Che Guevara: Símbolo de luta

Introdução

Durante 1996 e 1997 publicou-se inúmeros livros, revistas e artigos sobre Ernesto Che Guevara para comemorar os trinta anos de sua execução. Por todo o mundo ele é conhecido simplesmente como o ‘Che’. Este apelido foi dado por amigos e companheiros de luta quando se encontrava no México nos anos 50. Che é um termo comum na Argentina, seu país natal. Em 1997 se voltou a ver jovens na América Latina e Europa com camisetas do Che e cartazes com seu retrato.
Alguns jornalistas pró-capitalistas superficiais e cínicos têm tentado diminuir a importância deste interesse reavivado no Che, tentando descrever falsamente este fenômeno como um mero desejo de identificar-se com o assim chamado estilo de vida permissivo associado aos anos 60. O Che Guevara possui, sem duvida, um atrativo romântico e cultural para muitos jovens que se identificam com sua imagem “rebelde”.

Mas ainda mais importante é que o renovado interesse pelo Che Guevara reflete o atrativo que sempre teve para todos aqueles que buscavam uma forma de mudar a sociedade e terminar com a exploração do capitalismo e o imperialismo. São muitos os que vêem o Che e Cuba como símbolos de resistência. A nova geração que ostenta em público seu apoio ao Che Guevara reflete o começo de uma busca de idéias socialistas revolucionárias que ofereçam uma sociedade alternativa viável ao capitalismo.

Porque então, o Comitê por uma Internacional Operária (CIO) edita uma revista sobre Che e Cuba quando já se escreveu tanto sobre este tema internacionalmente?

Deixando de lado os artigos cínicos e, em ocasiões, frívolos, aparecidos em muitos jornais e revistas, já se tem editado alguns livros e biografias sérias. Che Guevara – Uma Vida Revolucionária, do jornalista e escritor norte-americano Jon Lee Anderson, é uma biografia amena e bem documentada. Assim também o é Ernesto Guevara, também conhecido como El Che, do escritor mexicano Paco Ignacio Taibo.

Apesar dos estudos e investigações exaustivas que estes autores tem levado a cabo, seus trabalhos, inevitavelmente, têm uma carência. Não trazem um balanço político das lições da contribuição de Che ao movimento revolucionário que possa ajudar na luta contra o capitalismo e o imperialismo hoje. Estes autores, ainda que tragam uma valiosa contribuição histórica, não podem levar a cabo esta tarefa. A razão é bem simples; não são participantes ativos na luta para derrotar o capitalismo e substituí-lo pelo socialismo.

O CIO edita esta revista sobre o Che e a Revolução Cubana de 1959 para contribuir com a tarefa de construir uma organização socialista revolucionária internacional que possa derrotar o capitalismo e o imperialismo. A história nunca se repete exatamente da mesma forma. Sem dúvida, existem importantes lições das lutas e revoluções anteriores que todos os que lutam pelo socialismo hoje devem aprender se querem que esta luta tenha êxito.
É este o motivo pelo qual se publica agora esta revista. A Revolução Cubana e, em particular, a contribuição que a ela fez o Che Guevara, contém muitas lições para a luta contra a exploração ocorre atualmente, especialmente na América Latina, África e Oriente Médio.

Para fazer o balanço é necessário não só seguir os acontecimentos históricos que ocorreram, mas também discutir as idéias e os métodos defendidos por figuras centrais implicadas nestes acontecimentos. Esta revista pretende ser uma contribuição para a discussão das experiências, idéias e métodos de luta que se desenrolaram durante a revolução a qual o Che jogou um papel protagonista.

Por isto, esta revista não aspira se converter numa biografia pessoal detalhada da vida do Che. Muitos aspectos de sua vida, incluídos seus dois matrimônios, não são tratados aqui, ainda que questões pessoais desta índole constituam aspectos importantes na formação de qualquer personalidade e tiveram um peso em sua evolução política. Tão pouco foi possível fazer um informe exaustivo de todos os acontecimentos históricos que aconteceram e nos quais o Che participou. Os leitores terão que estudar outras biografias e obras sobre Cuba, o Che e a Revolução Cubana para conseguir tal informação.

Nos trinta anos de sua morte é necessário rememorar a luta heróica e sacrificada que o Che manteve contra o capitalismo e o imperialismo. Opôs-se de forma implacável à exploração capitalista e lutou contra ela. Viu-se atraído pelo socialismo fundamentalmente como resultado de suas próprias experiências, motivado pelo anseio de ver sua vitória em todo o mundo. A principio viu a URSS e a Europa Oriental como sociedades socialistas alternativas. Fez isto a “uma distância”. Posteriormente, sua experiência de primeira mão com aqueles regimes burocráticos que governavam em nome do socialismo o repeliu.

Comprometido com a vida de um revolucionário na metade de sua vintena, a luta pela revolução internacional haveria de custar-lhe a vida com a idade de 39 anos. Dirigiu com o exemplo e foi um internacionalista incorruptível. Devido a estas qualidades, continua sendo fonte de inspiração como um símbolo de luta contra a opressão e a exploração.

Guerrilheirismo

Ao mesmo tempo, suas idéias não estavam plenamente alinhadas no sentido de possuir uma compreensão profunda do marxismo. Foram suas idéias sobre o guerrilheirismo as que tiveram um peso decisivo na Revolução Cubana e nos acontecimentos subseqüentes, especialmente na América Latina. Sua defesa destas idéias como método de luta a ser adotado por toda a América Latina as converteram no centro de debate no movimento socialista revolucionário por todo o continente e mais além de suas fronteiras. Estas idéias do Che são discutidas nesta revista, posto que contém importantes lições para a luta de hoje contra o capitalismo e o imperialismo.

O Che desenvolveu outras idéias sobre a economia e também sobre o que denominou como “socialismo e o novo homem”, que se centrava em como se podia desenvolver a atitude das pessoas frente à sociedade depois da derrubada do capitalismo. Estes trabalhos refletem alguns dos temas com que teve que tratar depois da revolução de 1959 mas, devido às limitações de espaço, não foi possível tratá-los neste revista.

Um estudo da vida do Che demonstra que suas idéias se desenvolveram num período prolongado de tempo, freqüentemente como resultado de sua própria experiência. Morreu relativamente jovem, com 39 anos. Está claro que continuava desenvolvendo suas idéias no tempo de sua morte. Existe um certo paralelismo entre Che e Malcolm X e George Jackson nos Estados Unidos.

Ante as dificuldades da situação em Cuba e os horrores de que foi testemunha em suas visitas por trás da ‘cortina de ferro’ à URSS e Europa Oriental, parecia estar buscando uma alternativa e começou a explorar outras idéias. Começou a ler alguns escritos de Leon Trotsky alguns anos antes de sua morte. Aqui só podemos traçar a nível especulativo a pergunta: se tivesse continuado seus estudos das idéias de Trotsky, teria chegado a abraçá-las?

Em 1964 esteve em Moscou para assistir as celebrações em comemoração do 47° aniversário da Revolução Russa. Durante esta visita não só protestou pelo estilo de vida dos oficiais russos, mas argumentou que no plano econômico “…os sovietes se encontram num beco sem saída econômico, dominados pela burocracia”.

A casta burocrática na China nesta época estava adotando um “rosto mais radical” a nível internacional num esforço para obter apoio depois da ruptura que havia tido lugar entre ela e a burocracia soviética. Isto aconteceu devido um enfrentamento por estreitos interesses nacionais entre os dois regimes.

O Che se viu atraído pela burocracia chinesa devido ao “rosto radical” que esta adotou durante este período e também pela vitória do exército campesino em 1949. Isto parecia ser uma confirmação de sua própria análise. Sem dúvida, também começou a explorar as idéias de Leon Trotsky. Em Moscou foi tachada de “pró-chinês” e “trotskista”. Consciente destas denúncias, o Che fez referência a elas num encontro ocorrido na embaixada cubana com estudantes cubanos. O incidente está narrado na biografia de Paco Ignacio Taibo.

O Che comentou: “… tenho expressado opiniões que poderiam aproximar-se do lado chinês… e também outras mescladas com trotskismo têm surgido. Dizem que os chineses são fracionalistas, e também os trotskistas, e eu mesmo”. E emendou: “Tentar destruir opiniões com porretes é algo que não nos traz uma vantagem. Não é possível destruir opiniões com porretes e é precisamente isto o que é a raiz da inteligência… está claro que se pode aprender uma série de coisas do pensamento de Trotsky”.

Trotskismo

Não existe nenhuma evidência de que conclusões estava tirando o Che da leitura dos escritos de Trotsky e nunca propôs idéias pelas quais se pode concluir que abraçara o trotskismo. Não obstante, se aprofundou em seu estudo. Pouco antes de sua morte em 1967 o intelectual francês Regis Debray, que se encontrava na Bolívia colaborando com as tropas de Guevara naquele tempo, lhe deu alguns livros de Trotsky.

Durante este período, a corrente dominante que se reivindicava do trotskismo fracassou na hora de se comprometer a um diálogo e discussão política aberta que poderia ajudar o Che a desenvolver e aprofundar as idéias sobre a revolução socialista. Limitaram-se meramente a apoiar e alentar as idéias sobre o guerrilheirismo que o Che propunha, e deram apoio ao regime de Fidel Castro.

Isto foi combatido nesta época por alguns ativistas dentro do movimento trotskista, entre os que se incluem as então pequenas forças dos marxistas britânicos organizados no Militant (atualmente Socialist Party) que posteriormente fundaram o Comitê por uma Internacional Operária (CIO). Em 1960, na época dos turbulentos acontecimentos em Cuba, os membros do Militant acolheram com entusiasmo a revolução e a derrubada de Batista, mas também explicaram o caráter do novo regime que se desenvolvia e a necessidade de se orientar para a classe operária para desenvolver a revolução por toda a América Latina.

Mais tarde Peter Taaffe, num artigo publicado no número 390 do jornal britânico Militant, explicava os processos que se havia desenrolado em Cuba: “Castro e Guevara se baseavam no campesinato e na população rural. A classe operária só entrou na luta através da greve geral em Havana, quando as guerrilhas já haviam triunfado e Batista fugia para salvar sua vida”. Explicando como esta base rural modelou todo o caráter do movimento, continuava descrevendo como se desenvolveu a revolução, terminando com a abolição do capitalismo e a propriedade privada da terra dos grandes latifundiários mas “devido às forças implicadas -um exército predominantemente camponês”, o novo regime carecia de controle e gestão democrática consciente da economia por parte da classe trabalhadora.

Apesar de se encontrar com algumas idéias trotskistas em sua busca de uma alternativa, o Che infelizmente não abraçou as idéias alternativas nem os métodos do trotskismo. Não obstante, suas ações bastaram para provocar uma reação no Kremlin e em todas as partes. Em Cuba e entre as massas latino-americanas, o Che era um herói cujo exemplo revolucionário deveria ser imitado. Entre os círculos governantes da burocracia em Moscou foi tachado de “aventureiro”, “pró-chinês” e, o que é pior, de “trotskista”. A classe dominante dos países capitalistas odiava tudo o que ele defendia e pelo que lutou.

O Che foi executado por aqueles que estavam determinados a defender os ricos e poderosos. Sua imagem perdura como um símbolo de luta contra a opressão. Agora que têm estalado protestos contra as políticas ‘neoliberais’ e o mercado na América Latina, ainda é corrente encontrar pichações de jovens nas paredes onde se pode ler “El Che Vive”. Para comemorar o aniversário de sua execução, todos os que lutam contra a exploração capitalista a nível internacional deveriam aprender importantes lições de suas idéias e experiências para conseguir a vitória que ele desejou: o socialismo. Esta revista foi pensada como uma contribuição que ajude nesta luta.

 

Tony Saunois

Setembro de 1997
Tradução Diego Siqueira