária enquanto que as forças de Mao conquistaram um enorme apoio distribuindo terra nas regiões onde tomavam o poder. Como explicava a teoria da revolução permanente de Trotsky, o KMT era incapaz de resolver as tarefas da revolução burguesa, pois a questão da terra e a união da nação seriam por meio da derrubada do poder dos senhores de guerra locais e da luta contra a invasão imperialista japonesa.
Apesar do papel totalmente subordinado da classe trabalhadora na revolução, ela foi muito além do que seu líder planejava. O KMT fugiu para a ilha Formosa, onde fundou Taiwan. A tentativa de Mao de ter um equilíbrio entre as classes, numa situação onde o aparelho estatal burguês tinha desmoronado, levou à construção de um estado que seguia o modelo stalinista. Isso foi possível por causa de uma situação mundial muito especial. O imperialismo era incapaz de intervir para defender o capitalismo, pois estava paralisado pela onda revolucionária depois da Segunda Guerra Mundial. Mas também era necessária a existência de um modelo pronto que poderia ser copiado – a União Soviética. Sem ter essa visão global clara, não é possível entender como uma guerra camponesa chegou a implementar as tarefas da revolução socialista: a estatização e a planificação da economia. Foi a correlação de forças em escala mundial que decidiu o resultado. Porém, uma democracia de trabalhadores estava excluída, pois desde o início era o modelo stalinista de estado de partido único que prevaleceu. Os marxistas usaram o termo “estado de trabalhadores deformado” para se referirem aos países do Leste Europeu e à China, comparando-os e diferenciando-os da União Soviética que era um “estado de trabalhadores degenerado”, porque no início os trabalhadores russos tinham o poder.
Os líderes da Quarta Internacional pensaram que Mao tentaria repetir a revolução chinesa de 1925-1927 e que ele capitularia diante do KMT e de Chiang Kai-shek. Quando este fugiu para Formosa, declararam que a China tornou-se um capitalismo de estado.
“Relativamente saudável”
A recusa do ISFI de tirar as lições de seus erros os condenava a cometê-los de novo, mas eram erros maiores. Depois de ter declarado que a China e o Leste Europeu eram países de capitalismo de estado, passaram para o outro extremo. Quando que a burocracia nacional da Iugoslávia, sob o governo de Tito, entrou em conflito com a burocracia russa, o ISFI descobriu que a Iugoslávia era um “estado de trabalhadores relativamente saudável”. Também a China foi vista por um período como um “estado de trabalhadores relativamente saudável”, após a sua ruptura com a direção da União Soviética em 1960. Isso significava que esses países só precisariam de reformas – da mesma forma que a Rússia de 1917-1923 – e não de uma revolução política.
O papel independente que as burocracias da Iugoslávia e da China podiam desempenhar em relação à União Soviética baseava-se no fato de que nesses dois países, a burocracia tomou o poder por conta própria e não por meio do Exército Vermelho. Na Iugoslávia o processo teve as mesmas características que na China, com uma guerra camponesa por libertação nacional, contra a ocupação nazista. Os dois países eram estados stalinistas e o conflito com a União Soviética era um antagonismo entre burocracias nacionais, mostrando o caráter nacionalista do stalinismo.
O “boom” pós-guerra
A situação após a Segunda Guerra Mundial preparou o caminho para um período prolongado de crescimento do capitalismo. Depois da guerra, os EUA desempenhavam um papel totalmente dominante no Mundo Ocidental. A metade da produção industrial e três quartos das reservas de ouro fora do bloco stalinista estavam nos EUA. O país não sofreu com a devastação da guerra e saiu com uma capacidade de produção intacta que podia ser fornecida para a reconstrução da Europa. Os EUA usaram sua dominância total para impor a sua política ao resto do mundo. Ao invés do protecionismo do período inter-guerra, os EUA começaram a derrubar os muros de tarifas para abrir os mercados para as empresas estadunidenses, o que impulsionou um rápido crescimento do comércio mundial.
O poder imperialista foi institucionalizado com a fundação do Banco Mundial, do Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) que em 1995 foi transformado na Organização Mundial do Comércio, OMC, além da “face humana” do imperialismo na forma da Organização das Nações Unidas (ONU). O dólar se estabeleceu como moeda mundial.
A Guerra Fria resultou em um enorme armamento que estimulou a indústria bélica. Os EUA não podiam intervir na União Soviética e na China, mas tentaram construir zonas de amortecimento apoiando a reconstrução na Europa e Japão. Para conter a revolução chinesa foram dadas condições especiais para Coréia do Sul (a Coréia do Norte foi perdida pelo imperialismo durante a guerra de 1950-1953), Taiwan, Hong-kong e Singapura, países que foram construídos como pontos de apoio ao capitalismo na região, sem nenhuma exigência de “democracia”.
O rápido crescimento no Ocidente deu uma certa estabilidade, mas foi ao custo de um enorme aumento da diferença entre os países pobres e ricos, devido ao aumento da exploração. No entanto, essa estabilidade não poderia se manter para sempre. Os períodos de crescimento sempre chegam a um fim, quando as contradições e crises do capitalismo começam a se manifestar. O crescimento econômico também fortaleceu a classe trabalhadora, e em algum momento, um confronto seria inevitável.
A era dourada do reformismo
O “boom” do pós-guerra levou a um fortalecimento do reformismo no Ocidente. O crescimento econômico deu espaço para reformas, e nos locais de trabalho os capitalistas compravam paz para não perturbar a produção. Enquanto os lucros aumentavam, os capitalistas podiam ceder aumentos para o salário real e o poder aquisitivo. Esse aumento de poder aquisitivo, por sua vez, ajudou a estimular a economia.
Em muitos países o movimento sindical se fortaleceu e aumentou a pressão para implementar reformas. A construção do estado de bem-estar social deu um vislumbre do que seria possível no socialismo. O setor público se expandiu, refletindo a pressão da classe trabalhadora, mas também dos próprios capitalistas. Este foi um importante e confiável consumidor para setores como construção, telecomunicações, indústria farmacêutica e etc. A necessidade de mão de obra levou à abertura em ampla escala à entrada das mulheres no mercado de trabalho. Para isso era necessário o acesso às creche, o cuidado de idosos e etc. A necessidade de uma mão de obra qualificada levou à ampliação do acesso ao ensino e etc. Um outro fator importante para tudo isto foi a existência de um bloco alternativo, o bloco stalinista. Os países imperialistas foram forçados a fazer concessões para não abrir espaço ao “comunismo”.
Porém, essa política de concessões funcionava somente durante o período de crescimento. Todas essas reformas foram ameaçadas e atacadas quando as crises retornaram e não havia mais um lucro que aumentava constantemente. Além disso, mesmo que essas reformas fossem verdadeiros avanços, as injustiças do sistema nunca desapareceram e muitos permaneceram excluídos, mesmo nos países mais ricos.
No movimento dos trabalhadores, o crescimento econômico e o fortalecimento do reformismo, resultou em uma burocratização sem precedentes. O método do meio termo e da colaboração de classes fez com que a força sindical quase nunca fosse usada, era algo no papel que poderia ser utilizado apenas para ameaçar os patrões. Os militantes se acostumaram a um papel secundário e passivo, o que se mostrou algo devastador quando chegou a hora da luta real.
A luta pela libertação das colônias
Uma prova clara de que o imperialismo não tinha mais um poder absoluto depois da Segunda Guerra Mundial foi a intensificação da luta pela libertação nacional das colônias. Antes mesmo da guerra, Trotsky tinha constatado que as antigas potências coloniais chegariam em um ponto no qual o poder militar direto seria caro demais. Os antigos países imperialistas europeus foram forçados a começar a ceder, mas não fizeram isso voluntariamente. A incapacidade do capitalismo de libertar as massas nas colônias da pobreza e desenvolver a economia preparou o caminho para um movimento poderoso nas colônias. A revolução colonial depois da Segunda Guerra Mundial se tornou o maior movimento de massas da história humana.
A independência da Índia em 1947 sinalizou o início do desmoronamento do Império Britânico, um império que no seu auge controlou um quarto do mundo. Vários novos estados-nações surgiram na Ásia, na África e na América Latina. Mas a libertação só se realizou pela metade. Esses países pobres não conseguiram se livrar da dependência econômica do imperialismo. Ao invés do domínio das potências coloniais – Grã Bretanha, França, Holanda, Bélgica, etc. – os EUA se tornaram o poder dominante.
Os EUA construíram seu poder por meio da dominação econômica, ao invés da colonização direta, mas estavam sempre preparados para usar seu poder militar quando seus interesses fossem ameaçados. Mas a presença de um bloco alternativo, o bloco stalinista, permitiu que alguns países se equilibrassem entre os blocos e obtivessem uma certa margem de manobra. Em muitos países indústrias chaves foram estatizadas e reformas importantes foram implementadas, como no caso da Argentina e do Uruguai, mas isso sempre atingia rapidamente os limites dados pelas condições do capitalismo. Em alguns países, como Cuba e Vietnã, variações do stalinismo foram implementadas através de guerrilhas. Em outros países, o sistema era tão fraco que bastavam golpes militares para que o capitalismo fosse temporariamente abolido.
Os sucessos do stalinismo no chamado “terceiro mundo” ligava-se mais à incapacidade do capitalismo do que à política stalinista, que partia de uma visão “etapista” para justificar a política de frente popular. Segundo essa, os comunistas deveriam nessa etapa apoiar sua própria classe burguesa contra o imperialismo ou a ala “democrática” da burguesia contra a ala “fascista”. O socialismo era algo para o futuro distante. Essa política levava a novos equívocos com efeitos catastróficos. Um dos maiores massacres políticos ocorreu quando o futuro ditador da Indonésia desintegrou o partido comunista, PKI, numa matança de mais de um milhão de comunistas em 1965. Esse foi o preço que o PKI pagou por não ter tomado o poder e, ao invés disso, ter apoiado o “democrata burguês” Sukarno, pensando que este poderia barrar Suharto.
A União Soviética tentava frear as revoluções, mas as saudava quando se tornavam um fato consumado. Aceitaram novos países na sua esfera de influência, mas isso também tinha suas desvantagens. Em primeiro lugar, as revoluções genuínas ameaçavam inspirar a luta também na União Soviética. Em segundo lugar, essas novas colaborações resultavam em custos para a União Soviética, como, por exemplo, o comércio subsidiado. Os sandinistas na Nicarágua, por exemplo, foram desaconselhados a seguir o caminho de Cuba e abolir o capitalismo após a revolução de 1979.
A Revolução Cubana
A vitória da Revolução Cubana foi uma enorme fonte de inspiração para as massas da América Latina. O povo do país que os EUA consideravam como o seu “quintal” se livrou do odiado ditador Batista. A Revolução Cubana mostrou que avanços sociais são possíveis também em países pobres. A prostituição e o analfabetismo foram extinguidos. A saúde e a educação alcançaram um padrão até então desconhecido no continente. Essas conquistas são importantes e devem ser defendidas até hoje.
A revolução foi muito além do que seus líderes esperavam. O pequeno exército de guerrilha de Fidel Castro baseava-se em um programa democrático-burguês, mesmo com a existência de comunistas na sua direção, como o irmão de Fidel (Raul) e Che Guevara. As tropas eram compostas, principalmente, por camponeses e trabalhadores rurais. A classe trabalhadora interveio somente na reta final, através de uma greve geral em Havana, mas nesse momento o exército e a polícia de Batista já estavam em estado de colapso.
Fidel Castro apontava para a Revolução Americana como o seu ideal, mas foi justamente a política estadunidense que empurrou Castro para os braços da burocracia soviética. Grande parte da economia estava nas mão de estadunidenses e os EUA implementaram um embargo, mesmo quando Castro só pretendia implementar reformas democrático-burguesas. As empresas estadunidenses, por exemplo, não queriam contribuir com nenhum imposto. Castro respondeu estatizando as propriedades estadunidenses, fazendo com que nove décimos da agricultura e da indústria caíssem nas mãos do estado, ao mesmo tempo em que, a economia foi organizada seguindo o modelo stalinista.
Castro e Guevara se tornaram novos salvadores para a maioria da direção da Quarta Internacional, que começou de novo a falar de “estado de trabalhadores relativamente saudável” e ajudou a divulgar ilusões nas guerrilhas.
As guerrilhas e o papel da classe trabalhadora
A vitória da Revolução Cubana resultou em um aumento do apoio às guerrilhas. É importante que os marxistas tenham uma posição equilibrada sobre as guerrilhas. A classe trabalhadora será decisiva para a vitória do socialismo, mas os camponeses pobres podem desempenhar um papel auxiliar importante, especialmente em países onde a classe trabalhadora é fraca. Todavia, a classe camponesa é fragmentada, no seu trabalho e na sua política e, por isto, é incapaz de desempenhar um papel político independente, buscando uma liderança política nas cidades. Onde a classe trabalhadora não apresenta uma alternativa, a tendência é que a classe camponesa acaba apoiando uma saída dentro do sistema capitalista.
Uma democracia de trabalhadores só pode ser implementada, caso a classe trabalhadora jogue um papel protagonista na revolução. Os exemplos da China, do Vietnã e de Cuba mostram que as guerrilhas de camponeses podem tomar o poder e implementar uma economia planificada nos países onde o capitalismo é fraco e inserido numa situação mundial caracterizada pela presença do bloco stalinista. Mas isso sempre foi ao custo da ausência da democracia de trabalhadores. A guerrilha de camponeses transfere sua forma de gestão militar para o estado. A luta dos trabalhadores, com greves e atos de massas, baseia-se nos órgãos e assembléias com decisões coletivas e democráticas e é tal democracia dos trabalhadores que caracteriza um estado de trabalhadores.
Isso não significa que os marxistas não devem apoiar movimentos guerrilheiros, pelo contrário é correto fazer isso quando a opressão força os camponeses a recorrer à esta forma de luta. Mas temos que apontar os limites da luta guerrilheira e afirmar que sem um vitória socialista dos trabalhadores tal luta entrará em um beco sem saída. Contudo, várias iniciativas de guerrilhas durante os anos 60 e 70 foram puras aventuras e tentativas de impor essa tática aos camponeses. A tentativa de Che Guevara de fazer isso na Bolívia levou à sua morte. Piores ainda foram as tentativas de fazer lutas guerrilheiras nas cidades, como algumas “guerrilhas urbanas” na América Latina.
Os movimentos de 68
A revolução colonial inspirou uma nova onda de radicalização no mundo, especialmente entre os jovens. O movimento pelos direitos civis dos negros nos EUA e a resistência contra a guerra no Vietnã também foram elementos importantes que contribuíram para a radicalização.
Na esquerda foram principalmente os stalinistas e os maoístas que se fortaleceram. O maoísmo teve um grande ascenso, especialmente entre os estudantes radicais, depois da Revolução Cultural na China em 1966 e por conseguir assumir um papel dirigente no movimento contra a guerra no Vietnã. A Revolução Cultural era descrita como a maior de todas as revoluções, mas na verdade era a maneira de Mao se apoiar num movimento de massas para expurgar os burocratas mais corruptos. A intenção do Mao era salvar o sistema e sair do beco sem saída do maoísmo. O caráter dessa “revolução” se mostra no fato de que os principais interesses em jogo eram os interesses do estado stalinista chinês, o que era revelado pelas palavras de ordem nacionalistas e pelo papel nulo que os trabalhadores tinham no movimento.
A radicalização e a politização geral abriu espaço para muitos novos movimentos, mas em nenhum lugar a Quarta Internacional, que agora estava fragmentada, conseguiu chegar a ser uma força de massas. Ela fracassou principalmente em se enraizar na classe trabalhadora e conseguiu atrair mais intelectuais e estudantes.
A radicalização entre os jovens e intelectuais era uma antecipação de uma onda de luta dos trabalhadores que viria no auge do “boom” pós-guerra, no fim dos anos 60. Na França eclodiu a maior greve geral da historia. No auge do movimento, 10 milhões de trabalhadores estavam em uma greve que durou semanas. Comitês de ação – que incluíam trabalhadores, camponeses e estudantes – foram criados ao redor do país, e em lugares como Nantes chegaram a assumir a gestão da sociedade. O presidente De Gaulle chegou a desistir e fugir do país.
Haviam mais de 20 anos que os trabalhadores não chegavam tão perto de tomar o poder num país da Europa Ocidental. Na prática o poder ficou nas mãos dos trabalhadores durante essas semanas, mas já que este não ganhou uma expressão consciente, o movimento retrocedeu. Quando a questão do poder estava na ordem do dia, a direção do partido comunista, PCF, tentou reduzir tudo a uma mera luta por aumento de salários. As organizações trotskistas que estavam presentes não tinham uma base significante entre os trabalhadores. Elas tinha uma orientação voltada aos estudantes e acreditavam que estes eram a nova vanguarda, alegando que os trabalhadores ficaram “americanizados”. Trata-se de um enorme pessimismo sobre as possibilidades da classe trabalhadora no Ocidente, com uma mudança de posição para um extremismo de esquerda irresponsável. Tal sectarismo, levou ao isolamento, pois impediu uma aproximação dos trabalhadores ao partido comunista.
A luta internacional dos anos 70
O desenvolvimento internacional dos anos 60 e 70 teve um efeito importante na radicalização. No sul da Europa caíram as ditaduras na Grécia, Espanha e Portugal. A Revolução dos Cravos em Portugal durante 1974-1975 deu uma nova chance para a revolução dos trabalhadores na Europa, mas a falta de um partido marxista revolucionário foi de novo o fator decisivo. A guerra pela libertação nas colônias portuguesas como Angola e Moçambique, contribuiu para a revolução e um dos efeitos desta luta foi, por sua vez, o fato de que esses países ganharam sua independência.
A Guerra no Vietnã mostrou que uma guerra revolucionária podia derrotar até o mais poderoso país capitalista do mundo, os EUA. O lado forte da Frente Nacional de Libertação (FNL) no Vietnã era a distribuição das terras nas áreas onde tomavam o controle. O crescimento do movimento contra a guerra no mundo também limitou a capacidade dos EUA de aumentar seu esforço na guerra, já que isso ameaçava uma revolta nos próprios EUA. Apesar do caráter stalinista da FNL e do movimento contra a guerra na maioria dos países ser controlado pelos maoístas, o movimento do Vietnã contribuiu para a radicalização internacional.
O regime de Allende no Chile também inspirou trabalhadores no mundo inteiro. A vitória da frente Unidade Popular liderada pelo Allende em 1970 deu um impulso revolucionário para a luta dos trabalhadores. O embrião da democracia dos trabalhadores foi estabelecido com os “cordões industriais”.
A grande tragédia para a classe trabalhadora chilena foi o fato de sua força nunca ter sido usada para barrar o golpe sangrento de Pinochet em 1973. Uma semana antes do golpe, 800 mil trabalhadores marcharam, muitos exigindo armas para se defender contra a ameaça de um golpe militar. Mas os líderes da frente popular tentavam acalmar as massas esperando que os generais respeitassem o governo legítimo. O exemplo chileno mostrou com toda a nitidez que não basta ganhar a maioria nas eleições para mudar a sociedade. Mesmo que a direção formal do aparelho estatal possa cair nas mãos de um governo radical por meio das eleições, a classe burguesa não abandonará voluntariamente o poder real que exerce no núcleo composto por funcionários de chefia, juízes, oficiais do exército, polícia secreta e chefes de polícia. Uma confrontação se torna inevitável quando o sistema capitalista está sendo ameaçado.
Por causa da Guerra no Vietnã os EUA tinham sua capacidade de intervenção militar direta reduzida. Os EUA auxiliaram a classe burguesa chilena na suas tentativas de sabotagem contra o governo eleito por meio do bloqueio do comércio, embargos, retirada de empréstimos do FMI e etc. O seu órgão de inteligência, a CIA, deu um apoio direto ao sangrento golpe militar de 1973.
Partidos de massas, entrismo e sectarismo
O “boom” (período de forte crescimento econômico) pós-guerra foi um período difícil para os marxistas. O reformismo e o stalinismo se fortaleceram e, ao mesmo tempo, houve um baixo nível de luta dos trabalhadores nos países avançados. Infelizmente a direção da Quarta Internacional não estava prevenida para essa situação e tirou as conclusões erradas em cada novo ponto de inflexão na história. Os antecessores do CIO na Grã Bretanha foram os únicos que enxergaram a perspectiva de um período de maior estabilidade para o capitalismo, enquanto outros na Quarta Internacional contavam com colapso econômico, o retorno do fascismo e uma terceira guerra mundial. Quando o “boom” pós-guerra era um fato, eles giraram para o extremo oposto, pensando que o período de “boom” duraria por um período muito longo ou até que o capitalismo tinha superado suas contradições. A tarefa dos antecessores do CIO se tornou a de mostrar que o capitalismo não tinha superado sua contradições e que uma nova crise era inevitável.
A situação objetiva difícil deixou os marxistas isolados. Uma maneira de tentar romper o isolamento foi a tática entrista, adotada por muitas da seções da Quarta Internacional que passaram a entrar em partidos social-democratas ou comunistas para tentar construir uma corrente de oposição. O problema é que muitas vezes, ao invés de tentar ganhar os trabalhadores para uma posição principista, adotaram uma política de “entrismo profundo”, rebaixando o seu perfil até torná-lo irreconhecível. Em muitos casos se tornaram reformistas de esquerda, em outros, a tática fracassada levou a uma reação esquerdista e sectária.
Os únicos que conseguiram utilizar a tática entrista com sucesso, construindo uma corrente por meio disso, foram os antecessores do CIO na Grã Bretanha, que depois de 1964 começaram a ser chamados pelo nome do seu jornal, Militant (hoje The Socialist). A tática entrista, quando Trotsky lançou a idéia nos anos 30, era vista como um giro de curto prazo, numa situação de crise revolucionária, na qual rapidamente poderia-se cristalizar correntes de oposição nos partidos tradicionais da classe trabalhadora. Mas na nova situação pós-guerra essa tática tornou-se prolongada. Ela abriu a possibilidade para os marxistas romperem o seu isolamento e ganharem trabalhadores e jovens para uma posição revolucionária. Naquela época os partidos social-democratas ainda eram organizações de massas, com uma vida interna de debates.
O CIO foi lançado em 1974, graças ao sucesso do trabalho na Grã Bretanha, onde os seguidores do Militant chegaram a ganhar a maioria da organização de juventude (LPYS) do Partido Trabalhista. Com essa posição conseguiram abrir contatos em outros países.
Anos 80: a crise do reformismo e o surgimento do neoliberalismo
Um ponto de inflexão decisivo tinha sido ultrapassado na economia mundial. A crise de meados dos anos 70 era um sinal de que o longo período de crescimento tinha chegado ao fim. Para a burguesia isso era um chamado para a luta. As empresas tinham que lutar para defender seus lucros, pois os dias em que eles podiam aceitar reformas e aumentos de salários tinham acabado. Os ataques não começaram para valer até meados dos anos 80. A radicalização e a onda de lutas dos anos 70 impediram os ataques por mais um período.
Os anos 80 foram também um ponto de inflexão para o reformismo dos social-democratas. Não havia mais espaço para reformas, tal como durante o “boom” pós-guerra. Os governos social-democratas, que nunca estiveram preparados para desafiar o poder dos capitalistas, foram forçados a pôr-se em retirada. A experiência francesa foi importante. François Mitterrand foi em 1981 eleito presidente como candidato do partido socialista (PS) e do partido comunista (PCF), com um programa radical: aumento da aposentadoria e seguro desemprego, redução da jornada de trabalho, algumas estatizações e etc. Os capitalistas franceses responderam com uma “greve de investimentos” e fuga de capital. Um governo revolucionário teria mobilizado apoio entre os trabalhadores para estatizar as grandes empresas e instituições financeiras que estavam sabotando as reformas. Ao invés disso, Mitterrand recuou e retirou as reformas.
A conclusão dos reformistas europeus foi a de abandonar a política de reformas e apostar no aumento da colaboração com as Comunidades Européias, hoje União Européia. O argumento, vigente até hoje, é o de que não é mais possível implementar uma política de reformas num só país, devido ao crescimento do poder do mercado financeiro e do capitalismo cada vez mais globalizado, mas que seria possível resistir às pressões do mercado dentro dos marcos da União Européia. Mas a verdade é que a política da União Européia sempre seguiu as exigências do mercado. A burguesia européia lançou o projeto de fortalecer o seu poder competitivo em relação ao Japão e aos EUA. Essa foi a base da colaboração. Ao invés de um projeto de reformas, foi implementada a desregulamentação do mercado financeiro que aumentou ainda mais o poder do mercado. Cada passo que aprofundava o projeto foi usado como argumento para enormes cortes nos gastos sociais, desregulamentações e privatizações.
Os governos de Reagan nos EUA e de Thatcher na Grã-Bretanha foram os símbolos da política neoliberal. Eles conduziram um política que atacava todas as conquistas que a classe trabalhadora conseguiu durante o período pós-guerra para fortalecer as grandes empresas e defender os seus lucros que estavam ameaçados pela crise econômica. Esses governos desafiaram os setores mais combativos do movimento dos trabalhadores para lutas decisivas, como a greve dos mineiros na Grã Bretanha em 1984-1985. Thatcher conseguiu ganhar, já que os líderes reformistas não estavam dispostos a chamar greves de outros setores em apoio os mineiros e travar uma luta pra valer (dois paralelos brasileiros com este caso são as greves dos petroleiros em 1995 e dos servidores contra a reforma da previdência em 2003). Depois da vitória contra os mineiros, Thatcher podia implementar sua política anti-sindical que enfraqueceu mais ainda os sindicatos, por causa do fracasso dos líderes reformistas de travar uma luta contra a ofensiva neoliberal.
A classe trabalhadora mostrou repetitivamente sua disposição para lutar. Quando havia uma direção alternativa viável, vitórias eram possíveis, mesmo num contexto de retrocesso do movimento. Um grande exemplo foi a luta contra o “poll tax” (imposto municipal com taxa fixa por adulto, sem relação com a renda que foi introduzido na Escócia, Inglaterra e País de Gales no fim dos anos 80). Um movimento de boicote de massas foi construído pela iniciativa da seção britânica do CIO. No auge do movimento, 18 milhões de pessoas se recusavam a pagar o imposto e Thatcher foi forçada a recuar, o que foi o principal fator que levou à sua renúncia.
O colapso do stalinismo
Trotsky mostrou em sua análise do stalinismo, no livro “A revolução traída” de 1936, que a economia planificada sob o regime burocrata poderia copiar as indústrias do Ocidente e rapidamente desenvolver o país, mas a um custo três vezes maior por causa da corrupção, má gestão e desperdício. A democracia de trabalhadores necessária para aproveitar plenamente o potencial da economia planificada não existia. Ao contrário, cada iniciativa dos trabalhadores era vista como uma ameaça por parte dos burocratas e reprimida. Mesmo assim, o desenvolvimento econômico da União Soviética deu um vislumbre do que seria possível com uma economia planificada sob controle dos trabalhadores. A União Soviética partiu do nível de desenvolvimento da Índia para se tornar a segunda grande potência do planeta. A economia soviética cresceu mais rápido que o Ocidente desde o anos 30, talvez até os meados dos anos 70.
O stalinismo tinha saído fortalecido da Segunda Guerra Mundial. Metade da Europa pertencia agora ao bloco stalinista que logo foi complementado com o país mais populoso do mundo, a China. O caráter nacionalista do stalinismo fez com que esse potencial nunca fosse utilizado plenamente. O Comecon, o bloco econômico do Leste Europeu e a União Soviética, era por exemplo menos integrado economicamente do que a União Européia de hoje.
A economia planificada burocrática servia melhor para a indústria pesada, explicava Trotsky. Quando se tratava de desenvolver a indústria leve, de produtos de consumo, a qualidade das mercadorias sofreriam com o burocratismo. Ao fim, a burocracia deu o salto de ser um freio relativo para se tornar um freio absoluto na economia. A economia stalinista entrou em crise nos anos 70, agravada nos anos 80 e resultou no colapso do sistema e nas revoluções de 1989-90.
Mas a restauração do capitalismo não era algo pré-definido. Os movimentos de massas e revoltas que haviam ocorrido nos países stalinistas – Berlin 1953, Hungria 1956, Tchecoslováquia 1968, Polônia 1971 e 1980-1981 – não exigiam um retorno da economia de mercado, mas uma democracia socialista. Também os movimentos de 1989 começaram como protestos contra a burocracia, não como um movimento pró-capitalista. Nas primeiras manifestações em Berlim a Internacional era cantada. Porém, a profunda crise econômica do stalinismo, em contraste com a aparente abundância do capitalismo, que estava no auge de um período de crescimento, as revelações sobre a corrupção e padrão de vida dos burocratas junto com o retrocesso do movimento socialista no Ocidente, levou a um sentimento de que não restava alguma alternativa senão voltar ao capitalismo.
A restauração do capitalismo não trouxe a prosperidade que os capitalistas prometeram. Ao invés disso, as perspectivas do CIO se mostraram corretas: o futuro do Leste Europeu seria se tornar uma América Latina, não uma Europa Ocidental. A crise foi especialmente profunda na ex-União Soviética, onde a produção caiu para a metade durante os primeiros anos da década de 90. O número de pobres no Leste Europeu aumentou dez vezes. Também na China começou o processo de restauração capitalista, aqui a casta dirigente se transformou numa classe capitalista, uma possibilidade que Trotsky levantava na Revolução Traída. O Partido Comunista Chinês não seguiu o caminho de Gorbatchov, isto é, tentar implementar reformas de cima para evitar uma revolução por baixo, para manter o poder absoluto da burocracia. A burocracia chinesa abriu o país para investimentos das multinacionais, oferecendo uma classe trabalhadora bem educada, mas fortemente reprimida, sem nenhum direito trabalhista e com salários que são só um fração dos salários do Ocidente, poucos impostos e uma infra-estrutura construída com a economia planificada. Isso levou a um rápido crescimento da economia chinesa que atraiu grande parte dos investimentos do mundo.
Do bloco stalinista não resta nada. O Vietnã seguiu o caminho da China e agora possui boas relações com os EUA. Isso é uma demonstração da bancarrota do stalinismo – o país pobre que conseguiu derrotar a super-potência acabou se entregando ao imperialismo em troca de investimentos e acesso ao mercado americano, usando seus trabalhadores como moeda de troca. A Coréia do Norte é um país na beira de colapso. Uma crise de fome matou inúmeras pessoas. A dinastia stalinista tenta usar a ameaça de desenvolver tecnologia nuclear para ganhar concessões do imperialismo. Um colapso da Coréia do Norte, que forçaria uma reunificação com a Coréia do Sul Criaria grandes dificuldades econômicas e resultaria em um fardo imenso para a Coréia do Sul.
A crise econômica também atingiu Cuba nos anos 90, quando perdeu seu mercado na União Soviética, e forçou o regime de Castro a abrir sua economia para investimentos estrangeiros e a uma dolarização da economia. Isso começou a criar novas diferenças sociais e ameaçar o sistema. Mas o processo em Cuba é mais lento, por um lado pela política de bloqueio e isolamento dos EUA, que une o país atrás do Castro, por outro pelo apoio popular que a revolução ainda tem, com as conquistas como o acesso livre a educação e saúde de qualidade, a abolição da prostituição, etc. No último período o regime deu passos atrás em relação a dolarização. A colaboração com a Venezuela ajudou a fortalecer a economia.
O colapso do stalinismo mostrou – mesmo que o resultado tenha sido a restauração do capitalismo – o potencial revolucionário das massas e como os movimentos revolucionários rapidamente podem se espalhar internacionalmente. Um outro fator positivo do colapso foi que a distorção stalinista do socialismo sumiu como força de massas.
O fim da Guerra Fria
O colapso do stalinismo, especialmente a dissolução da União Soviética, resultou no fim das relações mundiais características do período pós-guerra. A burguesia ocidental se aproveitou do colapso do stalinismo para lançar uma guerra ideológica contra todas as idéias socialistas. Um nova “ordem mundial” foi proclamada. Os EUA permaneceram como a única “polícia mundial”. A Guerra do Iraque de 1991 sinalizou essa nova era: os EUA lançaram uma guerra brutal, dessa vez com o apoio da Rússia. Mas a guerra também mostrou os limites do poder dos EUA. Para não arriscar serem sugados por uma nova Guerra do Vietnã a ênfase foi colocada nos bombardeios, finalizados por uma curta guerra terrestre. George Bush pai deixou, naquele momento, Saddam Hussein permanecer no poder, pela falta de uma alternativa confiável. A segunda guerra contra o Iraque em 2003 e os acontecimentos posteriores confirmaram esses problemas. Quando o imperialismo atua militarmente, como no Iraque, nos Bálcãs ou no Afeganistão, é para proteger os seus interesses, seja o petróleo, o prestígio, o poder ou a necessidade de estabilidade.
O colapso do stalinismo abriu espaço para novos antagonismos. O bloco stalinista tinha funcionado como uma cola que mantinha o imperialismo ocidental unido. Quando isso sumiu, os antagonismos entre os poderes imperialistas ressurgiram. A rivalidade é expressa na construção do blocos regionais, como o NAFTA e a União Européia e em antagonismos políticos entre as grandes potências (EUA, UE, Japão, China e Rússia).
O colapso do stalinismo não significou uma salvação econômica para o capitalismo, que entrou numa nova crise no começo dos anos 90, seguida pela “Crise Asiática” em 1997-1998 e o colapso da bolha da Informática em 2000. As antigas economias stalinistas não se tornaram novos grandes mercados, mesmo com as empresas ocidentais fazendo o possível para comprar as melhores empresas estatais que foram privatizadas, para abrir novas fontes de matérias primas e para utilizar uma mão de obra barata, muitas vezes bem qualificada.
O aburguesamento
O colapso do stalinismo e a subseqüente ofensiva ideológica da burguesia internacional, tiveram um grande efeito ideológico. Levaram a um retrocesso na consciência socialista. Mesmo para os que não acreditavam que os países stalinistas eram socialistas, o fato do capitalismo não existir nesses países mostrava que uma alternativa era possível. O colapso resultou em uma quebra na esquerda, especialmente nos países do chamado “terceiro mundo” onde os partidos stalinistas tinham uma base de massas entre os trabalhadores. Esse processo fez com que tais partidos fossem ainda mais à direita, junto com os partidos social-democratas – (sejam “social-democratas”, “trabalhistas” ou “socialistas”) que combinavam uma base de apoio de massas com uma política burguesa implementada por suas direções. Esse processo, junto com a pressão resultante do processo de globalização, fez com que esses antigos partidos se tornassem totalmente burgueses durante os anos 90 e isto ocorreu sem muita oposição interna. Um fator decisivo foi o fato de que eles não eram mais vistos pela classe trabalhadora como instrumentos para a mudança da sociedade. Isso não significa que esses partidos não podem ter ainda apoio eleitoral, pois, na ausência de uma alternativa de esquerda, eles são vistos como um “mal menor”. Esse processo de aburguesamento também atingiu o PT no Brasil e se acelerou com a vitória de Lula nas eleições presidenciais de 2002.
Os marxistas de hoje colocam a necessidade de construir novos partidos de trabalhadores de massas, como ferramentas para defender a classe trabalhadora. Esses partidos não precisam começar com projetos socialistas acabados. O que é decisivo no início é que esses partidos sejam combativos, democráticos, sem privilégios para seus líderes, dispostos a lutar contra a política neoliberal e pelos direitos dos trabalhadores. Tais partidos serão rapidamente colocados diante de testes difíceis. Não há espaço para um política reformista nesse período. Esses novos partidos precisam rapidamente chegar a esta conclusão, tirando as lições dos fracassos dos reformismos social-democrata e stalinista. Lutamos para que esses partidos adotem um programa revolucionário, capaz de dar resposta a estas questões e armar os trabalhadores politicamente para derrubar o sistema capitalista.
O partidos tradicionais da burguesia também passaram por grandes crises em muitos países, o que mostra que o sistema não está passando por um período de estabilidade. Partidos que por muito tempo sustentaram o sistema político, estando no poder por longos períodos de tempo – como os Tories na Grã Bretanha, o LDP no Japão e os Democratas Cristãos na Itália – foram abalados com escândalos de corrupção, cisões, perda de grande parte de seu apoio anterior ou, como no exemplo italiano, deixaram de existir. Isso é uma expressão do fato que o capitalismo se encontra num beco sem saída e foi um elemento que levou a classe dominante em vários países a apostar na social-democracia como principal instrumento na implementação da política neoliberal durante os anos 90.
A questão nacional
A questão nacional é hoje uma das principais causas por trás dos conflitos armados no mundo, como a luta dos palestinos e curdos no Oriente Médio, dos tamis na Ásia e os conflitos ao redor da guerra no Congo. A questão nacional também está presente onde os conflitos nesse momento não estão passando por uma fase de luta armada, como na Irlanda do Norte, nos Balcãs na Europa e as lutas de vários povos na América Latina, na África e na Ásia.
Os bolcheviques mostraram durante a Revolução Russa em 1917 que a questão nacional é decisiva. A Rússia czarista era uma “prisão das nações”. Lenin argumentava que para os bolcheviques ganharem o apoio dos trabalhadores dos povos oprimidos, os direitos deles à auto-determinação nacional tinham que ser defendido. Esta era uma das tarefas que pertenciam à revolução burguesa, mas que agora se tornou uma tarefa que somente a classe trabalhadora pode resolver.
Nós somos internacionalistas e lutamos por uma revolução internacional, na qual uma federação de estados de trabalhadores será construída e as fronteiras podem começar a sumir. Mas esse tipo de cooperação não é possível se as nações oprimidas não obtiverem o direito pleno de decidir sobre o seu próprio destino. A mínima insinuação de que continuarão a sofrer opressão cultural e nacional arruinaria a unidade.
Ao mesmo tempo temos que explicar que a criação de pequenos países capitalistas pobres não é o caminho que levará a uma libertação nacional. Uma Palestina, um Kosovo ou uma Caxemira capitalista independentes ainda seriam oprimidos economicamente por vizinhos poderosos e pelo imperialismo. O caminho está na unidade na luta dos trabalhadores e dos camponeses pobres, para além das fronteiras. Na Palestina e em Israel isso significa unir a luta dos palestinos contra a ocupação do exército israelense com a luta dos trabalhadores de Israel, sejam judeus ou árabes, contra o regime capitalista que oprime os trabalhadores desse país. Mas essa unidade também significa não confiar nos líderes corruptos burgueses dos territórios palestinos ou nos monarcas e ditadores dos países árabes que apóiam a luta dos palestinos apenas da boca para fora, apenas para defender seus próprios interesses. Por isso, a luta deve ser por uma federação socialista entre uma Palestina socialista e independente e um Israel socialista que servirá como um primeiro passo para a construção de uma Federação Socialista do Oriente Médio.
Se a classe trabalhadora internacional não consegue construir uma poderoso movimento socialista, novas tragédias nacionais vão, inevitavelmente, acontecer. Vários estados correm o risco de novas guerras civis e de desintegração sangrenta por causa da crise do capitalismo, como a Nigéria, a Indonésia, a Índia e vários países da ex-União Soviética, incluindo a Rússia.
O fundamentalismo
A bancarrota do stalinismo abriu espaço para uma forma especial de reação ideológica no Oriente Médio, na Ásia Central e em outras partes do mundo. Quando os partidos comunistas fracassaram na tarefa de apresentar uma saída para a luta isso abriu o caminho para o fundamentalismo islâmico. O grande avanço para os fundamentalistas ocorreu quando os mulás (líderes religiosos) conseguiram usurpar a revolução dos trabalhadores do Irã contra o xá (monarca) em 1978-1979. O fundamentalismo islâmico, assim como o cristão como, por exemplo, nos EUA, é profundamente reacionário, contra os direitos das mulheres e dos trabalhadores. Ele chega a ter apoio porque levanta palavras de ordem contra o imperialismo estadunidense e por desenvolver projetos sociais – constróem escolas e hospitais para pobres e etc. Sua principal base de apoio se encontra entre as camadas mais pobres e oprimidas da sociedade. As potências imperialistas muitas vezes deram apoio à construção de movimentos fundamentalistas, como um contrapeso contra movimentos radicais e seus inimigos. Os EUA apoiaram as guerrilhas – inclusive os seus futuros inimigos, os talibãs – no Afeganistão contra a ocupação da União Soviética nos anos 80. O Hamas foi inicialmente apoiado contra a OLP até mesmo pelo regime israelense. O governo reacionário da Arábia Saudita, que pertence à mesma ala islâmica dos talibãs, é até hoje um aliado dos EUA. Depois do ataque terrorista nos EUA, de 11 de setembro 2001, o fundamentalismo islâmico passou a ser descrito pelo imperialismo como o principal inimigo, ocupando o espaço que antes era reservado para o “comunismo”, levando às guerras no Afeganistão em 2001 e no Iraque em 2003.
Globalização – um novo capitalismo?
No fim dos anos 90, depois do período de crescimento prolongado nos EUA e da revolução técnica da informática e da telecomunicação, os economistas burgueses começaram a afirmar que o capitalismo entrou em uma nova fase sem crises: “a nova economia” e a era da globalização. Isso foi auxiliado pelo fato de que os EUA conseguiram, por pouco, escapar da Crise Asiática de 1998 e, ao invés de crise, tiveram um crescimento acelerado em um período no qual o capital especulativo do mundo, ao fugir dos mercados vistos como instáveis (incluindo o Brasil), fluiu em grande escala para os EUA, estimulando o seu crescimento. Esta não foi a primeira vez que os burgueses lançaram o mito do “novo capitalismo”. O colapso da bolsa de valores de Nova Iorque em 1929, que marcou o início da depressão econômica mundial, foi precedido pelo mesmo tipo de onda especulativa baseada na “nova economia” da época.
O capitalismo não conseguiu superar suas crises. Já no Manifesto Comunista, Marx e Engels constatavam que o capitalismo é caracterizado pelo surgimento do mercado mundial, no qual a concorrência obriga os capitalista a caçarem mercados no mundo inteiro. Vários desses processos, já presentes desde o começo do capitalismo, se aprofundaram no último período, sem alterara o caráter do sistema.
O mercado financeiro
A incapacidade do capitalismo de obter os mesmos níveis de lucros existentes no período pós-guerra fez com que os donos do capital passassem a usar uma parte maior do capital para a especulação. Durante os anos 80 e os anos 90 os mercados financeiros cresceram de forma explosiva. No começo do novo século o comércio diário no mercado financeiro era dez vezes maior do que o comércio com mercadorias e serviços. O avanço do mercado financeiro foi facilitado pelas desregulamentações implementadas pelo neoliberalismo no mundo inteiro, forçando também a abertura dos países do chamado “terceiro mundo”. Isso junto com um rápido avanço tecnológico das telecomunicações e da informática criou um mercado financeiro mundial que funciona 24 horas por dia.
O valor das bolsas de valores aumentaram rapidamente desde a década 80, por causa de um influxo de capital causado pela política neoliberal. Um fator já mencionado é o aumento de capital usado em especulação, mas também é preciso mencionar a política de privatização de empresas estatais dos sistemas de segurança social, especialmente por meio de fundos de pensão privados. Uma crescente parte da poupança, também de pequenos poupadores foi voltada à especulação na bolsa de valores, algo incentivado por meio do rebaixamento de impostos para esse tipo de poupança. Em muitos países, as empresas também tentam aumentar o vínculo dos trabalhadores com os interesses das empresas criando sistemas de participação dos lucros e de opções de compra de ações. Muitas vezes os sindicatos também têm grandes interesses em fundos de pensões ou mesmo sobre seus próprios bens, fundos de greves e etc. que são investidos em ações. Mas as tentativas de atrelar os trabalhadores aos interesses do sistema capitalista só servem como um freio para os antagonismos de classe durante um período de crescimento limitado. Novas crises, com queda dos lucros e novas demissões, fazem com que os antagonismos voltem a vir a tona.
Esse crescimento das bolsas de valores, de diferentes fundos e de instrumentos especulativos levaram ao aumento da instabilidade e da vulnerabilidade da economia. O capital que hoje é extremamente móvel, pode rapidamente entrar e inflar uma bolha especulativa, assim como também pode rapidamente sair criando uma crise. O peso desse mercado financeiro é usado como uma ferramenta de extorsão para forçar a implementação de novas medidas neoliberais e como instrumento de oposição a qualquer governo que se opõe a essa política.
Informática
Os defensores da “nova economia” usaram o rápido desenvolvimento tecnológico da informática como prova de que o capitalismo pode superar suas crises e que isso justificava os números das bolsas de valores altamente inflados. De fato, a informática e os computadores significam um grande avanço tecnológico com enorme potencial para a humanidade, mas o capitalismo é incapaz de aproveitar isso plenamente. Ao invés disso, a bolha especulativa da informática – assim como todas as bolhas especulativas que surgiram dos avanços tecnológicos do capitalismo desde a caça histérica por ações nas ferrovias durante 1870 – estourou durante o ano 2000.
A tecnologia da informática não mudou o modo de funcionamento do capitalismo. Este ainda é um sistema de produção de mais-valia para dar lucros aos capitalistas, baseado no trabalho não pago dos trabalhadores. A diferença é que as bolhas especulativas de hoje chegaram a ter um tamanho maior que o da economia total. As bolsas de valores em vários países tem um valor no papel que excede o valor do PIB (a soma de todas mercadorias e todos serviços produzidos num ano em um país). Por isso os colapsos nas bolsas de valores podem ter conseqüências mais graves do que antes, especialmente quando mais pessoas possuem ações, direta ou indiretamente. Por outro lado, a informática ainda não mudou a situação dos pobres do mundo, o que é ilustrado pelo fato de que a maioria da população do mundo ainda não fez a sua primeira ligação telefônica.
“Livre comércio”
As grandes potências imperialistas, lideradas pelos EUA, continuam a pressionar os países pobres para abrir seus mercados às suas mercadorias e investimentos e para privatizações de empresas estatais. Depois do colapso do stalinismo não há mais um bloco alternativo para o qual os países pobres podem recorrer, o que forçou praticamente todo o mundo ex-colonial a abrir suas fronteiras para o capital ocidental. Uma arma poderosa é o conjunto das dívidas dos países pobres. O Fundo Monetário Internacional (FMI) força os países pobres a implementar medidas de “liberalização” da economia, por exemplo com privatizações, para receber limitados “pacotes de ajuda”. A Organização Mundial do Comércio (OMC) também trabalha para melhorar as condições para as multinacionais do ocidente, para abrir as fronteiras para suas mercadorias baratas e devastar a indústria local.
Os defensores da “globalização” dizem que ela é o melhor caminho para diminuir a pobreza no mundo. Na verdade, a globalização capitalista abriu espaço para um grande aumento da exploração das massas pobres do “terceiro mundo”. Nos países mais pobres uma crescente parte da produção está voltada à exportação, muitas vezes uma exigência do FMI para pagar as dívidas, mas a pobreza continua aumentando. Ao invés de produzir comida para a própria população, produzem chamados “cash crops” (produtos agrícolas que podem ser exportados, como soja, café e etc.) para os países ricos. Cada vez menos países pobres são auto-suficientes na produção de comida e se encontram, por isso, ainda mais nas garras do imperialismo. O aumento da exploração, da repressão e das guerras levou a um aumento drástico da quantidade de refugiados e asilados do mundo durante a década 80 e 90. Nos países avançados os refugiados encontram o racismo da direita e do estado e uma nova super-exploração. Os chamados “imigrantes ilegais” são usados como uma fonte de mão de obra barata, totalmente desamparada, o que também ajuda os capitalistas a atacarem os direitos dos trabalhadores “nativos”. Políticos de direita e racistas usam os imigrantes como bode expiatório da crise de seu próprio sistema e para dividir a classe trabalhadores em linhas étnicas. A luta contra o racismo é por isso uma parte fundamental da luta da classe trabalhadora, pela unidade da classe e por direitos iguais. Em vários países essa camada de imigrantes começam a ter um peso importante na produção, o que aumenta sua auto-confiança. A greve dos imigrantes dos EUA no 1° de maio em 2006 mostra o potencial de luta desses trabalhadores, que muitas vezes trazem um tradição de luta do seu país de origem.
A abertura das fronteiras para o capital financeiro fez com que as multinacionais rapidamente realoquem a sua produção para países pobres, o que é por sua vez usado para atacar os direitos dos trabalhadores dos países capitalistas avançados, mas também dos países médios. Os baixos salários chineses são argumentos para falar também de um “custo Brasil”.
Contraditoriamente,Mas os ataques aos empregos e aos salários dos trabalhadores significa também um ataque ao poder aquisitivo de uma grande parte do mercado para os capitalistas, que são cativos do seu próprio sistema. Se os salários alemães são substituídos por salários chineses, quem vai pagar mercadorias com preços alemães?
A crescente concorrência internacional e o cassino especulativo forçam as empresas a se expandirem, fundirem e comprarem umas às outras e conquistarem novos mercados. As economia mundial é dominada por um número cada vez menor de gigantes multinacionais. Um estudo aponta que das 100 maiores economias mundiais, 48 são países e 52 são empresas multinacionais. “Qual é a diferença entre a Tanzânia e a Goldman Sachs?”, perguntou o jornal britânico The Guardian e respondeu: “O primeiro é um país no qual os 25 milhões de habitantes dividem 2,2 bilhões de dólares, o segundo é um banco de investimentos que lucra 2,6 bilhões de dólares e divide entre 161 donos.” Esta é, ao mesmo tempo, uma ilustração do poder das grandes empresas e bancos capitalistas e da barbárie do sistema capitalista.
Unidade na luta – por um mundo socialista
A globalização da economia reforçou a dimensão internacional das lutas dos trabalhadores. Trabalhadores de empresas multinacionais precisam coordenar a sua luta internacionalmente. As greves simultâneas de trabalhadores da Renault em 1997 e da General Motors em 2001 nas suas fábricas em diferentes países na Europa são exemplos para o futuro. A onda de protestos contra a crescente exploração e o aumento da distância entre os mais ricos e mais pobres que resultam da globalização é um reflexo de uma elevação da consciência internacional, especialmente entre os jovens. As manifestações de massas que bloquearam a reunião da OMC em Seattle em 1999 foram o início de manifestações que se espalharam pelo mundo e perseguiram as reuniões de cúpula das instituições internacionais do capital: o G-8, o Fórum Econômico Mundial em Davos, o FMI, o Banco Mundial, a União Européia e etc. Os Fóruns Sociais Mundiais são expressão desse movimento. Milhões participaram desses movimentos, que juntou sindicalistas, ambientalistas, estudantes, e militantes de inúmeros movimentos sociais, de camponeses pobres e indígenas.
A resistência contra as opressões e as guerras imperialistas também levaram a enormes protestos. As manifestações contra as guerras dos EUA contra o Afeganistão e o Iraque juntaram milhões. Num dia internacional de protestos contra a guerra do Iraque, no dia 15 de fevereiro de 2003, mais de 30 milhões de pessoas participaram em atos em 70 países.
A “guerra contra o terrorismo” dos EUA, ao contrário do que se dizia, levou a um mundo mais instável, ameaçando novas guerra. Usando o argumento do “combate ao terrorismo”, ameaçam os direitos democráticos no mundo inteiro. A “guerra contra o terrorismo” foi usada também contra o movimento anti-globalização, com maior repressão, brutalidade policial e criminalização dos movimentos. Existe uma crescente consciência de que são as injustiças no mundo que causam a insegurança, que o fundamento do terrorismo está na frustração criada pela pobreza, exploração e opressão. O aumento da opressão, especialmente depois dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, não levou a um retrocesso do movimento. Ao contrário mais e mais pessoas tiram a conclusão que é o capitalismo que tem que ser derrubado.
Os anos 90 foi uma década em que a consciência da necessidade de uma revolução socialista retrocedeu. Isso não impediu que os trabalhadores se empenhassem nas lutas. A ofensiva neoliberal criou o seu próprio contra-ataque. Isso foi visto principalmente nos países mais pobres que mais sofreram com a política imposta pelo FMI, pelas privatizações e pelos cortes nos gastos sociais. Isso desencadeou poderosos movimentos, em que as massas derrubaram presidentes em um país após do outro: no Equador foram derrubados Bucaram em 1997, Mahuad em 2000 e Gutierrez em 2005; na Indonésia foi derrubado Suharto em 1998; Estrada nas Filipinas e Milosevic na Iugoslávia em 2001. A onde de protestos na Argentina em 2001 levou à rápida sucessão de 5 presidentes. Na Índia uma gigantesca greve geral uniu 50 milhões de trabalhadores em maio de 2003.
Na Bolívia os protestos pela nacionalização do gás e do petróleo levaram à queda de Lozada em 2003 e de Mesa em 2005. A pressão do movimento resultou na vitória do primeiro presidente indígena, Evo Morales que anunciou a nacionalização parcial dos recursos de hidrocarbonetos. Na Venezuela a eleição do Hugo Chávez à presidência em 1998 abriu o espaço para uma radicalização. As medidas de reformas e aumento de impostos sobre a produção petrolífera, que desafiava os interesses do imperialismo, levou a várias tentativas da direita de derrubar Chávez. Estas tentativas – a tentativa de golpe em abril de 2002, a “greve” empresarial em janeiro-fevereiro de 2003 e o referendo de revogação do mandato de Chávez em agosto de 2004 – foram barradas pelo apoio popular dado às reformas de Chávez.
No entanto, esses dois exemplos da radicalização existente na América Latina mostram também os riscos de não se levar o movimento a uma conclusão. Se os trabalhadores, com sua própria organização política em forma de um partido revolucionário e armados com um programa socialista, não concluem a ruptura com o sistema capitalista, a reação vai, mais cedo ou mais tarde, surgir, seja pela força (como no caso do golpe militar no Chile em 1973), seja pelo desgaste do movimento que é inevitável num certo momento quando não há uma ruptura com o capitalismo que pode resolver o problema da pobreza, como no caso da Nicarágua em 1990.
Também nos países avançados vimos grandes movimentos contra os ataques neoliberais, em vários casos os maiores movimentos em décadas. Muitas vezes são os jovens que se lançam primeiro nas lutas: como o vitorioso movimento dos estudantes na França no início de 2006 que forçou o governo a retirar um ataque aos direitos trabalhistas de jovens.
Novas crises econômicas também forçarão os trabalhadores dos países capitalistas avançados a retomar a luta para defender seus trabalhos e barrar novos ataques contra seus salários, direitos trabalhistas e direitos sociais. Uma nova geração irá, novamente, transformar e reconstruir os sindicatos como instrumentos de luta – o que ajudará muitos ativistas a tirar conclusões socialistas.
Nesse processo de reconstrução da esquerda surgirão novos partidos, como já vimos vários exemplos: desde a Refundação Comunistas na Itália no começo dos anos 90 até o Partido Socialista Escocês, a Alternativa Eleitoral por Trabalho e Direitos Sociais (WASG) na Alemanha e o Partido Socialismo e Liberdade no Brasil. Esses partidos jogaram um papel importante como aglutinadores da esquerda, mas o processo de recomposição da esquerda é brutal contra aqueles que não tiram as lições dos fracassos do stalinismo e do reformismo.
Repetindo os erros históricos das lutas dos trabalhadores, várias dessas novas formações entram rapidamente em um beco sem saída e retrocedem politicamente. A Refundação Comunista na Itália, que já tinha cometido o erro de dar apoio a um governo da centro-esquerda que implementava ataques neoliberais nos anos 90, está cometendo o mesmo erro de novo colocando o futuro do partido em risco. O Partido Socialista Escocês, depois de um processo de adaptação a uma política que misturava reformismo e nacionalismo de esquerda cometeu suicídio político apoiando um jornal sensacionalista num processo contra o ex-líder do partido, o que levou a uma ruptura em massa do partido e a fundação de um novo partido em setembro de 2006: Solidariedade – o Movimento Escocês pelo Socialismo. Na Alemanha a direção do WASG planeja um fusão com o antigo partido stalinista L.PDS, que implementa ataques neoliberais nos lugares em que governa junto com os social-democratas. No Brasil vimos um giro à direita do PSOL na campanha eleitoral de 2006 e a repetição de vários vícios do PT. A tarefa dos marxistas hoje é a de participar nesse processo de recomposição, lutando pela necessidade de uma alternativa socialista conseqüente para evitar esses becos sem saída.
A intransigência dos capitalistas força os movimentos a adotar métodos de lutas mais duros – ocupações, bloqueios, greves gerais – que apontam numa direção revolucionária. O germe de uma gestão dos trabalhadores existe nessas lutas, quando o povo trabalhador decide lutar para decidir as suas vidas. A classe trabalhadora vai sempre acabar retomando as lutas. Nem as ditaduras mais brutais sobrevivem eternamente. Foram muitos que pensavam que a classe trabalhadora estava definitivamente esmagada na Romênia, por exemplo, onde o aparato estatal stalinista parecia ser uma concretização do “1984” de Orwell e impossível de derrotar. Mas quando os trabalhadores saíram em protestos durante o natal de 1989 numa luta determinada o aparato desmoronou rapidamente.
O século XX confirmou as idéias do trotskismo, o marxismo moderno. A classe trabalhadora cresceu e se tornou a maior e mais importante força do planeta. Mas essa força é hoje somente um potencial que nunca foi testado. Sem partidos socialistas revolucionários de massas, enraizados na classe trabalhadora e nas camadas pobres da sociedade, que estejam preparados para travar uma luta decisiva contra o capitalismo, novas derrotas serão inevitáveis. A nossa tarefa é a de participar na construção de partidos desse tipo pelo mundo inteiro, e lutar para armá-los com o nosso programa.
(janeiro 2007)