Marxismo no mundo de hoje
Introdução à edição brasileira
A publicação de “Marxismo no mundo de hoje” em português ajudará, esperamos, no avanço da luta pelo socialismo, especialmente no Brasil, mas também em Portugal. Desde a sua primeira edição, em novembro de 2006, quando foi publicado em inglês e italiano, ele já foi lançado na Índia, onde se espera que também será traduzido para a língua tamil, no Paquistão em Urdu e para o alemão. Ter uma versão deste livro, especialmente, na América Latina marca um significativo passo à frente para o Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores (CIT) e para nossos camaradas brasileiros.
Para os socialistas e marxistas, a América Latina é o continente mais avançado politicamente no mundo atualmente. Também é uma antecipação do que acontecerá no resto do mundo amanhã. Do Rio Grande à Tierra del Fuego, a classe trabalhadora, os pobres urbanos e o campesinato pobre estão em revolta contra o latifúndio, o capitalismo e o imperialismo. Isto encontra sua mais aguda expressão na Venezuela, na Bolívia e no Equador. Mas os mesmos ingredientes sociais explosivos que existem nestes países e que empurraram seus governos para a esquerda existem, em um grau ou outro, em praticamente todos os países da América Central e do Sul.
Crescimento da economia… e da pobreza
“Mas o continente está experimentando um acelerado crescimento”, respondem os profetas do neoliberalismo, como a revista The Economist de Londres. É verdade, a América Latina, comparada ao período anterior, tem uma taxa de crescimento médio anual de 5% desde 2004. Mas este crescimento começou de uma base bastante baixa, foi em grande parte abastecido pelo boom mundial no setor de commodities I e alimentos às custas da indústria e ignorando os milhões ainda atolados em uma pobreza desesperadora. Isto é exemplificado por países como o Chile, com 6% de crescimento, em grande parte devido à alta dos preços mundiais de cobre, e que, ao mesmo tempo, sofreu uma crise energética por causa da redução da exportação de energia da Argentina, que também sofre com escassez de energia. A posição no Brasil é ainda mais gritante, já que o país é agora o maior exportador de carne e soja no mundo. O Brasil possui uma florescente indústria de agro-combustíveis, mas tudo isto foi acompanhado de uma significativa desindustrialização.
E este crescimento muito elogiado não desestimulou o movimento das massas, mas ao contrário, o intensificou. No Chile, massivos protestos de rua contra a pobreza e o neoliberalismo mobilizaram uma nova geração, pondo um fim à sombra do longo pesadelo do regime de Pinochet. Enormes greves e protestos convulsionaram o Peru, enquanto o Equador ameaça não pagar sua dívida nociva. O uso do dólar como moeda do Equador intensificou a crise, por causa da recente queda do valor do dólar nos mercados mundiais. Ocorreram manifestações de massas no México por causa do aumento do preço do milho, enquanto na Venezuela e na Bolívia há um desafio direto e crescente ao capitalismo e ao imperialismo.
A massa da população da América Latina instintivamente entende que o crescimento recente é frágil. A Argentina, por exemplo, é louvada nos jornais capitalistas por causa de seu alegado crescimento de 33%, nos últimos cinco anos. Mas apenas alguns anos atrás (2001-02), a maioria dos argentinos caiu drasticamente abaixo da linha da pobreza. Milhares de membros da classe média se mudaram para favelas, enquanto outros competiram por vistos nas embaixadas da Espanha, Itália e outros países, para fugir do país. Depois de 1980, no Brasil, “sete milhões de pessoas deixaram de ser da classe média” (The Economist). Significativamente, esta revista deu o alerta: “Muitos daqueles que cavaram sua saída da pobreza podem ser derrubados novamente, se houver uma repetição dos colapsos financeiros que a região sofreu nos anos 80 e 90”.
“BRICs” não pode evitar a crise econômica mundial
Isto foi escrito no mês de agosto, quando uma crise financeira estava a caminho nos EUA e começava a repercutir por todo o mundo. A crise no mercado de hipotecas ‘sub-prime’ II dos EUA – onde empréstimos de financiamento habitacional eram distribuídos como confetes para os pobres que não tinham esperança de pagá-los – é sintomática do boom mundial no último período. Ele se baseava em um mar de dívidas de consumo e, além disso, resultou em 200 bilhões de dólares de dívidas sub-prime divididas em parcelas e distribuídas pelos chamados “instrumentos financeiros”. Ninguém – nem mesmo os experts sempre engajados no planejamento de engenhosos produtos financeiros – sabem exatamente onde elas estão. Como uma força natural incontrolável, esta bomba financeira escondida ameaça uma crise bancária maior e ajudou a derrubar um hedge fund III após o outro nos EUA, na Alemanha, na França e, mais dramaticamente, no quase colapso do banco britânico Northern Rock. Este banco estava tão inseguro que os mercados de crédito se recusaram a lhe fazer empréstimos e resgatá-lo. A consequência foi que a Grã-Bretanha se tornou a Argentina por alguns dias em setembro de 2007. Filas de pessoas em pânico se formaram do lado de fora dos bancos, com os depositantes exigindo seu dinheiro de volta. Contudo, diferentemente da Argentina, eles não foram sacrificados pela política do banco, porque o governo interferiu e efetivamente “nacionalizou” – assumindo os depósitos dos pequenos correntistas, salvando assim o Northern Rock e com ele o sistema bancário na Grã-Bretanha.
Estes eventos revelam o caráter cego e caótico do capitalismo, mesmo em seus bastiões no mundo industrializado. O velho adágio de que quando os países industrializados avançados – especialmente os EUA – pegam um resfriado, o mundo neocolonial sofre de pneumonia, ainda é verdade. Isto por causa do ainda dominante poder econômico dos EUA. Os economistas capitalistas pensam que isto pode ser revertido pelos ‘BRICs’ – as enormes economias em desenvolvimento do Brasil, da Rússia, da Índia e da China – ocupando o “espaço vago” do inevitável declínio do consumo nos EUA devido ao seu colapso nos preços de imóveis. Esta é a principal alavanca para o atual boom econômico e que agora chegou a um impasse. Trata-se de uma quimera, porque os ‘BRICs’ são totalmente dependentes do contínuo crescimento do mercado mundial, especialmente dos EUA. Brasil e Rússia, juntos com o Chile (crescimento nas exportações de commodities), a Índia, através do setor de serviços, e a China, estão presos com aros de ferro à economia americana. O preço a ser pago em uma recessão econômica, tal como em todas as etapas do capitalismo, virá através de ataques às precárias condições de vida das massas trabalhadoras da América Latina. Um milhão de trabalhadores já perderam suas casas nos EUA e entre dois e três milhões estão para se juntar a eles. O corte nas taxas de juros dos EUA, que provavelmente será seguido por outros países capitalistas no próximo período, não oferece uma solução de longo prazo. Ele impulsionará a inflação, o que por sua vez levará à aumentos de preços dos itens básicos e a crescentes demandas por aumentos salariais para compensar isso. Ao mesmo tempo, isto também significará um maior colapso no valor do dólar. A atual crise financeira poderia, portanto, ser substituída por uma crise do dólar, ou poderemos ver características de ambos.
Chávez e Trotsky
Isto despedaçará as róseas perspectivas econômicas dos adivinhos do capitalismo, dentre os quais, hoje se inclui o presidente Lula do Brasil. As massas latino-americanas experimentaram a década perdida dos anos 80, depois as privatizações em massa dos anos 90, que agora resultaram em uma resposta social, mais visivelmente na Venezuela, na Bolívia e, em alguma extensão, no Equador. O mesmo processo ocorrerá em muitos outros países do continente no próximo período. A chegada ao poder de Hugo Chávez nove anos atrás e suas promessas de tirar as massas venezuelanas da pobreza provocaram o medo mórbido e a oposição amarga do capitalismo venezuelano e de seus aliados internacionais, especialmente nos EUA. Começando com a missão de ‘humanizar’ o capitalismo, Hugo Chávez foi impelido a proclamar a necessidade do socialismo no século XXI e, ultimamente, parece ter abraçado não apenas o marxismo, mas também Trotsky e suas idéias. A teoria da ‘revolução permanente’ – que explicamos à exaustão neste livro em relação ao mundo neocolonial como um todo – recebeu uma saudação especial de Chávez, assim como a brochura de Trotsky, “Programa de Transição – A agonia do Capitalismo e as tarefas da IV Internacional”.
Em abril, ele declarou em seu programa de TV: “Eu não me qualificaria como um trotskista, embora tenha a tendência [de ser um], pois tenho muito respeito pelas idéias de Trotsky e cada vez eu as respeito mais e as entendo melhor. A revolução permanente, por exemplo, é uma tese importante. É preciso aprender e estudar ela. Aqui nada foi aprendido para sempre. O livreto de Leon Trotsky, que alguém trouxe para mim, eu estava lendo esta manhã e era sobre o programa de transição. Ele tem apenas 30 ou 40 páginas, mas vale seu peso em ouro. Ele é um pensador esclarecedor, Leon Trotsky”.
É um grande mérito de Hugo Chávez que não tenha recuado quando enfrentou a reação. Ele e seus apoiadores giraram à esquerda sob as ameaças e golpes da direita, que levaram à tentativa de golpe que tentou removê-lo em 2002. Ao invés do desprezo, da calúnia e da deturpação das idéias de Trotsky tanto por parte da burguesia quanto dos stalinistas, Chávez agora deu uma certa legitimidade à elas. Mas embora isto seja bem vindo, a história infelizmente está cheia de exemplos de pessoas, figuras e movimentos que afirmavam, com sinceridade, serem “marxistas” – algumas vezes podiam até citar precisamente ao pé da letra as idéias de Marx – enquanto, ao mesmo tempo, diluíam ou ignoravam totalmente o método e o espírito do marxismo. O próprio Marx disse que a teoria é um “guia para a ação”. Isto fica demonstrado acima de tudo nas agudas transformações na vida das sociedades, ou seja, nas revoluções.
Algumas características de um processo revolucionário têm existido na Venezuela por algum tempo. Empurrado à esquerda, instigado a fazer importantes declarações radicais, a tomar ações concretas para reformar as vidas dos trabalhadores e camponeses; tudo isto Hugo Chávez fez. Isto, sem dúvida, ajudou a minar, senão romper, com o “Consenso de Washington” das políticas neoliberais de privatização, cortes de salários, de serviços sociais, etc. Chávez tem sido uma fonte de inspiração e esperança para as massas não apenas na América Latina, mas em todo o mundo neocolonial, mantidas na lama pelo capitalismo. Mas a ameaça de uma contra-revolução burguesa explícita ainda não foi vencida na Venezuela.
Em seu magnífico documentário sobre a América Latina e a reação, “The War on Democracy”, John Pilger, ao mesmo tempo em que revela simpatia, confronta Hugo Chávez com o fato de que os ricos na Venezuela ainda são uma força considerável; de fato, muitos estão melhor do que antes, retendo grandes benefícios do boom do petróleo venezuelano. John Pilger, mais tarde, afirmou ao The Guardian de Londres que: “Mesmo a descrição dele [Chávez] como um ‘socialista radical’, normalmente em um sentido pejorativo, ignora intencionalmente o fato de que ele é um nacionalista e um social-democrata, um rótulo que muitos no Partido Trabalhista britânico outrora se orgulhavam de usar”. Nesta etapa, esta é uma descrição precisa, apesar da fraseologia radical, da realidade da Venezuela e do governo de Hugo Chávez. Embora haja muitas proclamações sobre a necessidade do socialismo, ainda não houve uma ruptura decisiva com o capitalismo, não mais – na realidade ainda menos – do que foi o caso no Chile de Allende em 1973. Um chileno, que sofreu tortursa nas mãos da ditadura de Pinochet, afirma no filme de Pilger: “É como se Chávez fosse Allende, isso é muito lembrado por mim”. Allende nacionalizou, sob a pressão das massas, 40% da indústria. Isto não impediu a sangrenta derrubada de Allende e a longa escuridão da ditadura subsequente.
Até a teoria da revolução permanente de Trotsky pode ser, e infelizmente é, interpretada de uma maneira não revolucionária, mas “reformista”. Trotsky percebeu que as tarefas da revolução democrático-burguesa seriam realizadas nos países subdesenvolvidos por meio de uma aliança entre a classe trabalhadora e o campesinato, com os primeiros, os trabalhadores, na direção. Isto significa que um governo dos trabalhadores e camponêses chegando ao poder, completaria a revolução democrático-burguesa e então passaria para as tarefas socialistas na arena nacional, mas também provocaria um movimento internacional, como foi o caso da Revolução Russa. A idéia de Trotsky não fazia concessões à percepção stalinista de “etapas”. Não se tratava de um programa “passo a passo” – com extensas pausas – de passagem das tarefas democrático-burguesas para as socialistas no futuro indefinido. Trotsky falava da combinação das tarefas democrático-burguesas com medidas socialistas. Em uma frase reveladora ele comentou: “A ditadura do proletariado (democracia dos trabalhadores) apareceu em cena não depois da finalização da revolução democrática (burguesa), mas como o pré-requisito necessário para sua realização”. Na Rússia, os bolcheviques chegaram ao poder nacionalizando a terra e as fábricas, mas deixaram por um período os capitalistas na supervisão das fábricas. Eles preferiam ter um período de controle dos trabalhadores, no qual as massas adquiririam as habilidades necessárias para dirigir a indústria elas mesmas. Porém, isto se deu no contexto em que a derrubada do latifúndio e do capitalismo ia sendo completada pela Revolução de Outubro de 1917. Tal experiência foi brutalmente interrompida pela guerra civil, quando os bolcheviques foram forçados a tomar os bancos e a indústria em 1918. As idéias da revolução permanente de modo algum podem se reconciliar com a abordagem reformista das etapas ou de seu equivalente, o corte e separação no tempo entre as diferentes “etapas” da revolução.
Infelizmente, a idéia da revolução permanente foi interpretada deste modo reformista por aqueles em torno de Chávez, tanto na Venezuela quanto por alguns dos “falsos amigos” internacionais que apenas aplaudem Chávez, aprofundando assim seus erros. Uma das grandes diferenças entre a Venezuela e a Revolução Cubana é que a última tinha pouco petróleo e era dependente do fornecimento da Rússia stalinista, quando os EUA introduziram o embargo. Desenvolveu-se uma economia planificada com elementos de controle dos trabalhadores, o que foi enormemente progressivo. Mas não havia democracia dos trabalhadores, sovietes, eleição de dirigentes, etc. “Quem paga a banda escolhe a música” e foi o stalinismo russo de Khrushchev quem escolheu a música, pondo sua marca sobre o caráter do estado cubano, que embora altamente popular, não era um estado operário democrático como a Rússia no período de 1917 à 1923.
A atual alta do petróleo – com seus preços à 90 dólares o barril, podendo aumentar talvez para cem dólares – deu um fôlego à Venezuela que Castro e Cuba nunca tiveram. Isto permitiu ao regime de Chávez dar consideráveis concessões, especialmente aos pobres, sem ainda acabar fundamentalmente com o poder econômico e político do capitalismo venezuelano. Isto resultou em um processo incompleto e, no momento, um certo impasse na revolução e nas relações sociais.
Romper com o capitalismo para evitar a contra-revolução
Porém, esta posição instável não pode durar indefinidamente. A contra-revolução pode tomar diferentes formas. Por um lado, a América Latina testemunhou um golpe súbito no Chile em 1973, mas depois tivemos a contra-revolução lenta e ‘rastejante’ na Nicarágua. Os sandinistas deram uma pausa – embora tenham alcançado uma etapa mais avançada do que a Venezuela hoje – por causa do conselho, proferido por Fidel Castro, de deter a revolução no meio, o que preparou o caminho para a reação. Se o preço do petróleo colapsar, o que poderia ser o caso numa séria recessão econômica mundial, uma contração no mercado mundial decorreria disso, afetando inclusive a China, o que poderia então cortar sua feroz “fome” de energia. Isto seria agudamente sentido na Venezuela, na economia, entre seu povo e afetaria até mesmo as perspectivas do governo. Mesmo agora, as próprias reservas de petróleo acumuladas pelo governo produzem problemas. Temos a perversa situação derivada dos absurdos do capitalismo de que para muito dinheiro resultam poucos bens, resultando na inflação, que subiu para comprovados 20% ou mais. A criminalidade aumentou; a Venezuela tem mais mortes violentas per capita do que o Brasil. Isto poderia ser agravado por uma recessão econômica. No momento, Chávez goza de um apoio generalizado, de talvez mais de 60%, mas isto pode evaporar, especialmente entre a classe média, se houver uma depressão econômica na Venezuela. Apoiamos todos os passos à frente de Hugo Chávez e seu governo para mudar para melhor a vida dos pobres, da classe trabalhadora e dos camponeses. Mas a única garantia de que isto não irá ser revertido e de que a contra-revolução seja derrotada é tomando a indústria do petróleo – que atualmente é apenas parcialmente controlada pelo governo – e outras, nacionalizar a terra e entregá-la para os lavradores. Acima de tudo, é preciso realizar um programa de democracia dos trabalhadores, onde o poder real esteja nas mãos da classe trabalhadora, dos pobres e de suas organizações independentes.
Um dos problemas da revolução surge da história e das características da classe trabalhadora venezuelana, sua falta de consciência sobre seu próprio poder e ausência de movimentos independentes. Isto levou alguns a buscar por libertadores desde cima. Por causa do vácuo que existia, Chávez e os oficiais do exército ao seu redor, muito corajosamente, interferiram, inicialmente impulsionados pelo sofrimento das massas e pelo beco sem saída do capitalismo, foram mais tarde empurrados para a esquerda e se radicalizaram no processo. Porém, por causa de suas origens – de dentro do exército – eles adotaram uma abordagem ‘de cima para baixo’ em relação à “democracia”. A influência de Cuba também reforçou isto, algo que tem um duplo efeito. Por um lado, há a incrível ajuda em termos de saúde – a população cubana tem uma expectativa média de vida maior do que os EUA e igual à Grã-Bretanha. Isto jogou um importante papel no aumento do apoio ao governo Chávez. Porém, isso seria muito mais efetivo se a Venezuela rompesse completamente com o latifúndio e o capitalismo junto com a Bolívia e estes dois países se juntasse à Cuba em uma federação socialista democrática, com controle e gestão dos trabalhadores. Um estado operário democrático na Venezuela agiria como um farol para Cuba e o resto do continente. É para isto que o CIT está lutando.
Bolívia a bordo
No grau de avanço do movimento de massas, a Bolívia está atrás apenas da Venezuela. A chegada ao poder de Evo Morales e do MAS abriu um cenário tão dramático como na Venezuela. Porém, Morales hesitou ante as demandas do movimento – 60% da população é de povos indígenas – exigindo uma ruptura decisiva com o sistema. A grande maioria dos bolivianos é muito pobre e tem a esperança de que Morales e o MAS introduzam uma mudança decisiva. “Dentro do movimento indígena há raiva com a contínua dominação da chamada elite rica na Bolívia. Temos um presidente, mas não temos o poder. A elite rica continua a nos controlar. Ela nunca aceitará as mudanças que queremos”, diz Silvano Paillo, parlamentar pelo MAS. A contra-revolução na Bolívia se sente muito mais forte nesta etapa do que na Venezuela. Ela tem presença em muitos estados, em alguns até com a maioria, como no estado rico em recursos naturais de Santa Cruz. Ela está armada até os dentes, com a organização de bandos paramilitares reacionários fora do exército. Morales também cometeu o erro fundamental, similar ao de Allende, de prometer não tocar na casta de oficiais, o que é um presente à reação boliviana. No entanto, os trabalhadores e camponeses bolivianos têm uma longa e sangrenta experiência com os militares e é certo que resistirão, como aconteceu no passado, a qualquer tentativa de reação armada para derrubar Morales.
As elevadas tensões sociais e políticas se manifestam até mesmo dentro do Congresso, com choques físicos entre a direita e a esquerda. O Congresso – que estipula que uma maioria de dois terços deve votar por uma mudança constitucional, ou por mudanças socialistas decisivas – foi agora suspenso. Deve avançar agora a palavra de ordem do movimento de massas na Bolívia por uma nova Assembléia constituinte revolucionária a ser convocada através da organização de comitês de massas. Estes devem garantir que a Assembléia realize a total e completa nacionalização das maiores indústrias – especialmente as energéticas – e a introdução de uma economia socialista planificada ligada à Cuba e Venezuela. Sem tal abordagem corajosa, Morales pode se unir à lista de líderes de trabalhadores bolivianos falidos – alguns assassinados – que se recusaram a agarrar as oportunidades para mudar decisivamente a sorte da sociedade e com ela, a maioria do povo boliviano.
Brasil
Por mais importantes que sejam estes eventos, o destino do socialismo a longo prazo no continente será determinado por países cruciais como Brasil, Argentina e Chile, com poderosas classes trabalhadoras, tradições socialistas e revolucionárias e uma história de movimentos independentes. À primeira vista, o Brasil com o governo Lula ao leme parece estar caminhando adiante. O crescimento econômico está acima dos 5% ao ano, mais do que o dobro da média das duas últimas décadas. Mas a realidade para as massas é muito diferente. Sintomática da situação são as bárbaras condições nas favelas, onde a pobreza esmagadora está misturada com desespero, crimes e drogas. Um jornal do Rio recentemente comparou as imagens da carnificina na cidade à violência em Bagdá, concluindo que eram “cenas de uma guerra civil”. O ativista de direitos civis dos EUA, Jesse Jackson, diz corretamente que quando os empregos desaparecem em uma comunidade, chegam as drogas e depois delas as armas. O sentimento de abandono que agita o ódio de classe é aumentado quando os pobres vivem quase ao lado de elegantes blocos residenciais ocupados pelos ricos, cercados por altos muros e cercas eletrificadas.
Apesar do elogiado crescimento da economia brasileira, os empregos estão fugindo para a China e outros países, e indústrias como as têxteis, de calçados e metalúrgicas indo à falência: “Se isto continuar, veremos a desindustrialização do Brasil”, queixa-se um empresário do Rio Grande do Sul (Financial Times). Mesmo o sucesso proclamado por Lula traz problemas. Por exemplo, o real, a moeda brasileira, recentemente vem tendo uma alta, minando assim a capacidade das companhias manufatureiras de competir no mercado mundial. Elas antes exportavam para o Leste da Ásia, mas agora “ao invés disso, estão construindo fábricas lá”. Sem empregos, os habitantes pobres das favelas se voltam para as drogas como uma fonte de renda e um consolo do pesadelo que os cerca. A polícia, ao invés de ser guardiã da “lei e da ordem”, é vista como um instrumento dos opressores e está envolvida até o pescoço no comércio de drogas. Com a indústria privada colapsando – apesar dos louvores à privatização – os trabalhadores competem pelos poucos empregos no setor público numa época em que este está sob crescente ataque. Segundo o Financial Times, “as leis trabalhistas no Brasil continuam altamente restritivas”. Traduzindo isto significa que as lutas passadas da poderosa classe trabalhadora brasileira, que resultaram em ganhos, estão agora sob o martelo da burguesia e do ex-campeão dos metalúrgicos, Lula. Em maio e agosto, os trabalhadores brasileiros fizeram uma mobilização nacional. Em maio, 1,5 milhão saíram às ruas em protestos, greves parciais e bloqueios em cidades como São Paulo.
PSOL
O ataque à previdência pelo governo Lula provocou uma grande oposição e a deserção de significativas camadas dos trabalhadores do setor público e outros para o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), formado três anos atrás. Isto representa um dos mais importantes e encorajadores processos no continente latino-americano. A seção brasileira do CIT, Socialismo Revolucionário IV, foi um dos primeiros a prever a necessidade e levantar a demanda por um novo partido de massas dos trabalhadores. Ela esteve entre os pioneiros do PSOL. Internacionalmente, por causa do completo aburguesamento dos antigos partidos dos trabalhadores – como o PT, a social-democracia na Europa e os ex-partidos comunistas – o processo inevitável de realinhamento e a criação de tais partidos é a marca da atual situação mundial. A criação destes partidos, como a experiência do PSOL mostrou, é vital para reunir as forças dispersas da classe trabalhadora, imbuí-las com o sentimento de sua própria força e empreender uma luta combinada contra o capitalismo e o imperialismo.
Porém, o CIT nunca viu na criação de partidos de massas uma panacéia ou um fim em si mesmo. Qualquer novo partido de massas hoje representa, do ponto de vista político, uma arena para a clarificação e luta ideológica; para o desenvolvimento de um programa para rearmar a classe trabalhadora para futuras batalhas. Isto foi demonstrado pelo desenvolvimento do PSOL que, em pouco tempo, cresceu eleitoralmente, com 6% nas eleições presidenciais, mas que também reuniu diferentes tendências políticas, antes separadas umas das outra, dentro da estrutura de um partido de massas. Através dos eventos e de uma discussão conduzida de um modo positivo e amigável, tais partidos podem fornecer com o tempo a base para a elaboração de um programa marxista e revolucionário claro para que a classe trabalhadora tome o poder. A seção brasileira do CIT, através da publicação deste livro, espera ajudar neste processo.
As questões discutidas nas páginas seguintes afetam o movimento dos trabalhadores mundialmente e têm relevância para a situação que se desenvolve no Brasil e na América Latina neste momento. O caminho que está à frente, através de vitórias e algumas vezes de retrocessos, está criando uma nova geração endurecida, tal como os trabalhadores brasileiros foram, pela incapacidade do capitalismo e do imperialismo de mostrar uma saída.
O século XXI será o século do socialismo. Mas o meio para se conquistar este objetivo está na criação hoje de bases para a construção de forças de massas imbuídas com o método, programa e perspectivas do marxismo genuíno. O CIT, que reúne em suas fileiras alguns dos melhores lutadores militantes e marxistas conscientes em 40 países de todos os continentes, não é a última palavra neste processo em desenvolvimento. No entanto, se os leitores examinarem nossas idéias, colocadas neste livro, esperaremos que tenham acordo conosco de que na abordagem do CIT se situa o caminho para a construção de partidos de massa da classe trabalhadora e de uma Internacional de massas que possam realizar o sonho dos pioneiros, uma confederação socialista mundial.
Peter Taaffe
Setembro de 2007
Notas
I. No mercado financeiro commodities é o termo usado para produtos em estado bruto ou pequeno grau de industrialização (N. do T).
II. Sub-prime é uma qualificação de um setor específico dos empréstimos que são avaliados como de alto risco (N. do T.).
III. Hedge fund: investimento altamente especulativo com o intuito de diminuir os riscos de outro investimento (N. do T.).
IV. A partir da fusão entre da Socialismo Revolucionário com o Coletivo Liberdade Socialista em 2009, a seção do CIT passou a se chamar LSR – Liberdade, Socialismo e Revolução.
Prefácio e Agradecimentos
Este livro surgiu a partir do pedido de informações sobre as idéias e políticas do Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores (CIT) feito por uma editora italiana, a “Giovane Talpa”, que gostaria de publicar um livro na Itália sobre as políticas do CIT.
Além de fornecer documentos e jornais do CIT e de suas seções, foi resolvido posteriormente que representantes da “Giovane Talpa” visitariam Londres para discutir com o CIT. Eles sugeriram que, durante a visita, me entrevistariam, Peter Taaffe, falando em nome do CIT. Yurii Colombo pôde visitar Londres e a entrevista foi realizada entre 21 e 25 de setembro de 2006. Bob Labi também estava presente. Eu respondi a maior parte das perguntas de Yurii, mas houve algumas importantes observações de Bob, que foram publicadas junto com meus comentários.
Esperamos que o leitor concorde que o formato deste livro – de perguntas e respostas sobre toda uma gama de questões históricas e contemporâneas – nos permite explicar e clarificar nossas idéias com algum detalhe. A forma da apresentação e também a sequência na qual os argumentos são apresentados podem colocar para o leitor alguns problemas de caráter estilístico. Contudo, decidimos manter este formato, porque ele dá uma “sensação” autêntica do tipo de discussão que ocorreu a respeito de nossas idéias, incluindo as interjeições que surgiram.
Quando pudemos ler a transcrição completa destas discussões, decidimos que, junto com a publicação italiana da “Giovane Talpa”, também lançaríamos uma versão inglesa. Isso foi feito com acordo da “Giovane Talpa”. Somos extremamente agradecidos a eles, especialmente à Yurii, por sugerir esta iniciativa e implementá-la. A discussão e debate de idéias por meio de trocas como esta, realizadas com camaradagem, são vitais neste período de crescente fermentação política, mas também de dúvidas e questionamentos no movimento operário internacionalmente.
Tal é a rapidez dos eventos atuais no mundo do capitalismo neoliberal globalizado, que o que é escrito hoje pode rapidamente ser superado, algumas vezes numa questão de semanas ou meses. Contudo, resistimos à tentação de acrescentar pontos adicionais sobre eventos que ocorreram depois da entrevista original, fora notas ocasionais para clarificar as questões.
Sou extremamente grato a Kevin Parslow que, como sempre, foi infatigável ao transcrever, em pouco tempo, esta extensa “entrevista”. Ele também checou zelosamente fatos importantes. Também gostaria de agradecer à Manny Thain por transcrever parte da entrevista e revisá-la, Tony Saunois, Bob Labi e Clare Doyle por lerem e corrigirem o que é apresentado aqui. Outros companheiros também leram partes da entrevista. Eu sou o responsável por qualquer erro remanescente. Estamos abertos a comentários e discussões sobre as idéias do CIT apresentadas aqui.
Peter Taaffe
Outubro de 2006
Capítulo 1 – 11/9 e suas consequências
Quais são as mudanças na situação mundial desde os ataques de 11/9?
O 11/9 foi, sem dúvida, um ponto de inflexão mundial. Ele deu ao imperialismo americano, através do mandato presidencial de George W Bush, a oportunidade de implementar políticas longamente discutidas por sua ala neoliberal. Os seus planos remontam a dez anos antes do 11/9, nas idéias de gente como Richard Perle e Paul Wolfowitz, delineadas no “Projeto para um Novo Século Americano”. Os elementos desta política apontavam para um novo papel mundial hegemônico e agressivo para o imperialismo dos EUA. Eles procuravam por um pretexto para usar o colossal poder militar que o imperialismo americano tinha acumulado.
Pelo fato do imperialismo americano ser, no momento, a única verdadeira superpotência na arena mundial – diante do fim da União Soviética – a ala neoconservadora do capitalismo americano preocupava-se com o fato de que tamanho poder não estava sendo efetivamente usado para fortalecer a sua posição mundial. O pretexto para conseguir isto foi, é claro, o 11/9. Evidências produzidas desde então mostram que os neoconservadores em torno de figuras como Donald Rumsfeld e Wolfowitz estavam, nas primeiras horas depois do 11/9, tentando convencer Bush a usar o ataque não para invadir o Afeganistão em primeiro lugar, mas para ir atrás de Saddam Hussein.
Seus planos foram temporariamente frustrados por gente como Colin Powell e a ala mais “cautelosa” da burguesia americana. Powell argumentou que se fosse provado que Osama bin Laden era o organizador do ataque às torres gêmeas e que se este incidente fosse utilizado para atacar o Iraque, isto não seria visto como legítimo para os olhos do povo americano ou do resto do mundo. É por isto, entre outras razões, que eles decidiram atacar a base da al Qaeda no Afeganistão. Isto facilitou a mudança para um papel mais agressivo do imperialismo dos EUA. Todavia, não devemos esquecer que o governo Clinton também foi intervencionista nos anos 90, bombardeando a Sérvia/Kosovo e também o Sudão. Mas não foi tão descarado ou brutal como o regime Bush. Clinton tentou cobrir o papel do imperialismo dos EUA sob o “liberalismo” Wilsoniano (de Woodrow Wilson), o “humanitarismo” capitalista. Clinton procurou, sempre que possível, caminhar em conjunto com as agências multilaterais como as Nações Unidas. Bush rompeu brutalmente com isto após o 11/9, e isso criou uma nova situação mundial.
Após o 11/9, produzimos vários materiais de análise (disponíveis no site do CIT) nos quais pontuamos que o imperialismo americano adotaria uma estratégia preventiva impulsionada por seu poder militar; que hoje responde por 50% do gasto mundial em armas. Nunca houve um poder militar com tal hegemonia na história mundial, nem mesmo durante a “Guerra Fria”. Naquela época, o stalinismo contrabalançava os EUA. Então, trata-se de uma nova situação.
Os EUA inicialmente tiveram sucesso na guerra do Afeganistão, principalmente porque o inimigo que enfrentaram, o Talibã, recusou-se a lutar. Foi uma vitória fácil e ela alimentou a idéia de que era possível obter uma vitória apenas pelo poder aéreo. Mas toda a história da era moderna mostra que, por si mesmo, o poder aéreo não é suficiente para garantir uma vitória militar. Isto foi mostrado pelos eventos no Líbano, ao longo da recente guerra. Depois do Afeganistão, obviamente, estava preparado o terreno para uma intervenção no Iraque.
Muita gente, incluindo alguns que foram marxistas e trotskistas, ficou desestabilizada ou desorientada pelos eventos do 11/9. Havia, no mundo neocolonial e nos países industrializados avançados, um pessimismo quanto à possibilidade de derrotar este poder colossal do imperialismo americano. O Afeganistão era a terceira guerra que o imperialismo ganhava, após a Guerra do Golfo no início dos anos 90 e a de Kosovo. Parecia que a máquina militar americana era, de um ponto de vista militar, impossível de ser parada. As evidências pareciam mostrar isso. Tivemos grande trabalho, nos documentos do Comitê por uma Internacional Operária (CIT), para mostrar os limites desse poder. Uma coisa é derrotar um regime desacreditado como o de Saddam Hussein na Guerra do Golfo de 1991, depois que este ocupou o Kuwait. Na ocasião, a opinião pública mundial estava contra ele. Mas o Iraque em 2001 era uma situação bem diferente, porque o que estava sendo proposto não era apenas o uso do poder aéreo em uma operação de tipo policial, mas uma invasão militar total e a ocupação.
Ocorreu uma grande discussão em nossas fileiras sobre a possibilidade de Bush Junior ir adiante com a invasão. A burguesia americana estava dividida sobre esta questão. De fato, até o establishment do Partido Republicano não acreditava que Bush estivesse realmente preparado para realmente se engajar nesta guerra. Previmos que, se ele invadisse, os EUA seriam arrastados para um pântano. Usamos o exemplo do Vietnã como um alerta para os EUA. Ele tinha alguma aplicação para o Iraque, mas também havia algumas diferenças profundas.
Desta forma, a situação pós-11/9 representou uma grande mudança. Ficou claro que os EUA eram a mais poderosa potência militar do globo e que utilizariam o 11/9 para fortalecer sua posição e mudar a correlação de forças a seu favor, procurando, se possível, reverter todas as derrotas que sofreu no passado. Queriam destruir a “síndrome do Vietnã” que existia na consciência do povo americano; aquela de que nunca mais os EUA deveriam lançar uma invasão militar e uma ocupação. A Guerra do Iraque foi planejada deliberadamente para romper com isso e, inicialmente, parecia que, de certo modo, isto fora conquistado. Mas previmos que haveria uma resistência nacionalista árabe no Iraque, independentemente de Saddam Hussein.
Você disse que a esquerda depois do 11/9 estava confusa e não entendeu bem o que estava acontecendo. Estava claro que, até o verão de 2002, o movimento anti-globalização estava crescendo muito rapidamente. Depois, houve outras grandes manifestações, mas o movimento começou a perder força após o 11/9 e houve um giro à direita. Todavia, eu penso que o movimento anti-guerra antes da Guerra do Iraque era um tanto diferente do movimento anti-globalização. O movimento na Itália era muito grande, não apenas as pessoas que participavam nas reuniões, ações etc., mas na massa em geral… Por exemplo, tivemos a experiência de bandeiras nas janelas em vários lugares: “paz, paz, paz”, aos milhões. Você ainda pode ver milhares hoje quando chega à Itália. Mas depois, houve um refluxo no movimento quando a guerra começo e as pessoas perceberam que não podiam parar a guerra. Os partidos reformistas começaram a dizer: sim, éramos contra iniciar uma guerra, mas agora já existe uma guerra e somos a favor da democracia, por uma nova sociedade no Iraque e pela democratização, mas somos contra a ocupação. O que você pensa sobre a situação geral do movimento anti-globalização e do movimento anti-guerra?
Nós concordaríamos com seu ponto geral, que não diz respeito apenas à Itália, mas tem uma relevância geral para o movimento anti-guerra internacional. O movimento anti-globalização teve altos e baixos. Em um primeiro momento, era uma reação contra a globalização capitalista mundial, as políticas neoliberais que vinham junto com ela e as ameaças de guerra, destruições do meio ambiente, etc. Após o 11/9, houve um choque. Lembremos que a burguesia européia era inicialmente acrítica em relação ao imperialismo dos EUA, algo exemplificado dramaticamente na manchete do Le Monde que dizia: “Agora somos todos americanos”. Este foi um grande desvio da posição crítica usual da maioria da burguesia européia, especialmente, da burguesia francesa. O 11/9 permitiu uma vitória relativamente rápida no Afeganistão. Não houve a mesma reação para este evento no movimento anti-guerra, nem mesmo na Grã-Bretanha onde o movimento estava em uma maré muito baixa. Com o Iraque e a preparação para a guerra, que estava muito atrasada, ficou claro que Bush e Blair estavam mentindo sobre as armas de destruição em massa. Houve uma raiva crescente e um giro completo na opinião pública contra a guerra, embora o sentimento fosse diferente em cada país.
Nos EUA, por causa do enorme poder da mídia e do governo, assim como a capitulação dos Democratas à Bush, havia uma esmagadora maioria a favor da guerra. Também existia uma significativa minoria que se opunha, mas a maioria dizia: “Bem, tivemos uma rápida vitória no Afeganistão, nossas tropas estão lá, então devemos apoiá-las”. Junto a isso, há sempre a tendência da população de apoiar “nossas tropas” no primeiro momento, mesmo quando ela é crítica à guerra. Tal tendência transforma-se no seu oposto se a guerra vai mal, como no caso do Iraque hoje. Mas foi construído um enorme movimento contra a Guerra do Iraque, que culminou nas manifestações mundiais de 15 de fevereiro de 2003. Em Londres, tivemos a maior manifestação da história, maior do que a manifestação anti-poll tax[1], maior que as manifestações cartistas na primeira metade do século XIX e que se refletiu no fato de que a maioria esmagadora da população se opunha à guerra. De fato, Blair até chegou a discutir com sua própria família, como foi revelado depois, que ele provavelmente teria que renunciar ao governo, tal era o sentimento de oposição à guerra entre a população da Grã-Bretanha.
Houve recuos e avanços mesmo neste movimento. Uma vez que a guerra tinha se iniciado, mesmo que dois milhões tenham se manifestado, instalou-se certo consentimento. Uma das razões do movimento não ter tido sucesso foi seu caráter pacifista limitado, não apenas das pessoas que participaram – é natural que os trabalhadores e a classe média dissessem, no primeiro momento, “queremos paz” – mas também de sua direção. Os líderes do movimento anti-guerra na Grã-Bretanha mantiveram o movimento dentro de limites muito estreitos. Alguns colocaram a questão de uma greve geral, mas de uma forma muito demagógica. Você não pode organizar uma greve geral sobre a questão da guerra sem uma preparação séria. Por causa disto, embora a oposição à guerra tenha crescido, o movimento anti-guerra no momento imediato à invasão do Iraque não foi tão grande quanto antes. Desde então, houve vários fluxos e refluxos, à medida que a situação piorava no Iraque.
Agora existe uma situação paradoxal. Há uma oposição maior à guerra nos EUA e na Grã-Bretanha. A maioria agora está contra a guerra. Há esmagadoras maiorias contra a guerra na Europa, mas a participação nas manifestações anti-guerras não está no nível existente em 2003. Por quê? Porque existe um sentimento de que as manifestações, por si mesmas, não são suficientes. Precisamos nos livrar do governo pró-guerra – ou pelo menos de líderes como Blair. Precisamos de uma política classista clara para levar o movimento anti-guerra adiante.
Uma conspiração dos EUA?
A segunda questão pode ser estranha, mas está relacionada ao declínio do movimento. Nos últimos meses houve muitos livros, discussões na internet e também, duas semanas atrás em Milão, 150 pessoas compareceram na exibição de um filme que afirmava que os EUA organizaram o 11/9 ou que eles sabiam dele, tal como Pearl Harbor, quando era sabido que os japoneses atacariam. O que você pensa desta teoria? É um sinal do declínio do movimento anti-guerra? E o que você pensa sobre o terrorismo?
Eu não diria necessariamente que isso foi uma manifestação do declínio do movimento anti-guerra, porque há uma série de evidências convincentes de que o imperialismo dos EUA estava esperando e se preparando para algum tipo de evento como o 11/9. Como dissemos antes, isto daria a eles o pretexto de realizar o programa internacional do neoliberalismo. Todavia, não acho, a menos que haja provas conclusivas do contrário, que foi o mesmo que em Pearl Harbor. Há uma controvérsia em curso sobre este evento, mas a maior parte das pessoas que examinaram a situação na época de Pearl Harbor concordou e compreendeu que o imperialismo japonês foi manobrado na guerra pelo imperialismo dos EUA. O Japão dependia do petróleo e este foi cortado pelos EUA, forçando o Japão a recorrer à guerra. O imperialismo dos EUA preparou o terreno para algum tipo de ataque do Japão, que daria a eles a desculpa para entrar na Segunda Guerra Mundial. Este é o cenário mais provável do que aconteceu em Pearl Harbor. Eu concordo com Gore Vidal, o escritor americano, que produziu um material muito revelador a este respeito.
Se você olhar o período anterior ao 11/9, com alertas mesmo dois meses antes do evento, pode-se dizer que há alguma evidência para sugerir que o imperialismo americano como um todo ou que uma agência do imperialismo americano, como a CIA ou algum outro serviço secreto, ou o Mossad em combinação com o imperialismo americano, se preparava para este incidente particular. Mas eu não penso que é o mesmo que Pearl Harbor. Há várias evidências circunstanciais que mostram que o regime Bush não estava atento, não estava vigilante, não considerou que Osama bin Laden seria capaz de realizar um ataque deste tipo. Portanto, é muito improvável que os EUA ou suas agências estejam por trás deste ataque. Mas apenas seremos capazes de ter certeza sobre a verdade quando os arquivos secretos forem liberados.
O que é verdade é que a maioria dos muçulmanos no Oriente Médio e do mundo acredita que o 11/9 foi um complô consciente organizado pelo imperialismo americano em conjunto com o Mossad. Isto, em parte, porque eles não gostam de pensar que muçulmanos poderiam ter feito este tipo de ação indiscriminada e homicida. Mas eu diria que isto foi uma ação da al-Qaeda. Foi também uma vingança, uma nêmesis, para o imperialismo americano, que criou a al-Qaeda no Afeganistão. Eles criaram um monstro de Frankenstein, que voltou para assombrá-los no ataque de 11/9.
O mais importante é o que brotou deste evento. Ele moldou a situação atual que deu ao imperialismo e ao militarismo americano a oportunidade de reforçar sua base material para intervir no Iraque. Isto, por sua vez, polarizou a situação no Oriente Médio e em outros lugares, onde a impressão é a de que o Islã está sob ataque. Isto deu ao Islã político de direita um novo respiro de vida no Oriente Médio e outros lugares.
Você disse antes que o gasto militar dos EUA agora é maior do que todos os outros países do mundo e que eles são a única superpotência mundial. Mas em seus últimos artigos e documentos você fala do declínio dos EUA. Como você liga estas diferentes declarações e explica esta relação?
O imperialismo americano ainda é a maior potência militar e até agora é a maior potência econômica, embora tenha experimentado um processo de desindustrialização similar a toda a Europa Ocidental. De fato, embora ainda haja um importante proletariado industrial na Europa Ocidental, uma das consequências da globalização é a terceirização da indústria, parcialmente para o Leste Europeu e, em sua maior parte, para a China, uma mudança na localização da maioria do proletariado industrial, a que Marx se referiu, do “Ocidente” para o “Oriente”, que é agora a “fábrica do mundo”.
Isto levanta importantes questões para os marxistas no futuro. Há um enorme peso do imperialismo americano militarmente e economicamente, mas sem o mesmo tipo de força econômica nacional subjacente que existia no passado. Em 1945, a maior parte do ouro do mundo estava concentrada no Forte Knox e 50% da produção mundial vinha dos EUA. Porém, nas últimas duas décadas, houve um forte declínio na produção industrial doméstica nos EUA. O resultado é que a América tem colecionado déficits, incluindo um saldo negativo na balança comercial. Os EUA passaram de maior nação credora e de banqueiro do mundo para a maior nação devedora, sustentada pelo capitalismo asiático, especialmente a China.
O capitalismo dos EUA será pego numa contradição no próximo período. O seu enorme poder militar e peso econômico estão cada vez mais sendo financiados pelo resto do mundo. Se os EUA fossem qualquer outra economia, Itália ou Grã-Bretanha, por exemplo, com um déficit de 7% em sua conta corrente, então o FMI iria declarar o país em bancarrota e introduzir um programa de austeridade! Mas paradoxal e dialeticamente, por causa do papel mundial do imperialismo dos EUA, ele está usando sua fragilidade econômica e seu poderio militar para forçar o resto do mundo a resgatá-lo, a financiar seu déficit e ter margem para reforçar seu poder internacionalmente. Chalmers Johnson, um perceptivo comentarista burguês sobre o “Império Americano”, em um livro recente, pontua que os EUA são atualmente um “imperialismo de bases”. Os EUA possuem 725 bases militares reconhecidas em todo o mundo, mas, na realidade, possuem um número impressionante de 1.400 bases no total. Quando ele estabelece uma base, geralmente nunca se retira dela. O único caso no período do pós-guerra – fora a China, depois da revolução – onde houve uma retirada, foi na Base Clark nas Filipinas, por causa da revolução que derrubou Marcos. Mas após o 11/9, eles conseguiram uma nova permissão e reocuparam a base! Então há esta enorme teia internacional, ligada aos interesses materiais do imperialismo dos EUA, mas acompanhada por uma crescente fraqueza econômica subjacente.
Os limites do imperialismo americano na arena internacional foram mostrados no Iraque e, também, recentemente, na Somália. Clinton promoveu uma intervenção em 1993-94, mas as tropas americanas foram forçadas a se retirar. Bush procurou realizar uma guerra por procuração na Somália. O governo foi derrotado pelas Côrtes Islâmicas e agora temos um Estado islâmico. Os EUA agora estão tentando fazer a Etiópia atacar a Somália. Internacionalmente, em todos os lugares, os EUA agora se encontram se ainda não derrotados, pelo menos seriamente fragilizados.
Nos próprios EUA, o Furacão Katrina revelou a úlcera econômica e social no coração do imperialismo americano. Trotsky previu nos anos 30, em relação ao provável resultado da iminente Segunda Guerra Mundial, que os EUA sairiam da guerra como a mais forte potência mundial, mas construiriam suas fundações sobre todos os materiais combustíveis, todos os fatores explosivos do capitalismo mundial. Vimos isto com a Coréia, o Vietnã e agora o Iraque. De fato, o papel internacional do imperialismo dos EUA irá aumentar e reforçar seu declínio econômico. Este declínio é relativo no momento atual, mas se tornará um declínio absoluto e quais serão suas consequências? Esta é outra questão, relacionada com a ascensão da China e sua competição geopolítica e econômica, especialmente com o imperialismo americano.
“Bloco Europeu” e unificação
Na esquerda reformista européia e na esquerda em geral há um grande anti-americanismo e um grande apoio para uma Europa forte, porque os estados europeus são mais humanos, sua política internacional é mais pacifica e temos uma tradição mais longa de cultura do que os EUA. A opinião pública diz que precisamos de uma Europa forte como contrapeso aos EUA. Agora muitas pessoas dizem que a ala mais radical do movimento anti-globalização foi reforçada pelo resultado do referendo francês. O que você pensa sobre a unificação européia e o crescimento deste tipo de ideologia na esquerda, de anti-americanismo, mas pró-imperialismo europeu? E, mais importante, você pensa que é possível sob o capitalismo conseguir a unificação da Europa, pois vimos os referendos na França e na Holanda parando o processo, mas também durante a Guerra do Iraque, ela foi apoiado por governos de direita como os da Grã-Bretanha, da Espanha e da Itália, e muitos estados do Leste Europeu. Então, há uma divisão dentro da Europa. O que você pensa sobre estas questões?
A resposta mais curta sobre a possibilidade de completa unificação européia sob o capitalismo é um explícito não. A segunda questão: por causa da oposição da população européia e de alguns governos capitalistas da Europa, devemos defender um bloco entre a Europa capitalista e China, Rússia etc., contra os EUA? Nossa resposta a isto também seria não. Isto porque acreditamos que a classe trabalhadora em todas as questões deve tomar uma posição de classe independente. Não podemos apoiar governos burgueses quando pretendem ou parecem representar os “interesses” dos europeus. Temos que apontar as intenções reais da burguesia européia.
Se você olhar para a divisão que ocorreu entre a Europa e os EUA na questão da guerra, notará que ela foi parcialmente um reflexo do sentimento das populações da Europa. Não foi um acidente que Aznar na Espanha tenha apoiado a guerra, enquanto sua população se opôs, e após o bombardeio de Madri ele foi tirado do cargo. Berlusconi apoiou a guerra e, por uma estreita maioria, é verdade, foi tirado do cargo. Agora, Blair está para sair de cena na Grã-Bretanha nas próximas semanas ou meses. Uma das razões para sua renúncia foi seu apoio à guerra. Por outro lado, o governo burguês da França e de Schröder na Alemanha, embora sendo de direita na política doméstica, implementando programas neoliberais, tomaram internacionalmente posturas anti-guerra, que eram reflexos do sentimento doméstico nestes países. Os governos da Europa Central, como a Polônia e outros lugares, apoiaram os EUA na guerra – mas mesmo nestes casos, grandes setores ou maiorias na sociedade se moveram em oposição à guerra.
Ocorreram dois processos. Havia uma rivalidade inter-imperialista entre alguns dos regimes dominantes da Europa e os EUA. A Grã-Bretanha é uma exceção – existe um bloco anglo-americano, especialmente desde a aventura de Suez de 1956. Depois dela, a burguesia britânica decidiu que não podia oferecer oposição ao imperialismo dos EUA. Desde então, existe o chamado “relacionamento especial”. Mas isto não impediu o primeiro-ministro Trabalhista Harold Wilson, nos anos 60, de dizer “não” ao pedido do Presidente Johnson por tropas britânicas no Vietnã. Por quê? Porque seu gabinete teria se dividido graças à oposição das massas à guerra, e ao caráter diferente do Partido Trabalhista de então. O Novo Trabalhismo de Blair é um partido burguês. Sem nenhuma pressão de “baixo” – não há uma base de classe trabalhadora no partido – ele foi capaz de desafiar a opinião pública por um período. Por causa do alegado relacionamento especial, seu governo apoiou o imperialismo dos EUA.
Então havia uma divisão entre setores da burguesia européia e os EUA, e também uma divisão dentro da Europa. Trata-se de uma divisão política com raízes econômicas também. Sempre nos opomos até a alguns marxistas e trotskistas que no passado assumiam a postura de que era possível em uma nova era de imperialismo a Europa estar unida sob uma base capitalista. Nós somos pela análise original do marxismo, de Trotsky em particular, que o capitalismo não pode superar totalmente os problemas do estado nação. O capital na era moderna não é sem fronteiras – em última instância ele se apóia na base de um país ou de outro. A amalgamação internacional em transnacionais tomou um longo caminho; a unificação da Europa, em certo sentido, foi muito longe, com as barreiras alfandegárias caindo, a criação do Parlamento Europeu, etc. Argumentamos, quando, até 1965, éramos parte do Secretariado Unificado da Quarta Internacional (SUQI) que era possível a unificação ir muito longe, mas que não poderia ir além de certo limite, ou completar o processo.
O capitalismo não pode superar os estreitos limites do estado nação e organizar as forças produtivas em um nível europeu, criando, ao mesmo tempo, uma unificação política da burguesia européia. Atualmente, neste período de intensa competição econômica internacional, as contradições vieram à superfície. Isto foi demonstrado nos referendos europeus na França e Holanda, com a rejeição da constituição européia. Foi correto votar contra a constituição da UE; a classe trabalhadora francesa entendeu que isso representaria um passo adiante nas políticas neoliberais. Esta constituição é tão longa que pouquíssimas pessoas a leram! Até legisladores europeus não leram esta constituição, ela é muito obscura! E, além disso, ela é como o Tratado de Roma original, que tenta conservar permanentemente o capitalismo. A constituição proposta era uma extensão disto por toda a Europa. Nós nos opomos a ela, pois ela dá uma sanção legal à privatização e as políticas neoliberais e é também um passo, se implementada, à organização do capitalismo europeu contra a classe trabalhadora.
Então, não é possível para o capitalismo superar os estreitos limites do estado nação. Ele pode parcialmente criar um mercado europeu de capital; eles criaram uma união alfandegária. Mas na luta pelos serviços europeus e em toda uma série de outras questões, mostrou-se ser muito difícil tomar um passo adiante rumo à unificação da burguesia européia. Em outras palavras, acredito na análise original de Trotsky, em suas linhas gerais, de que o único modo de unificar a Europa dos “Urais ao Atlântico” é por meio da classe trabalhadora européia agindo conjuntamente para estabelecer o socialismo em uma escala continental. Somos pela unificação da Europa. Rejeitamos a estreita oposição nacionalista capitalista à Europa e nos opomos aos que apóiam partidos nacionalistas de direita em um bloco comum contra a unificação da Europa. Somos a favor de uma alternativa dos trabalhadores, a idéia de uma Europa da classe trabalhadora, dos estados unidos socialistas da Europa, o slogan original da Internacional Comunista, que é válido até hoje.
Capítulo 2 – A Situação Mundial
Como a maior parte dos marxistas internacionalmente, você diz que houve uma mudança na economia em meados dos anos 70. Antes, tivemos um período muito longo de desenvolvimento do capitalismo mundial, não apenas nos países avançados, mas também o início dos movimentos de libertação nacional. Mas depois dos anos 70, começou um novo ciclo do capitalismo. O crescimento econômico acabou e os problemas do petróleo começaram. Mas nós, como marxistas, tivemos a experiência de uma crise do capitalismo quase que concomitante com uma crise de processos revolucionários. Houve uma crise e, em seguida, um levante do movimento revolucionário, mas não a crise definitiva do capitalismo ou a revolução mundial. Por exemplo, no período entre a 1ª e a 2ª Guerra Mundial, a contradição e a crise se tornaram muito profundas e tiveram apenas dois resultados: guerra ou revolução, ou, depois da guerra, a revolução. Vemos hoje dois alinhamentos no capitalismo mundial. Qual característica hoje é diferente da crise que antecedeu a 2ª Guerra Mundial, quais as mudanças na regulação das crises e por que não tivemos profundos choques entre as forças imperialistas como na Segunda Guerra Mundial? Por exemplo, você diz que as forças do imperialismo dos EUA são tão fortes militarmente que outros países não tentariam derrotá-las. Mas também para Hitler estava claro que os EUA não poderiam ser derrotados e, mesmo assim, ele tentou pensar em uma guerra européia.
Este é um assunto muito amplo, então só podemos oferecer os pontos-chave apesar de ser uma questão central para compreender não somente o passado, mas também a situação atual. Primeiro, o período após a Segunda Guerra Mundial foi diferente daquele que se seguiu à Primeira Guerra Mundial, tal como você apontou. O período de 1918 a 1938 foi, em geral, um período de estagnação econômica marcado pela mais série crise na história do capitalismo (1929-33). O desemprego subiu para 25% da força de trabalho nos EUA e ocorreu uma queda de 50% na renda nacional da maior potência do planeta. Foi um período de revolução e contra-revolução, que culminou na Segunda Guerra Mundial. O período que se seguiu a esta guerra foi similar em um sentido: logo após a Segunda Guerra Mundial surgiu uma onda revolucionária, começando na Itália em 1943-44 com a derrubada de Mussolini. Houve eventos revolucionários na França, onde a classe trabalhadora parisiense derrotou as forças nazistas, enquanto De Gaulle estava a 50 milhas de Paris, e havia a oportunidade para uma outra Comuna de Paris. Mas o Partido Comunista interferiu e a impediu. Na Grã-Bretanha, houve a eleição de um governo de maioria Trabalhista pela primeira vez na história. Na Itália, o período da Frente Popular. Tudo isso refletia uma onda revolucionária, similar em muitos aspectos à situação do pós-1918.
Trotsky estava certo em suas previsões de revolução após a guerra. Mas ele não podia prever que o stalinismo e a social-democracia salvariam o capitalismo com uma série de governos de frente popular na França e na Itália, com o esmagamento da revolução na Grécia, com o governo Trabalhista da Grã-Bretanha que implementou um quarto de uma revolução, nacionalizando as infra-estruturas básicas. Eles salvaram o capitalismo. De certo modo, foi uma contra-revolução sob formas democráticas, não pela mão de ferro da ditadura. Com o capitalismo salvo, mais os novos fatores econômicos, lançaram-se as bases para um dos maiores crescimentos econômicos da história do capitalismo em 1950-74/75.
As principais causas disto foram a enorme destruição causada pela guerra – incluindo do proletariado, sua força de trabalho – que em certo sentido foi uma liquidação do capital “variável” e também a destruição do capital “constante”, ao lado da descoberta de novas técnicas em eletrônica, plásticos, etc. Tudo isso junto levou a um efeito espiral, que possibilitou o crescimento do capitalismo mundial. O Partido Comunista Revolucionário (PCR) na Grã-Bretanha provavelmente foi o primeiro a reconhecer isto, enquanto que a direção da Quarta Internacional tinha a perspectiva de uma crise imediata. O PCR afirmou que isto não ocorreria por causa das pré-condições políticas criadas pelo crescimento econômico. Mas mesmo o PCR não esperava que o boom durasse tanto tempo e tivesse um efeito tão grande.
Este boom, um crescimento estrutural do capitalismo – porque é isto o que ele foi – aumentou significativamente os padrões de vida. Não havia apenas o crescimento da indústria em geral, mas também um crescimento da classe trabalhadora e um crescimento real das condições de vida. Mesmo algumas migalhas da rica mesa da Europa, do Japão e da América foram para o mundo neocolonial. Uma análise do que aconteceu neste período é muito importante para entender a situação atual. A idéia que surgiu ali, e que ainda se mantém, é a de que esta era a “norma”, o futuro do capitalismo. Hoje, há um saudosismo para esta “era dourada”, uma esperança de que ela possa retornar. Mas ela foi um período excepcional na história do capitalismo. O período de liberalismo anterior à Primeira Guerra Mundial e a atual era de neoliberalismo é que constituem a “norma”. O período de 1950-75 foi excepcional. Um período de 25 anos é um tempo longo na vida de um homem ou de uma mulher, mas é apenas um momento ou meio minuto na vida de uma sociedade, ou na vida de uma classe.
Mas 1974/75 representou um marco no desenvolvimento do capitalismo. Temos que lembrar que desde 1974/75, tivemos várias crises. A crise de 1974/75 foi superada, de uma forma parecida com o que a China está fazendo no momento, pela reciclagem de petrodólares nos EUA, já que a renda de petróleo dos estados do Golfo era reinvestida nos EUA, na Europa, etc. O que você faz? Mantém os dólares parados no banco? Eles eram reciclados; um crédito enorme era bombeado no sistema capitalista mundial. Então o sistema continuou.
Em 1987, houve outra crise, com o maior colapso do mercado financeiro desde 1929. Alguns de nossos camaradas de então, como o recentemente falecido Ted Grant, disseram que seria outro 1929. Nós discordamos. A razão para isso foi que, por meio do boom de 1950-75 e no período posterior, o capitalismo construiu uma camada de reservas, de liquidez. O capitalismo japonês e alemão, em particular, foi crucial ao intervirem. Eles atrasaram a crise até 1990, quando houve uma séria recessão em 1990-92.
Os anos 90
Então testemunhamos o colapso da União Soviética, que foi combinado com um crescimento econômico nos anos 90, embora este boom, de todo o período de 1974 até hoje, não tenha o mesmo caráter do crescimento na produção de 1950-74/75. As atuais taxas de crescimento são, geralmente, metade do que eram neste período. As taxas de produtividade, apesar das afirmações dos economistas burgueses dos EUA, são menores. Temos todos os dados em nossas publicações. As condições de vida do proletariado, sua porção relativa, caíram. Isto é resultado do colapso da União Soviética e do consequente giro à direita dos líderes sindicais, assim como dos lideres dos partidos comunistas e social-democratas. A classe trabalhadora, politicamente e, em certa medida, sindicalmente perdeu terreno. Uma brutal política de neoliberalismo tem sido implementada até o período atual. Ela alterou a fatia que ia para as classes trabalhadoras, que foi reduzida dramaticamente em alguns países como a Alemanha e os EUA e é uma tendência mundial. É verdade que as condições de vida reais de uma minoria da classe trabalhadora melhoraram. Mas na América, por exemplo, os salários médios do que eles chamam de “classe média” – na verdade, as camadas superiores da classe trabalhadora – estagnaram ou não mudaram ao longo dos anos 90. Então, este “boom” ou crescimento, é desequilibrado. Não é o crescimento estrutural que vimos de 1950 a 1975. Acreditamos que ele está preparando as bases para uma séria crise, cujo momento, no entanto, é muito difícil de prever.
Portanto, a nossa resposta é a de que não tivemos uma crise tal como em 1929 por uma combinação de razões. Um fator na sustentação do capitalismo hoje é o colapso da antiga União Soviética e do Leste Europeu e o crescimento do capitalismo na China. Segundo o The Economist, estima-se que a força de trabalho mundial dobrou com a entrada da China e do Leste Europeu no mercado mundial, chegando a dois ou três bilhões. Então, as oportunidades para uma crescente exploração – o que Marx chamou de expansão do capital variável, a força de trabalho – também aumentaram. O crédito barato esteve disponível, algo que foi auxiliado pelo fato de que, particularmente, através da exploração da classe trabalhadora chinesa, a inflação foi mantida reduzida. Mercadorias baratas inundaram os mercados do Leste Europeu, EUA, Japão e do mundo neocolonial. Isto ajudou a controlar a inflação. Isto, por sua vez, teve um efeito nas taxas de juros, que reduziram enormemente as tendências inflacionárias – algo que era uma característica do capitalismo nos anos 70.
Todos estes fatores tiveram um efeito. Mas, de certo modo, o ponto mais crucial no momento atual é a existência de um pacto, como o de Fausto com o diabo, entre o emergente capitalismo chinês e o imperialismo dos EUA. O ponto crucial da economia mundial hoje se apóia no boom de investimentos na China – a maioria de capital estrangeiro – e de um boom de consumo nos EUA. O capitalismo chinês construiu um enorme excedente. Em primeiro lugar, o déficit no balanço de pagamentos nos EUA pode ser algo em torno de 725 bilhões de dólares este ano – cerca de 7% do Produto Interno Bruto (PIB). A China tem um excedente comercial de 201 bilhões de dólares com os EUA. Ela acumulou um trilhão de dólares de reservas, em papel-moeda de dólares, por meio das mercadorias que exportou para os EUA. Este aumento dos bens em dólares é usado para tapar o déficit dos EUA. O problema é, até onde este fosso pode se expandir antes que haja uma quebra? De 7% para 8% para 9% para 10%, antes que os proprietários de dólares americanos, não apenas do capitalismo da China, mas também da Coréia do Sul e da Ásia como um todo – especialmente com o início do declínio do dólar – digam que já basta? Este crédito barato misturou-se com um boom imobiliário, que permitiu aos proprietários de casas dos EUA tomar empréstimos; o todo-poderoso edifício da sociedade está afundado em dívidas. A economia mundial está se apoiando em um par de “pernas de galinha”, o boom imobiliário dos Estados Unidos e as crescentes reservas chinesas.
É apenas uma questão de tempo antes do dólar começar a cair. Se você mantém enormes reservas de dólares, o que você faz? Não é racional mantê-las em moeda quando parece que haverá um declínio. Você começa a vender dólares, a trocar por euros, por exemplo. Assim que você começa a comprar euros, tal como a Coréia do Sul recentemente, o valor do euro sobe, o preço das exportações européias aumenta, o que significa que as perspectivas econômicas da Europa seriam profundamente afetadas. A América, a Europa e o Japão seriam seriamente afetados por isto. Os capitalistas estão sobre um carrossel. Os chineses não se atrevem a puxar o plug do dólar da tomada, porque isso imediatamente jogaria os EUA e a Europa na crise. Por outro lado, se eles não mantiverem a taxa de crescimento que eles têm na China de hoje, terão uma revolução. Este é o dilema. É uma situação explosiva que existe para o capitalismo mundial.
As taxas de crescimento este ano, as verdadeiras, estão muito maiores do que até os especialistas capitalistas esperavam. Mas frequentemente, uma chama brilha mais intensamente antes de se extinguir. Todos os ingredientes de um colapso estão lá, mas quem sabe quando vai acontecer? No Financial Times recentemente houve um relatório sobre o colapso de um fundo de ativos avaliado em 6 bilhões de dólares! E isto despertou um balançar de ombros de desprezo. Eles dizem que não há a ameaça de um novo colapso como o de 1998 envolvendo a LTCM, Long Term Capital Management[2]. Mas em seguida eles apontam no artigo que, se quatro ou cinco destes enormes fundos de ativos caírem de uma vez – bum!
Mas na situação de 1998 a ala de Nova Iorque do Federal Reserve (Fed, Banco Central dos EUA) interferiu e resgatou a LTCM, caso contrário haveria uma crise financeira que teria repercussões mundiais e que poderia ter levado a uma séria recessão. Você não precisa de uma recessão da magnitude de 1929 para produzir convulsões políticas como esta atualmente. Tal é o desenvolvimento das forças produtivas mundiais, que uma queda de poucos pontos percentuais na produção mundial teria um efeito colossal. Em 1974-75, o PIB mundial total sofreu uma dura queda comparado ao ano anterior (quase ao meio), mas ainda houve um pequeno crescimento de 1.4%. No entanto, a produção industrial caiu em 1.6%. O The Economist agora sugere que um crescimento mundial de menos de 2% significa uma recessão econômica, porque este é o crescimento mínimo exigido para impedir um aumento no desemprego. Em 1974, a pequena queda na produção industrial, em cima de fatores acumulados da era anterior, teve poderosas repercussões mundiais. Ela causou revoluções na Espanha, Portugal e Grécia e convulsões na França e Grã-Bretanha que refletiam, em última instância, estes processos econômicos. Desta forma, a economia mundial, o capitalismo mundial e as perspectivas para o capitalismo mundial, são uma questão crucial.
Ameaça Nuclear
O segundo ponto levantado é por que não tivemos choques entre as grandes forças imperialistas, tal como tivemos na primeira metade do século XX? Uma razão é a hegemonia esmagadora do imperialismo americano, militarmente. O outro fator é a correlação mundial de forças de classes e a pressão da classe trabalhadora contra a guerra e pela paz, que foi manifestada nas enormes manifestações anti-guerra. Este é um fator muito importante na contenção dos capitalistas. O terceiro fator, tão importante quanto os outros, é que a guerra entre os estados poderosos não seria da mesma forma como foi na Segunda Guerra Mundial, dada a existência de armas nucleares.
Teoricamente, você poderia ter uma situação – e até pensamos nesta possibilidade em relação ao Líbano – na qual, caso Israel estiver sendo derrotado ou caso existisse uma invasão do Irã e as forças imperialistas fossem derrotadas, setores das forças armadas americanas e da classe dominante israelense poderiam considerar o uso tático de armas nucleares. Mas o uso destas armas provocaria uma oposição de massas sem precedentes, até mesmo uma revolução. A atual repulsa mundial contra o que está acontecendo no Iraque seria minúscula se comparada ao que aconteceria caso uma potência usasse armas nucleares em um conflito. Poderia resultar em convulsões revolucionárias, provocadas pela perspectiva de que todo o mundo estaria se desintegrando por causa de lunáticos que estão no poder.
Por outro lado, um Armagedon nuclear não poderia ser descartado teoricamente. Se, por exemplo, um ditador assumisse os EUA, esmagasse os sindicatos, os direitos democráticos e assim por diante. Se este ditador dos EUA enfrentar alguma outra ditadura militar idêntica e que fosse ameaçadora, teoricamente você não poderia descartar a possibilidade de que um ditador dos EUA poderia tentar um ataque preventivo para destruir este regime. Esta não é uma perspectiva realista para os EUA ou qualquer outro país no futuro previsível. Seria absolutamente insano até para os capitalistas seguir este caminho. Não é acidental que os especialistas militares apelidaram o conflito nuclear entre o stalinismo e o imperialismo dos EUA de “MAD” (loucura) – “Mutually Assured Destruction” (Destruição Mutuamente Assegurada). O capitalismo não vai à guerra apenas pela própria guerra, mas sim para conquistar mercados, para aumentar suas rendas e assim por diante. Ao destruir a classe trabalhadora, que é o que aconteceria em uma guerra nuclear, ele destruiria a “galinha dos ovos de ouro”, a fonte de seus lucros e, portanto, de seu poder. Desta forma, não achamos que uma guerra mundial generalizada com um forte elemento inter-imperialista seja possível. Pequenas guerras ou o tipo de conflitos que vimos nos anos 90 envolvendo o imperialismo americano contra um movimento de resistência nacional, estes sim são possíveis. Um conflito pela questão de Taiwan entre os EUA e a China, arrastando consigo o Japão, também é uma possibilidade. Mas ele pararia quando se aproximasse do uso de armas nucleares. Guerras regionais, usando armas convencionais, também são possíveis, como mostra o conflito Israel-Líbano. Um choque similar pode se desenvolver entre a Índia e o Paquistão.
Mas outra “guerra”, em um sentido mais importante, pode ocorrer na era moderna, uma guerra comercial. Esta é realmente a forma moderna de guerra, porque a preparação de uma guerra verdadeira, um conflito armado, é invariavelmente precedida por um choque econômico entre as diferentes potências. Esta foi a razão da Primeira Guerra Mundial e também da Segunda Guerra Mundial. O capitalismo alemão estava cercado e procurava mercados, colônias e assim por diante, no Leste Europeu, à custa do imperialismo britânico.
Os efeitos da crise econômica sobre os Trabalhadores
Há duas escolas de pensamento que temos que discutir em relação à crise do capitalismo. De um lado, algumas pessoas dizem que a crise começa, o desemprego sobe e há uma piora na situação. Isto é uma coisa. A segunda escola diz: sem problemas, agora há uma crise, mas pensamos que em dois meses haverá uma recuperação da economia européia, tal como na Itália. A classe trabalhadora esteve silenciosa no período de crise, porque não queria perder o emprego. Eles temiam lutar durante a crise. Quando parecia que os capitalistas fizeram a economia crescer, começa a primeira luta. Na Itália em 1969 havia uma enorme onda de lutas de classe no período de boom da economia, quando a classe trabalhadora disse: certo, vocês têm enormes lucros, vocês propõem nos anúncios publicitários que eu compre um carro, mas eu não tenho dinheiro, me dêem mais dinheiro. E o processo de lutas de classes começou. É claro que na Itália havia muitas questões que se abriram ao longo do caminho após um prolongado outono quente no fim dos anos 70. Mas o processo começou no período do boom. Há um período de desenvolvimento do capitalismo, da produção e a luta de classes aumenta.
Colocar isso de forma tão crua – crise econômica igual à passividade, boom igual à radicalização ou vice versa – é um modo unilateral de abordar a questão. Tudo isto depende do que ocorreu anteriormente: o que houve, o que há, e o que ocorrerá. Tomemos dois exemplos que Trotsky oferece; o da revolução de 1905-07, quando houve uma onda revolucionária na primeira Revolução Russa. A derrota da revolução coincidiu com uma queda da economia e uma piora nas condições de vida. Isto não radicalizou o proletariado, mas o desanimou ainda mais. Na crise de 1929-33, pelo fato da classe operária dos EUA ainda não estar preparada, ela ficou atordoada. Não existiam sindicatos fortes, eles não estavam organizados nas novas grandes indústrias, apenas uma pequena minoria estava organizada. Não existiam partidos socialistas ou comunistas de massas. Demorou quatro anos e foi apenas quando a economia começou a crescer, em 1933-36, que três milhões de trabalhadores entraram nos sindicatos e criaram novos, grandes, potencialmente radicais e revolucionários sindicatos. A possibilidade de um partido operário de massas baseado nos sindicatos foi colocada para a América. John L Lewis, o líder mineiro, esteve a ponto de lançar a idéia de um partido operário no final dos anos 30. Estes são dois exemplos. Tudo depende do que ocorreu e do que ocorrerá.
Olhe, por exemplo, para este boom. Normalmente, em um boom, que até certo ponto foi o que tivemos nos anos 90, a classe trabalhadora consegue melhorar suas condições de vida – aumentando os salários e encurtando as horas de trabalho. Quando há um crescimento, em geral, os sindicatos se fortalecem. Mas este boom resultou no enfraquecimento da classe trabalhadora por causa dos líderes sindicais. As organizações operárias agiram como um enorme freio. Podemos dar muitos exemplos disto na Grã-Bretanha, tal como você na Itália.
É preciso aqui levantar uma questão geral. Se no próximo período, um colapso do tipo da crise de 1929 ocorrer, é possível que a classe trabalhadora fique atordoada. Isto porque o neoliberalismo enfraqueceu o movimento sindical e diminuiu a consciência. Uma situação igual à de 1929, na frente sindical, pode enfraquecer mais ainda a classe trabalhadora. Se você tem 600 trabalhadores numa fábrica e reduz o número para 300, os que ficam dirão: eu tenho que ficar de cabeça baixa aqui. Eles podem concluir que não é hora de lutar. Se há um aumento na força de trabalho com um pequeno boom, então, possivelmente eles se sentirão mais fortes e preparados para lutar nesta situação.
Porém, embora na frente sindical a classe operária estivesse atordoada nos EUA entre 1929 e 1933, politicamente a situação era outra. Uma camada de trabalhadores politicamente avançados começou a tirar conclusões anti-capitalistas, socialistas e revolucionárias e muitos entraram no Partido Comunista. O sistema capitalista se mostrou em bancarrota. Desta forma, em certa medida, temos que diferenciar as respostas sindicais e as respostas políticas do proletariado em uma dada situação. Haverá ocasiões em que um trabalhador dirá, eu não posso lutar sindicalmente, estou muito fraco, mas eu posso fazer algo politicamente, posso mover-me num sentido político, posso fazer a diferença neste campo. Uma situação tal como a de 1929 não é a melhor para nós atualmente, depois do que ocorreu anteriormente.
Se ocorrer uma pequena queda na produção no próximo período, que mine a confiança da burguesia, isto pode ter um efeito radicalizador que não desanime a classe trabalhadora. Também levantaria questões políticas sobre a viabilidade do sistema. Porém, não podemos determinar o caráter do ciclo econômico de antemão. Temos que analisar cada situação tal como ela se desenvolve. Não há um livro de receitas, nenhuma receita que possa determinar a priori exatamente como será o período econômico que se abre. As perspectivas são como o planejamento de uma viagem. É uma aproximação da situação, não um projeto pronto e completo, para se determinar como se desdobrarão os processos econômicos e políticos.
Nenhuma “crise final”
Você disse que a previsão de Trotsky antes da Segunda Guerra Mundial estava correta.
Em certo sentido, sim.
Porém no Programa de Transição ele escreveu que as forças produtivas não podem se desenvolver mais e que o capitalismo não tem solução. Você disse que sua previsão estava certa, porque houve um período revolucionário na Europa. Mas a previsão dele era mais ampla. Ele também tinha certeza que o Stalinismo cairia durante a Segunda Guerra Mundial. Ele tinha certeza que haveria uma ascensão da classe operária durante ou pouco depois da Segunda Guerra Mundial. A classe operária chegaria a um nível revolucionário e destruiria e derrotaria o Stalinismo. Os trabalhadores russos derrotaram os mencheviques e socialistas-revolucionários por causa de seu nível de consciência.
Mas o Partido Bolchevique tinha liderado uma revolução anteriormente, em 1905, e tinha raízes muito mais fortes do que qualquer outra força revolucionária na Europa ou internacionalmente em 1943-47. Eles eram muito mais fortes e não tiveram o empecilho adicional dos stalinistas.
A previsão geral de Trotsky era que haveria alguma fraqueza; podemos dizer que o capitalismo destruiu muito das forças produtivas. Durante a Segunda Guerra Mundial, você não teve apenas a destruição das forças produtivas, você teve invenções, o desenvolvimento da indústria química, plásticos etc. Houve a primeira bomba nuclear.
Sempre há novas invenções desenvolvidas durante a guerra. Elas são um subproduto do conflito militar.
Hoje, se você olhar apenas para o PIB mundial, você tem um desenvolvimento sob o capitalismo…
No período de 1950-75, a taxa de desenvolvimento era quatro vezes maior do que qualquer outra época na história.
…Mas se olhar mundialmente, você tem estagnação, o desenvolvimento artificial dos Estados Unidos e um rápido desenvolvimento da China, Índia, etc. Podemos continuar a falar de forças produtivas estagnadas tal como é discutido pelos marxistas?
O Marxismo é a ciência das perspectivas, mas todas as perspectivas são condicionais, inclusive aquelas que lidam com o desenvolvimento da economia. Farei uma generalização aqui. Engels disse na introdução de “As Lutas de Classes na França”, que nunca é possível ter uma visão completa do que está acontecendo no capitalismo em cada etapa, uma visão completamente exata, especialmente durante uma crise. Apenas depois que as estatísticas são compiladas, é possível ter um quadro completo. Isto é verdade hoje, mesmo com computadores, as análises mais recentes das bolsas de valores e com todos os meios de obter informações, porque o capitalismo ainda é um sistema cego. É o desenvolvimento cego das forças produtivas que se dá sem a sociedade ver. É um sistema não planejado e, apesar de todas as tentativas dos capitalistas de planejá-lo, eles falham por causa da propriedade privada e do estado-nacional, com os interesses individuais e nacionais de cada capitalista tendo prioridade.
O segundo ponto é que seria errado usar uma declaração de Trotsky ou Lênin feita em um contexto histórico e dizer que é a verdade suprema. Vejamos um exemplo. Trotsky disse no Programa de Transição que em dez anos não restaria pedra sobre pedra das antigas Internacionais e que a Quarta Internacional seria a maior força do planeta. Então, dez anos depois, alguns trotskistas afirmaram: “Agora estamos em 1947, no ano que vem seremos a maior força do planeta”. Usava-se a palavra de Trotsky contra o seu espírito, seu método de análise e sua abordagem.
Trotsky também escreveu que o capitalismo estava estagnando. Mas se você olhar o capitalismo de 1918-38, a produção líquida cresceu. Mas quando falamos de forças produtivas, também estamos falando do proletariado. Esta é a mais importante força produtiva e a incapacidade do capitalismo de absorver a classe trabalhadora é um sintoma de sua crise endêmica. Fora os anos de 1918-29 nos EUA, o período entre guerras foi caracterizado por curtos booms e por crises contínuas, que caracterizaram todo o período. A partir de 1918, alguns países estavam em uma posição muito melhor do que outros e a economia mundial era muito menos predominante do que é hoje. Mas mesmo então, Trotsky objetou quando Zinoviev disse em 1924 que estávamos entrando na “crise final do capitalismo”. Não há uma “crise final”. O capitalismo sempre encontrará uma saída à custa do proletariado, pela destruição das forças produtivas. Os anos de 1929-33 presenciaram a destruição das forças produtivas, do capital constante e do capital variável, e o período entre guerras viu uma paralisia tecnológica.
Você falou sobre o uso da tecnologia depois de 1945, mas não nos esqueçamos que, embora houvesse um desenvolvimento substancial da tecnologia antes da Segunda Guerra Mundial, ela não poderia ser plenamente utilizada por causa da crise. Vinte ou trinta anos atrás o capitalismo britânico tinha dois terços do desenvolvimento e pesquisa de toda a Europa. Mas ele não podia utilizar plenamente sua engenhosidade e sua base tecnológica em seu mercado doméstico, que era pequeno demais. Seus inventos apenas poderiam ser utilizados apropriadamente por potências maiores. Voltemos a Trotsky. Ele disse que, a menos que o proletariado tome o poder, o capitalismo – por meio da destruição das organizações operárias e da drástica redução das condições de vida ou por meio da guerra – encontrará um novo equilíbrio. Não há uma “crise final do capitalismo”, a menos que a classe operária tome o poder. Isto será resolvido apenas pela ação consciente do proletariado para mudar a sociedade. Então, é claro, haverá oportunidades para desenvolver plenamente a tecnologia.
Trotsky estava correto em sua previsão de uma onda revolucionária após a guerra. O que você disse sobre a União Soviética é verdadeiro: ele esperava que o stalinismo entrasse em colapso. Mas, mais tarde, ele fez uma correção em sua biografia inacabada de Stálin. Ele escreveu que o capitalismo mundial estava em um estado tão perigoso que haveria uma tendência internacional rumo à coletivização e, portanto, era possível que o regime stalinista russo pudesse durar por mais tempo. Ele estava certo em antecipar a onda revolucionária. O que ele não podia estimar – e ninguém poderia ter feito isto antes da guerra – foi a capacidade da social-democracia e do stalinismo em conjunto traírem de forma bem sucedida esta onda revolucionária. As duas potências que emergiram da Segunda Guerra Mundial fortalecidas foram os EUA de um lado e o stalinismo russo de outro. O último estendeu seu poder ao Leste Europeu e rapidamente reconstruiu a União Soviética. Isto não poderia ter sido antecipado. A destruição provocada pela guerra lançou as bases, junto com os fatores políticos, para a recuperação econômica. Sem os fatores políticos, a Europa teria continuado arruinada depois de 1945.
A Europa estava tão radicalizada por causa dos efeitos devastadores da guerra, que a social-democracia alemã de 1948 defendia a palavra de ordem de “Estados Unidos Socialistas da Europa”! A Itália ficou convulsionada por todo esse período, a França também. A estabilidade veio realmente depois de 1950 e muito lentamente. Então, as pré-condições políticas para este modelo de crescimento capitalista eram absolutamente essenciais.
Nos escritos de Trotsky estão algumas das chaves para entender o mundo de hoje. Mas para usar uma chave com sucesso, você tem que saber como encaixá-la na fechadura e como girá-la. Não se trata de uma pedra filosofal. Apenas repetir as palavras de Trotsky em uma situação mundial muito mais complicada não ajuda em nada. Isto, infelizmente, é o que alguns dos “trotskistas” têm feito. Eles repetem as frases de Trotsky sobre várias questões sem entender o contexto e sem entender o pano de fundo histórico e as mudanças que ocorrem atualmente.
Trotsky apresentou um conjunto grande de questões, como a idéia de uma república negra na África do Sul e um estado separado no sul dos EUA para os negros. Mas os eventos operaram de forma diferente. Sobre a questão judaica, veja a posição de Trotsky e o modo como os eventos realmente ocorreram. Deve-se possuir a capacidade de analisar os novos fenômenos tentando utilizar e entender o método de Trotsky, não apenas repetir sua fraseologia.
O Meio Ambiente e a China
Fiz uma pergunta sobre a nova abordagem, a questão das forças produtivas, porque o movimento marxista diz que há desenvolvimentos no nível das forças produtivas e que o socialismo é possível. Então temos duas questões: mundialmente, as forças produtivas são tão grandes que você pode ter o socialismo amanhã, acho que você concorda.
Sim, porque nós podemos abolir a escassez.
Há possibilidades para o planejamento da economia…
Pela primeira vez na história, a vida precária, a privação, a pobreza e o desemprego podem desaparecer, em uma geração.
Esta é a 1ª questão. A segunda questão é sobre o tipo de desenvolvimento das forças produtivas sob o capitalismo. Um exemplo simples: é impossível, diferentemente da Itália, onde uma em cada duas pessoas tem um carro, usam um carro, que o povo chinês e indiano possam ter o mesmo. Não é apenas uma questão econômica, há o petróleo…
E é uma questão ambiental também.
Todas as coisas compradas nos países ocidentais, os povos pobres não podem comprar. Não é apenas uma questão econômica, mas ambiental. Trotsky alguma vez já falou da questão ambiental? Há uma nova relação no desenvolvimento das forças produtivas e do mundo, ou não?
Esta é uma questão muito importante, é crucial na verdade, especialmente para a nova geração e para toda a humanidade. Não é verdade que Marx, Engels Lênin e Trotsky nunca tenham falado sobre o meio ambiente, pois eles falaram. No terceiro volume de “O Capital”, Marx aponta: “Do ponto de vista de uma forma econômica superior da sociedade, a propriedade privada do globo por indivíduos isolados parecerá tão absurda quanto a propriedade privada de um homem por outro. Mesmo toda uma sociedade, uma nação, ou até mesmo todas as sociedades simultaneamente existentes tomadas juntas, não são donas do globo. São apenas seus possuidores… elas devem entregá-lo para as gerações seguintes em uma condição melhorada”. Devemos passar o mundo para a próxima geração em um estado melhor do que o que encontramos. Trotsky falou de modo similar em obras como “Rádio, Ciência e Técnica”. Os bolcheviques eram muito interessados na harmonização entre as forças produtivas e o meio ambiente.
Enfrentamos uma situação sem precedentes hoje. O tipo de desenvolvimento das forças produtivas sob o capitalismo se dá de uma forma não planejada, mesmo se você não tiver uma nova crise econômica, a maioria da humanidade terá que desafiar este sistema apenas na questão ambiental para impedir um declínio irreversível. Os ambientalistas chineses, apoiados semi-oficialmente por seu governo, dizem que para a China alcançar os padrões de vida dos EUA, precisará dos recursos de quatro mundos! Concluímos disto que o povo chinês nunca alcançará os padrões de vida do povo americano hoje e que está condenado para sempre ao atraso? Penso que seria errado dizer isto. Podemos ter um crescimento sustentável e evitar os crimes que foram cometidos contra o meio ambiente pelo capitalismo e pelo stalinismo.
Tomemos a questão da China e da Índia ou do mundo neocolonial como um todo. Sob o capitalismo, a indústria equivale a altos padrões de vida e riqueza, enquanto a agricultura, em geral, equivale a atraso cultural e pobreza. Para superar este problema com base no capitalismo, os países economicamente subdesenvolvidos precisam tentar, imitando os países industriais avançados em todos os aspectos, desenvolver sua própria indústria metalúrgica, automobilística e todas as outras indústrias modernas. Há uma enorme duplicação, acompanhada de massiva urbanização. Pela primeira vez na história, mais de 50% da população mundial vive nas áreas urbanas. Isto por si só, criará conurbações (extensas áreas formadas por cidades que foram surgindo e se desenvolvendo uma ao lado das outras, formando um enorme conjunto urbano) massivas de 20, 30, 40 milhões no futuro. Evitar este pesadelo coloca a necessidade do planejamento democrático e levanta a necessidade de uma nova divisão mundial do trabalho.
Sob um plano socialista mundial, por exemplo, a agricultura não seria equivalente ao atraso e a indústria não seria automaticamente equivalente a elevados padrões de vida. O excedente que seria gerado pela indústria e pela agricultura seria desenvolvido por meio de um plano mundial. Sobre estas bases, seria possível harmonizar os recursos do mundo entre as áreas industriais e agrícolas para o benefício mútuo das pessoas do mundo. Não é possível detalhar como a classe trabalhadora e os pobres poderão fazer isso quando tomarem o poder. Os stalinistas tentaram, burocraticamente, organizar uma divisão do trabalho no Leste Europeu. Eles tinham países de grãos, como a Romênia, e países para as frutas, como a Bulgária. Outros se concentraram em diferentes ramos da produção. Mas isto foi feito de maneira burocrática e as áreas agrícolas continuaram sendo as mais atrasadas. Sua riqueza foi absorvida para beneficio da burocracia nas áreas urbanas industrializadas.
Opomo-nos à energia nuclear, à fissão nuclear, mas a possibilidade de energia limpa e os recursos a serem postos nela foram esboçados em uma brochura produzida por um de nossos camaradas [“Planejando o Crescimento Verde”, de Pete Dickenson]. Este texto apresenta a necessidade de um planejamento socialista da indústria, da sociedade e do meio ambiente e aborda algumas dessas questões. O meio ambiente é absolutamente crucial, não é apenas uma questão abstrata. Nossos camaradas em lugares como Paquistão, Nigéria, Sri Lanka, Malásia, a qual eu visitei, precisam travar lutas ambientais em suas sociedades, numa extensão muito maior do que no passado. Em 2005, quando estive na Malásia, havia uma vila chinesa – para onde fui levado pelo Partido Socialista da Malásia (PSM), que não é afiliado ao CIT, mas com quem temos relações amigáveis – em que havia uma fábrica de borracha envenenando as pessoas na aldeia e, como resultado de uma campanha de massas, a fábrica foi removida. Então, o meio ambiente é tanto uma questão geral, quanto concreta.
Eu acrescentaria que Marx no primeiro volume de “O Capital”, no capítulo sobre o dia de trabalho, também fornece vários exemplos de adulteração de alimentos como o pão – que é o que ocorre até mesmo hoje – e os efeitos do capitalismo no meio ambiente. Não é verdade, como alguns ambientalistas gostam de dizer, que Marx estava interessado apenas no desenvolvimento unilateral das forças produtivas e no aspecto econômico. Ele se preocupava com a alienação, que é um grande problema hoje, com a adulteração do alimento, com a questão do meio ambiente, com a necessidade de cada geração deixar o mundo em um estado melhor para a próxima.
A queda da taxa de lucro
O que você pensa da teoria de Marx da queda da taxa de lucro? Marx escreveu sobre isto como uma tendência e também como uma contra-tendência.
Nós pensamos que Marx estava certo sobre a tendência à queda da taxa de lucro. Historicamente, houve um colossal crescimento do capital constante ou, se você preferir, do trabalho morto, para usar a terminologia de Marx, comparado ao trabalho vivo, o capital variável. Consequentemente, o capital, diz Marx, tem a tendência de se tornar cada vez menos “orgânico”, com uma tendência a criar relativamente cada vez menos incrementos anuais. Porém, os capitalistas dizem que tal como o crescimento técnico do capitalismo, é o trabalho morto que predomina sobre o vivo. Isto é geralmente aceito até por economistas pré-marxistas como um fato empírico, à medida que o capitalismo cresce, a taxa de lucro declina. Marx descreveu isto como uma “tendência” e fez uma bela análise disto de forma detalhada na parte três do terceiro volume d e “O Capital”.
O que preocupa imediatamente os capitalistas não é a tendência da taxa de lucros a cair ou mesmo a taxa de lucros em si. É a quantidade de lucros que eles podem acumular. As “causas compensatórias” para conter essa queda são coisas como a redução dos salários para abaixo de seu valor, que é o que vimos em certa medida nos anos 90 com as medidas neoliberais. Os lucros para os capitalistas estão num nível sem precedentes, os mais altos que tiveram por 70 anos, tal como no caso dos EUA. Este também é um fenômeno geral dos países industriais avançados. Há vários outros fatores compensatórios à tendência de queda na taca de lucros que podem ter algum efeito, mas novamente, para usar a terminologia de Marx, há certos “limites instransponíveis”, além dos quais os capitalistas não podem ultrapassar.
Há evidências empíricas para mostrar que Marx estava certo, mas este processo é revelado com o tempo e algumas vezes, por meio de longos períodos históricos. Não falamos aqui necessariamente de dois, três ou cinco anos. É uma tendência de longo prazo. Mas podem ser alcançados períodos em que há um súbito colapso nos lucros. Na Grã-Bretanha, por exemplo, em um ano da década de 70, houve uma queda absoluta na massa dos lucros. Há uma constante luta entre as classes para ficar com o excedente criado pela classe trabalhadora e, por este meio, controlar a arte, a ciência, a cultura, e, finalmente, o estado. Quando a quantidade de lucros cai absolutamente, até os capitalistas param de investir. Por que deveriam investir dois milhões de libras quando recebem apenas 1,975 milhão de libras de volta? Quando eles se recusam a investir, então há uma crise. Isto resulta num estrangulamento do sistema, levando à crise. Diferente de algumas pessoas que se dizem marxistas e contestam este aspecto do marxismo, nós não. Pensamos que a tendência à queda da taxa de lucros está correta teoricamente e pode ser empiricamente verificada, especialmente hoje.
Capítulo 3 O – Oriente Médio
Qual é a sua análise geral e o seu julgamento sobre o Oriente Médio, sobre a guerra no Líbano e o seu fim com a resolução da ONU sobre o uso de tropas francesas e italianas?
A terceira invasão do Líbano surgiu do sequestro de soldados israelenses, mas, por outro lado, esta foi uma ação de solidariedade do Hezbollah com os palestinos, que enfrentam uma terrível perseguição. Gaza é um enorme campo de prisioneiros. A situação econômica nas áreas palestinas não tem precedentes. Nunca na história, mesmo nos anos 30, houve tanta pobreza, desemprego, sofrimento e desespero como agora. O Hezbollah começou sua ação parcialmente em solidariedade com o povo palestino. Israel prendeu 9 mil palestinos. E também há lutadores do Hezbollah em prisões israelenses. Esta ação foi usada por Israel como pretexto para um plano pré-concebido de atacar o Líbano e o Hezbollah. A promessa do governo israelense de Olmert, de que a infra-estrutura do Líbano retrocederia em 20 anos, foi parcialmente realizada na colossal destruição imposta por Israel.
Porém, esta é a primeira vez desde a formação do estado de Israel que a sua classe dominante e as Forças de Defesa de Israel (FDI) se viram diante de uma derrota aberta no campo de batalha. As FDI adentraram apenas em um par de milhas no Líbano. Elas foram confrontadas por uma resistência implacável e não foram capazes de superar o Hezbollah, provocando uma derrota para a classe dominante israelense em geral. Foi também uma derrota do imperialismo dos EUA e de sua política em relação ao Líbano, pois eles tinham iniciado uma série de ações ofensivas até a invasão, incluindo a remoção da Síria do Líbano. Este também foi um passo para futuros ataques à Síria. Havia também a especulação de que a guerra no Líbano era uma preparação para uma ação militar posterior contra o Irã, embora esta seja uma questão diferente. Apoiamos a retirada de todas as tropas estrangeiras do Líbano. O povo libanês deve ter o direito de decidir sobre seu próprio destino.
As consequências da guerra foram profundas de ambos os lados. Em primeiro lugar, o Hezbollah se baseou nas massas xiitas pobres, que tem uma história um tanto diferente de outros grupos com antecedentes islâmicos. Por exemplo, é diferente do Hamas atualmente. Há algumas similaridades no sentido de que o Hezbollah e o Hamas são produtos da agressão da classe dominante israelense e dos ataques ao Líbano e aos palestinos. O Hezbollah foi criado como um resultado da intervenção israelense de 1982 e foi, na realidade, constituído na embaixada iraniana em Damasco. Todavia, seria um equívoco nosso concluir que o Hezbollah é apenas um fantoche do regime iraniano. É claro que há ligações, por causa dos elos xiitas, mas ele não é uma mera “criatura” de Teerã. Ele se desenvolveu de forma independente.
Por exemplo, membros do Partido Comunista Libanês e outros na esquerda cuja influência independente se reduziu, apoiaram o Hezbollah como uma organização de resistência. Houve até declarações favoráveis de Nasrullah, o líder do Hezbollah, sobre o papel de Che Guevara, dos socialistas, no combate ao imperialismo. Então, não se trata de uma típica organização islâmica. Na realidade, ele foi forçado a abandonar a idéia de um estado islâmico no Líbano por causa da pressão e do apoio que recebeu de outros grupos além dos xiitas, como sunitas, cristãos e etc.
Ao longo da guerra, o Hezbollah jogou, pelo menos parcialmente, o papel de uma legítima organização de resistência nacional libanesa à intervenção imperialista. Isto não significa dizer que damos apoio acrítico ao Hezbollah. Ele não é uma organização socialista. Mas na guerra e depois dela, sua direção estava consciente do potencial de aumentar o seu apoio entre os setores não-xiitas da população. Nasrullah saudou o apoio inicial de 80% dos cristãos, dos Drusos e outros grupos confessionais no Líbano. Isto criou uma nova situação dentro do Líbano. Mas, a menos que o Hezbollah se desenvolva numa direção classista e apresente uma alternativa de classe e socialista, seu desenvolvimento pode chegar a um impasse. Ele ganhou uma popularidade generalizada ao doar um montante de até 12 mil dólares àqueles cujas casas foram destruídas. Placas com a inscrição “made in America” nas casas bombardeadas ligam diretamente o bombardeio ao imperialismo dos EUA, algo que, de qualquer forma, reflete a consciência da população libanesa. Inevitavelmente, sob o capitalismo, onde há uma luta por recursos, os líderes dos diferentes grupos étnicos e religiosos tentarão explorar a posição para eles mesmos. Portanto, a unidade temporária pode ser quebrada. No entanto, desta situação atual pode surgir uma nova consciência de classe. Houve movimentos dos trabalhadores sobre as tarifas de eletricidade antes de a guerra começar; um movimento de classe de baixo para cima se desenvolvia no Líbano. O papel dos socialistas, marxistas e trotskistas é apoiar as legítimas ações de resistência do povo oprimido contra a intervenção imperialista e, ao mesmo tempo, levantar as questões socialistas e de classe.
Em nossas publicações fizemos análises gerais sobre a ONU. Ela, na era moderna, não é diferente da Liga das Nações, à qual Lênin e Trotsky se opuseram. Temos que reconhecer que há um sentimento entre muitos trabalhadores de que, após a terrível experiência do povo libanês, talvez seja necessário um “pára-choque” entre os beligerantes para impedir uma nova guerra. Mas ficou muito evidente que não havia propostas por parte de Blair ou Bush de entrada da ONU até os israelenses bombardearem o Líbano e estarem no processo de tentar realizar seus “objetivos de guerra”. Blair nem mesmo pediu um cessar-fogo, o que levou a uma convulsão de massas na Grã-Bretanha e provavelmente foi a gota d’água no clamor por sua remoção. De qualquer modo, ele será retirado do cargo no próximo período. Houve uma repulsa geral por ele nem mesmo estar preparado para chamar um cessar-fogo enquanto mulheres e crianças eram mortas e feridas, enquanto uma punição coletiva era imposta ao povo libanês. A ONU enquanto solução foi rejeitada pelos libaneses. A UNIFIL (Força Interina das Nações Unidas no Líbano) tinha uma presença no Líbano antes da guerra começar, na chamada zona de segurança. Isto não impediu a guerra. Só foi possível a ONU ingressar quando os próprios combatentes concordaram que a guerra, naquele momento, não avançaria.
A ONU manterá a paz? Não. Por que deveria um trabalhador comum na Grã-Bretanha ou na Itália, que nunca pensou em se voltar para os patrões para resolver seus problemas, abraçar as organizações internacionais dos patrões, como a ONU, que é, em ultima instância, o ponto de apoio do imperialismo dos EUA? Um recente artigo no Financial Times pediu aos EUA, que financiam a ONU, para apoiar essa organização, porque isto é “bom para os negócios dos EUA”, o que é verdade. O imperialismo americano usará a ONU quando lhe interessar, quando alega estar agindo em nome da chamada “comunidade internacional”, tal como foi o caso da Guerra da Coréia. Ele agirá fora da ONU, tal como no Vietnã, quando isso não servir necessariamente para conseguir apoio. No Iraque, quando enfrentou dificuldades na ONU, recorreu-se à “coalizão dos dispostos”, que é agora a “coalizão dos relutantes e muito indispostos”. A ONU não é uma alternativa. Nós afirmamos que a solução real ou o “pára-choques” no Líbano é a classe trabalhadora libanesa se unindo à classe trabalhadora israelense para se opor à guerra, porque são os povos que sofrem. Em Israel, o governo Olmert irá desmoronar. Possivelmente será substituído por um governo mais à direita, talvez liderado por Netanyahu. Outra guerra está sendo gestada e serão os povos libaneses e israelenses que sofrerão. Neste sentido, a ONU e a sua resolução ratificando o emprego de tropas francesas e italianas sob os capacetes azuis e a bandeira da ONU, não são as soluções para os problemas do Líbano. É a classe trabalhadora em Israel, no Líbano e por todo o Oriente Médio, com o apoio da classe trabalhadora na Europa e em outros lugares, que possui a chave da situação.
Hezbollah
A segunda questão é que você diz apoiar o direito do Hezbollah e do povo libanês de resistir, mas você critica o uso de foguetes Katyusha contra cidades israelenses. Alguns podem dizer que há uma diferença de forças tão grande nesta guerra que o que o Hezbollah usou foi o possível – eles usaram foguetes com inteligência para atacar prédios do governo e não cidades israelenses. Como podemos decidir sobre táticas militares de organizações que defendem concretamente seus próprios cidadãos no Líbano?
Em primeiro lugar, temos que deixar claro que o Hezbollah e qualquer outra força de resistência nacional libanesa têm o direito de resistir militarmente à intervenção israelense. Isto seria até desnecessário dizer. Eles têm o direito de enfrentar as FDI, de usar foguetes para atacar alvos militares israelenses e derrubar aeronaves militares. Esta é uma parte legítima de uma resistência militar. O Hezbollah e a resistência libanesa numa guerra também têm o direito de atacar alvos militares específicos dentro de Israel.
No que concerne às táticas militares, houve erros dos dois lados, que tiveram repercussões sobre ambos. Após o sequestro dos soldados israelenses, o governo de Israel concluiu que alvejando civis, não necessariamente do Hezbollah, o sofrimento dos libaneses resultaria no distanciamento da população em relação ao Hezbollah. O bombardeio dividiria o Hezbollah e a população libanesa. Ocorreu exatamente o oposto. A população libanesa, ao invés de culpar o Hezbollah, culpou o estado de Israel e começou a apoiar o Hezbollah como representante legítimo da resistência nacional.
Por outro lado, o correspondente americano Charles Glass, que foi sequestrado pelo Hezbollah nos anos 80 e é um escritor instruído sobre o Oriente Médio e Vietnã, afirmou numa entrevista ao London Review of Books, que Nasrullah (do Hezbollah) provavelmente também pensou a partir deste ponto de vista. Que os quatro mil foguetes atirados pelo Hezbollah produziriam um cisma entre o governo e a classe trabalhadora israelense. Mas isto não aconteceu. A situação em Israel foi uma imagem espelhada do que ocorreu no Líbano. A população israelense, mais do que em outras guerras, num primeiro momento,apoiou o governo – 90% de apoio.
O segundo problema é o dos foguetes que atingiram áreas árabes-israelenses. Eles não atingiram apenas judeus israelenses (isto é impossível), e mesmo assim isto seria errado, mas atingiram árabes israelenses. Na cidade mais mestiça de Israel, Haifa, os árabes israelenses foram seriamente afetados. Houve um êxodo de massas de Haifa. Após a guerra, alguns árabes israelenses disseram: bem, alguns de nós se feriram ou morreram, mas isto faz parte da guerra. Mas em geral, não é esta a atitude. Independentemente dos árabes israelenses, isto jogou a classe trabalhadora israelense nos braços de sua própria classe dominante. Foi contra-produtivo, tal como o terrorismo em geral é. Não contestamos o direito do Hezbollah de resistir, mas nesta tática particular pensamos que ele estava equivocado. Foi indiscriminado e, portanto, errado naquela situação concreta.
As consequências no resto do mundo árabe são outra questão. A guerra libanesa teve uma reação em cadeia por todo o Oriente Médio. Originalmente, os governantes capitalistas, feudais e semi-feudais do Egito e da Arábia Saudita atacaram o Hezbollah por supostamente provocar a guerra. Isto se deu, principalmente, porque eles são sunitas e o Hezbollah foi originalmente xiita e sua principal base ainda está entre os xiitas. Porém, isto criou uma divisão entre as classes dominantes do Oriente Médio e do mundo árabe. A esmagadora maioria das massas árabes considerou: como é possível que uma força guerrilheira estimada em um número que não ultrapassa algo entre três e cinco mil lutadores abatesse a poderosa máquina militar israelense? Todos os exércitos árabes, com todo o ouro dos estados do golfo, com todo o poder potencial do Egito e de outros, não poderiam ter o mesmo efeito? É a primeira vez desde 1948 que a máquina militar israelense foi detida.
Israel e Palestina
Na Itália, a extrema-esquerda sempre teve uma abordagem não muito positiva sobre a posição “dois povos, dois estados”. Primeiro, por causa da posição normal, não apenas na esquerda, mas em geral de que os palestinos precisam de seu próprio estado. Há uma grande diferença entre anti-semitismo e anti-sionismo e na Itália há um ataque ideológico contra o anti-semitismo. No movimento revolucionário internacional e também na 4ª Internacional após a Segunda Guerra Mundial, quando houve a repartição que formou Israel, a 4ª Internacional era contra ela. Houve um setor na Palestina que votou contra a repartição e defendia um país com direitos para a minoria. Então, sempre apoiamos a posição de um estado com direitos para a minoria na Palestina. Somos marxistas e acreditamos que em um mundo futuro não haverá fronteiras. A solução de dois estados significa nada mais, nada menos do que criar mais estados. Claro que há uma importante classe trabalhadora em Israel, mas a mais importante está no Egito, então a questão é: os socialistas devem hoje apoiar “dois povos, dois estados” e como você responde àqueles que defendem a solução de um estado?
A mais importante lei da dialética é que a verdade é concreta. Nas questões históricas, é indiscutível que o trotskismo, começando com o próprio Trotsky, se opôs a um estado judeu formado no território da Palestina. Esta era a sua posição geral no período entre guerras. Todavia, ele modificou sua posição depois que a perseguição nazista aos judeus ficou evidente. Uma nova situação surgiu. Trotsky foi sempre flexível quando levava em conta novos fatores importantes. Havia um sentimento por parte da população judia de sair da Alemanha e da Europa e, com isto, aumentou o apoio para o sonho de uma nova terra natal.
Trotsky afirmou que, sob o socialismo, se os judeus quisessem um estado, digamos, numa parte da África, com o acordo do povo africano, ou na América Latina, isto poderia ser pensado, mas não na Palestina. Aqui, seria uma armadilha sangrenta para os judeus. É impressionante como esta previsão se confirmou. Houve um artigo, recentemente, no Financial Times sobre o Oriente Médio, no qual algum professor burguês disse: o lugar mais perigoso para qualquer judeu no mundo hoje é Israel. É a armadilha sangrenta sobre a qual Trotsky alertou. O movimento trotskista se opôs à criação de um estado judeu separado em Israel porque ele seria um retrocesso para a revolução árabe. Israel foi criado como o resultado da colonização de terras árabes, expulsando os palestinos e usando uma mistura de retórica nacionalista radical e até uma retórica nacionalista “socialista”, dirigida à população judia que escapou do pesadelo do Holocausto e da Segunda Guerra Mundial.
Um estado, ou uma série de estados, pode ser criado pelo deslocamento brutal dos povos. Veja a remoção da população grega de muitas partes da Anatólia e dos turcos da Grécia após o colapso do Império Otomano. Se você voltasse atrás e redesenhasse o mapa, você teria enormes deslocamentos de populações. Como resultado do terrível crime contra os judeus na Europa sob o capitalismo-nazismo, isto foi usado como uma justificativa para um crime contra o povo palestino. Isto continua um fato histórico indiscutível.
Dois estados?
Porém, a realidade agora é que, ao longo do tempo, foi criada uma consciência nacional judia ou israelense. O que os marxistas dizem disto? Apenas ignorar a situação real e continuar com a velha posição? A solução do SUQI (Secretariado Unificado da Quarta Internacional), do Socialist Workers’ Party (SWP – Partido Socialista dos Trabalhadores, na Inglaterra) e outros na esquerda – que foi originalmente nossa política – é de um estado palestino autônomo com direitos autônomos para os judeus. Mas eles apresentam isto em um contexto burguês. Nós sempre apresentamos isto num modelo socialista. Não defendemos a posição de uma solução de dois estados sobre uma base burguesa como, por exemplo, alguns pequenos grupos. Isto é um sonho utópico. Se os acordos de Oslo deram apenas uma pequena fatia da Palestina histórica ao povo palestino, sob as propostas de Olmert para uma redivisão da Palestina, que agora está fora da agenda, restaria apenas 10% como estado para os Palestinos. Trata-se de um bantustão. Não é um estado viável no que concerne aos palestinos. Não há possibilidade de uma solução capitalista viável de dois estados. Um acordo provisório não pode ser descartado, mas não é uma solução para os problemas nacionais nem dos palestinos nem dos israelenses. Todavia, a idéia de uma solução de dois estados, de uma Palestina socialista e um Israel socialista dentro de uma confederação socialista do Oriente Médio é, em nossa opinião, uma demanda programática correta.
A pergunta que temos que nos fazer é: como as legitimas aspirações de ambas as sociedades podem ser satisfeitas? Nas duas populações há agora uma consciência nacional, independente do que ocorreu no passado. Este é nosso ponto de partida. Antes da guerra libanesa, começou a se desenvolver entre os palestinos a consciência de que eles estavam condenados a permanecer dentro de algum tipo de “Grande Israel”. Então alguns palestinos disseram: queremos votar – e isto assustou a classe dominante israelense, que se preocupava com uma bomba relógio demográfica, com o crescimento da população palestina, que mudaria o caráter do estado de Israel. É por isso que Sharon e depois Olmert decidiram que eles não podiam continuar na perspectiva da “Grande Israel” – do Mediterrâneo ao Mar Morto, e incorporando Gaza – por uma razão simples. Se os palestinos continuassem aprisionados neste estado, eles então exigiriam direitos iguais: o direito de votar, uma pessoa um voto, tal como na África do Sul sob o apartheid. Dentro de um período mensurável de tempo eles poderiam se tornar a maioria dentro de Israel. Então, o sonho do Likud de uma “Grande Israel” teve que ser abandonado e Sharon e Olmert passaram para a idéia da repartição, que lhes daria uma maioria judia em um estado israelense, além de um estado burguês limitadíssimo que seria deixado aos palestinos, um plano consentido pelo regime Bush.
Temos que enfrentar o fato que os povos palestino e judeu decidiram que não poderiam viver juntos em um mesmo estado. Esta é a sua consciência. O que um marxista e um trotskista dizem nesta situação? Você diz que não queremos mais estados, não queremos a ruptura de estados unificados, e, abstratamente, isto é verdade. Mas os socialistas e marxistas não podem obrigar diferentes povos a viverem no mesmo estado. Há ainda uma questão nacional no contexto da Itália, em Alto Adige. Quem sabe? Isto pode surgir no futuro. É como uma sombra, que em algumas circunstâncias pode ganhar substância. Qual seria nossa posição? Podemos ter que aceitar isso. É possível que a Espanha possa se dividir. É possível que a Índia possa se dividir. A Índia não é um estado unificado em muitos sentidos. Ela foi unificada em certo sentido pela primeira vez pelo imperialismo britânico, mas agora é constituída de diferentes “nacionalidades”. Lênin disse que não podemos construir uma nova sociedade comunista com base na coação, por menor que seja, contra uma nacionalidade, um grupo ou camada na sociedade. Veja até onde os bolcheviques puderam ir para convencer os adversários de suas idéias por meio da argumentação e do exemplo. Eles estavam preparados, depois da revolução, a dizer aos anarquistas: bem, discordamos de sua proposta de “nenhum estado”, mas iremos pensar em dar a vocês uma certa parte da Rússia, vocês podem criar uma comuna anarquista ali. Então, deixaremos vocês passarem por esta experiência, que os convencerá de que sua alternativa de uma sociedade anarquista “sem estado” na transição entre o capitalismo e o socialismo seria uma utopia. A guerra civil e todas as suas consequências impediram esta idéia de ser implementada, mas a abordagem era válida. Lênin e Trotsky entenderam que a questão nacional é similar à questão agrária. Dar pequenas parcelas de terra aos camponeses pode representar um passo atrás economicamente, mas não havia alternativa na Rússia em 1917 para ganhar os camponeses. É o caso de um passo atrás, com a esperança de dar dois passos à frente no futuro.
Se você tivesse uma alternativa socialista de dois estados, as massas israelenses poderiam se aproximar e discutir com os palestinos: “Pensamos que isto pode ser uma solução”, ou vice versa. Poderiam ser abertos um diálogo e uma discussão. Aborde os trabalhadores israelenses com a idéia de que eles seriam forçosamente incorporados em um estado comum com os palestinos contra a sua vontade e eles dirão: “Iremos lutar até a morte. Não temos lugar algum para ir”.
Esta não era a situação da África do Sul sob o apartheid. George Galloway, o parlamentar da coalizão Respect em Londres, levantou a idéia de que poderia haver uma “situação De Klerk” em Israel. De Klerk representava os brancos Afrikaners na África do Sul, mas decidiu que o jogo estava acabado; os brancos tinham que entregar o poder, ou a ilusão de poder, aos africanos. Mas isto só foi possível em um cenário de colapso do stalinismo e também com o aburguesamento total do Congresso Nacional Africano (CNA). A relação demográfica na África do Sul em 1990 era de sete não-brancos para cada branco. Esta não é a situação em Israel-Palestina neste momento. A população israelense lutará. Até o “campo pacifista” de Israel lutará se seu direito a um estado separado estiver sob ameaça. A classe trabalhadora israelense lutará se você ameaçar jogá-la no mar. Portanto, demandas de transição são necessárias para abordar as massas. Nós dizemos: vocês decidem quais serão as fronteiras de um futuro estado sob uma confederação socialista. É até possível, depois de uma revolução socialista no Oriente Médio, que os israelenses e os palestinos decidam viver juntos em um só estado com autonomia para ambos. Não podemos dizer de antemão. Mas a dialética da situação é que se você tentar impor um estado sobre eles agora, isto será rejeitado.
Israel é uma ferida aberta na região. Uma questão chave na revolução do Oriente Médio é como separar os trabalhadores israelenses de sua classe dominante. Desafie-os, ameace a idéia de uma “terra natal” israelense e não existirá qualquer chance de conseguir isto. O estado israelense é uma criação do imperialismo. Mas lá se desenvolveu uma indústria armamentista local, além de indústrias técnicas, etc, e elas podem manter a população árabe sob seu tacão quase que indefinidamente ou enquanto o capitalismo sobreviver. Que esperança há para as massas palestinas nesta situação? Não há alternativa em uma base capitalista. Uma solução capitalista de dois estados não é uma solução. Ela resultará no aborto de um estado. Uma solução socialista de dois estados, cujas fronteiras não podemos definir de antemão, mas que será voluntária e democraticamente definida pelos povos palestino e israelense, é uma arma muito importante para abordar estes trabalhadores. Aceitamos que muitos trabalhadores árabes, de início, tomarão uma atitude de que o estado de Israel deve ser desmantelado. Trata-se de uma divisão imperialista contra a revolução árabe. Mas quando a questão é apresentada corretamente, ela pode ser aceita. É perceptível que, antes da guerra atual, a população na Palestina relutantemente concluiu que uma solução de dois estados era a alternativa e a população de Israel chegou à mesma conclusão. Mas agora, se isto resultar em uma nova fronteira, com apenas 10% da Palestina histórica em um novo “estado”, trata-se de uma situação diferente.
Sobre a questão nacional, os escritos de Lênin, tal como Trotsky pontuou, estão entre os maiores tesouros da humanidade. Mas a questão nacional hoje é imensamente mais complicada. Para os marxistas, ela tem dois lados. Nós nos opomos ao nacionalismo burguês, que procura dividir a classe trabalhadora. Somos pela unidade máxima dos trabalhadores além das fronteiras, continentes e mundialmente, mas ao mesmo tempo nos opomos à incorporação forçada de distintas nacionalidades em um estado contra sua vontade. Apoiaríamos, por exemplo, o povo do Quebec se sua maioria votasse em um referendo para se separar do Canadá. Também somos a favor de uma Escócia socialista independente. Mas, se no Canadá, a burguesia de Quebec se recusasse a aceitar os direitos das minorias dentro de uma Quebec independente, nos oporíamos a ela. Alguns dos nacionalistas de Quebec são por sua independência, mas contra os direitos dos povos nativos. Nós nos opomos a isto.
Capítulo 4 – Irlanda e a Questão Nacional
E quanto ao exemplo da Irlanda? Há a situação onde 26 condados estão em um estado após o acordo dos anos 20 e seis estão na Irlanda do Norte. Os protestantes são a maioria apenas em dois.
Não, na Irlanda do Norte há seis condados e em 1969 dois terços da população nestes seis condados eram protestantes e um terço católico. O padrão demográfico mudou hoje, mas os protestantes ainda são a maioria.
Você tem a situação de que o movimento revolucionário sempre apoiou um estado de 32 condados…
Marx e Engels, sim. Trotsky e Lênin, sim.
Você tem o imperialismo da Grã-Bretanha, que separou uma parte do país do resto, uma divisão sobre fundamentos religiosos. Conhecemos a situação. Mas a classe trabalhadora e o movimento socialista no Sul apóiam um país unificado onde a minoria protestante possa viver? Pois, esta divisão é historicamente artificial.
Isto não pode ser dito agora. Esta posição tinha alguma validade antes da repartição de 1921. A Irlanda era uma colônia do imperialismo britânico até 1921. Depois da repartição, 26 condados formaram o Estado “Livre” Irlandês. Os seis condados no Norte foram deixados para trás – uma população um terço católica, dois terços protestante. Foi uma criação artificial. Mas na consciência da maioria da população – os protestantes – ela se tornou mais do que isso. É um estado separado ligado à Grã-Bretanha que existe desde 1921, 85 anos agora. A consciência da população protestante é a de que eles não serão coagidos a uma Irlanda unificada. A Irlanda do Sul foi dominada historicamente pela Igreja Católica, sem divórcio, contraceptivos, direitos democráticos severamente reduzidos durante sua história (é diferente agora). Os protestantes não entrarão em um estado onde eles serão uma minoria discriminada. Eles desejam manter os “direitos democráticos britânicos” que, ironicamente, foram severamente reduzidos por Thatcher e agora por Blair. Mas esta é a sua consciência, não apenas da pequena-burguesia, mas da classe trabalhadora também.
A população católica minoritária, a maior parte que nunca se reconciliou com este estado, tem sido discriminada. O CIT tem uma organização muito boa na Irlanda do Norte que lutou para criar a unidade de classe entre trabalhadores católicos e protestantes. Em 1969, eu estive na Irlanda do Norte, em Derry e em Belfast, e ganhamos jovens e trabalhadores católicos e protestantes. Ted Grant e eu falamos em uma reunião com cerca de 300 jovens em 1970 na cidade de Derry. Nós fomos para o bairro de Bogside nesta cidade e para Belfast com homens armados e encontramos o IRA (Exército Republicano Irlandês). Sempre discordamos deles. Dizíamos que eles estavam promovendo uma campanha terrorista, uma luta de guerrilha em uma área urbana, não nas tradicionais áreas rurais e que não poderiam ter sucesso. Não era como no Vietnã, onde uma maioria da população camponesa apoiava a luta guerrilheira. Não era nem mesmo como na Argélia, onde a FLN (Frente de Libertação Nacional) na guerra argelina de 1956-62 combatia como uma resistência nacional, a qual apoiamos inclusive com ajuda prática, contra o imperialismo francês. Os “colonos” argelinos que apoiaram os franceses eram apenas 10% da população e foram expulsos. Uma luta guerrilheira, como a campanha de 30 anos do IRA na Irlanda do Norte, baseada numa minoria da população, não poderia ter sucesso.
A dialética, o paradoxo, é que em 1969, a burguesia britânica teria aceitado uma Irlanda unida. Os fatores políticos, militares e estratégicos – que levaram à divisão da Irlanda em 1921 – tinham evaporado. Com o fim do “Império” britânico e com o colapso do papel mundial de seu poder militar, especialmente, sua proeza naval, as bases navais na Irlanda não eram mais vitais para a classe dominante britânica. Uma Irlanda unida teria sido menos custosa para a Grã-Bretanha. Mas ela ajudou a alimentar a oposição da população protestante a uma Irlanda capitalista unida. Os protestantes se opuseram implacavelmente – e ainda se opõem – a entrar em uma Irlanda unida e lutarão para evitar isto. Em resposta à campanha de terrorismo do IRA, dirigida contra o estado britânico, dissemos que esta campanha não poderia ter sucesso. Há o famoso aforismo de Mao de que a guerrilha é um peixe que nada na água, mas que é preciso ter água favorável e suficiente para que o peixe possa nadar e ter sucesso. Mas uma minoria não pode coagir a maioria. A resposta do IRA foi: “temos a maioria da população dos 26 condados nos apoiando”. Mas a situação tinha mudado desde 1921.
Nós defendíamos a retirada das tropas britânicas, mas é preciso colocar uma alternativa em seu lugar. Se os britânicos retirassem suas tropas da Irlanda do Norte, teria acontecido algo como o Líbano, uma guerra civil estouraria a menos que houvesse uma alternativa de classe. Nesta guerra civil, você não lidaria com uma população despreparada para lutar. Os protestantes estavam armados. Em tal guerra civil, os católicos poderiam ser expulsos de partes do Norte e os protestantes de outras partes. Haveria uma redivisão do Norte. As repercussões disto seriam um pesadelo, não apenas na Irlanda, mas também na Inglaterra, no País de Gales e na Escócia, que poderiam ser inundados com refugiados.
Em oposição ao sectarismo de ambos os lados da divisão religiosa, nós lançamos a idéia de uma luta unificada da classe trabalhadora, incluindo uma força de defesa sindical conjunta, abrangendo católicos e protestantes. O principal ponto de reunião dos católicos e protestantes era nas fábricas. Então apresentamos esta demanda para tentar fortalecer a unidade de classe.
O IRA conduziu uma campanha de 30 anos. O SWP na Grã-Bretanha, o SUQI, os morenistas na América Latina, por nunca terem compreendido a questão nacional e seu reflexo na Irlanda do Norte, normalmente deram apoio acrítico aos Republicanos, ao IRA. O “acordo da sexta-feira santa” entre os líderes do movimento republicano (pela independência em relação à Grã Bretanha) e um setor dos unionistas (pela união da Irlanda do Norte com a Grã Bretanha), presidido pelos governos britânicos e irlandeses, foi, de fato, uma admissão pelo IRA do que dizíamos. Eles não poderiam ganhar esta luta militar e assim encerraram a guerra. “A guerra terminou”, eles declararam. Eles não ganharam a guerra, eles não expulsaram o imperialismo britânico. Eles tentaram racionalizar isto para seus próprios apoiadores dizendo: nós temos “legitimidade”, nós nos tornamos uma força política e um partido e, ao longo do tempo, nós nos tornaremos a maioria na Irlanda do Norte como um todo. Isto pode acontecer com o tempo, mas a população protestante ainda não entrará numa Irlanda capitalista unida. Uma Irlanda socialista unida que não os ameaçasse seria uma proposição inteiramente diferente.
Mesmo assim, todos os lados, e especialmente a população protestante, teriam que ser convencidos disto. E isto só poderia ser conquistado por uma classe trabalhadora unificada na Irlanda do Norte ligada ao movimento operário na Grã-Bretanha e no Sul. As forças do CIT, tanto na Irlanda do Norte quanto do Sul, têm sido as únicas organizações socialistas que tiveram uma posição consistente e principista sobre esta questão, e nos orgulhamos muito disto.
Alemanha
Mas veja a situação na Alemanha. Havia uma nação, mas politicamente dividida, Oriental e Ocidental, que separava famílias. Durante a Guerra Fria, o povo alemão, em geral, queria a reunificação. Durante a Guerra Fria, as pessoas poderiam pensar que isto levaria 200 anos!
Nós apoiávamos a reunificação, mas sobre uma base socialista e de classe.
Quando em 1961 o Muro de Berlim foi construído e a situação se fechou, havia uma contradição econômica porque os trabalhadores no Leste queriam ir viver no Oeste. Eles sabiam que os trabalhadores no Oeste estavam melhores do que eles; que as condições de vida eram dez vezes melhor do que na Romênia. Havia uma linguagem, uma cultura, tradição, ligações familiares, era uma separação intolerável e eu penso que era similar na Irlanda.
O povo alemão queria estar unido. Não havia nada em sua consciência, como idéia geral, para impedir isto. Esta não é a situação na Irlanda do Norte. Os protestantes não querem estar em uma Irlanda unida, nós diríamos em uma Irlanda capitalista unida. Há um milhão e meio de protestantes que são ainda maioria no Norte. Eles seriam coagidos a uma Irlanda unida? Eles seriam forçados a isso?
A Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT) na América Latina, os morenistas, têm esta teoria ridícula. Eles defendem que há uma série de “enclaves” imperialistas: Israel é um enclave imperialista; a Irlanda do Norte é um enclave imperialista, etc. Estes enclaves devem ser forçados a estados mais unificados. Esta não é uma política para o marxismo levar para o movimento de massas. Ela pode parecer “perfeita” em pequenas salas de sectários, mas não é uma política para sair e confrontar a verdadeira consciência dos trabalhadores em uma situação específica. As questões concretas não podem ser respondidas de um modo abstrato, especialmente hoje e particularmente sobre a questão nacional. Esta questão é ainda mais complicada hoje do que na época de Lênin e Trotsky e eles começaram a resolver apenas alguns dos problemas. Veja o modo como a questão nacional voltou na antiga “União Soviética”, como uma vingança por causa de sua má resolução pelo stalinismo.
A forma como esta questão é abordada não é apenas uma questão de território ou cultura. É também uma questão de consciência. Nos últimos dias, foi publicado um estudo científico que mostra que o DNA de todos os habitantes da Grã-Bretanha e Irlanda vem de pescadores espanhóis de seis mil anos atrás. Parece que os celtas não são diferentes “etnicamente” dos ingleses do ponto de vista do DNA. Mas seria tolo concluir disto que o conjunto das populações da Grã-Bretanha e Irlanda é a mesma coisa porque tem o mesmo DNA. De ângulos culturais, nacionais e psicológicos, eles se consideram “britânicos” – ingleses, escoceses, galeses – ou irlandeses. Esta consciência pode se dissolver em uma futura sociedade comunista, mas entre o agora e esta sociedade não deve haver nenhuma coação para os povos viverem em estados que não apóiam. O exemplo que você deu da Alemanha é bom. Antes de 1989, havia uma consciência nacional alemã, embora com atitudes diferentes no Leste e no Oeste. Havia um sentimento geral de que “somos todos alemães e queremos viver juntos”. É algo parecido com o povo húngaro na Romênia. Em circunstâncias ideais, eles gostariam de ser parte da Hungria, pois são discriminados na Romênia. Há uma colcha de retalhos de nacionalidades na Europa Central e Oriental, mas a população protestante da Irlanda do Norte não se considera a mesma que a população do Sul. Como você lida com isso?
Bob Labi: “As coisas mudam. Na Alemanha, mudou. Por exemplo, quando a Áustria foi formada depois da I Guerra Mundial, os austríacos não queriam formar a Áustria, eles queriam fazer parte da Alemanha. Na verdade, o primeiro nome da Áustria foi “Áustria Alemã”. As potências vitoriosas não permitiram que eles se unissem à Alemanha. Todo partido político na Áustria, nos anos 20 e 30, tinha em seu programa a defesa de alguma forma de unificação. O Partido Comunista defendia uma “Grande Alemanha Soviética”. Isto era parte de seu programa. Isto era parte da consciência da nacionalidade austríaca; se você olhar a população nos anos 20, ela era descrita como alemã. Mas a consciência mudou, por diferentes razões. Depois da Segunda Guerra Mundial, a idéia de unificação com a Alemanha estava completamente fora da agenda. Neste momento, os austríacos se viam como austríacos, não como alemães. Ninguém na Áustria, nem a extrema-direita, exceto alguns setores, tem uma atitude diferente. Até Haider, quando se tornou uma grande força, começou reforçando o nacionalismo austríaco. Ele costumava ser um “pan-germânico”, então percebeu que havia um limite nisto e se tornou um nacionalista austríaco. É uma questão de como a consciência muda.
“Pode-se dizer que a Irlanda há 200 anos ou mais não era tão dividida. O impacto da Revolução Francesa na Irlanda foi maior entre os protestantes do que entre os católicos. Eles lideraram a rebelião. Parcialmente por causa disto, o imperialismo britânico conscientemente usou táticas de “dividir para governar” na Irlanda do Norte, baseando-se em grande parte entre a população protestante. Este é um fator que temos que levar em conta agora, porque a situação sempre está mudando, ela não é fixa o tempo inteiro. Esta é a consciência, como foi dito, que estamos lidando realmente na Irlanda do Norte”.
Se em 1918, quando ocorria a luta contra os britânicos, o movimento operário irlandês e os sindicatos tivessem tomado uma posição de classe independente, eles poderiam ter ganhado os trabalhadores protestantes do Norte. Ou se James Connolly não tivesse se engajado no levante de 1916 e fosse morto, é possível que a história tivesse tomado um rumo diferente e poderíamos ter visto um movimento unido. Isto não está gravado na pedra. Mas a história tomou um rumo diferente com a criação de dois estados, que são, em primeiro lugar, “criações artificiais”. Mas eles não são mais “enclaves”. A população protestante da Irlanda do Norte se considera parte de um estado separado. A população católica se sente discriminada e temos que lutar contra esta discriminação. Se a população protestante do Norte dissesse, em um referendo, que queria entrar no Sul, nós apoiaríamos isto, incluindo possíveis direitos autônomos para eles se quisessem. Mas isto não é provável. O único modo para que os obstáculos em sua consciência sobre a entrada em uma Irlanda unida sejam removidos é numa base de classe, numa base socialista. Também é preciso remover qualquer elemento de coação, de que eles serão forçados a tal estado. O único modo que isto pode ser feito é por um movimento unido de classe de católicos e protestantes superando suas divisões e preconceitos.
Iraque e a resistência
No Iraque há uma situação muito complicada por causa da ocupação do país, principalmente, pelos Estados Unidos e Grã-Bretanha. Há grandes problemas dentro da “coalizão”. Há grandes divisões religiosas e étnicas, mas também divisões políticas. O partido Baath tem raízes nos povos sunitas, mas não era um partido religioso, era totalmente secular e está jogando um grande papel na resistência. Os partidos xiitas estão no governo, mas não querem que a ocupação continue. É uma situação muito complexa. Há alguma forma de resistência guerrilheira. Algumas vezes há também lutas de classes, mas também muitos choques entre os sunitas e xiitas. Desta forma, há a luta contra a ocupação e uma luta entre os diferentes grupos religiosos e étnicos. Em seu material de propaganda vocês nunca dizem, diferentemente do SWP, que apóiam a “resistência”, criticamente ou de outro modo.
Não, nós sempre dissemos que apoiamos a resistência do povo iraquiano contra a ocupação, mas nunca demos carta branca de apoio para todas as ações e organizações que dizem liderar a “resistência”, dada a situação. Descrever a situação no Iraque como de turbulência é insuficiente. Na imprensa britânica atual, eles apontam que o nível de tortura é agora pior do que era sob Saddam Hussein. O título do livro “República do Medo” pode ser aplicado à situação atual no Iraque, nas câmaras de tortura dos invasores, mas também naquelas do governo. É uma catástrofe absoluta. É uma situação que poderia ter sido prevista, e foi prevista por nós, porque alertamos que a situação no Iraque era mais complicada do que a posição simplista apresentada pelo imperialismo, por Blair e Bush, mas também, infelizmente, por outros na esquerda, como o SWP britânico.
O Iraque está dividido, como você disse, em diferentes grupos étnicos e religiosos: xiitas, sunitas, curdos, turcomenos – a maioria dos cristãos fugiu por causa da perseguição. A sociedade absolutamente implodiu em uma “semi-guerra civil”. Alertamos isto antes mesmo da guerra no Iraque começar. Dissemos que Bush iria para uma situação como a do Vietnã[3]. Nas áreas sunitas há uma resistência nacionalista árabe ao imperialismo americano, principalmente no centro do Iraque e em algumas outras áreas isoladas. Ela é composta, pelo que podemos ver de fora, de elementos do partido Baathista, ex-oficiais do exército, pessoas comuns, trabalhadores e camponeses em oposição à ocupação, que agora é totalmente rejeitada, especialmente pelos cinco milhões de sunitas. Há então os jihadistas (de jihad, guerra santa), que são uma minoria, até onde podemos ver, e que são tolerados por partes da resistência, mas não são apoiados ou desejados necessariamente por causa de seus métodos: decapitações, explosões suicidas indiscriminadas, assassinatos sectários, etc.
A resistência sunita por si mesma não pode expulsar com sucesso o imperialismo porque é uma minoria no Iraque. Ela pode causar grandes dificuldades prendendo as tropas estrangeiras em uma ocupação sangrenta de longo prazo. Os xiitas se opunham a Saddam porque ele os perseguia e usava o terror estatal para manter o Iraque unido. Isto ocorreu após o esmagamento da esquerda e do movimento dos trabalhadores. Ele mantinha o controle sobre as divisões religiosas e nacionais no Iraque. Mas agora, tal como uma caixa de Pandora que foi aberta, este controle foi perdido, o que resultou em uma catástrofe. A relação entre os diferentes grupos é confusa, mas uma guerra sectária olho por olho está a caminho.
Quais as perspectivas prováveis para o Iraque? Setores da classe dominante americana estão agora dizendo que esta é uma guerra que não podem ganhar. Não há possibilidade de vitória militar no Iraque. Mas qual é a alternativa? Uma coisa é entrar num pântano, outra é sair dele. Esta tarefa é quase impossível. O que temos no Iraque são várias alternativas de “mal menor”, no que concerne ao imperialismo americano. Não há alternativa fácil. Uma perspectiva encorajada nos EUA é a de entregar o poder aos partidos burgueses xiitas. Não concordamos com o SWP de que o partido de al-Sadr representa uma ala radical da política xiita. Em certo momento, ele pediu um tipo de colaboração entre a resistência sunita e xiita, mas isso sucumbiu e agora o conflito religioso se enraizou.
A perspectiva dos generais dos EUA antes da invasão era a de entregar o poder à Chalabi ou alguma outra figura, esperar pelo melhor e então se retirar para suas 110 bases militares no Iraque. Eles foram para o Iraque pelas reservas de petróleo e não as entregarão facilmente. Se os EUA se retiram do Iraque sem uma força operária independente no seu lugar, as consequências para o resto do Oriente Médio são sérias. Há um “arco xiita” com grandes populações xiitas no Irã, Iraque, Síria, Líbano, partes da Arábia Saudita – onde elas vivem nas áreas em que os campos de petróleo estão localizados – e nos estados do Golfo. Em alguns estados, os xiitas são a maioria. Se o Iraque se dividir em linhas religiosas, haverá enormes repercussões por todo o Oriente Médio. O povo iraquiano deve decidir seu próprio destino[4].
Apoiamos a legítima resistência nacionalista do povo iraquiano contra o imperialismo. Não damos apoio acrítico a qualquer organização no Iraque. A classe trabalhadora quer saber quais são o seu programa e as suas políticas, se estão preparados para alcançar os outros grupos religiosos e étnicos numa base de classe. Sugerimos aos trabalhadores iraquianos a idéia de milícias mistas, de xiitas e sunitas. Agora, a situação parece estar muito polarizada. Se as milícias mistas são uma possibilidade, teremos que ver e sugerir uma saída nas linhas da unidade de classe. Somos a favor da retirada de todas as tropas estrangeiras do Iraque. Mas na situação atual, isto não resolverá automaticamente o problema. A situação é muito complicada. Temos que achar uma linha, uma linha de classe e socialista que poderia alcançar os melhores trabalhadores.
No momento, a luta de classes está marcada por este pesadelo sectário. Ocorreram algumas greves entre trabalhadores petroleiros. Houve greves dos trabalhadores no norte. Temos que apoiar esta tendência, especialmente àqueles trabalhadores que resistem à privatização, etc. Ao mesmo tempo, temos que apresentar uma alternativa política, uma alternativa política geral, que possa incluir as demandas pela retirada de todas as tropas estrangeiras; por uma confederação socialista e democrática do Iraque, com o direito de autodeterminação para as áreas curdas, sunitas e xiitas se necessário; oposição ao programa de privatização; apoio aos trabalhadores em greve. Mas o momento não é o mais favorável para a luta de classes e o socialismo.
Vietnã e Iraque
Eu li seu livro sobre o Vietnã e o subtítulo é “lições para hoje”. Quando a guerra começou, muitos começaram a pensar que a situação no Iraque era similar ao Vietnã. Sempre achei que existiam grandes diferenças. No Vietnã havia uma típica guerra de libertação nacional, com o apoio de uma grande potência (URSS), enquanto no Iraque a situação econômica global é muito pior do que era na época do Vietnã. Quais são as lições para hoje?
Eu escrevi o livro sobre o Vietnã às vésperas da Guerra do Iraque. Há lições gerais, mas acho, paradoxalmente, que as lições do Vietnã, neste momento, se aplicam mais ao Líbano do que ao Iraque. No Líbano vimos que, em uma “guerra assimétrica”, uma grande potência militar com enormes vantagens de pessoal e de armas não conseguiu derrotar um movimento de resistência nacional nativo, que é o que se tornou o Hezbollah. Tal força não existe até agora no Iraque – mas no Líbano sim, pelo menos temporariamente. O Hezbollah uniu os diferentes grupos religiosos em torno de sua resistência à classe dominante israelense e às FDI. Não há tal organização no Iraque, capaz de agir deste modo.
No início da Guerra do Iraque, embora víssemos as divisões étnicas e religiosas, ninguém podia prever o que aconteceria exatamente. Dissemos que um elemento da Guerra do Vietnã poderia se desenvolver. Mesmo se o imperialismo dos EUA ou qualquer outro governo decidisse se retirar das províncias centrais do Iraque – por exemplo, um general americano recentemente sugeriu que as tropas se retirassem e se baseassem nas áreas curdas – ainda restaria o problema dos cinco milhões de sunitas que resistiriam a um governo de maioria xiita ou ao imperialismo americano. O exemplo da Irlanda do Norte mostrou que, mesmo que o IRA desfrutasse do apoio de apenas uma minoria, ele não poderia ser derrotado militarmente pelo imperialismo britânico. Houve uma guerra de 30 anos. As mesmas lições se aplicam aos sunitas hoje. Então, há um elemento das lições do Vietnã.
As lições da Guerra do Vietnã foram justificadas no Iraque no sentido de que o sentimento do povo americano depois do Vietnã era que “nunca mais devemos nos envolver numa guerra estrangeira, especialmente contra uma resistência nacionalista ou força guerrilheira”. A maioria dos americanos agora diz que a guerra foi errada e que os EUA devem sair do Oriente Médio. Temos até setores da classe dominante americana, como o antigo embaixador na Croácia, Peter Galbraith, dizendo claramente que os EUA devem evacuar suas forças do Iraque. Também em relação ao Afeganistão, há agora um grande setor da burguesia britânica que diz “caiam foram do Afeganistão”. Quando o Império Britânico existia, não foi possível derrotar os afegãos, nem mesmo os russos os derrotaram, com 150 mil soldados. Que chances têm a força da OTAN de 25 mil soldados, mesmo diante do barbarismo medieval do Talibã? Neste sentido, as lições do Vietnã se aplicam ao Afeganistão e ao Iraque. Por outro lado, elas não se aplicam inteiramente, porque não há no Iraque um movimento de resistência nacional unificado, com o apoio da maioria da população.
Ásia Central
O Iraque também está no centro do Oriente Médio e da Ásia Central, entre grandes potências e potências regionais lutando pelo controle. Há a questão do Afeganistão, que está ficando cada vez pior. Ele é um país pobre. Há a questão do Paquistão. Do outro lado está o Cazaquistão, rico em recursos naturais, o Uzbequistão, onde houve uma rebelião ano passado. Da Europa, vemos a situação iraquiana como mais ligada ao Oriente Médio, mas precisamos ver suas conexões com a Ásia Central.
A relação entre a situação do Oriente Médio e a da Ásia Central, do ponto de vista do capitalismo mundial e do imperialismo, é muito simples. É o petróleo. A razão para a invasão do Iraque, apesar de todas as tentativas de cobrir isto, era que o Iraque tinha a segunda maior reserva de petróleo do mundo. Cheney, Wolfowitz e outros disseram que se eles capturassem o petróleo do Iraque, reduziríamos o preço mundial do petróleo para seis dólares o barril. A energia joga um grande papel no capitalismo. O aumento do preço do petróleo em 1974-75 acionou a crise econômica mundial daquele período ou foi, ao menos, um dos fatores. O aumento do preço do petróleo para 70 ou 80 dólares o barril ainda não acionou uma crise. Mas se o Irã for bombardeado, ele bloquearia o Estreito de Hormuz e isto poderia elevar o preço para 100 ou até 150 dólares o barril e isto teria um efeito colossal no capitalismo mundial. Então, o petróleo é um fator de ligação.
Há uma questão geopolítica também, no sentido de que depois do 11/9 o imperialismo americano tentou estender suas operações criando uma base firme no Iraque. Ele também estendeu sua influência para as antigas esferas de influência do stalinismo russo na Ásia Central. O Mar Cáspio é obviamente uma área importante devido ao seu potencial energético por si só. O Paquistão é crucial para a “guerra ao terror”. O presidente Musharraf revelou que Richard Armitage, um suposto “liberal” no regime Bush, apoiador de Colin Powell, teria dito que depois do 11/9 que, se Musharraf não concordasse em travar uma guerra contra o Talibã no Afeganistão e permitisse que o Paquistão fosse usado como base para isto, os EUA bombardeariam o Paquistão até este retroceder à Idade da Pedra! Musharraf está dizendo isto agora porque Bush é impopular e está dirigindo seu olhar para o futuro. O Paquistão também é um importante fator geopolítico, não apenas para o imperialismo ocidental e dos EUA, mas também para a China que está tentando estabelecer uma esfera de influência. A China está tentando criar um contrapeso à OTAN na forma da Organização de Cooperação de Xangai, uma “OTAN asiática”. Ela está tentando reunir as nações capitalistas asiáticas como um contrapeso aos EUA, se unindo até mesmo à Rússia.
Há outro fator que talvez não tenha sido colocado em sua pergunta, mas que é importante, que são as ramificações das lutas no Iraque, no Oriente Médio em geral e na Ásia Central, sobre a questão do Islã, que é chamada de “fundamentalismo islâmico”. Chamamos este fenômeno de “islã político de direita”. No Hezbollah, há um elemento de Islã “radical” começando a aparecer, mas ele não deve ser exagerado. Ele não é nem um pouco parecido com as idéias islâmicas radicais da época do movimento de Khomeini na Revolução Iraniana, com a sua demanda por uma “república dos pobres”. Ahmadinejad é um populista e atualmente ecoa pouco dos objetivos originais da Revolução Iraniana. Seu populismo radical envolve apoio aos pobres e críticas sobre as mil famílias que controlam o Irã. Mas ao mesmo tempo, o regime tem uma política repressiva com a classe trabalhadora, esmagando a greve dos motoristas de ônibus de Teerã, e se opõe aos direitos democráticos em geral. Sobre a questão das mulheres, ele é ambíguo. Ele é a favor das mulheres poderem assistir aos jogos de futebol, mas contra se livrarem da imposição do xador e assim por diante. Então, a questão do islã político de direita e do Oriente Médio tem repercussões na Ásia Central.
Bob Labi: “Um dos fatores chaves no momento é que não há um movimento operário independente no Iraque. É uma situação muito difícil. Onde estão as forças reais para começar? Obviamente o imperialismo dos EUA tem a principal responsabilidade pelo que aconteceu no Iraque, com a invasão e a guerra. Mas há também o fracasso do movimento operário graças às políticas dos stalinistas. Estas levaram à derrota do movimento operário iraquiano. O oportunismo completo do Partido Comunista em relação ao movimento Baathista levou, em primeiro lugar, à decapitação do movimento operário e, em seguida, à sua destruição. Esta é, penso eu, uma importante questão. Embora cada país seja único, em outros países situações similares foram colocadas para o movimento operário. Se o movimento operário não for capaz de desenvolver um papel independente, isto levará não apenas à sua derrota, mas também à divisão dos países e ao desenvolvimento de conflitos sectários.
“Também, de um modo diferente, este é um dos fatores por trás do desenvolvimento do islã político de direita. Em muitos destes países, houve o fracasso do movimento operário e, em alguns dos países árabes, o fracasso de movimentos nacionalistas burgueses, que constituem cenários de fundo importantes. Isto não é apenas algo histórico, mas algo que também pode ser afirmado em relação ao futuro, de diferentes maneiras, em outros países – a questão é o que o movimento operário realmente faz. Do ponto de vista do CIT, por exemplo, na Índia ou na Nigéria, há estados multinacionais ou multi-étnicos, que podem acabar se dividindo. Mas o futuro para estes estados em particular depende do que vai acontecer no movimento operário e nas lutas futuras. Se o movimento operário falhar nestes países, você pode ter a divisão – cada caso é diferente – em linhas nacionais ou religiosas. Na Nigéria, há milhares de pessoas que foram mortas em choques entre muçulmanos e cristãos. Isto não aconteceu nas grandes cidades, mas é um aviso”.
Capítulo 5 – A Revolução Permanente Hoje
Você fala das novas políticas do imperialismo, dos problemas nacionais e étnicos, da questão dos direitos democráticos, os problemas da luta pelo socialismo em diferentes países, incluindo os semi-coloniais. O último desenvolvimento da teoria da revolução permanente foi no fim dos anos 20, na polêmica com o Comintern (III Internacional). Mas o Comintern era uma força de massas na arena internacional, a classe trabalhadora era forte e no início da década houve a Conferência de Baku, onde a III Internacional não apenas apresentava uma análise da situação, mas também uma estratégia para as alternativas políticas coloniais e semi-coloniais. Hoje, a situação é que os socialistas e revolucionários marxistas estão fracos entre a classe trabalhadora. Como a política da revolução permanente pode funcionar? Como as questões políticas podem ser respondidas e o socialismo, como alternativa ao terrorismo, pode ser aplicado? Em geral, esta é uma questão de política. Como a luta contra o terrorismo se transformou? No início do século 20, havia uma forte Internacional, com grandes seções. Nos anos 20 e 30, havia uma Internacional degenerada. Hoje, há uma situação muito diferente. Como a revolução permanente funciona hoje?
A teoria da revolução permanente tem mais de cem anos. Houve uma discussão, num livro recentemente publicado, entre diferentes acadêmicos marxistas sobre esta teoria, em apoio às idéias de Trotsky, mas, em minha opinião, aplicando-a de um modo muito geral e abstrato para circunstâncias que não dizem respeito ao que Trotsky estava voltado. A teoria da revolução permanente é, na realidade, sobre a revolução em um país subdesenvolvido, com as tarefas pré-capitalistas ainda não completadas. A revolução democrático-burguesa no mundo neocolonial não pode ser completamente realizada sem o proletariado liderando as massas pobres e camponesas. Uma vez tendo tomado o poder, o proletariado passa para as tarefas socialistas da revolução, nacional e internacionalmente. Esta teoria, em nossa opinião, se aplica hoje ao mundo subdesenvolvido. Pode ser dito que, mesmo em alguns países subdesenvolvidos, há um elemento da revolução democrático-burguesa ainda não realizada; na questão nacional, por exemplo, que discutimos antes. Esta tarefa – a solução da questão nacional – só pode ser entendida e realizada por meio de uma aplicação da teoria da revolução permanente.
Devido à ausência de um forte pólo de atração revolucionário da classe trabalhadora, no período pós-1945, a teoria da revolução permanente foi demonstrada, por exemplo, nos casos da China e Cuba, mas de forma caricatural, não no esquema clássico anunciado por Trotsky. Isto também é aplicável ao mundo neocolonial hoje. A teoria das etapas, apresentada originalmente pelos mencheviques, depois pelos stalinistas e agora por uma variedade de organizações no mundo neocolonial, entra em conflito com a idéia e o programa da revolução permanente.
Ela ainda mantém sua validade em países como o Sri Lanka, onde, por exemplo, a revolução democrático-burguesa não foi realizada totalmente na questão nacional. A Nigéria é um pouco diferente porque, na questão agrária, lá existem não apenas elementos pré-capitalistas, mas tribais, que são pré-feudais, assim como elementos feudais na agricultura. Há também a vital e explosiva questão nacional na Nigéria. Apenas a classe trabalhadora é capaz de resolver isto, que é uma questão programática. Trata-se de um problema enorme na Nigéria, onde as questões étnicas e religiosas também são muito complicadas. Todas estas questões podem apenas ser resolvidas não se baseando neste ou naquele grupo étnico, mas na classe trabalhadora como um todo jogando o papel de mobilizar as massas camponesas e rurais. Esta é a idéia clássica da revolução permanente no mundo subdesenvolvido.
No Sri Lanka, há a forte tradição histórica do Lanka Sama Samaja Party (LSSP). Ao lado da Bolívia e do Vietnã antes de 1945, trata-se de um exemplo vitorioso de um partido trotskista capaz de criar raízes na classe trabalhadora, influenciando, por sua vez, a população rural. O LSSP foi o primeiro partido fundado no Sri Lanka, não apenas o primeiro partido operário! O Partido Nacional Unido (UNP) e o Partido da Liberdade do Sri Lanka (SLFP) vieram depois. O LSSP teve uma enorme repercussão na classe trabalhadora. Ele não começou nas áreas rurais, mas entre a classe trabalhadora e encontrou um espaço no campo; ele sempre teve uma base entre os agricultores ou camponeses. Em 1953, ele organizou um movimento nas cidades, uma greve geral complementada por um movimento nas áreas rurais através do hartal, uma forma de luta envolvendo toda a ilha que foi emprestada da Índia. Este foi um clássico exemplo da revolução permanente em ação. Marx escreveu sobre um movimento proletário, da classe trabalhadora nas cidades, sendo complementado pela “segunda edição” das guerras camponesas (da Alemanha no século XVI). O hartal foi uma greve de trabalhadores e camponeses de toda a ilha, ainda que com a duração limitada de um dia. Este magnífico movimento preparou o caminho para a derrota eleitoral do UNP em 1956.
As revoluções na China, Cuba e Vietnã foram demonstrações da teoria da revolução permanente, não em sua forma clássica, mas de um modo distorcido. A essência da teoria da revolução permanente de Trotsky não era apenas que a burguesia não poderia resolver as tarefas da revolução democrático-burguesa. A classe trabalhadora pode resolver estas tarefas, mas apenas um partido revolucionário consciente, como os bolcheviques, seria capaz de liderar a nação, a maioria dos trabalhadores e camponeses nas tarefas democrático-burguesas e passar para as tarefas internacionais, pondo a questão do socialismo em uma escala mundial. A palavra de ordem original de Lênin era pela “ditadura democrática do proletariado e do campesinato”. Ele não tinha certeza de quem dominaria a aliança, se o campesinato ou a classe trabalhadora. Porém, em suas “Teses de Abril” de 1917, ele acabou se colocando decisivamente de acordo com a posição de Trotsky. Mas mesmo sua teoria anterior explicava que a “ditadura democrática” provocaria a revolução internacional que poderia, por sua vez, ajudar a Revolução Russa.
Na China, a revolução proletária clássica de 1925-27 falhou por causa do papel de Stálin e seus apoiadores chineses. As guerrilhas de Mao Tsé-Tung no interior eram uma consequência desta derrota. O “Partido Comunista” sob Mao, isto é geralmente aceito atualmente, não foi um partido bolchevique consciente ou uma força marxista clara. Era, na verdade, um exército camponês tradicional da China, onde exércitos camponeses lutavam, derrotavam os latifundiários, entravam nas cidades e criavam uma nova dinastia. Então o ciclo começava novamente, sem que os problemas estruturais fossem resolvidos. Na China entre 1927 e 1944, e até 1949, o latifúndio e o capitalismo chinês se mostraram em completa bancarrota sob Chiang Kai-shek. Ele capitulou ao imperialismo japonês, a China foi dividida em feudos de diferentes senhores da guerra e não existia saída. Então este exército camponês de ex-comunistas tomou o poder – eles usavam a terminologia do marxismo, mas não eram, como na tradição de Lênin, Trotsky e dos bolcheviques, uma força consciente dos trabalhadores.
Há um grande debate entre estudiosos da China, mesmo entre os de origem trotskista, e alguns deles dizem que os trotskistas na China cometeram um erro. Eles deveriam ter ido para o interior, junto com Mao. Não aceito ou concordo com isto. Historicamente, o caminho dos marxistas para alcançar os camponeses pobres é através do apoio entre a classe trabalhadora. Como a classe trabalhadora está ligada com os camponeses pobres, pode-se achar um caminho para as massas rurais. Esta foi a posição de Lênin e de Trotsky na Revolução Russa. Trotsky apontou que o “Exército Vermelho” de Mao era um exército camponês. Vimos a mentalidade do exército camponês na Revolução Russa e na guerra civil. Makhno e os exércitos anarquistas, que ficaram entre os Vermelhos e os Brancos, eram hostis aos Brancos porque estes representavam os latifundiários. Mas também se chocaram com os Vermelhos porque eles representavam a “cidade” e a classe trabalhadora e eram vistos como uma ameaça aos camponeses, especialmente aos mais ricos.
Trotsky fez esta questão em relação à China: não seria mais provável que se Mao ganhasse e entrasse nas cidades, seu Exército Vermelho entrasse em choque com a classe trabalhadora, que poderia começar a formar suas próprias organizações, sovietes, etc, como fez entre 1925 e 1927? Trotsky foi muito perspicaz porque, quando Mao estava para entrar nas cidades, o Exército Vermelho produziu panfletos dizendo que ninguém deveria entrar em greve – qualquer um que tomasse uma posição independente seria reprimido. Esta era uma típica direção de tipo bonapartista baseada em um exército camponês, com um medo explícito do movimento independente da classe trabalhadora. Não houve um verdadeiro apelo comunista, trotskista, marxista à classe trabalhadora para apoiar os camponeses.
Trotsky previu que o Exército Vermelho poderia entrar nas cidades, colidir com a classe trabalhadora e, em tal situação, seria formada uma nova dinastia e o ciclo começaria novamente. Mas não aconteceu deste modo. Dada a bancarrota do latifúndio e do capitalismo, havia um enorme vácuo. Mao entrou nas cidades e se equilibrou entre as diferentes classes. Inicialmente, ele não apoiava um estado “socialista”, um estado operário ou algo do tipo. De fato, ele falava de uma “democracia nacional” envolvendo setores da burguesia nacional. Chiang Kai-shek, seu exército, os capitalistas e os latifundiários fugiram. Não havia outra força armada e Mao se equilibrou entre as classes. Mao começou onde Stálin terminou, criando desde o início um estado de tipo stalinista. Ele realizou, por um período, a liquidação do latifúndio, começou a tomar a indústria e criou um estado operário que era “deformado” desde o início. Não havia sovietes ou outros elementos de democracia operária. Não obstante, isto foi uma demonstração da revolução permanente, mas de forma caricatural. De um modo similar, o stalinismo fez o mesmo no Leste Europeu, embora com algumas diferenças importantes. Um estado stalinista foi criado desde o início. Existia uma economia planejada, mas com um regime unipartidário. Os trotskistas na China foram aprisionados, alguns ficaram presos por 20 ou 30 anos, mas a Revolução Chinesa foi uma demonstração da teoria da revolução permanente no sentido de que o latifundiários e capitalistas no mundo neocolonial não podem resolver os problemas da revolução democrático-burguesa, mesmo na era do imperialismo.
Em alguns países, como o Japão, a revolução democrático-burguesa foi completada por cima sob a ocupação imperialista. No Japão, o general americano MacArthur realizou a reforma agrária que liquidou os elementos remanescentes do feudalismo. Isto ocorreu para que o Japão pudesse se desenvolver como um bastião contra o stalinismo chinês. O mesmo em Taiwan. Chiang Kai-Shek não pôde realizar a reforma agrária na China, porque era dependente dos senhores de terras, mas em Taiwan ele expropriou os latifundiários e capitalistas nacionais taiwaneses e, neste processo, lançou as bases para uma estrutura capitalista desenvolvida.
A teoria da revolução permanente foi novamente demonstrada no caso do Vietnã. Esta foi uma clara luta por libertação nacional baseada no campesinato, mas, novamente, por que resultou em uma revolução social? Porque não havia alternativa com base no capitalismo no Vietnã. Quando a FLN – o Vietcong – chegou ao poder, o Norte e o Sul foram reunificados. Eles realizaram a reforma agrária e estabeleceram um estado operário. Porém, mais tarde, o novo regime começou a introduzir elementos de capitalismo no Vietnã. Não obstante, no primeiro momento a teoria da revolução permanente foi demonstrada, mas de um modo distorcido.
Cuba foi um caso similar, mas ligeiramente diferente por causa das origens da Revolução Cubana. Não entrarei em todos os detalhes aqui, tal como fizemos em nosso livro. Quando Fidel Castro e Guevara chegaram ao poder, ao contrário do que ele diz hoje, Castro não era marxista. Seu modelo era os Estados Unidos. Posteriormente ele afirmou que isto foi uma manobra, para enganar o imperialismo dos EUA. Che Guevara e Raúl Castro vinham de uma tradição do Partido Comunista, mas não Fidel Castro. A revolução se baseou inicialmente na luta guerrilheira de um pequeno grupo. As guerrilhas não foram um movimento da classe trabalhadora, elas baseavam-se nas massas rurais. Apenas depois que a Revolução Cubana teve sucesso, no sentido de que Batista já tinha fugido, as massas de Havana organizaram uma greve geral. Este foi o mais peculiar “estado operário deformado” no sentido de que, no início, estava fora da tradição stalinista, diferentemente de Mao. Cuba foi um evento totalmente novo. Havia elementos de controle operário e havia a enorme popularidade de Castro e Guevara. Eles avançaram rumo à expropriação do capitalismo cubano e do imperialismo americano passo a passo.
África do Sul
Nos anos 70 e 80, a esquerda revolucionária em geral disse que havia apenas um caminho para a África do Sul. Havia as melhores condições para a demonstração da revolução permanente. Depois, o processo não confirmou a revolução permanente. Como você explica esta situação muito típica para a demonstração da revolução permanente?
Era correto dizer nos anos 70 e 80 que na África do Sul as tarefas democráticas – uma pessoa, um voto; etc. – eram demandas revolucionárias no contexto do apartheid. Elas poderiam ser conquistadas apenas pela aplicação da teoria da revolução permanente, uma revolução socialista. A classe trabalhadora negra, se mobilizada a partir de um programa revolucionário por meio de um levante, esmagaria o regime do apartheid, obteria direitos democráticos e passaria para as tarefas da revolução socialista, não apenas na África do Sul, mas no continente africano como um todo. Esta era uma apreciação correta da teoria, mas de novo é uma questão de mudança das circunstâncias nos fatores políticos mundiais. No passado, o regime sul-africano recusou-se a recuar sob a pressão do imperialismo. Harold Macmillan, antigo primeiro ministro britânico, fez seu famoso discurso “ventos da mudança” na Cidade do Cabo em 1959. Este foi um alerta aos regimes de minoria branca de que eles teriam que se retirar e recuar em face da resistência das massas africanas.
Mas eles se recusaram a ouvir o conselho de Macmillan e endureceram seu regime. Eles introduziram mais medidas discriminatórias e ditatoriais contra as massas africanas negras, os mestiços e seus apoiadores na população branca. Isto significava que o CNA seria obrigado, sob pressão, a liderar a revolução ou se dividiria no processo e uma ala revolucionária emergiria. Esta foi a perspectiva geral que apresentamos. De fato, tivemos uma discussão geral em nossas fileiras na época, quando alguns em nossa organização sul-africana argumentavam que poderia haver uma reforma democrática de cima por alguém como Buthelezi, que poderia chegar ao poder com apoio da elite capitalista branca e, assim, abriria as comportas para formar um capitalismo estrangulado, dirigido por uma face negra. Na verdade, o poder ainda estaria nas mãos dos brancos. Nós rejeitamos esta possibilidade nos anos 70 e 80.
Mas houve grandes mudanças nos anos 80, que levaram ao colapso do stalinismo e ao abandono da fraseologia revolucionária ou mesmo semi-revolucionária pelo stalinismo. Por exemplo, o stalinismo russo nos anos 60 apoiou Cuba e sem isto o regime cubano não poderia ter se mantido por mais de alguns meses. Ele dependia do petróleo russo. Porém, no caso mais tardio da Nicarágua, o stalinismo, assim como Castro, conscientemente pressionou os sandinistas a não romperem com o capitalismo. O mesmo ocorreu em Gana com Rawlings. A aceitação dos resultados de uma revolução, tal como Cuba, pelos estados stalinistas, era um luxo caro que eles não estavam mais dispostos a pagar.
Também havia evidências nos anos 80, por parte de um setor da burocracia, de um movimento de recuo rumo ao capitalismo. Com o colapso da União Soviética, estas tendências foram ampliadas. Mandela e a ala burguesa do CNA foram empurrados para a direita. O Congresso dos Sindicatos Sul-Africanos (COSATU) surgiu como um sindicato revolucionário – seu slogan era amandla! (poder) – e nós ajudamos em sua formação. Era uma ameaça revolucionária. Poderíamos dar muitos exemplos de trabalhadores africanos falando sobre a revolução, da necessidade de “matar” líderes sindicais que não estavam preparados para apoiar a revolução. Esta era a reação natural dos operários africanos na clandestinidade, especialmente os mineiros. Era uma luta até as últimas consequências. Era do socialismo e da revolução que se tratava, em especial em relação à juventude.
Mas a situação mudou com o colapso do stalinismo e com o reconhecimento pelo regime branco de De Klerk de que eles poderiam implementar uma abertura de cima para baixo e talvez ter um acordo de partilha do poder com o CNA. Os interesses econômicos fundamentais do capitalismo não seriam ameaçados, por causa do giro à direita da direção do CNA sob a pressão do colapso do stalinismo e também da libertação de Mandela. Mandela teve longas discussões, antes de ser solto, nas quais o terreno foi obviamente preparado para ele jogar seu papel; na realidade, para trair a revolução.
África
Bob Labi: “Penso que há outro lado nisto. A revolução permanente envolve uma análise sobre o porquê destes países, especialmente a África e partes da Ásia e da América Latina, não serem desenvolvidos. Por que em partes da África a sociedade está, na realidade, retrocedendo? Por que os movimentos que existiram e desenvolveram-se, seja no movimento operário em alguns países ou mesmo alguns dos movimentos nacionalistas burgueses, falharam em realizar as tarefas? Isto pode ser explicado em termos das condições objetivas que tornaram a revolução permanente necessária e também do fracasso das diferentes organizações em terem o tipo de programa para realizar a revolução. Ao invés disso, eles defendiam a “teoria das etapas” sob diferentes formas.
“Então não é apenas uma questão do programa necessário, é também a análise que explica porque os países não se desenvolveram. Podemos dar o exemplo da Nigéria. Por que a Nigéria, país de 120-130 milhões de pessoas, com enormes recursos e riquezas naturais, não se desenvolve, e ao invés disso está retrocedendo? Isto pode ser explicado pelo domínio do imperialismo e também pela fraqueza do capitalismo local. Como se rompe com isto? Em um país como a Nigéria, há uma classe operária potencialmente poderosa, mas que não tem sido capaz de atingir seus objetivos.
“Tal como já dissemos, as condições estão sempre mudando. Nos anos 90, com o desenvolvimento dos chamados Tigres Asiáticos, houve uma discussão em diferentes países do mundo neocolonial: eles também poderiam transformar-se em Tigres? Em certa medida, a crise no fim dos anos 90 pôs fim a esta discussão. Mas agora, com o desenvolvimento da China e, de algum modo, o da Índia, outra questão é feita em alguns países: podemos seguir o caminho chinês? Esta é uma nova forma de discussão sobre os Tigres Asiáticos. É possível, na África, um país se desenvolver como a China? Esta é uma discussão que agora ocorre na Índia. Pode a Índia se desenvolver do mesmo modo que a China? Estas são coisas que temos que pensar e não estamos fechando nossos olhos aos desenvolvimentos que estão ocorrendo, mas estamos olhando para como eles são dependentes dos desdobramentos na economia mundial, além da questão da força relativa das diferentes potências imperialistas.
“Na África, que é um caso especial, a questão da China é também algo que nem sempre é tão atrativo, mas pode existir o oposto entre setores das massas. Na Nigéria, há uma crescente explosão de raiva contra a China, que é vista como alguém que vem e leva embora os recursos. Além disso, companhias locais africanas estão fechando como resultado da competição com a China. Há também um elemento racial que eu descobri quando estive na Nigéria no ano passado. Os trabalhadores pensam que os patrões chineses são piores que os ocidentais, porque são mais brutais. Fiquei surpreso pela hostilidade, não apenas de membros do CIT, mas de muitos outros trabalhadores, aos patrões chineses. Eles acham que os chineses são muito piores do que os europeus, porque pelo menos os europeus reconhecem os sindicatos. Os chineses não se importam, eles simplesmente chamam a policia quando os trabalhadores lutam”.
A revolução permanente pode ser demonstrada de modo positivo pela vitória da classe operária na Rússia, mas também no sentido negativo pelo fracasso das revoluções: na China em 1925-27 e em outros casos no mundo neocolonial. Mas até mesmo na África do Sul, o que tivemos como resultado da não aplicação da revolução permanente de forma consciente pela classe trabalhadora através de suas organizações foi o aborto de um regime. Temos uma sociedade que ainda possui algumas características do apartheid, na discriminação racial, na habitação, nas divisões até entre setores das massas africanas e as massas mestiças. A África do Sul experimentou uma revolução desvirtuada.
Conhecemos camaradas sul-africanos nos anos 80 que discutiram conosco em nossa sede em Londres – eram revolucionários participando das lutas do sindicato mineiro. Um deles, Irene Charnley, é atualmente uma das mais ricas mulheres negras na África do Sul, devido às oportunidades abertas para uma elite africana negra. Pessoas como Cyril Ramaphosa, um antigo líder do sindicato mineiro e agora um rico empresário, têm cópias dos livros de Trotsky dados a eles por membros de nosso partido, quando estavam radicalizados pelo processo revolucionário. Mas na nova situação que se abriu com a libertação de Mandela, eles giraram à direita. Mandela sempre esteve mais à direita do CNA do que à esquerda. Estas pessoas, como resultado da “promoção dos negros” para uma elite, não para as massas, deram uma nova cobertura à mesma estrutura predominantemente capitalista na África do Sul. Porém, ainda existe o potencial revolucionário entre a classe trabalhadora que irá surgir novamente.
Capítulo 6 – A classe trabalhadora hoje
Nos anos 90, houve um grande ataque ideológico da burguesia, que afirmava que a classe trabalhadora não existia mais! Este ataque ideológico foi o indicio de um processo real. Antes da globalização começar, houve o processo de desindustrialização em muitos países. Em Milão, havia 10 fábricas com 20 mil operários, mas agora não há uma sequer. A concentração dos operários permitiu a organização em sindicatos. Os problemas e as dificuldades que tivemos como revolucionários, mas também entre a esquerda reformista, foram resultado da desindustrialização e das mudanças do capitalismo nos países europeus ocidentais. Você agora tem trabalhadores em escritórios de 20 pessoas; há uma classe trabalhadora diferente. Muitos da extrema-esquerda no passado, como a organização Lutte Ouvrière na França, eram obreiristas. Os operários industriais eram o contingente central da classe trabalhadora e da revolução. O que você pensa da transformação e do papel da classe operária industrial?
É indiscutível que o processo de desindustrialização é comum à Europa, Japão e EUA e até no mundo neo-colonial em países como o Brasil, na América Latina e na África. Fábricas são fechadas e o trabalho terceirizado para a China, onde a força de trabalho é mais barata. Temos que ver esta questão de um ponto de vista internacional. A classe trabalhadora mundial e a classe operária industrial em uma escala mundial ainda são decisivas, embora os operários industriais não estejam necessariamente nos países “industrializados”. É por isso que China, Índia e países onde há um certo desenvolvimento são tão importantes. As terceirizações de fábricas para o Leste Europeu e a Rússia ganharão importância no próximo período, embora a realocação ali não seja na mesma escala da China. É claro que nem todo valor e mais valia são criados pelos operários “industriais” e nem todos estes operários moram na China e outras partes da Ásia. Há novas camadas da classe trabalhadora que também são produtivas e a classe trabalhadora em geral ainda é dominante na Europa, EUA e Japão.
Mas a desindustrialização é uma política consciente ou semiconsciente por parte da burguesia. Este é, especialmente, o caso da Grã-Bretanha, onde o processo de desindustrialização e a substituição do capitalismo industrial pelo capitalismo rentista, como disse Lênin, foi muito além do que em qualquer outro lugar, pelo menos na Europa. O declínio dos empregos industriais e manufatureiros na Grã-Bretanha é muito maior do que, por exemplo, na Alemanha ou na França e talvez maior do que na Itália. Os operários industriais são uma porcentagem maior da força de trabalho na Itália do que na Grã-Bretanha, onde há apenas 3.8 milhões de operários manufatureiros. Temos que incluir entre os operários industriais aqueles nas indústrias de transporte e extração. Não obstante, a classe operária industrial encolheu.
Thatcher buscou uma política consciente de desindustrialização que tem algumas similaridades com a da burguesia francesa após a Comuna de Paris. Depois do susto da Comuna, como Lênin apontou, a burguesia francesa deliberadamente conteve o desenvolvimento industrial da França e desenvolveu um capitalismo rentista baseado em suas colônias. Ela exportava capital, extraia o excedente de suas colônias, mas deteve o desenvolvimento da indústria e, portanto, do proletariado na França, por causa da ameaça social que ele representava. Isto durou por cem anos. Apenas sob de Gaulle, durante os dez anos em que ele esteve no poder, ocorreu uma grande industrialização e as reservas de força de trabalho agrícola da França foram usadas.
Atualmente há um elemento disto na consciência da burguesia do Leste Europeu para tentar enfraquecer o proletariado por meio da realocação da indústria ou ameaçando fazer isto. Em alguns países, a classe operária industrial é minoria da classe trabalhadora, tal como na Grã-Bretanha. A quantidade de carros produzidos na Grã-Bretanha é quase a mesma que nos anos 70, mas isto é realizado com uma força de trabalho muito menor e principalmente por companhias estrangeiras. Atualmente não há um fabricante de grande porte de carros britânico. Por outro lado, o processo do neoliberalismo significou que setores da força de trabalho, que antes não se consideravam parte da classe trabalhadora, se proletarizaram. Funcionários públicos na Grã-Bretanha, professores, assistentes sociais e outros trabalhadores deste tipo mudaram sua perspectiva de períodos anteriores. Na Grã-Bretanha, um dos sindicatos mais à esquerda é o sindicato de serviços públicos e comerciais (PCS) em que o Partido Socialista tem uma significativa influência no Comitê Executivo Nacional e em todos os seus níveis. Os professores, hoje, trabalham em escolas que estão se tornando quase como fábricas. As escolas costumavam ser colaborativas. Os professores tinham uma atitude vocacional. Mas não mais! O diretor de uma escola é quase como o gerente de uma fábrica, quase sempre com o mesmo tipo de atitude brutal em relação à força de trabalho. Num sentido amplo e de um ponto de vista social, nos locais de trabalho, houve uma “proletarização”.
Portanto, estamos lidando com uma nova classe trabalhadora. Os operários industriais e do transporte ainda são um componente muito importante da classe trabalhadora. Mas eles são complementados por novos setores – os trabalhadores de colarinho branco e outros. Mesmo se a classe operária industrial for menor em números, seu peso específico na indústria pode ser tão grande, se não maior, do que no passado. Uma das maiores forças de trabalho em Londres é a dos trabalhadores do aeroporto de Heathrow, constituída por diferentes níveis, mas com condições muito duras. Esta é uma parte muito importante da classe trabalhadora de Londres. Muitos são trabalhadores imigrantes, ou antigos imigrantes.
A classe trabalhadora não está desaparecendo, mas tomando uma forma diferente. Cada vez mais ela deixa de ser a classe operária clássica de Marx e Engels, na Europa, no Japão e nos EUA. Mas a classe trabalhadora é a maioria na sociedade. No passado, a sociedade britânica era fortemente proletarizada. A Itália se proletarizou no período pós-1945, em duas gerações, a enorme reserva de mão de obra agrícola mudou-se para a indústria. As massas foram arrastadas do Sul e forçadas a entrar em grandes e desumanas fábricas e em entristecedores blocos habitacionais, assim foram radicalizadas e revolucionadas. Agora, os trabalhadores são tirados das fábricas para outras ocupações, terciárias. Na Grã-Bretanha, trabalhadores da indústria de automóveis expulsos das fábricas vão para o setor de serviços, mas com metade dos salários que tinham antes.
Há muitos fatores que estão contribuindo para radicalizar, ou potencialmente radicalizar, a classe trabalhadora. A classe operária industrial é menor, mas pode ser crucial. Incluímos os trabalhadores ferroviários entre a classe operária industrial. O sindicato de transportes ferroviários e marítimos (RMT) pode paralisar Londres inteira com uma greve dos canais e trens, o que significa que eles possuem um enorme peso específico. Mas os servidores públicos também podem, com uma greve, paralisar todo o aparato do governo. Há também o envolvimento das mulheres, que são a maioria na força de trabalho na Grã-Bretanha agora, o que é um enorme fator revolucionário em potencial. Há também novas questões teóricas gerais que são levantadas como as idéias de Marx sobre o trabalho produtivo e não-produtivo. Penso que esta é uma importante questão teórica, que tem certa relação com a situação mundial hoje.
Onde está a maior parte da mais-valia criada atualmente pelo capitalismo mundial? Ela ainda vem da indústria na Europa, Japão e EUA ou foi transferida para a China? O que isto significa para o futuro? No momento a “tríade” Europa, Japão e EUA coletivamente, por causa de sua superioridade tecnológica, especialmente os EUA, é capaz de realocar e extrair a mais-valia da China e do Leste Europeu. A partir daí, ela é usada parcialmente pela tríade para tentar estabilizar suas bases domésticas. O capitalismo britânico, por exemplo, tem um déficit em sua balança comercial, que é o segundo pior desde o século XVIII, mas por causa de seus investimentos no exterior, o tributo que extrai é usado para tapar o buraco.
Novas camadas
A classe trabalhadora e o proletariado mudaram sua consciência, quero dizer, não apenas a consciência política. Hoje, há a militarização. Há muitas pessoas desempregadas e alguns que se aposentam mais cedo por causa dos benefícios. Os jovens trabalham em call centers com baixos salários. O capitalismo tem mais lucros na China, mas aqui exigem salários cada vez mais baixos. Os capitalistas introduzem novas tecnologias, mas a capacidade dos trabalhadores de comprar cai. Como mudou a ideologia do capitalismo sobre a classe trabalhadora? A ideologia da classe dominante não se dá apenas do ponto de vista político, mas por meio do estilo de vida. Ela penetra cada vez mais em diferentes partes da vida e não apenas na produção ou em relação ao trabalho.
Esta é uma tentativa de “individualização” da sociedade: cada trabalhador torna-se um individuo e o coletivo é perdido. Não há dúvida de que há uma política consciente de “atomizar”, ideologicamente pelo menos, a classe trabalhadora. Até certo ponto, e por um período, podem ter sucesso, porque há o problema da enorme alienação. A alienação, como Marx apontou, é um produto da sociedade capitalista. Há poucas grandes concentrações de força de trabalho. Há o crescimento do trabalho doméstico. Onde os trabalhadores se juntam na luta comum? Problemas psicológicos e mentais derivam disto, porque os seres humanos são animais sociais. Temos que nos dirigir a estas questões difíceis. Mas eu penso que também há limites para isto.
Esta situação pode até produzir uma certa lumpenização e desintegração da sociedade. Isto foi expresso por Thatcher, que disse: “Não existe sociedade”. Esta é uma abordagem ideológica consciente: dispersar a classe trabalhadora politicamente e dissipar sua força coletiva. Talvez enquanto o sistema está avançando, mesmo lentamente, isto possa ter algum êxito. Quando ele engasga e entra em colapso, quando há guerras e rupturas, “indivíduos” e grupos começar a fazer perguntas e é quando entram as possibilidades políticas. Com esta tentativa de individualização, a burguesia está afrouxando os laços que ligam as massas ao sistema; a amarração do navio foi solta, a âncora foi levantada e as pessoas estão procurando alternativas, e isto também produz uma crise política. “Não há alternativa, onde está a alternativa? Eles são todos os mesmos!” Este é o sentimento de setores significativos dos trabalhadores. Ele pode produzir, no primeiro momento, um tipo de niilismo, idéias anarquistas entre os jovens, mas é uma fase. É apenas a primeira onda antes da classe trabalhadora, ou pelo menos setores dela, começarem a tirar conclusões e serem forçados a agir, o que terá um efeito sobre outros setores dos trabalhadores.
França
Novas camadas da classe trabalhadora surgiram no último período. Não há mais trabalho em grandes fábricas. Há muitas dificuldades em organizar e lutar. Houve duas diferentes e interessantes situações na França: os motins em novembro e a luta contra o CPE (Contrat Première Embauche – contrato do primeiro emprego) na primavera. O que você pensa destas lutas, é possível ver lutas similares em outros países? Qual a sua visão dos motins? Pois há posições muito diferentes dentro da esquerda revolucionária. Por exemplo, a Lutte Ouvrière (LO) disse que os jovens não eram proletários, eles queimavam os carros do proletariado; a LO ficou de fora e não teve relação com esta rebelião. A Ligue Communiste Révolutionnaire (LCR) teve uma posição muito diferente, mas foi de muitos modos, reformista. Então, gostaria de saber sua opinião sobre esta rebelião. Segundo, o movimento contra o CPE pode se repetir em outros países?
Os eventos na França são muito importantes, não apenas para o movimento e para a classe trabalhadora francesa, mas para a Europa e o mundo. São altamente sintomáticos da situação geral que está se desenvolvendo por todo o continente. Em oito dias, no fim de março e início de abril, houve duas manifestações nacionais de três milhões de pessoas! Isto é extremamente significativo. O segundo ponto é que no movimento dos estudantes e jovens contra o CPE foi notável que os estudantes, apesar de sua falta de uma consciência revolucionária geral, se voltaram instintivamente para a classe trabalhadora. A classe trabalhadora também entendeu a importância deste movimento.
Nestes eventos, não existia uma situação tal como a de 1968, mas havia um elemento de 1968. De certo modo, foi mais avançado do que 1968 no período inicial. Em 1968, havia o movimento dos estudantes, que entrou em choque com o estado gaullista. Apesar do Partido Comunista, a classe trabalhadora se ligou a eles, defendeu os estudantes da policia e, de forma independente ocupou as fábricas. Isto destruiu várias teorias que circulavam na ultra-esquerda da época. Particularmente equivocada era a teoria dos estudantes como o “detonador”, apresentada por grupos ultra-esquerdistas e por alguns trotskistas, como o SUQI. Os movimentos estudantis eram sintomáticos da situação que se desenvolvia na sociedade francesa, mas não eram um fator independente. Basta apenas você comparar a França em 1968 com a Alemanha. O movimento extra-parlamentar na Alemanha estava num plano superior e mais desenvolvido do que na França, mas não teve a mesma repercussão entre a classe trabalhadora da Alemanha, tal como na França, porque as condições eram diferentes.
Toda a situação na França amadureceu sob o gaullismo e estes eventos culminaram na maior greve geral da história, com 10 milhões de trabalhadores ocupando as fábricas. Isto não aconteceu em 2006, em grande parte por causa da direção dos estudantes e dos trabalhadores e também por causa de sua consciência não desenvolvida. Não existia uma alternativa socialista geral, diferentemente da ampla consciência socialista de 1968. Isto não estava presente no movimento da primavera de 2006. Mas houve duas manifestações de massas de três milhões de pessoas. Os estudantes uniram-se à classe trabalhadora e a classe trabalhadora entendeu que o ataque aos estudantes era um ataque às suas condições. Estes foram indicativos de enorme potencial.
Também é importante a forma como estes eventos na França foram entendidos internacionalmente e assumidos. No Chile, no movimento dos estudantes secundaristas e universitários, entendeu-se que a razão do movimento na França forçar o governo a recuar, ao menos temporariamente, foi o envolvimento da classe trabalhadora. Então eles se voltaram para os trabalhadores e sindicatos chilenos. Temos uma seção do CIT no Chile que participou destes eventos. Na Grécia, onde o CIT tem uma importante presença entre os estudantes secundaristas e universitários, uma seção que cresceu significativamente ao longo dos últimos anos, o governo da Nova Democracia lançou muitos ataques à classe trabalhadora. Mas, tal como a burguesia em vários lugares em uma situação como esta, eles se excederam. Eles lançaram um violento ataque à educação, os estudantes reagiram e começaram a pôr de lado a direção estudantil conservadora. Nós apresentamos a necessidade de se voltar para a classe trabalhadora, o que eles fizeram, a questão da greve geral foi posta na agenda e ocorreu uma greve do setor público.
Então estes movimentos mostraram a importância colossal dos eventos na França que, do ponto de vista da luta de classes, é o país que possui a situação política mais desenvolvida na Europa no presente momento. Por causa da situação objetiva, mas também por causa das tradições e do papel da classe trabalhadora francesa. A revolta de março e abril forçou a burguesia a voltar atrás e há um descontentamento fervilhando que pode explodir novamente.
Os levantes nos banlieues, os subúrbios, também foram um movimento extremamente importante. Há o desemprego massivo e endêmico dos jovens, especialmente nestas áreas. Estes jovens franceses nos banlieues são, na maioria, os filhos e as filhas de imigrantes da África do Norte e África subsaariana, embora não exclusivamente. Já que os “guetos” existem, é inevitável que levantes deste tipo ocorram. O papel dos marxistas não é erguer as mãos em horror porque este não é um movimento perfeito. Ele é um sintoma da incapacidade do capitalismo de absorver a força produtiva mais importante, a classe trabalhadora. Isto se mistura com o violento racismo contra estes jovens e seus pais e a repressão da policia e do estado burguês nestas áreas.
Esta não é a primeira e nem será a última vez que sentimentos anarquistas, quase niilistas, se desenvolvem quando o movimento operário não mostra uma saída. Até mesmo na Revolução Russa antes de Outubro, quando os bolcheviques estavam se tornando maioria em Petrogrado, Trotsky apontou que havia um sentimento de impaciência crescendo entre um setor da classe trabalhadora. Se os trabalhadores não tomassem o poder – na oportunidade aberta entre setembro e novembro de 1917 – então os anarquistas teriam crescido e os bolcheviques retrocedido. Sentimentos ultra-esquerdistas, anarquistas e niilistas são sempre o preço que se paga pelo oportunismo dos líderes do movimento operário e sindical e este movimento não foi diferente.
Tivemos a experiência disto na Grã-Bretanha. Tivemos levantes, essa é a melhor definição, da população de Brixton e então Liverpool 8, Toxteth, em 1981. Estávamos envolvidos neles no sentido de que tentamos dar-lhes uma direção positiva. Nos motins de Brixton de 1981, Clare Doyle tornou-se uma grande porta-voz, conhecida como “Clare vermelha” na mídia. Nossa atitude era dizer que a razão para este levante era o abandono destas áreas, a discriminação, o papel da policia, etc. Exigíamos certas reformas na área. Também apontamos para os jovens que este não era o melhor jeito de lutar: “Não lutem individualmente em apenas um combate contra o estado capitalista. Vocês devem se organizar se unir a nós, com a classe trabalhadora e o movimento operário numa luta consciente contra o capitalismo”.
A mesma abordagem deveria ter sido adotada pela extrema-esquerda na França. O Lutte Ouvrière tomou uma posição “purista” e, portanto, errônea. É inteiramente errado pensar que tudo fora de um movimento da classe operária industrial em sua forma “pura” não é importante. E os trabalhadores do setor de serviços? No processo de decadência do capitalismo, camadas déclassé podem crescer, até mesmo camadas semi-lumpens como nos EUA durante os anos 60, nas condições que existiam entre a população negra. Apesar disso, vimos a ascensão dos Panteras Negras, cujo aniversário estamos celebrando. Foi um maravilhoso testemunho em favor do socialismo e do marxismo que Huey Newton, Bobby Seale e outros organizassem um milhão de pessoas que se consideravam revolucionárias. Eles não eram na maioria operários industriais clássicos, mas poderiam ter sido uma importante alavanca para desenvolver uma base entre o movimento da classe trabalhadora.
Não deixamos de lado a juventude nos banlieues franceses. Dizemos a eles que carros não devem ser queimados, nem jovens brancos que são simpáticos a eles, assaltados e atacados. Isto é um niilismo que afastará outros trabalhadores. Mas nosso primeiro dever é criticar o estado burguês e a policia por seus métodos repressivos e não ficar de fora do movimento. O Lutte Ouvrière estava inteiramente errado em sua posição, mas até a LCR foi passiva no primeiro momento e não interviu nas áreas para criticar a polícia, provavelmente porque a imprensa burguesa apresentou o movimento como uma perigosa ameaça aos trabalhadores comuns, seus carros e propriedades. Nós intervimos para exigir uma retirada da policia das áreas e nos voltamos contra Sarkozy e o estado burguês, que chamavam estes jovens de “ralé”. Até jogadores de futebol negros como Lilian Thuram, jogador do Juventus na época, reagiram, dizendo: “Eu venho destas áreas – que direito tem Sarkozy de intervir e condenar pessoas como eu, que vieram destas áreas, como ralé?”.
Se a sociedade capitalista entrar em crise e não houver uma organização consciente da classe trabalhadora, incluindo os desempregados, pode ocorrer levantes deste tipo novamente. Qual deve ser a nossa atitude? É verdade que temos que tentar nos basear na classe trabalhadora envolvida na produção porque deles virão as principais forças. Mas seria absolutamente fatal ignorar estas outras camadas. Se eles são brancos, podem estar abertos à demagogia dos fascistas e se são descendentes de imigrantes norte-africanos, podem se abrir para as idéias do islã político de direita. É dever dos marxistas, trotskistas e do movimento operário, intervir e tentar alcançá-los com nossas idéias.
Bob Labi: “Há duas outras coisas. Se o movimento dos trabalhadores não oferecer realmente uma direção para estes jovens, podemos ver a repetição de cenas como infelizmente vimos em algumas das manifestações estudantis, onde estudantes sofreram ataques de jovens lumpenizados. A policia permite estes ataques – o quanto os jovens foram provocados e instigados a isso é uma outra questão – de jovens imigrantes, na maioria, simplesmente para roubar alguns dos estudantes secundaristas nas manifestações. E isto é um alerta, um pequeno alerta, de que se o movimento operário não oferecer uma saída, alguns destes jovens irão terminar num cul-de-sac (beco sem saída). Esta é uma situação generalizada, porque se você observa o atual boom econômico na maioria dos países da Europa Ocidental, sem falar do Leste Europeu, há altos níveis de desemprego entre os jovens, altos níveis de empregos temporários e precários; tudo isso pode inflamar este elemento de frustração.
“Outro ponto que acho importante sobre a França é que o movimento que começou este ano realmente veio de baixo. Se dependesse dos líderes dos trabalhadores, nada teria acontecido. Ano passado, no verão de 2005, o governo francês passou uma lei similar, o CNE (Contrato do Novo Emprego), para todos os locais de trabalho. Trabalhadores que começam em um emprego em um pequeno local, com menos de vinte trabalhadores, podem ser demitidos a qualquer momento no seu primeiro ano de trabalho. A nova legislação deste ano estenderia a lei dos pequenos locais de trabalho aos jovens menores de 25 anos. O que aconteceu no ano passado foi que, quando a primeira lei passou, os líderes sindicais protestaram, mas não fizeram absolutamente nada e a lei entrou em vigor. Uma camada de jovens tirou a conclusão de que tinham que realmente começar de baixo para cima se quisessem barrar o CPE. Muitos trabalhadores viram o que aconteceu em 2005 e eram especialmente receptivos à idéia de ação a partir de baixo, não apenas sobre esta medida contra os jovens, mas também contra a outra medida, o CNE. Então foi levantada uma importante reivindicação no movimento, não apenas parar o CPE, voltado aos menores de 25 anos, mas também anular o CNE aprovado em 2005.
“O que foi significativo é que os líderes sindicais lutaram contra incluir a questão do CNE nas reivindicações. Agiram deliberadamente para impedir que ela fosse incluída e como resultado, embora o governo francês tenha retirado o CPE, o CNE ainda está em vigor. Mas o importante é que os jovens e setores ativistas da classe trabalhadora viram a necessidade da ação espontânea, porque não podiam confiar apenas nos dirigentes dos sindicatos”.
Outro ponto importante é a consciência dos jovens e da classe trabalhadora. Os líderes do movimento estudantil e da juventude, muitos dos quais estavam sob a influência do Partido Socialista Francês, pelo menos em nível das direções oficiais, nacionais, disseram publicamente que não eram revolucionários, não eram marxistas. Eles não são como os líderes de 1968, como Krivine e Cohn-Bendit, que declararam que eram revolucionários. No movimento recente, os jovens e trabalhadores sabiam bem o que não queriam: o capitalismo neoliberal, especialmente quando ele os afeta de um modo tão agudo. Mas não estava claro para eles qual era a alternativa.
O modelo alternativo não estava lá, no sentido de uma ampla consciência socialista, tal como existia nos anos 60, 70 e 80. Em nossa opinião, isto se deve ao colapso do stalinismo e à ofensiva ideológica que a burguesia conduziu nos últimos 15 anos. É necessária uma combinação de eventos, de grandes eventos, junto com a intervenção consciente do que será, esperamos, uma crescente força marxista e trotskista, até que a consciência comece a mudar decisivamente, no que se refere às massas. Isto não significa dizer que não há uma camada de trabalhadores e jovens avançados e mais receptivos hoje às idéias do marxismo e do trotskismo.
Correlação de forças de classes
A próxima questão é sobre a Europa em geral. Em nossas discussões na Itália, começamos a discutir no último ano ou dois, a situação geral da correlação de forças na Europa e temos a impressão de que nos últimos 20 a 25 anos houve um recuo da classe trabalhadora entre os maiores setores da classe trabalhadora na Europa. Houve outros grandes movimentos, mas em geral a correlação de forças não foi tão ruim, por exemplo, como no início deste século. Houve derrotas para a classe trabalhadora na Inglaterra e em outros países. Mas houve muitos governos social-democratas e de centro-esquerda que abriram espaço para posições imperialistas, todavia, em geral, sempre tivemos grandes movimentos de resistência contra os planos do neoliberalismo – por exemplo, os movimentos na França e na Itália. A ironia é que houve grandes lutas contra governos de centro-direita, mas não contra os de centro-esquerda. Pensamos que a correlação de forças entre as classes não mudou profundamente e que a classe trabalhadora não sofreu uma derrota tão grande como nos anos 30. Claro, a extrema-direita teve alguns ganhos, mas nunca se apresentaram como fascistas tradicionais, então temos a possibilidade de pensar muito sobre como mudar a correlação para as novas e frescas camadas da classe trabalhadora. O que você pensa de nossa posição?
Penso que há muitos aspectos sobre os quais concordamos com vocês. Mas precisamos tentar, na medida do possível, situar nossas conclusões em uma estrutura histórica geral e na etapa que o movimento operário atravessa em certos períodos. Por exemplo, está claro que houve uma enorme radicalização, não vamos colocar mais do que isso – elementos de uma situação pré-revolucionária – nos anos 70 na Itália e na França em 1968. Na Grã-Bretanha, os mineiros derrotaram os tories (Partido Conservador) em 1972 e 1974; a ação sindical levou a uma greve geral em 1974 que derrubou o governo conservador de Heath.
Mas discordamos da análise feita por alguns que tentam compartimentar nitidamente os períodos históricos e interpretam mal, neste processo, o que ocorreu. Por exemplo, se você olhar para a análise da Tendência Socialismo Internacional (IST), eles dizem que houve uma situação geralmente favorável entre 1968 e 1976: França em 1968; Itália; a derrubada de Franco, o colapso do regime de Caetano em Portugal e do regime dos coronéis gregos. Foi um período favorável para os marxistas. Mas isto não significa dizer que, após 1976, houve um período de imobilidade ou derrota do movimento. Vimos na Grã-Bretanha, por exemplo, a derrota do Trabalhismo em 1979 e a chegada ao poder do governo Thatcher. Nas palavras de Karl Marx, isto representou o chicote da contra-revolução que provocou uma enorme revolta da classe trabalhadora britânica.
Um dos eventos mais importantes na história britânica, sem dúvida, foi a greve dos mineiros de 1984-85. Participamos plenamente dela e tivemos grandes ganhos. Recrutamos 500 mineiros para o Militant ao longo desta luta. Lideramos a batalha de Liverpool. Todos os anos 70 e 80 foram um período de enorme fermentação. Era o início da fase neoliberal do capitalismo. Isto não se desenvolveu como uma política consciente da burguesia, mas surgiu dos processos do capitalismo na época. Houve um boom depois da crise de 1979-81. Nós ajustamos nossas perspectivas políticas, mas no geral foi um período muito radical. Neste período, o SWP/IST dizia que este não era um período favorável e, consequentemente, ficaram em grande parte à margem, esperando os eventos. Participamos plenamente da greve dos mineiros, que foi derrotada, mas deixou sua marca na consciência da classe trabalhadora britânica até hoje. A derrota foi resultado, principalmente, do papel das direções sindicais e do Partido Trabalhista. Tivemos o Partido Trabalhista expulsando do partido todo o Comitê Editorial do Militant e os membros do Militant de Liverpool. Mas apesar disto, tivemos a enorme luta do poll tax, na qual derrotamos o governo e a própria Thatcher. Ela admitiu que foi a derrota do poll tax que a derrubou. Dezoito milhões de pessoas se recusaram a pagar o poll tax. Tudo isso foi organizado pelo Militant, através da Federação Britânica Anti-Poll Tax..
Penso que sua análise é basicamente correta sobre a situação atual. Mas também temos que observar quais são as bases para isto. Elas são provenientes da questão de 1989-90. Para os que defendem uma posição de que os regimes da União Soviética e do Leste Europeu eram de “capitalismo de estado”, o seu colapso não foi uma derrota histórica para a classe trabalhadora, nem um passo adiante nem atrás, mas um “salto de lado”. Pensamos que lá existiam economias planificadas, burocraticamente dirigidas. Apenas os contornos gerais de uma economia planificada continuavam existindo no final, mas sua liquidação foi uma derrota histórica porque estes estados representavam uma antecipação do que poderia ser possível com uma democracia operária, depois da liquidação da burocracia. Seu colapso deu à burguesia a oportunidade de conduzir uma enorme campanha ideológica, que teve um grande efeito.
A posição do SWP/IST era a de que houve um “movimento de lado”, que apenas uma forma de capitalismo substituiu outra. Isto os leva a todo tipo de contradições. Cliff apresentou a idéia de que estávamos em um período revolucionário radical. Nesse período haveria enormes oportunidades para os marxistas, aproveitando-se do descrédito dos partidos comunistas, obterem grandes ganhos. Mas não ocorreram os “anos 30 em câmera lenta”, como ele afirmava! Descrever os anos 90 deste modo é agir como o tolo de um provérbio russo, que canta uma canção de núpcias em um funeral e um canto fúnebre num casamento! Os anos 90 foram um período de reação ideológica, que testemunhou uma orgia de propaganda pró-capitalista, pró-mercado, anti-classe trabalhadora e anti-socialista. Houve um efeito nocivo sobre a luta de classes e o movimento operário, para dizer o mínimo. Não foi o período mais favorável para os marxistas. De fato, o SWP/IST agora está praticamente descartando esta idéia, porque se chocaram com a realidade e, consequentemente, moveram-se para a direita. Temporariamente, isto deu aos seus quadros um tipo de energia fanática para recrutar muito rapidamente uma camada de jovens, que foram logo perdidos. Mas eles colidiram com um muro de pedra, como inevitavelmente acontece na política se você tem uma perspectiva errada e seus quadros não estão preparados.
Temos que chamar as coisas por seus nomes. Dissemos que a classe trabalhadora mundial experimentou uma grande derrota. Quando há uma derrota, é preciso reconhecê-la. Mas isto não significa tirar conclusões indevidamente pessimistas para o futuro. Se fosse uma derrota como o triunfo de Mussolini, Hitler e do fascismo no período entre guerras, teríamos que dizer isto e concluir então que teríamos um longo período de dificuldades. Não era este o caso. As organizações da classe trabalhadora não foram esmagadas, continuavam basicamente intactas. A força potencial dos trabalhadores, sua capacidade de luta, continuava intacta. Mas sua perspectiva política estava confusa. A burguesia lançou uma ofensiva ideológica. O Wall Street Journal teve a seguinte manchete no início dos anos 90: “Nós vencemos!”. Eles afirmavam que o capitalismo derrotou o “socialismo” e a idéia de uma economia planificada. Isto se uniu com o início de um boom e com os efeitos do neoliberalismo. Tudo isso teve um efeito importante.
Por que neste período os partidos operário-burgueses em grande parte desapareceram do mapa? Por que isto teve o efeito de confundir a consciência do proletariado? Por que as forças marxistas retrocederam em número e influência? Nós avaliamos que mantivemos uma posição muito importante, mas esta foi uma situação histórica difícil. Este foi o resultado da campanha ideológica. Mas os marxistas precisam ter um senso de proporção. A conclusão que tiramos não foi a de que tínhamos que sair de cena, recuar para o estudo, ir para a “clandestinidade” e esperar por uma nova situação favorável no futuro. Tínhamos uma dupla tarefa, a de continuar a apresentar o programa revolucionário, mas, ao mesmo tempo, procurar reabilitar, em um amplo sentido, as idéias do socialismo, marxismo e trotskismo. Uma era dirigida para a camada avançada, a outra para a massa mais ampla.
Com a decadência política dos partidos de massa dos trabalhadores, nós rapidamente afirmamos que o Partido Trabalhista deixava de existir com esse caráter, embora esta não fosse nossa posição quando saímos do Partido Trabalhista. O mesmo processo de aburguesamento ocorreu dentro de outros partidos social-democratas na Europa. O Partido Socialista na Itália sob Craxi tornou-se totalmente aburguesado, muito mais cedo do que o resto – de fato, de muitos modos ele foi o modelo para o Novo Trabalhismo – antes de finalmente desaparecer do mapa, no início dos anos 90. Este processo afetou posteriormente a DS (Democratas de Esquerda) italiana e a social-democracia em toda a Europa, sem exceção. Ainda existem partidos comunistas que mantêm uma posição stalinista e que ainda não são formações abertamente burguesas, por exemplo, na Grécia e em Portugal.
Houve resistência da classe trabalhadora ao neoliberalismo: a greve geral belga de 1993, os grandes movimentos do setor público na Grã-Bretanha, o movimento de 1995 contra o plano Juppé na França – que foi um movimento enorme. Em todos eles, estava muito claro que existia oposição, mas a alternativa, mesmo a idéia de um governo alternativo, não estava clara para as massas. Como podemos apresentar na França a palavra de ordem de um “governo do partido socialista e do partido comunista” como alternativa à direita no contexto do Partido Socialista se adaptando à situação e, de fato, apoiando as idéias do neoliberalismo? Isto levantou para nós a necessidade de novos partidos dos trabalhadores. A França era diferente porque havia uma oportunidade para os trotskistas, especialmente após a eleição de 2002, de criarem a base de um partido de esquerda revolucionário, se a LO e a LCR se unissem. Mas este não era o caso do resto da Europa.
Qual é a correlação de forças agora? A burguesia teve uma de suas melhores oportunidades na história para mostrar as vantagens de seu sistema. Ela não tinha uma oposição real dos dirigentes ou antigos dirigentes políticos da classe trabalhadora organizada. Todos os principais partidos – da direita à “esquerda” – colaboraram com o neoliberalismo. Francis Fukuyama disse que o colapso do Muro de Berlim representou o “fim da história”. Ele não queria dizer que a história terminou, mas que a forma mais completa para a humanidade, em sua longa ascensão histórica, era a democracia burguesa, com os EUA no centro desta idéia. Não é acidente que Fukuyama tenha abandonado as idéias do neoconservadorismo nos últimos meses, especialmente a hegemonia mundial do imperialismo americano.
Há atualmente enormes dúvidas e hesitações na medida em que o projeto burguês de unidade européia chega ao impasse. A diretiva européia de serviços – Bolkestein não foi implementada em sua forma original; a constituição européia está paralisada no momento. A burguesia voltará a ela, mas encontrará resistência. Então a correlação de forças é potencialmente favorável para a classe trabalhadora. Uma questão chave é se o fator subjetivo se desenvolverá no amplo sentido do termo, um partido amplo dentro do qual os trotskistas e marxistas possam participar. Uma das razões porque a burguesia passou impune nos últimos 15 anos é o fato de que no plano político e sindical não houve um desafio efetivo ao seu domínio ilimitado. Quando havia partidos “operário-burgueses”, os capitalistas pelo menos tinham que olhar sobre seus ombros antes de pensar uma ação contra a classe trabalhadora, porque estes partidos, com um pé no campo da classe trabalhadora, eram forçados a responder ao movimento que vinha de baixo.
Desta forma, esta década é potencialmente um período favorável. Temos agora um certo equilíbrio na correlação de forças. Esta se desenvolve de um modo muito contraditório. O movimento na França desmoralizou temporariamente a burguesia, disto não há dúvida. A burguesia européia também está semi-desmoralizada, porque seu “projeto” para a Europa não foi implementado. A classe dominante americana zomba dela: “A Europa não pode competir conosco, ela agora não passa de um museu”. A Itália é extremamente sintomática disto.
Porém, a burguesia européia não aceitará para sempre este status de segundo escalão facilmente. Ela estará preparada para tomar ações contra a classe trabalhadora. A Itália é um dos mais importantes países na Europa agora. A ofensiva contra as condições de vida dos trabalhadores foi muito mais aguda e profunda de um ponto de vista burguês na Itália do que talvez em qualquer outro país europeu. Apesar da fraqueza de sua direção, os trabalhadores italianos barraram até certo ponto alguns dos piores ataques que Berlusconi propunha. Isto deu espaço para certo reagrupamento político, especialmente para forças marxistas e revolucionárias conscientes e a oportunidade para a nova geração começar a entrar em ação sob o impacto dos eventos.
Capítulo 7 – Rússia, Leste Europeu e Capitalismo de Estado
Na questão do Leste Europeu, como foi o processo de contra-revolução e por que não houve um movimento revolucionário sério da classe trabalhadora russa?
Escrevemos vários materiais sobre isto. O colapso da União Soviética e do Leste Europeu foi um dos maiores retrocessos para a classe trabalhadora e para os marxistas na história. Talvez tenha sido um dos três mais importantes eventos do século XX, que seriam: 1917 e suas repercussões; o fim da Segunda Guerra Mundial e a correlação de forças que surgiu dela; e o colapso destes regimes stalinistas. As posições que os marxistas tomaram nestes eventos foram cruciais para o subsequente desenvolvimento das forças do marxismo e do trotskismo.
Anteriormente tínhamos a perspectiva de que era improvável que houvesse um retorno ao capitalismo, então começamos a corrigir esta posição no fim dos anos 80. Isto provocou uma cisão em nossas fileiras. Enquanto Ted Grant e seus apoiadores se agarravam à antiga perspectiva, nós, à luz dos eventos na Polônia, dissemos que poderia haver um retorno ao capitalismo. Por que dizíamos isto? Por causa do boom do capitalismo mundial dos anos 80 e os evidentes sinais de estagnação econômica na União Soviética. Com base em uma economia moderna, não era mais possível usar os métodos burocráticos do stalinismo.
As opções eram a democracia operária ou o retorno ao capitalismo. Se tivéssemos forças dentro da Rússia poderíamos ter chegado a uma conclusão mais correta sobre o processo muito mais cedo. Qual era a consciência das massas? Nos anos 80, o ‘Solidariedade’ era, em sua base, uma busca dos trabalhadores poloneses pelas idéias de democracia operária, mas também com elementos pró-capitalistas no movimento, tal como em 1956 na Hungria. Mas o traço predominante nos documentos e congressos do ‘Solidariedade’, apesar de sua coloração religiosa e da cobertura do catolicismo, era esta busca pela idéia de democracia operária: aceitando a economia planificada, mas com democracia. Porém, a supressão do ‘Solidariedade’ em 1981 e a ascensão de Jaruzelski ao poder (que posteriormente admitiu ter errado ao recorrer às medidas militares para recentralizar e manter a economia burocraticamente controlada) mudou a consciência dos trabalhadores poloneses. Sob a pressão dos eventos, eles se moveram para a direita, ajudados pela hierarquia da Igreja Católica. A intervenção de Thatcher e George Bush pai e o giro da própria burocracia para uma posição pró-capitalista lançaram as bases para a mudança na consciência ao sugerir que, já que “todo o resto já foi tentado”, talvez o mercado fosse a alternativa.
Na Rússia e na Alemanha Oriental houve, pelo menos no primeiro período, elementos da idéia de “democracia operária”. Não era uma perspectiva elaborada, mas estava lá. Bob Labi escreveu um livro sobre o colapso da Alemanha Oriental em 1989, que explica algumas destas características. Publicamos vários materiais, incluindo um importante documento, sobre o colapso do stalinismo. Nossos ex-camaradas discordaram de nós e romperam conosco para formar o grupo Grant-Woods. Mas a principal razão para que os elementos de democracia operária, evidentes no início do movimento, não se desenvolvessem foi porque a classe trabalhadora russa foi mantida na escuridão quase que desde os anos 20. Experimentaram os expurgos dos anos 30 e a noite escura do stalinismo, um período de quase 60 anos. Houve clarões, quando setores da população, enquanto defendiam a economia planificada, olhavam para a democracia operária. Mas à medida que os anos 80 avançavam, ficou claro que apenas uma minoria acreditava, entendia ou mesmo tinha acesso às idéias da democracia operária. Havia passividade em certas camadas, mesmo nas fábricas, segundo nossos camaradas informaram quando viajaram pelo país no fim dos anos 80. O resultado geral foi o retorno ao capitalismo pela burocracia, sem uma “guerra civil”. Isto parece contradizer o que Trotsky uma vez disse sobre não ser possível haver uma mudança de caráter de classe na Rússia sem uma guerra civil, porque isto significaria que o “filme do reformismo estaria rodando para trás”.
Sim, isto está relacionado com a questão do sentido da teoria do capitalismo de estado hoje. Trotsky disse que a classe trabalhadora lutaria contra a restauração do capitalismo, mas ela não lutou e não houve uma guerra civil. E mais, ele disse que uma restauração seria impossível sem uma contra-revolução.
Como proposição geral, isto está correto e foi válido em certa etapa histórica. Quando Trotsky estava escrevendo a Revolução Russa ainda estava fresca nas mentes do proletariado. Ainda havia a consciência, escreveu Trotsky, dos ganhos da Revolução de Outubro e até o medo de que se a burocracia fosse derrubada, isto abriria as portas da contra-revolução burguesa. A proposição de Trotsky está correta como norma teórica geral. Mas uma norma teórica nunca pode descrever completamente a realidade. Como Goethe disse: “Cinza é a teoria, mas verde, meu amigo, é a árvore da vida”. Lênin se orgulhava de repetir isto. Mesmo em relação à transformação do feudalismo para o capitalismo, em geral, as reformas prepararam o caminho para a revolução. Mas houve ocasiões em que existia uma encruzilhada. A burguesia era muito tímida e temerosa para liderar o povo e realizar a revolução democrático-burguesa. As camadas feudais, “do alto”, fizeram o serviço de reduzir os elementos feudais e passar para o capitalismo. Engels pontuou que os Junkers, baseados em grandes propriedades da Prússia, foram forçados a realizar as medidas que lançaram as bases para o desenvolvimento do capitalismo alemão, porque a própria burguesia era muito tímida e temerosa do proletariado para fazê-lo, tal como 1848 mostrou. Pode-se também dizer que algo similar aconteceu no Japão, em particular, após a Segunda Guerra Mundial, com MacArthur realizando a reforma agrária pelo alto.
Algumas das idéias teóricas de Cliff – por exemplo, de que a mais-valia só foi criada em 1928 na Rússia – são falsas. A essência de um estado operário é que muitos dos elementos do capitalismo ainda existem no primeiro período: classes, produção de mercadorias, dinheiro, produção de valor e produção de mais-valia. A diferença é que tudo isto se torna social, é apropriado pelo estado operário ao invés de capitalistas individuais ou da classe capitalista como um todo. Então, a idéia de que não havia excedente produzido nos primeiros estágios da revolução russa é errada. Mas a apropriação do excedente pelo estado altera a situação; a quantidade transforma-se em qualidade. A nova sociedade ainda traz as marcas da anterior, mas é um estado qualitativamente diferente.
Há períodos na história, quando há uma encruzilhada, onde a classe dominante – ou ‘casta’ dominante, neste caso – está num beco sem saída e não pode levar a sociedade adiante. A população da “União Soviética” presenciava essa descontinuidade 70 anos depois da revolução e contrastava isto com o aparentemente deslumbrante sucesso econômico do Ocidente. A burocracia, a maior parte dela, usou isto para passar para o capitalismo. A resistência veio quando os efeitos do capitalismo foram sentidos pelo proletariado. O retorno rápido ao capitalismo, que os chineses evitaram, por medo das consequências sociais, atordoou absolutamente o proletariado.
O nível de pobreza e desemprego na Rússia na primeira metade dos anos 90 não tem precedentes na história. A única comparação é com os EUA de 1929-33 e, em termos reais, a Rússia está em um colapso muito maior. Alguns comentaristas burgueses dizem que a Rússia hoje tem um poder econômico equivalente à Bélgica. Eu penso que isto é uma subestimação da força econômica da Rússia, porque não leva em conta o petróleo. Mas o próprio fato de que esta comparação é usada é uma medida do colapso econômico e industrial, que foi acompanhado de uma incrível redução dos serviços sociais, educação, etc. A vida para milhões se tornou uma luta por um pedaço de pão. Parecia não haver alternativa ao capitalismo.
Quando estive na Rússia em 1998, sem falar do início dos anos 90, camaradas do Cazaquistão relataram que não havia eletricidade. As massas quebravam sua mobília e as portas de suas casas. Existiam fogueiras nas ruas em temperaturas abaixo de zero, apenas para se manterem aquecidas. Numa situação como esta, especialmente depois de serem mantidas na noite escura do stalinismo por 60 anos, como as massas poderiam ter desenvolvido a consciência necessária para lutar pela democracia operária? O CIT disse, quando discutíamos o stalinismo no passado, que seria possível, no caso de uma faísca provocar um movimento de massas, que este poderia derrubar a burocracia, mesmo que forças trotskistas e marxistas conscientes não existissem nestas sociedades. Na Hungria em 1956, as massas tinham experimentado 20 anos do terror fascista de Horthy, dez anos de terror stalinista e um período de democracia muito curto, uma “flor muito delicada”, que remontava à Bela Kun em 1919. Que tradições democráticas os trabalhadores húngaros tinham? Mas quando se levantaram em 1956, duas greves gerais esmagaram o primeiro exército russo. A segunda intervenção usou tropas mongóis, que receberam a informação de que combateriam um levante fascista em Berlim! Mas os conselhos operários da Hungria desenvolveram todos os elementos de democracia operária: eleição de funcionários, direito à revogação, etc. Eles eram muito confusos ideologicamente – havia elementos pró-capitalistas e fascistas no movimento – mas a perspectiva dominante dos trabalhadores era pela democracia operária. Mas isto foi no período em que a economia planificada tinha certa viabilidade. Na Tchecoslováquia em 1968, era uma questão de “face humana do socialismo”, mas havia elementos de revolução política também, embora Dubcek refletisse um stalinismo nacional “liberal”.
O stalinismo russo foi um pesadelo para os trabalhadores russos. Marx disse outrora que a tradição oprime o cérebro dos vivos, tal como uma montanha. Esta foi uma terrível experiência histórica que não preparou a classe trabalhadora para o período de 1988-89. Nós especulamos que, mesmo que fôssemos fracos, se uma revolução como a da Hungria estourasse na Rússia, apenas um milhar de quadros seria preciso para começar a construir um partido de massas. Mas isto se mostrou utópico. Ao longo de uma revolução, as massas improvisam e abandonam suas próprias organizações e poderiam até estabelecer o embrião de um estado operário, do mesmo modo que a Comuna de Paris foi o primeiro estado operário, e uma antecipação do futuro estado operário. Mas os trabalhadores húngaros não tiveram tempo suficiente para criar um partido capaz de consolidar e espalhar a revolução.
Não é apenas questão de meramente seguir os textos ou frases de Trotsky, mas de entender seu método de análise. Depois do choque que o proletariado russo experimentou, ele inevitavelmente precisou de um longo tempo para se recuperar. Este é o paradoxo dos anos 90. A região do mundo em que era mais difícil construir genuínas forças marxistas ou trotskistas de massas era na Rússia, a antiga URSS, e no Leste Europeu. Por quê? Por causa do descrédito da doutrina oficial do “marxismo”, pelo menos nas mentes dos elementos mais novos, a juventude. Eles eram os mais entusiasmados com o retorno do capitalismo e as oportunidades que eles acreditavam que se abririam, enquanto que a geração mais velha, que sofreu mais, era a que mantinha seu apoio ao chamado Partido “Comunista” e até mesmo se recordava da economia planificada. Não obstante, o CIT foi a organização mais bem sucedida em criar uma base para o trotskismo ali.
Apenas para mencionar, Cuba poderia ser uma situação diferente do que aconteceu na Rússia e no Leste Europeu. O imperialismo dos EUA cometeu um grande erro com a adoção da Lei Helms-Burton. Esta não deu nenhuma saída a qualquer setor da burocracia. Na Alemanha Oriental depois da reunificação, o governo disse que todas as expropriações de terras de 40 anos atrás não poderiam ser revertidas. Mas a Lei Helms-Burton estipula que toda a propriedade expropriada em Cuba deve ser restituída depois de uma contra-revolução. A Máfia controlava um décimo dos bens tomados por Castro! Então os herdeiros de Lucky Luciano e Meyer Lansky, os chefes da Máfia de Cuba nos anos 50, teriam o direito teórico de reclamar de volta sua propriedade. Nenhum setor da burocracia poderia chegar a um acordo com os EUA nesta base. Se for uma questão de luta, os trabalhadores cubanos e até setores da burocracia irão lutar. Esta não é uma questão simples, linear. Se a burocracia tem uma base na população, o problema é inteiramente outro.
Trotsky estava certo?
Bob Labi: “Cada país é diferente. De meados dos anos 80 em diante, começamos a identificar a evolução de uma ala pró-capitalista dentro da burocracia, no sentido de que a crise no regime dividiu a burocracia…”.
Trotsky defendia a posição de que quando a revolução política começasse, haveria divisões dentro da burocracia.
Bob Labi: “Tratava-se mais de uma crise do sistema. Peter disse que subestimamos a estagnação do sistema. O fato era que, especialmente na União Soviética, eles tinham problemas e um setor da burocracia começou a olhar claramente para uma saída mais capitalista. Naquela etapa, identificamos coisas que tinham certas similaridades, digamos, com os desenvolvimentos bukharinistas do final dos anos 20 e começo dos 30, não no sentido de um ressurgimento das idéias de Bukhárin, mas na busca do capitalismo como saída. Identificamos isso, mas não esperávamos que se tornasse a ala predominante, tal como ocorreu. Não esperávamos isso imediatamente. Ao mesmo tempo, não tínhamos as ilusões que alguns tinham em Ieltsin, quando ele entrou em conflito com Gorbachev. Quando este destituiu Ieltsin como chefe do partido em Moscou, alguns tiveram ilusões de que talvez Ieltsin representasse aquela camada que buscava uma revolução política. Éramos mais cautelosos sobre isto. Não tínhamos ilusões em Ieltsin, mas não esperávamos que o movimento ocorresse do modo como foi.
“Obviamente, se você olhar para os escritos de Trotsky dos anos 30, a maior parte é dedicada à questão de uma revolução política contra a burocracia ou uma contra-revolução burguesa em linhas fascistas e não a forma pseudo-democrática que ocorreu. Mas ele também alerta em algumas linhas de “A Revolução Traída”, onde escreve que a estagnação da sociedade estava preparando “uma explosão… que pode varrer completamente os resultados da Revolução [de 1917]” e é, de certa forma, o que aconteceu. Isto estava combinado com ilusões no Ocidente, que eu acho que é uma questão importante – não apenas dos altos padrões de vida da Europa Ocidental, mas também a existência de direitos democráticos, o fato de que no fim dos anos 80 na Europa Ocidental havia apenas regimes burgueses democráticos. As velhas ditaduras militares da Grécia, da Espanha e de Portugal se foram, então os pró-capitalistas podiam apresentar o capitalismo como um sistema democrático. A combinação de altos padrões de vida e direitos democráticos era atraente em comparação com os regimes stalinistas.
“Em cada país, houve um desdobramento diferente. Em alguns países, havia potencial em diferentes etapas para um movimento dos trabalhadores. As discussões no ‘Solidariedade’ em 1980-81 estavam em um nível político mais baixo do que em momentos anteriores, na Polônia de 1956 ou mesmo no final dos anos 70. Parte da razão disto foi que na Hungria em 1956 e também na Polônia, houve um setor dos trabalhadores que lutou contra o regime fascista e ditaduras militares e tinham alguma idéia sobre como o socialismo deveria ser. Havia uma consciência mais clara até mesmo do que na Polônia do ‘Solidariedade’ em 1980-81, onde havia muito mais debate sobre que tipo de sociedade poderia existir. A questão como um todo sobre se deveria haver controle democrático da economia foi uma questão importante no primeiro congresso do ‘Solidariedade’. A ala esquerda, por assim dizer, do ‘Solidariedade’ chamava pelo controle democrático da economia de uma forma vaga e foi derrotada pelos elementos mais pró-capitalistas. A Igreja Católica também influenciou a direção e jogou um papel. Mas em cada país foi diferente.
“Na Alemanha Oriental inicialmente o movimento não era tão explicitamente pró-capitalista nem, em geral, a favor da reunificação da Alemanha. Mas isto mudou, em parte porque a massa dos trabalhadores na Alemanha estava chocada com as condições de vida e a alta produtividade que encontraram no Ocidente. Eles pensavam: que futuro temos sozinhos? Os stalinistas tentaram, no final de 1989-90, retomar o controle, o que provocou uma séria reação. A Alemanha Ocidental oferecia seus padrões de vida. Isto era uma mentira, como ficou provado. Mas na época, a maior parte da população alemã oriental não percebeu isso. Mas a promessa era: vocês terão um “cenário brilhante”, vocês viverão como os alemães ocidentais, o marco oriental, como base monetária, será trocado pelo marco ocidental numa proporção de um-para-um, o que foi uma situação única. Não foi esta a oferta em outros países. Isto preparou o caminho para uma Alemanha capitalista unificada”.
De certa forma, os capitalistas da Alemanha Ocidental não tinham uma escolha. Kohl, o chanceler alemão, declarou que ou eles levariam o ‘marco’ para o Leste ou o Leste viria para o marco! Em outras palavras, haveria uma imigração em massa do Leste para o Oeste, o que teria paralisado economicamente a Alemanha Ocidental.
Bob Labi: “Na realidade, houve realmente manifestações na Alemanha Oriental de trabalhadores marchando com malas vazias, exigindo a reunificação e dizendo: ‘se não tivermos a reunificação, na próxima vez viremos com malas cheias e iremos embora’. Neste sentido, embora cada país fosse diferente, a velocidade da restauração capitalista na Alemanha Oriental foi um parâmetro para toda a Europa Oriental”.
De um ponto de vista teórico e histórico, Trotsky novamente estava correto, penso eu, quando disse: a burocracia se dividirá em diferentes frações e daríamos apoio crítico àquele setor da burocracia que defendesse, ao seu próprio modo, a economia planificada, sem concordar politicamente com eles e iremos mais adiante do que eles. Ele escreveu que, se houvesse um levante contra Stálin na Rússia, as massas, no primeiro momento, poderiam se voltar para figuras conhecidas como Zinoviev, por exemplo. Apesar disso, Zinoviev capitulou à Stálin, negou a Oposição de Esquerda e assim por diante. Mas se houvesse um levante nos anos 30, as massas teriam se voltado, no início, para as figuras que reconheciam do período heróico da revolução. Os trotskistas dariam apoio crítico à ala representada por Zinoviev, Bukhárin e outros de meados dos anos 20. Bukhárin representou, paradoxalmente, uma abertura inconsciente rumo ao mercado, rumo ao capitalismo. Mas na questão do regime do partido, ele se tornou critico de Stálin e seu regime.
Mas na altura dos anos 80, não havia uma ala da burocracia disposta a defender a economia planificada. Ted Grant cometeu um erro nesta questão. A maioria da burocracia chegou a uma conclusão empiricamente. Gorbachev não começou a se voltar para o capitalismo conscientemente. Foi um processo, com os problemas da economia levando à descentralização. Isto não funcionou e então houve a abertura para o mercado. Os eventos saíram do controle – foi um movimento descontrolado. Em 1989, nenhum setor da burocracia, nem mesmo os organizadores do golpe de 1991 na Rússia, pretendiam voltar ao stalinismo. Jaruzelski, por meio de seu golpe de 1981, procurou voltar a uma forma centralizada e militar do stalinismo. Não havia precedentes onde um membro da ala militar do chamado Partido Comunista organizasse uma contra-revolução stalinista. Mas em dois anos, isto se tornou inviável. Ele não poderia manter sua posição com base em um regime burocrático.
A situação na Rússia não foi a mesma analisada por Trotsky nos anos 30. Como poderia? Tentamos elaborar as questões nós mesmos. Os marxistas podem algumas vezes acertar e algumas vezes tudo o que é possível é uma aproximação grosseira. Onde estamos errados, temos que corrigir com base nos eventos. O CIT fez isso em relação à nossa análise das diferentes etapas da contra-revolução na Rússia e no Leste Europeu.
Capítulo 8 – China
Queria perguntar sobre os estados operários. Duas questões sobre a China. A primeira é: eu li seu material, li que em seu último congresso mundial a natureza do estado chinês não estava tão definida, o processo não está concluído e que sua seção sueca, ou uma maioria da seção sueca, apóia a idéia de que a China é um estado capitalista. Mas este documento saiu…
Há uns cinco anos atrás.
Nos últimos anos, desde o seu último congresso, vocês mudaram sua posição sobre a China ou ainda mantêm a posição de alguns anos atrás?
Bem, nós estamos em processo de discussão sobre isto agora. Então, toda a questão estará sob revisão. Nossa posição em geral é que desde 1978, com as reformas de Deng, a China está em um lento e inexorável retorno ao capitalismo. Há setores puramente capitalistas na China, nas províncias costeiras, Xangai, Pequim, etc. Isto é indiscutível. Na realidade, este processo foi relativamente acelerado durante os anos 90. A principal razão porque os stalinistas e ex-stalinistas chineses estão hesitantes em ir até o fim é o medo de provocar uma explosão social. Esta também é a razão porque a taxa de crescimento da economia chinesa é exponencial em comparação com a situação no Leste Europeu e da antiga União Soviética, assim como em comparação com o capitalismo mundial como um todo. Ela é, junto com os EUA, o motor econômico do capitalismo mundial, com uma média de crescimento de 8-10%, talvez até mais este ano.
Então o processo é claro. Mas este não é um estado normal. Estamos falando de um quarto da humanidade. Há enormes diversidades entre diferentes regiões da China, algumas das quais já são capitalistas. Por outro lado, há grandes setores da China nos quais o setor estatal é mantido por razões sociais.
As empresas organizadas pelo estado (EOEs) ainda dão conta da maioria dos empregos na China. Por outro lado, os últimos dados mostram que a maioria da riqueza produzida – o valor, os produtos – agora vem do setor privado. Mas o grande problema que temos é que em um mês deste ano, tivemos três relatórios diferentes. Um diz que 80% da economia está no setor privado, outro relatório publicado no Financial Times disse que 25% está no setor privado, enquanto outro dá outro quadro. Por causa da própria natureza do regime e por ser uma sociedade fechada, é muito difícil descobrir o que está acontecendo internamente. Nossa posição é que a China está nos trilhos para o capitalismo. Quando e em qual etapa ela chegará à estação, está aberto para discussão e debate.
Há um enorme setor estatal. Há resistências ao processo de retorno ao capitalismo, como mostrado pelo número de disputas que estouraram. O processo de privatização na agricultura não foi realizado na mesma medida que o setor industrial. Todos estes fatores nos tornam um tanto cautelosos sobre uma caracterização prematura: isto é agora capitalismo chinês e este é o fim da discussão. Elementos da máquina estatal stalinista ainda existem. Ainda há elementos na consciência das massas de apoio para a idéia de economia planificada. Há resistência à venda da terra. Há resistência ao fechamento das EOEs, algo que é diferente e em um nível superior do que ocorreu na Rússia e no Leste Europeu, onde quase não houve resistência. A burocracia/classe capitalista chinesa está muito hesitante em ir muito longe por medo de provocar enormes levantes. Nós discutiremos o que está acontecendo na China no próximo período até o nosso congresso.
Porém, temos acordo geral sobre as conclusões que tiramos sobre o processo. Uma revolução está sendo preparada na China. Trotsky sempre apontou que não devemos pensar em categorias fixas. Revolução e contra-revolução são ambas um processo. Tal como ele afirmou, ele era muito cauteloso em colocar o rótulo de “estado operário”, “estado não-operário”, “estado capitalista” em um processo ou em processos inconclusos. Nós temos a mesma cautela. Há analogias, por exemplo, no mundo neocolonial nos anos 50, 60 e 70, em particular, onde grandes setores da indústria foram expropriados e, com todo tipo de intenções e propósitos, segundo certos critérios, eles eram qualificados como estados operários. Havia uma tendência para defini-los como tal, talvez um tanto prematuramente.
O Irã em 1979 e a Síria eram estados operários?
Não no caso do Irã. Mas isto é algo que temos que olhar, temos que reexaminar a atual situação a partir dos eventos. Pode haver períodos da história em que há um impasse econômico e de classe no qual as características, se você quiser, de uma sociedade podem existir ao lado de uma outra. O que era o regime de Gaddafi (onde a maior parte da indústria estava nas mãos do estado)? Ou do Egito? Nós não os chamávamos de estados operários deformados. Então temos que ter um pouco de cautela no ponto de vista contrário, em relação à China.
A questão é se a quantidade se transformou em qualidade. Trotsky sempre apontou: bom, você tem que caracterizar um estado em certa etapa, porque disto deriva o caráter da revolução. Será uma revolução social ou uma revolução política? As superestruturas estatais precisarão ser alteradas? De certo modo, temos as duas tarefas na China. Temos o considerável setor estatal que está mais propriamente ligado à revolução política: defesa das relações de propriedade nacionalizadas, pelo controle e gestão operários, eleição de todos os funcionários e o direito de revogação e assim por diante. No setor puramente capitalista, exigimos a nacionalização ou re-nacionalização destes setores e sua integração em um plano nacional, assim como o controle e gestão operários.
Um fator adicional é que a própria China pode se dividir. A burocracia tenta dar a impressão que a China é um todo homogêneo e que uma só linguagem é falada. Pode haver uma língua oficial, mas as línguas faladas podem ser tão diferentes quanto o japonês e o coreano. Há também fatores regionais: os muçulmanos no Noroeste, o Tibet, fatores regionais atualmente estimulados pela disparidade econômica, que aumentou. É como na Iugoslávia, onde as diferenças entre Sérvia, Eslovênia e Croácia de um lado e Kosovo de outro, estavam num nível de seis para um. Na prática, um país quase desenvolvido e um neocolonial coexistiam no mesmo estado.
As mesmas disparidades existem, só que maiores, na China. É impressionante, a China tem mais pobres do que toda a África. A partir do carrossel da economia mundial, a elite chinesa está conseguindo manter a situação sob controle. Mas quando houver uma crise mundial, que poderia ser precipitada pela China, as perspectivas podem se alterar decisivamente.
O último ponto é a consciência das massas chinesas. Ela retrocedeu tanto que a maioria dos grupos que entram em oposição ao regime parece gravitar rumo a uma posição maoísta no início. A imagem de Mao é associada com a liderança da Revolução Chinesa e as vantagens da economia planificada. No Leste Europeu e na Rússia, a maior parte dos grupos da juventude, não se voltou para Stálin. Atitudes pró-Stálin eram vistas entre os velhos apoiadores do Partido Comunista, mas não entre a maioria dos jovens. Até o momento os movimentos que estouraram na China, não foram nas maiores áreas industriais. Houve protestos em razão da entrega de terras de aldeias aos especuladores, e à venda das fábricas, mas a maioria de um modo disperso. Mas eles não ocorreram em Pequim, Xangai ou mesmo em Guangdong. Aparentemente, a consciência das massas é por direitos sindicais. Os próximos movimentos podem não ser sequer como os de 1896 na Rússia, com as grandes greves de Petrogrado, etc, que pavimentaram o caminho para 1905. Pode até mesmo ser um movimento de tipo pré-1896, no sentido das massas testarem sua força e se juntarem na luta por direitos democráticos básicos, especialmente na questão dos direitos sindicais independentes.
Revolução na China
Em nossas discussões, alguns camaradas estudaram e começaram a olhar muito seriamente para a China, algo que pessoas de todo o mundo estão fazendo. De um lado, vemos o desenvolvimento muito rápido da economia em muitas áreas. Que o desenvolvimento é grande ninguém pode negar. Também olhamos para a política dos EUA para o próximo século e seu principal rival será a China. Quando começamos a estudar esta questão, dizíamos que não veríamos o período de luta entre a China e EUA para se tornar a mais importante potência capitalista mundial. Antes disso, veríamos uma revolução na China. Temos certeza de que antes da China chegar ao nível dos EUA ou próximo dele, haverá um grande conflito mundial, não apenas dentro da China e que estes choques e problemas devem resolver esta questão antes de tal posição ser alcançada. O segundo ponto é o nível da luta de classes na China hoje. Temos pouca informação sobre os diferentes tipos de lutas: lutas de classes tradicionais nas fábricas ou lutas “não clássicas” similares às do período de acumulação primitiva, como Marx explicou, mas mais radicais e abertas. Temos relatos de grandes rebeliões nas áreas rurais contra os governos municipais. O fator da classe operária e do povo migrante hoje e nos próximos anos se tornará o fator mais importante para a revolução chinesa e mundial. Temos muitas esperanças sobre isto. Nossa discussão começou no ano passado. Gostaria de saber quais as suas idéias sobre isso e se vocês têm uma posição “terceiro-mundista”? Pensamos seriamente que a China será o centro do mundo. Qual é a sua opinião?
A China é uma grande questão para a política mundial, para a burguesia e também para o movimento dos trabalhadores e para o marxismo. É por isso que o CIT criou o Chinaworker, uma página na internet precisamente para abrir um diálogo geral com os jovens e trabalhadores na China que estão procurando as genuínas idéias marxistas.
Temos que ser condicionais sobre o futuro. No momento, o principal eixo da política mundial, potencialmente pelo menos, está se desenvolvendo entre os EUA e a China. Os EUA, como foi mencionado antes, têm um tipo de atitude “esquizofrênica” com a China. Ela é vital economicamente, mas, ao mesmo tempo, eles temem seu crescimento independente. Os EUA são a favor do investimento estrangeiro direto ir para Guangdong, para as províncias costeiras e outros lugares, para setores puramente capitalistas, porque ainda estão sob o controle do capital estrangeiro.
Mas eles também temem a transferência de tecnologia para a China. Os EUA ainda têm a primazia tecnológica em pesquisa e desenvolvimento, na aplicação de tecnologia. Seus enormes gastos armamentistas lhes oferece uma vantagem porque boa parte dos sub-produtos tecnológicos são advindos deles. Esta é uma das razões porque os EUA querem manter sua liderança, não apenas em potencial armamentista, mas também na produção de armas. Esta também é a razão pela qual os EUA objetaram quando a Europa tentou fornecer tecnologia de mísseis para a China, parcialmente por causa das implicações para Taiwan. Há um fator adicional também: o medo de um poder ascendente “pegar emprestado” idéias e tecnologias dos mais avançados. A questão dos “direitos de propriedade intelectual” é importante nas negociações entre a China, a Europa Ocidental e os EUA. Até mesmo Merkel, a chanceler alemã, quando visitou a China recentemente, alertou o regime chinês: ele não deveria usar tecnologia “pirata” proveniente dos EUA e da Europa Ocidental.
O que eles temem é que, embora no momento a China seja dependente do investimento estrangeiro direto, e isto continuará por um tempo, ela possa desenvolver uma indústria local. A escala desta incorporação de tecnologia irá fazer sombra ao que o Japão fez com os eletrônicos nos anos 70 e 80. Já há um alto nível de tecnologia na China em alguns setores. Há também um enorme crescimento no número de estudantes, mas neste momento não há a mesma qualidade da educação que existe nos EUA. A tecnologia no momento é mais extensiva do que intensiva no desenvolvimento de novos produtos, etc. Mas assim como, nos anos 80, Hollywood fez filmes sobre a “ameaça” japonesa, neste século, na era moderna, a China é a nova ameaça.
A diferença entre o Japão e a China é que o Japão estava desarmado ao fim da Segunda Guerra Mundial. Ele agora é um policial júnior, ou policial em potencial, para o imperialismo dos EUA, no teatro asiático em particular. Mas a China tem enormes forças armadas. Há o Exército Popular de Libertação e o desenvolvimento da marinha chinesa. O desenvolvimento de uma marinha deriva do comércio. Há uma nova competição pela África ocorrendo, na qual a China tem feito enormes ganhos, por exemplo, em Angola, Moçambique e Nigéria. Há as relações com o Paquistão, onde eles têm instalações no Baluchistão. Há relações comerciais com Venezuela, Cuba, Brasil e América Latina.
O impacto geopolítico da China é colossal e, no momento, a classe dominante americana está num dilema. Ela enxerga a China como um “parceiro estratégico” ou um “rival estratégico”? Há elementos de ambos em sua atual posição. Irão os EUA, com apenas 5% da população mundial e uma grande parte dos recursos do planeta e com o poder dominante, se render sem luta a uma população de 1,2 bilhão? É altamente improvável. Atualmente há vozes dentro do establishment americano, especialmente nas universidades e entre especialistas no estudo da China, que estão alertando que a China já é uma ameaça aos EUA e deve-se bloquear a transferência de tecnologia para a China. Isto pode acontecer especialmente se há uma recessão econômica mundial. Se a China se encontrar nesta situação, pode haver o cenário que você mencionou para uma revolução. Pode acontecer de qualquer maneira, ocorra um crescimento na economia ou não. A Revolução deriva não apenas de um colapso ou um crescimento na economia. Se a economia continua crescendo, mas a mudança de uma era à outra é incapaz de absorver os desempregados e os 200 milhões de trabalhadores migrantes, podem ocorrer explosões em Xangai, Pequim e em algumas das colossais áreas urbanas. Qual será o resultado disto não é possível dizer nesta etapa.
Então as perspectivas para a China são condicionadas por vários fatores, e não menos importante é o movimento que ocorrerá na classe trabalhadora dos EUA, os movimentos na América Latina e no resto da Ásia, sem falar da Europa. Não acho que esta seja uma posição “terceiro-mundista”. O SUQI outrora tinha a teoria de que os “epicentros” da revolução mundial não estavam mais na Europa, mas no “Terceiro Mundo”. Cuba tornou-se o epicentro da revolução mundial, depois o Vietnã. Sempre contestamos isso. Víamos a classe trabalhadora nos países metropolitanos, os “batalhões pesados” da classe trabalhadora, como decisivos. Mas potencialmente, o mais poderoso proletariado industrial do mundo está se desenvolvendo agora na China. A China tem elementos do Terceiro Mundo e do Primeiro Mundo. Por causa disto, a China e sua classe trabalhadora estão destinadas a jogar nesta nova era, potencialmente, o mais importante papel no desenvolvimento da revolução mundial.
Uma coisa é absolutamente certa. Se há uma ruptura na situação do capitalismo em um país importante ou um continente onde a classe trabalhadora joga o principal papel, e isto precisa ser enfatizado, um levante mundial pode ser desencadeado. Pode haver também uma ruptura com o capitalismo em um país subdesenvolvido que seja majoritariamente camponês e não proletário. Isto terá um efeito como o de Cuba, mas não teria o efeito da Revolução Russa, os “dez dias que abalaram o mundo”. A razão para isto não foi apenas o tamanho da Rússia, mas o papel evidente do proletariado, com sovietes, internacionalismo e o papel chave da classe trabalhadora. Se na Europa, um ou dois países romperem com o capitalismo, e isto envolver toda a Europa, haveria repercussões mundiais. Isto teria um efeito imediato sobre a China, pois a classe trabalhadora européia apelaria aos trabalhadores chineses para exigir direitos sindicais, democráticos e outros. Por outro lado, as massas chinesas poderiam emergir e desenvolver poderosas organizações operárias independentes sem derrubar o regime.
É por isso que eu mencionei a Rússia em 1896 e 1905, que foram antecipações da Revolução Russa. 1896 foi o início do processo de forjar a unidade do proletariado como classe. Em 1905 a classe operária alcançou o poder, mas os camponeses não estavam prontos. 1917 foi uma combinação da revolução proletária e da segunda edição da guerra camponesa, tal como Marx a definiu.
Capítulo 9 – História – Militant e o CIT
Você poderia resumir a história, primeiro do Militant e depois do CIT? Quais foram os principais pontos de referência?
O Militant não caiu do céu. Nós traçamos nossos antecedentes no Partido Comunista Revolucionário na Grã-Bretanha e, claro, na Oposição de Esquerda Internacional de Trotsky. Minha geração uniu-se a esse processo no início dos anos 60, outros depois. Começamos o Militant em 1964, quando ainda estávamos juntos com outro grupo e a seção oficial do SUQI na Grã-Bretanha. Mas sempre fomos oposição à direção do SUQI em várias questões. Na questão da Europa e sobre se ela poderia ser unificada numa base capitalista; na questão do crescimento econômico, onde Ernest Mandel inclinava-se para uma posição do tipo “neo-keynesiana”; sobre a revolução colonial, tal como era chamada a revolução no mundo colonial; sobre a atitude em relação à esquerda dentro do Partido Trabalhista, onde eles tinham a posição de “entrismo profundo”, escondendo suas idéias. No congresso mundial do SUQI de 1965, nós efetivamente fomos expulsos desta organização.
O Militant começou em 1964 quando uma nova geração entrou em nossas fileiras. No início, éramos poucos numericamente. O movimento anti-guerra e anti-armas nucleares chamado pela Campanha pelo Desarmamento Nuclear (CDN) era muito grande na Grã-Bretanha em 1959-60. As marchas à Aldermaston, o centro de pesquisas para armas nucleares, foram importantes. Então ocorreram as grandes greves de aprendizes, as greves de jovens trabalhadores na indústria metal-mecânica em 1960 e 1964. Vários camaradas vieram para o trotskismo por meio da juventude do Partido Trabalhista.
Nós nos juntamos com uma geração mais velha de trotskistas, como Ted Grant, Jimmy Deane, Arthur Deane e outros. No início dos anos 60, depois de um curto período, colaboramos com o grupo de Cliff, hoje o SWP, em um jornal chamado Young Guard, dentro da juventude do Partido Trabalhista. Nós percebemos que nossas visões e prática não eram compatíveis, então fundamos o Militant em 1964. Este não era um nome ideal. Tivemos mais discussão sobre nomes para os jornais do que sobre qualquer outra questão. Mas na época, todos os nomes tornaram-se sinônimos de uma tendência definida e de um corpo de idéias.
Decidimos nos chamar Militant. Tínhamos o subtítulo “Um jornal marxista para o trabalhismo e a juventude”. Isto era deliberado, pois acreditávamos que o Partido Trabalhista era o lugar para se estar. Ele era um partido operário-burguês, com uma direção que sempre foi burguesa. Mas a base do partido era formada pelos sindicatos, pela classe trabalhadora organizada. A primeira edição do jornal era mensal e com oito páginas. Não tínhamos militantes profissionalizados antes de começarmos a construir o Militant. Eu me tornei o primeiro profissionalizado.
Quantas pessoas?
Tínhamos cerca de 40 camaradas nacionalmente, uma combinação de uma geração mais velha com jovens. A juventude veio para o primeiro plano enquanto a geração mais velha desistia, embora houvesse notáveis exceções. Em um primeiro momento, foi realmente uma organização predominantemente jovem. E quando digo jovem, falo de pessoas com 18-21 anos. Eu tornei-me trotskista quando tinha 18. A esmagadora maioria era de jovens. Alguns de nossos camaradas não tinham mais do que 14 ou 15 anos e eles continuaram neste caminho.
Nós construímos bases no Partido Trabalhista. Tivemos sorte pois a Juventude Socialista foi criada em 1960 e depois denominada Juventude Socialista do Partido Trabalhista (LPYS, da sigla em inglês) em 1964. O SWP/IST (o grupo de Cliff, então com outra denominação) deixou o Partido Trabalhista em meados dos anos 60. O grupo de Gerry Healy saiu ou foi expulso antes, por causa dos métodos que usavam. Então, de certo modo, tínhamos um campo livre. Mas éramos pequenos. Não tínhamos ninguém no Comitê Nacional da LPYS inicialmente. Então um companheiro da Escócia foi eleito e, em seguida, ganhamos outro camarada no Comitê Nacional. Em 1970, ganhamos a maioria no Comitê Nacional da LPYS. Num determinando momento, ganhamos todos os cargos regionais que compunham o Comitê Nacional. Isto foi conquistado por meio de um trabalho consistente e paciente, mas também através dos argumentos e de uma atitude escrupulosamente democrática e de uma abordagem fraterna na discussão.
Também trabalhamos dentro do Partido Trabalhista propriamente, não apenas na juventude, e sempre tivemos uma base nos sindicatos. Nossa organização sempre foi e sempre será predominantemente uma organização da classe trabalhadora, embora com uma camada muito boa de estudantes e jovens intelectuais que romperam com o capitalismo, sendo que alguns romperam com sua origem burguesa ou pequeno-burguesa e se colocaram do ponto de vista do proletariado. Nunca tivemos problemas com pessoas vindas de diferentes origens, por causa do processo de integração em nossa organização para aqueles que vieram de um meio social diferente do da classe trabalhadora.
Construímos nossa posição muito lentamente. Decidimos não cobrir tudo. Se você tem por objetivo o céu, nunca pode escolher um alvo difuso. Então, se você tem 40 pessoas, deve concentrá-las em um campo específico, a arena mais importante, onde se pode obter ganhos. Por isto, na Itália, não faz muita diferença de onde você ganha os primeiros partidários das idéias marxistas. É uma questão de ganhar uma base, desenvolvê-la, educá-la e, então, decidir onde empregar suas forças. Na Grã-Bretanha, não fazia tanta diferença começar dentro ou fora do Partido Trabalhista. Ganhamos pessoas onde podíamos e então, para usar um termo militar, focamos todas as forças no ponto de ataque. Desta forma, estávamos na LPYS e ganhamos a maioria. Em seguida, tivemos uma repercussão disto dentro do Partido Trabalhista.
Nos anos 70 houve um enorme levante na sociedade. Passamos de um jornal mensal para um jornal quinzenal. Compramos nossas máquinas gráficas. Coletávamos dinheiro de cada camarada e simpatizante. Tínhamos muito espírito de sacrifício. Exigíamos muito de nós mesmos e de outros, e ainda fazemos isso. Se a pessoa conseguiu um bom trabalho, pagava uma proporção maior de seu salário para nossa organização. Não escondemos isso. Se alguém está desempregado, faz um sacrifício menor, mas que, para nós, é equivalente e tão valorizado quanto o de alguém com um bom emprego. Nós mesmos construímos nossos recursos. Junto com as máquinas, adquirimos um pequeno escritório onde fazíamos o jornal. Eu era o único profissionalizado. Fui profissionalizado quando tinha 20 anos. Eu também era o secretário-geral. Começamos um jornal quinzenal. Em seguida passamos para um semanal, expandimos nossa imprensa e aumentamos o número de profissionais. Falávamos em produzir o jornal duas ou três vezes por semana e fizemos isso ocasionalmente. Em certo momento, pensamos em produzir um jornal diário. Mas sempre tínhamos a atitude de que a produção do jornal não era um fim em si, era um meio para um fim, a ferramenta para o outro trabalho político que fazíamos.
Num certo momento, construímos o Militant como uma organização com um tamanho considerável nos anos 70, alcançando um destaque nacional em 1976 em torno da questão do dirigente profissionalizado da juventude do Partido Trabalhista. Um de nossos camaradas, Andy Bevan, foi escolhido para esta posição, embora fosse um conhecido marxista e trotskista. A imprensa burguesa, apoiada pela direita do Partido Trabalhista e seus dirigentes, tentou retirá-lo da posição. Nós derrotamos este ataque. Éramos vistos em geral pelos membros do Partido como “bons jovens” fazendo um bom trabalho, enquanto o Partido Trabalhista era uma “igreja ampla” e deveria aceitar diferentes tendências. Lembre-se que o Partido Trabalhista, desde os anos 20, nunca foi como a Rifondazione Comunista (RC) na Itália, por exemplo, aceitando formalmente tendências internas. Você podia organizar um jornal, reunir um grupo de “amigos” próximos, mas você não podia estar oficialmente em uma organização, embora a direita fosse sim muito bem organizada e a máquina partidária Trabalhista fosse sua organização.
Desenvolvemos metodicamente nossa posição, tendo uma grande repercussão no congresso do Partido Trabalhista no final dos anos 70. Em 1978, derrotamos a direção nacional do Partido Trabalhista na questão decisiva do “Contrato Social”. Tratava-se de um acordo entre os líderes sindicais oficiais e o governo Trabalhista para manter os salários baixos. Uma resolução ao congresso do Partido Trabalhista foi apresentada por um de nossos camaradas, que efetivamente possibilitava aos sindicatos romperem com o “Contrato Social”. Os sindicatos tomaram a resolução como um sinal para saírem do “Contrato Social”, o que, por sua vez, levou ao chamado “Inverno do Descontentamento”. Os trabalhadores mal pagos do setor público entraram em greve, o que fez a classe trabalhadora colidir diretamente com o governo. Isto provocou a derrota do governo Trabalhista em 1979 e a chegada de Thatcher ao poder.
Grã-Bretanha nos anos 80
Não vou entrar totalmente no cenário político, mas isto abriu uma situação inteiramente diferente na Grã-Bretanha. A década de 80 foi a mais importante para o autêntico marxismo, o trotskismo, na Grã-Bretanha. Thatcher foi o chicote da contra-revolução. Em Liverpool construímos uma poderosa posição dentro do Partido Trabalhista. Éramos uma minoria na bancada trabalhista da câmara municipal, mas convencemos os demais vereadores a enfrentar Thatcher na questão do “orçamento necessário”. O governo tinha tirado 60 milhões de libras da cidade. Não chegamos ao poder na Câmara para fazer como a RC e a DS na Itália, isto é, administrar as reformas neoliberais de “modo brando”, para “mitigar” seus efeitos. Dissemos não, nós não realizaríamos qualquer corte nos serviços públicos ou aumentaríamos os impostos locais, que afetavam a classe média baixa e os trabalhadores. Encaminharíamos um “orçamento necessário” com déficit e exigiríamos que o dinheiro extra necessário para os gastos viesse do governo. Este foi um “orçamento ilegal”. O governo deveria devolver à Liverpool os 70milhões de libras que tinha roubado da cidade.
Para forçá-loa a isto, uma mobilização de massas foi necessária. O Trabalhismo ganhou o controle da Câmara Municipal em 1983 com grande maioria e a aumentou ainda mais em 1984. Organizamos duas greves gerais em Liverpool e em 1984 produzimos um orçamento ilegal que, tecnicamente, tornava os vereadores passíveis de punições e multa pelo governo. Para encurtar uma longa história, Thatcher recuou em 1984, pois a greve dos mineiros também estava acontecendo neste momento e ela teve que fazer concessões financeiras à Liverpool. Nós e os trabalhadores de Liverpool tivemos uma vitória. Mas os mineiros foram derrotados em 1985. Thatcher voltou e penalizou a Câmara em seu orçamento de 1985. Ela não teria sido capaz de sair impune disto sem o apoio dos líderes de direita dos sindicatos e, especialmente, de Neil Kinnock, então líder do Partido Trabalhista.
Quero frisar que o número de vereadores do Militant, isto é, os membros da Tendência Militant, como nos chamávamos então, foi sempre uma minoria. Não tínhamos a maioria dos vereadores. Tínhamos uma poderosa posição nos sindicatos e também uma importante presença no Partido Trabalhista local. Mas por termos uma estratégia bem elaborada, a maioria dos vereadores, a esquerda e mesmo alguns que formalmente estavam à direita, aceitaram nossa estratégia e não viam alternativa. Mobilizamos-nos por baixo para pressionar os que hesitavam.
O governo foi derrotado em Liverpool em 1984, mas uma caça às bruxas já tinha começado, um violento ataque para nos expulsar do Partido Trabalhista, orquestrado pela burguesia e realizado pela direita do Partido Trabalhista. Clare Doyle, eu, Keith Dickinson, Ted Grant e Lynn Walsh, que estávamos no Comitê Editorial do Militant, sua direção “oficial”, fomos expulsos com grande repercussão pública. Nós todos estávamos na TV, nas rádios e nos jornais. Kinnock atacou os vereadores de Liverpool em 1985-86. Descrevemos estes eventos no livro “Liverpool – a cidade que ousou lutar”. Depois da expulsão do Comitê Editorial em 1983, eles foram atrás dos líderes do Militant na luta de Liverpool em 1985-86 e vários foram expulsos. O Partido Trabalhista na cidade se esvaziou.
Quando Thatcher foi reeleita em 1987, decidimos lançar a luta contra o poll tax, que foi vitoriosa apesar da direção Trabalhista e sindical oficial ter abandonado a luta. Essa campanha resultou na manifestação de massas, o chamado “motim” da Trafalgar Square, em Londres, em 1990. Mas o fator que enterrou o poll tax foi a decisão de 18 milhões de pessoas que se recusaram a pagá-lo. Isto paralisou a coleta do imposto e forçou Thatcher a recuar. Seus próprios parlamentares se revoltaram e ela foi removida de sua posição como primeira-ministra.
No fim dos anos 80, tínhamos oito mil membros, apesar de nossa direção ter sido expulsa do Partido Trabalhista. Cometemos alguns erros na época em que fomos expulsos. Deveríamos ter organizado um partido independente desde então.
Qual era a circulação do jornal?
Ela variava, mas em certo momento foi entre 15 e 20 mil por semana. A leitura era muito maior do que isso, porque o jornal era passado para amigos, familiares e colegas de trabalho. No grande Ato contra o poll tax em 1990, vendemos 10 mil cópias do jornal. Você não podia ir a lugar algum sem ver militantes vendendo o Militant. Houve um caso famoso quando uma equipe de TV fazia um programa de ficção sobre uma greve. Alguns dos atores estavam encenando uma “greve” na rua. Um de nossos camaradas topou com eles e tentou vender aos atores uma cópia do Militant pensando que era uma greve de verdade! Na greve dos mineiros, éramos uma importante força de esquerda. Arthur Scargill (dirigente dos mineiros) nos procurou para formar um bloco ao longo desta greve. Enviamos vários de nossos camaradas pelo mundo afora durante a greve, para a África do Sul, resto da Europa e outras regiões, junto com outros mineiros, para levantar apoio e solidariedade.
Depois da luta do poll tax, não havia vida real no Partido Trabalhista. Sua Juventude foi fechada e não era possível trabalhar como antes. Lançamos uma organização independente. Na época, víamos isto como uma tática temporária. Com Kinnock no controle e se movendo firmemente para a direita e por causa do esvaziamento do Partido Trabalhista, saímos dele para sermos mais efetivos. Ao mesmo tempo, também dizíamos que estaríamos preparados para voltar ao partido se ele mudasse. Não foi realmente sobre este tema, mas sobre outras questões, temas organizativos, que Ted Grant e seus apoiadores decidiram organizar uma fração. Porém, eles partiram para outras questões e foram amplamente derrotados. Em nosso congresso nacional especial em outubro de 1991, envolvendo cerca de 800 pessoas, no norte da Inglaterra, eles tiveram 7% dos votos! Decidiram então coletar dinheiro separadamente para seu grupo e, mais tarde e consequentemente, formaram sua própria organização separada.
Decidimos continuar com a tática independente. O Partido Trabalhista tornou-se cada vez mais vazio. Nos anos 90 e desde então, por termos mudado nossas táticas, tivemos sucesso em um período difícil em manter e construir nossas forças. Decidimos nos candidatar independentemente para as câmaras municipais e ao parlamento. A Grã-Bretanha tem um sistema eleitoral muito mais difícil para partidos minoritários do que o resto da Europa. É um sistema de voto majoritário, então um partido tem que ter um enorme número de votos para entrar no parlamento. Temos agora sete vereadores na Inglaterra. Internacionalmente, temos nove vereadores na Alemanha, oito na Suécia, um na Austrália, um no Sri Lanka, quatro na Irlanda e um bloco no Paquistão.
A abordagem transicional
Muitos da extrema-esquerda na Itália dizem que na Grã-Bretanha e também na Itália, o CIT tem algumas posições oportunistas. A primeira posição oportunista foi sobre a questão do estado nacional e da revolução. Seus camaradas na Itália, do Falce Martello, na época, declararam em seu material, muitas vezes, que é possível ocorrer uma transição pacífica para o socialismo. Eles tomaram a declaração de Engels no caso da guerra civil na França e usaram isto.
A segunda foi que na Inglaterra vocês nunca falaram contra a monarquia, porque a maioria do povo tem simpatia por ela. E há a questão das mulheres, gays e das minorias. Vocês teriam idéias antigas sobre o nível de consciência da classe trabalhadora, sobre os preconceitos dela com os gays, o feminismo e outros. Vocês não apoiariam ativamente o feminismo ou o direito dos gays. Isto era o que era falado pela extrema-esquerda italiana. Era o que pensávamos do Militant na Grã-Bretanha. Ainda hoje, eles continuam a dizer que entrismo é a estratégia para a revolução. É claro que é possível que algum tipo de força independente em alguns países possa se desenvolver, mas a linha geral é o “entrismo”, porque teremos um verdadeiro partido revolucionário apenas às vésperas da revolução. Mas você pensa que esta é uma posição tática ou estratégica? Em muitos dos artigos e documentos de Ted Grant, tem-se a impressão de que isto é estratégico.
Sobre o último ponto, penso que sem dúvida é verdade que Ted Grant não apenas considerava esta uma posição estratégica, mas de princípio. Qualquer desvio disto era uma “negação” da abordagem correta. Nós tomamos a questão do estado de maneira transicional, levando em conta a consciência da classe trabalhadora, especialmente em antigos países industriais como a Grã-Bretanha. Isto seria posto de modo diferente no mundo neocolonial, por exemplo, na Argentina nos anos 70 e 80, e talvez na Itália, com sua tradição “comunista”. Porém, apresentamos um programa de transição na questão do estado do mesmo modo que Lênin e Trotsky.
A Revolução de Outubro ocorreu sob uma palavra de ordem “defensiva”, apoio ao Segundo Congresso dos Sovietes em uma manifestação armada. Às vésperas da revolução, os mencheviques, socialistas-revolucionários e a burguesia estavam acusando os bolcheviques de organizar uma insurreição. Trotsky negou isto. Ele disse que os trabalhadores sairiam sim às ruas, numa manifestação armada, mas como medida defensiva em oposição à contra-revolução. No geral, esta é a maneira como a classe trabalhadora e o movimento operário têm abordado a questão da força, da mudança pacífica ou violenta.
Deixe-me dar um exemplo típico do modo como isto poderia surgir numa conversa com um trabalhador na Grã-Bretanha. Nós estávamos atuando no Partido Trabalhista, um meio reformista. Mas existia uma cláusula em seu Estatuto – a Cláusula 4, parte 4 – que defendia a nacionalização dos setores centrais da economia, um reflexo da pressão da Revolução Russa sobre o partido depois de 1917. Blair a eliminou em 1995. Esta e outras medidas foram o sinal da liquidação do Partido Trabalhista como um partido dos trabalhadores. Mas quando ele era um partido de trabalhadores na base, apresentávamos demandas transicionais, dentro e fora do partido, seguindo o exemplo dos bolcheviques. A palavra de ordem deles era por “paz, pão e terra” e tudo derivou disto. Foi uma combinação de eventos e palavras de ordem corretos em cada etapa o que levou à idéia da Revolução Russa.
Porém, estávamos em um período não-revolucionário – radicalizado, mas não uma situação revolucionária ou pré-revolucionária, nem mesmo a situação da Itália nos anos 70. Atuávamos no Partido Trabalhista pelas razões que expliquei antes e apresentávamos reivindicações sobre habitação, educação e serviços sociais. Também apresentávamos a palavra de ordem de que um governo Trabalhista se apropriasse, usando uma linguagem que poderia ser entendida pelos trabalhadores, dos 250 monopólios que controlavam 80-85% da economia, com compensação apenas no caso de necessidade comprovada. Em outras palavras, não a expropriação completa, algo que eu vou explicar. Nós defendíamos um plano socialista da produção elaborado pela classe trabalhadora, sindicalistas, donas de casa, pequenos comerciantes e outros através de comitês que controlariam este plano.
Esta era nossa propaganda básica, nossa abordagem transicional. Poderíamos ir às reuniões do Partido Trabalhista ou reuniões sindicais, algumas vezes estas reuniões eram grandes e dizíamos: este é o nosso programa para o futuro. Você poderia ter alguns ultra-esquerdistas que se levantariam e diriam: “Você está absolutamente errado, Trotsky era a favor de sovietes, você deve defender os sovietes nesta etapa; isto é reforçar as ilusões dos trabalhadores de que devemos atuar através do parlamento”. Estes eram argumentos infantis. Tínhamos que dizer a eles que a maioria da população, incluindo a classe trabalhadora, tem ilusões na democracia burguesa e no parlamento e não podemos eliminar estas ilusões apenas através da propaganda. Uma combinação de argumentos, apresentados habilmente e a própria experiência da classe trabalhadora a levará até a alternativa socialista e as idéias marxistas.
Os bolcheviques não abandonaram a palavra de ordem da Assembléia Constituinte até mesmo depois da Revolução Russa, porque Lênin sempre se preocupou com um recuo se a revolução chegasse a um impasse. A Assembléia Constituinte só foi dissolvida quando as massas criaram a alternativa do poder soviético, o governo soviético. Isto mostra o cuidado com que Lênin e Trotsky abordavam as opiniões da classe trabalhadora e das massas populares.
Como podemos quebrar as ilusões da classe trabalhadora na questão da “democracia” burguesa? Os trabalhadores poderiam perguntar: se um governo introduzisse pelo parlamento as medidas que o Militant defende, a classe dominante aceitaria isto? Ela organizaria uma conspiração militar. Diríamos sim, concordamos com vocês. Mas nesta situação, e na situação que levaria a ela, exigiríamos que os sindicatos e partidos operários preparassem a classe trabalhadora para defender qualquer medida radical que fosse introduzida. Daríamos a eles exemplos do que aconteceu no Chile. Havia a luta parlamentar de Allende e a atividade extra-parlamentar das massas por armas. O mesmo aconteceu na Revolução Espanhola.
Apontávamos tudo isto. Não em uma pequena sala. Estou falando de assembléias e comícios de centenas e algumas vezes milhares de pessoas, com a TV e o rádio. Nós dizíamos: não somos pacifistas, defenderemos o direito de greve, liberdade de reunião, etc, com a força das armas se necessário, se forem ameaçados pela reação ou pelo fascismo. Mas também agiriam assim, é o que esperamos, todos os trabalhadores e os líderes de esquerda em particular. Não estamos na etapa sobre a qual os ultra-esquerdistas vêm aqui falar.
Então poderia surgir o argumento: vocês irão compensar os capitalistas por depenar os trabalhadores? Trotsky levantou este ponto numa discussão sobre o programa de transição. Ele disse: “Estaríamos até preparados a indenizar os capitalistas, teoricamente não nos opomos a isto”. Então apresentamos a idéia de compensação para os pequenos acionistas com base na necessidade comprovada. Não iríamos compensar totalmente os grandes capitalistas e acionistas, mas talvez os pequenos. A propaganda burguesa nesta questão invariavelmente escarnece: “Se as grandes companhias forem tomadas, o que acontece com as pessoas com poucas ações?” Nós os compensaríamos. Mas não os grandes acionistas, não os bilionários.
Então chegávamos à questão: que tipo de estado vocês estão buscando? Você pensa que o parlamento será mantido? Trotsky levantou teoricamente que você não necessariamente substituiria o “parlamento”, o edifício em si. Mas a base sobre o qual ele seria constituído mudaria radicalmente. O modo como formulamos – por um plano socialista da produção, redigido pelos comitês de trabalhadores, sindicatos, delegados sindicais e outros – é uma forma popularizada, estritamente falando, de conselhos operários ou “sovietes”. Nossos amigos ultra-esquerdistas não conseguem ver isto, mas o fizemos de tal modo que o trabalhador médio podia entender o que dizíamos.
Em um nível teórico geral, defendemos as idéias de Marx sobre o caráter do estado em seus escritos sobre a Comuna de Paris, de Lênin na época da Revolução Russa e de Trotsky. Nós nunca usamos a citação de Engels na introdução de “A Luta de Classes na França” para defender que a “mudança pacífica” é a única opção. Na realidade, nós defendemos exatamente o oposto. Foi Kautsky e cia. que falsificaram as circunstâncias e a intenção de Engels naquela citação particular.
Bob Labi: “Tivemos polêmicas com o Partido Comunista sobre isto”.
Dizíamos: não somos pacifistas, leiam nosso material, lutaremos, mas isto também será feito por sindicalistas comuns. Poderíamos esperar que Tony Benn e Jack Jones (líder do TGWU, Sindicato Geral dos trabalhadores dos Transportes nos anos 70, que participou na Guerra Civil Espanhola) estivessem ao nosso lado lutando para defender o direito ao voto, de greve e a liberdade de reunião. Com esta abordagem, nenhum líder Trabalhista poderia nos acusar de sermos “selvagens com facas nos dentes”, dizer que “eles são loucos, apenas querem um confronto armado, eles querem a guerra civil”. Os marxistas e trotskistas têm que superar os argumentos de nossos adversários que insinuam que queremos uma “insurreição armada imediata”. É por isto que precisamos de uma abordagem transicional.
Sobre a questão: isto pode ser feito pacificamente? A Revolução Russa, no início, foi feita pacificamente. No ataque ao Palácio de Inverno quantas pessoas foram mortas? Um punhado. A violência veio depois, por parte da burguesia na guerra civil.
Sobre o estado, em nossa revista teórica e nossas brochuras especiais, explicamos nossa posição detalhadamente. Também tivemos explicações sobre o estado em nosso jornal semanal. Sobre a questão da transição pacífica, você diria aos trabalhadores “queremos violência, queremos guerra civil”? Nós argumentaríamos que queremos implementar a mudança ganhando uma maioria, democraticamente. Na Revolução Russa, houve a votação democrática nos sovietes; os bolcheviques tomaram o poder. Nenhum partido foi proibido no primeiro período, exceto os fascistas ‘Cem Negros’. Os bolcheviques só baniram outros partidos depois que eles pegaram em armas para derrubar o governo.
Somos a favor de uma democracia multipartidária? Responderíamos que sim e isto inclui o direito de existência para o partido Tory. Na Itália, você teria que dizer que os partidos democrata-burgueses têm o mesmo direito. Não somos a favor de dar os mesmos direitos aos fascistas declarados, iríamos proibir. Os fascistas querem destruir os direitos democráticos, incluindo os direitos do movimento dos trabalhadores. Mas no que concerne aos outros partidos burgueses, eles poderiam participar nas eleições. Um estado operário democrático não teria nada a temer deles. Na Revolução Russa, os mencheviques não foram proibidos, os bolcheviques não baniram os socialistas-revolucionários. De fato, inicialmente, eles fizeram uma coalizão com os socialistas-revolucionários de esquerda. Mas quando eles recorreram ao levante contra o poder operário democrático, os bolcheviques não tiveram escolha a não ser baní-los. Mas esta era uma medida temporária. Quando a guerra civil terminasse, pensavam os bolcheviques, a democracia soviética poderia ser restaurada, o que se provou impossível por várias razões em uma sociedade dividida e cheia de privações culturais. As mesmas medidas não seriam necessárias em uma sociedade avançada, econômica e culturalmente desenvolvida.
Se na Grã-Bretanha, a mobilização da força esmagadora da classe trabalhadora pudesse arrastar a classe média, então você não poderia descartar teoricamente que poderia existir um governo de maioria socialista e trabalhadora realizando a expropriação dos capitalistas, apoiado pela massa fora do parlamento. Em relação aos EUA, Marx no século XIX não descartou a possibilidade teórica de uma mudança pacífica por causa da fraqueza do exército permanente de então. E este foi o homem que descreveu o estado burguês como “destacamentos de homens armados e seus apêndices materiais”. É claro que a situação dos EUA mudou fundamentalmente desde então. Eles são agora uma das sociedades mais militarizadas do mundo.
A História mostrou que uma classe, grupo ou casta privilegiada não entregará sua riqueza e poder sem luta, utilizando, quando puder, os meios mais implacáveis e violentos. Veja o que aconteceu na Espanha em 1936 e no Chile em 1972-73. Se Allende tivesse preparado a classe trabalhadora adequadamente, ao invés de dizer meias verdades, o resultado poderia ter sido diferente. Ele tomou 25% da indústria. Então, quando a contra-revolução tentou um golpe em junho de 1973, os trabalhadores responderam indo às fábricas e tomando mais de 40% da indústria. Eles viam que o golpe militar estava vindo e exigiram armas, o que foi recusado por Allende.
Na Revolução Portuguesa, quando Spinola tentou seu golpe em março de 1975, as massas responderam e o governo foi forçado a tomar 70% da indústria. Então ele parou no meio caminho. Mas com este poder e um partido de massas revolucionário, ele poderia ter criado uma posição tão sólida que a resistência da classe dominante teria sido totalmente ineficaz. Não pode ser descartado que a mudança socialista seja pacífica, mas isto não é provável, como o Chile mostrou, como a Espanha mostrou.
Esta é uma abordagem transicional que leva o trabalhador médio da exigência por reformas para a idéia da necessidade de transformação socialista. Se você exigir toscamente a revolução socialista, sovietes e tudo o mais, vai bater em um muro de concreto na Grã-Bretanha, mas também na Itália nesta etapa.
Na questão de uma república para a Grã-Bretanha, em nosso programa exigimos reformas na habitação, educação, serviços sociais, “tomada dos 250 monopólios”, monopólio estatal do comércio exterior e também a abolição da monarquia e da Câmara dos Lordes. A monarquia não está ali apenas para propósitos decorativos. Teoricamente, todo governo britânico é nomeado pelo monarca e pode ser destituído anti-democraticamente, sem uma eleição. A classe capitalista pode usar a monarquia para obter isto, tal como fez na Austrália em 1975. Somos contra presidências em geral, como somos contra monarcas ou a Câmara dos Lordes. Somos a favor da abolição, não da substituição, da monarquia e da Câmara dos Lordes.
LGBTs e mulheres
Sobre a questão dos LGBTs, nunca apoiamos ou alimentamos preconceitos contra LGBT. O que é verdade é que existiram alguns camaradas que tiveram uma posição muito crua sobre o tema. Eles repetiriam a posição de Engels em “A Origem da Família da propriedade privada e do estado”, condenando o amor LGBT na Grécia antiga. Esta posição de Engels é usada por alguns grupos LGBT contra as idéias marxistas hoje. Marx e Engels eram produtos de seu tempo e dos preconceitos que então existiam, não da situação que existe hoje ou da atual posição do marxismo. Houve uma relutância inicial do Militant de se dedicar a esta questão. Mas nunca justificamos a repressão aos LGBTs. Nunca tomamos a posição de Castro ou qualquer outro líder ou organização deste tipo. Quando chegavam resoluções nos congressos da Juventude Socialista (LPYS) que nós influenciávamos, e outros lugares, a atitude de alguns era: “bem, isto não é importante, daremos apoio a isto, mas não é uma grande questão no que nos concerne”. Este não é o caso hoje. Temos camaradas, você pode ver no nosso material, camaradas na direção e outros que são abertamente LGBTs.
Preconceitos contra o feminismo? Não, isto simplesmente não é verdade. Somos contra as divisões alimentadas pelo feminismo pequeno-burguês e burguês. Tal como é a maior parte das mulheres trabalhadoras. Elas saudaram o movimento feminista dos anos 60 entre outras coisas porque abria as portas para as mulheres trabalhadoras. Apoiamos as demandas das mulheres, esta é uma questão vital. E de fato, alguns dos ganhos obtidos no passado estão sob ataque através da propaganda, da mercantilização do sexo e assim por diante.
Não concordamos com algumas demandas artificiais, como listas só de mulheres para posições sindicais. A classe trabalhadora britânica experimentou o “feminismo” burguês na forma de Thatcher. Nossas camaradas são socialistas feministas, mas não aceitarão tudo o que as feministas burguesas ou pequeno-burguesas defendem. Acreditamos que o SUQI, especialmente o SWP americano, enfatizaram a questão dos gays, das mulheres e do racismo, enquanto não deram ênfase suficiente ao trabalho nos sindicatos e na classe trabalhadora como um todo.
A organização que teve mais sucesso em atrair, ganhar e integrar mulheres, especialmente trabalhadoras, mas também mulheres em geral, no partido e nas posições dirigentes do partido, foi o Militant e o Partido Socialista hoje. O Comitê Executivo da seção do CIT na Inglaterra e País de Gales tem uma maioria de mulheres, que não estão lá apenas por serem mulheres. Estão lá por mérito, por sua capacidade. E, além disso, há a Campanha contra a Violência Doméstica (CADV), que nós criamos.
Tivemos mais sucesso nisto do que as organizações que nos criticam por não darmos suficiente atenção à questão das mulheres. Eles falam de uma boa luta, mas no CADV tivemos um efeito enorme. Criamos a campanha e tivemos significativo apoio dos sindicatos. Esta campanha obteve um efeito duradouro nos sindicatos e nos locais de trabalho.
O Partido Trabalhista
Sobre o “entrismo”, isto surgiu dos regimes policialescos que existiam nos partidos social-democratas e stalinistas no passado. Os marxistas não podiam apresentar e defender suas idéias ali. Este não é o caso hoje, no novo período aberto depois do descrédito dos métodos burocráticos e stalinistas. Além disso, esta tática era percebida por Trotsky como uma tática de curto prazo. Uma incapacidade de atentar para o conselho de Trotsky nos anos 30 na Espanha ou de usar a tática corretamente arruinou a revolução. A juventude socialista sob Largo Caballero apelou abertamente à Juan Andrade e Andres Nin: “Venham para a juventude socialista, vocês são os melhores teóricos na Espanha”. Eles se recusaram, mas os stalinistas não cometeram tal erro. Santiago Carrillo foi ganho para os stalinistas (isto é detalhado no último livro de Anthony Beevor sobre a Guerra Civil Espanhola). Os stalinistas, que inicialmente eram mais fracos que os trotskistas na Catalunha, por causa do entrismo e de outros fatores, tomaram a juventude socialista e grandes setores do Partido Socialista. Na realidade, Caballero chegou a entrar em conflito com eles. Este erro tático em particular e a inadequação política da direção do POUM, ajudaram a arruinar a revolução.
Hoje, as idéias clássicas de Trotsky sobre o trabalho nas organizações “tradicionais” dos trabalhadores não são aplicáveis. Os marxistas e trotskistas, algumas vezes, aderem abertamente às formações amplas, que estão em fermentação, onde há o direito de apresentar seu ponto de vista e lutar por seu programa de um modo amigável e camarada dentro do próprio partido. Infelizmente, na “grande hibernação” histórica durante o boom de 1950-75, os marxistas foram reduzidos a um punhado na Grã-Bretanha e também na Itália. O Partido Comunista na Itália era um sólido monólito stalinista. O Partido Socialista tinha certas aberturas, mas não era nem mesmo como o Partido Trabalhista britânico. Ele era uma formação majoritariamente pequeno-burguesa, mas em certas etapas teve características políticas mais radicais. Porém, houve possibilidades limitadas para os marxistas ganharem apoio quando o capitalismo crescia e o reformismo era forte.
Pessoas como Ted Grant cometeram um erro ao entrar no Partido Trabalhista em 1948-49. Originalmente, ele opunha-se a isso, mas quando ele foi derrotado e tinha forças muito pequenas, ele tentou racionalizar isto dizendo que o marxismo poderia fazer progressos tanto dentro quanto fora do Partido Trabalhista. Esta não é uma abordagem marxista ativa, é contemplativa. É uma atitude quietista que não tem uma abordagem dinâmica diante das possibilidades para o marxismo em cada etapa. A melhor tática para os trotskistas no período dos anos 50 teria sido trabalhar independentemente, o que Gerry Healy e seu partido fizeram, embora seus métodos fossem censuráveis. Eles se concentraram nos sindicatos e ganharam alguns militantes. Em seguida, em um momento posterior, quando o Partido Trabalhista estava radicalizado e crescendo, eles entraram no Partido e inicialmente tiveram mais sucesso que o grupo de Grant.
A percepção de Ted Grant baseava-se no fato de que os partidos comunistas de massas criados na Europa Ocidental vieram das antigas organizações do proletariado, de divisões dentro delas. Isto ocorreu na Itália depois das jornadas de setembro de 1920 e da divisão no Partido Socialista, quando um Partido Comunista de massas foi criado. Na Alemanha houve a divisão de 1917 e então a divisão do USPD, com Zinoviev indo à Berlim em 1920 e falando por cinco horas no congresso de Halle. Ele ganhou centenas de milhares de membros do USPD para o novo Partido Comunista, trazendo com eles muitos jornais diários! O mesmo na França, com o congresso de Tours do Partido Socialista, quando a maioria dos trabalhadores ativos veio para a Internacional Comunista. Mas isto se deu no cenário da Revolução Russa e da autoridade da Internacional Comunista, quando estas eram organizações tradicionais sem a atmosfera policial que se desenvolveu dentro do Partido Trabalhista em resposta à Revolução Russa. Lênin disse ao jovem Partido Comunista da Grã-Bretanha para trabalhar dentro do Partido Trabalhista e Trotsky até levantou a possibilidade teórica de que o Partido Comunista pudesse se tornar algo como o Partido Trabalhista Independente (ILP), com 30 mil membros e controlar o Partido Trabalhista. Deste meio reformista ou centrista, sairia um núcleo revolucionário, do qual se desenvolveria um Partido Comunista de massas em certo momento. Era uma idéia correta e foi correto pensarmos nisto, mas a história se desenvolveu de forma diferente.
Eu fiz vários discursos no passado em que dizia “não importa o que aconteça, continuaremos no Partido Trabalhista”. Argumentávamos contra divisões prematuras, contra os ultra-esquerdistas que criticavam nosso trabalho de um ponto de vista sectário. Mas desenvolveu-se uma perspectiva quase automatista – “temos 2 mil militantes agora, teremos 4 mil em dois anos, 8 mil depois e então dezenas de milhares”. Mas esta perspectiva não levava em conta as rupturas e as agudas e abruptas mudanças na situação, sendo que a mais importante foi o colapso do stalinismo e os efeitos que isto teve ao desmoralizar e esvaziar os antigos partidos “tradicionais”.
Os seguidores e correligionários internacionais de Ted Grant estão grudados em uma tática particular. É como um jogador de golfe usando apenas um taco ao invés de vários! As táticas dependem da situação objetiva. Para nós, ter continuado no Partido Trabalhista nos anos 90 até hoje, teria sido a morte. Mencionando de passagem, eu não discuto que ainda há oportunidades para os marxistas na RC italiana, mas elas não são as únicas oportunidades na Itália. E a juventude radicalizada que foi repelida da RC? É uma visão fossilizada do marxismo ter apenas uma abordagem deste caráter em particular. Temos que ter várias táticas.
Somos parte do Partido Socialista na Holanda, que se moveu para a direita recentemente. Também trabalhamos no WASG, como vocês sabem, na Alemanha. Mas em outras situações, onde não há nem mesmo um pequeno partido que ofereça a oportunidade e a possibilidade de criar as bases para uma formação mais ampla na classe trabalhadora, buscamos uma tática independente. Isto tem sido muito vitorioso a partir de um fundamento principista, marxista. Por exemplo, nossos camaradas do Partido Socialista na Irlanda têm quatro vereadores, mas também, muito importante, temos Joe Higgins que é um parlamentar, muito efetivo por sinal.
Se, no futuro, a direita for expulsa do Partido Trabalhista e a esquerda assumir, tal como aconteceu na França com a expulsão dos neo-socialistas do Partido Socialista em 1934 (o Partido Socialista passou para uma posição centrista), nesta situação, reconsideraríamos nossa abordagem. Temos que ser flexíveis, mas também temos que ver as oportunidades que se desenvolvem para aumentar as bases para o marxismo e o trotskismo hoje. O desenvolvimento de um partido de massas ou uma considerável organização revolucionária marxista não é um só ato ou um só evento. É uma série de oportunidades que podem se apresentar, mas que devem ser agarradas. É uma arte elaborar o que se deve fazer nestas situações, intervir, aumentar a influência e o apoio ao marxismo. Aqueles camaradas que argumentam que você deve continuar apenas com uma tática irão descobrir que a história passa por eles.
Outra questão é sobre a história da Internacional.
Este é um assunto amplo. Escrevi um livro sobre isto e mesmo ele lida de um modo muito esquemático com os principais pontos. Mesmo quando tínhamos apenas membros na Grã-Bretanha, sempre nos consideramos internacionalistas, por razões óbvias. O capitalismo é um sistema mundial e a oposição a ele deve se organizar em linhas internacionais. A tendência agora é os sindicatos fazerem isto, unirem-se além das fronteiras nacionais da Europa, o que apoiamos. Mas o mesmo se aplica do ponto de vista da classe trabalhadora e do marxismo. É por isso que Marx formou a Primeira Internacional. Passamos pela experiência da Segunda Internacional, da Terceira, e da idéia de Trotsky da Quarta Internacional, que ainda mantém sua validade como uma idéia. Mas colocá-la em prática, num sentido de massas, não foi possível por causa da combinação de dificuldades objetivas e erros subjetivos cometidos por vários líderes que aderiram às idéias de Trotsky.
Sempre procuramos apoiadores internacionais. Originalmente, a maioria deles veio internacionalmente através da Juventude Socialista (LPYS) ou, acidentalmente, conhecendo diferentes camaradas. No início dos anos 70, desenvolvemos uma posição onde tínhamos vários pontos de apoio internacionalmente. Um camarada que trabalhava conosco na Grã-Bretanha voltou à Irlanda do Norte às vésperas dos eventos de 1969. Fui para lá, discutimos com algumas pessoas e as recrutamos. Isto foi complementado com jovens camaradas irlandeses, como Peter Hadden, que ganhamos aqui na Inglaterra, na Universidade de Sussex, que voltaram para a Irlanda. Foi assim que estabelecemos uma seção irlandesa no Norte, mas também no Sul. Depois, pessoas como Joe Higgins, o atual deputado do Partido Socialista no parlamento irlandês, juntaram-se a nós. Agora, temos uma posição muito forte no Sul da Irlanda, mas também no Norte.
Também tínhamos uma base na Suécia e fizemos contatos no Sri Lanka por meio de visitas que fizemos. Criamos diferentes pontos de apoio, mas não era nada como uma organização internacional coerente. Apenas decidimos criar uma organização internacional em 1974, em um pub em Londres – um pouco como Karl Marx e Friedrich Engels fizeram no século XIX. Não queríamos formar uma organização e afirmar que éramos “a Internacional”, por isso adotamos o nome de “Comitê por uma Internacional Operária”. A maioria de nossos membros e apoiadores, incluindo os jovens, veio por meio de nosso trabalho nas organizações tradicionais dos trabalhadores, o que era viável naquela etapa. Foram feitas visitas à Itália, Espanha e outros países. Na Espanha, por exemplo, nós construímos através de um camarada que visitou o congresso da Juventude Socialista (LPYS) aqui. Eu fiz discussões com ele inicialmente. Bob Labi fez contato com camaradas nigerianos, daí desenvolvemos a posição na Nigéria. Tony Saunois construiu nossa posição na América Latina, Clare Doyle e Rob Jones na Rússia e assim por diante.
Porém, ficávamos quase escondidos porque trabalhávamos dentro das “organizações tradicionais” e a direita do Partido Trabalhista e as burocracias dos outros partidos, enquanto temiam que nos organizássemos em escala nacional, tinham pânico de nossas ligações internacionais. Por causa disto, perdemos oportunidades de nos estabelecer na consciência de trabalhadores e revolucionários que em vários países buscavam uma organização internacional. Desta forma, nós não éramos conhecidos nas camadas mais avançadas da classe trabalhadora em muitas partes do mundo, embora o Militant fosse conhecido. Nem mesmo publicávamos os materiais do CIT, que eram na maior parte material interno, corrigidos para o uso público. Mas com a ruptura de Grant e seu grupo em 1991/92, decidimos lançar o CIT muito mais explicitamente, com material público chamando os trabalhadores avançados.
No início dos anos 90, decidimos abrir diálogo com outras organizações internacionais. O colapso do stalinismo nos forçou a rever nosso trabalho e abordagem. Pensávamos que outras organizações seriam forçadas a mudar e algumas realmente mudaram, mas nem sempre numa direção positiva. Algumas foram para a direita, enquanto outras, como o SWP britânico, que abordamos para discussões, apenas afirmaram que estiveram certos “o tempo inteiro”. Então, eles eram mais bem sucedidos, assim parecia, do que o Partido Socialista e o CIT na Grã-Bretanha. O Militant sofreu uma divisão e, inevitavelmente, isto nos puxou para trás. Por outro lado, o SWP, com sua teoria dos “anos 30 em câmara lenta”, eram super-ativos na arena pública, com cartazes e muito barulho.
Aparentemente eles estavam em todo lugar, mas o SWP tornou-se sinônimo de “estudantes com cartazes”. Era uma espécie de voluntarismo, de tentar falar mais alto que sua voz, tentando parecer mais importante do que realmente era dentro da classe trabalhadora. O SWP era em grande parte uma organização pequeno-burguesa, mas com uma certa camada de trabalhadores impacientes também, que pensavam que era preciso apenas proclamar a revolução. De certa forma, ainda estão fazendo isso nos atos, com seus slogans de “uma solução, revolução”. Mas quando abrimos uma discussão, nos chocamos com eles, e é assim ainda hoje, em várias questões. Nós oferecemos colaboração. Infelizmente, ela se rompeu na Aliança Socialista, onde eles queriam impor seu programa e suas formas de organização para o que deveria ser uma forma menos rígida de organização.
Fomos ver o SUQI e abrimos um diálogo e discussão com eles. Bob Labi, Tony Saunois, Lynn Walsh e eu visitamos o SUQI. Encontrei Livio Maitan pela primeira vez em muitos anos. Mas ficou claro para nós que eles estavam em uma trajetória mais oportunista, rumo à liquidação das idéias do trotskismo. Enviamos camaradas para ver a LIT. Eu estive no Brasil para ver a LIT. Tony Saunois falou em congressos da LIT e assim por diante. Nossos camaradas no Brasil foram por um tempo parte de sua organização, com direitos de fração. Então, continuamos em uma “viagem de descobertas” para ver se a paisagem política tinha mudado. Infelizmente, descobrimos que no que se referia às outras organizações internacionais, ela não tinha mudado muito.
Portanto, apesar de ainda manter nossas linhas de comunicação abertas e ainda estarmos preparados para discutir e debater com estas organizações, no último período concentramos nossos esforços em construir o CIT e a nossa militância, desenvolvendo nossas idéias. Temos agora organizações ou indivíduos ligados ao CIT em 34 países. Alguns deles são organizações substanciais, com enraizamento na classe trabalhadora e são fatores importantes na vida do movimento operário ou em um setor particular da classe trabalhadora. Na Grã-Bretanha, depois de um período muito difícil nos anos 90, estamos construindo.
Diminuímos dos oito mil membros que tínhamos nos anos 80 em toda a Grã-Bretanha, mas ainda somos um partido formidável, com raízes no movimento e aproximadamente dois mil membros. Esta é uma conquista louvável, diante de todas as dificuldades objetivas que mencionei antes. Mantivemos quadros mais velhos muito bons, que agem como uma alavanca para a próxima geração se desenvolver. Também recrutamos uma camada substancial de novos camaradas jovens que estão participando da luta e gastamos certa quantidade de atenção e tempo para desenvolvê-los política e teoricamente. Temos no momento, na Inglaterra e no País de Gales, mais de 30 profissionalizados, a maioria em nosso centro nacional, mas também em Gales, no Sudoeste da Inglaterra, em Manchester, no Noroeste, no Oeste, nas East Midlands e Yorkshire. Em seu auge, o Militant tinha 320 profissionalizados para o partido – alguns de forma voluntária. Nem todos recebiam salário. Alguns eram desempregados e recebiam alguma ajuda. Mas isto era um indicador da posição que tínhamos.
Na Irlanda, temos uma importante organização com vereadores e um parlamentar. Nossa seção na Alemanha acaba de passar pela experiência do WASG, com a camarada Lucy Redler ficando em primeiro lugar na lista do WASG de Berlim, obtendo 50 mil votos. No Sri Lanka, nosso camarada Siri concorreu às eleições presidenciais no ano passado pelo USP (Partido Socialista Unificado, seção do CIT) e ficou em terceiro lugar. Isto deu ao nosso partido uma importante plataforma para intervir na situação atual.
Em termos de militância, o CIT é um das mais importantes, se não a mais importante, das organizações trotskistas internacionais. Ainda somos pequenos em comparação com as tarefas internacionais postas para o período. Certamente, temos hoje uma base internacional mais ampla. Estamos presentes em todos os continentes e em quase todos os países da Europa, embora tenhamos apenas um dedo do pé em alguns. O sul da Europa infelizmente é uma das fraquezas do CIT, fora a Grécia e agora o Chipre – algo que esperamos superar no próximo período.
Relações dentro do CIT
As seções nacionais têm autonomia para decidir suas próprias políticas? Há uma discussão contínua com o Secretariado Internacional (SI) da Internacional? Qual é a relação entre a política e organização das seções?
Ainda aceitamos que o centralismo democrático é vital para um partido revolucionário. Até mesmo no movimento operário ou sindical existem formas de centralismo. Nos anos 90, utilizar a expressão “centralismo democrático” era sinônimo de estar ligado ao stalinismo, temporariamente mudamos a terminologia para “unidade democrática”. Mas vimos que isto era inadequado. Defendemos a idéia do centralismo democrático, mas nos opomos ao centralismo burocrático. Algumas outras organizações trotskistas deram uma fama ruim ao leninismo, ao trotskismo e ao centralismo democrático. Elas adotam uma forma de centralismo burocrático.
Temos, nas seções nacionais e no nível internacional, uma democracia transparente: eleição de todos os responsáveis e o direito de revogabilidade. Eu sou um dirigente eleito, assim como outros camaradas na direção da Internacional. Há o direito de revogação dos dirigentes. Se um quarto das células exige um congresso nacional extraordinário, ele tem que ser convocado. Se um terço de um Comitê Central exige uma reunião extraordinária do CC, ela tem que ser chamada. Se um certo número das seções exige um Congresso Mundial especial, com os recursos permitindo, ele tem que ser chamado. O Congresso Mundial é a mais alta instância do CIT. Nos inclinamos mais à democracia, autonomia e ao desenvolvimento de direções nacionais independentes nas seções do que à uma superênfase no centralismo. Isto é necessário por causa das más experiências das formas stalinistas e social-democratas de organização. A influência nociva do stalinismo afetou até mesmo algumas organizações trotskistas.
Em geral, é inteiramente errado recorrer às expulsões como a primeira reação em relação a questões políticas, como ocorreu em algumas organizações, mas não no CIT. Diferenças precisam ser discutidas. Na Escócia, tivemos uma divisão política com a direção da nossa seção existente em 1998. Queríamos que eles ficassem na Internacional para defender seu ponto de vista, embora eles tenham rompido com várias normas políticas e organizativas de nosso partido. Mas eles decidiram não ficar.
Bob Labi: “Nas discussões em 1998, discordamos do que eles propunham – a base política e a forma como propunham efetivamente liquidar a seção do CIT através do Partido Socialista Escocês (SSP). Não tomamos nenhuma ação disciplinar contra eles, apesar de discordarmos totalmente do que faziam e como eles subsequentemente se desenvolveram. De fato, eles se afastaram, voluntariamente, em 2001, precisamente porque decidimos não tomar medidas disciplinares nesta questão, embora eles tivessem rompido com nossas normas e tradições. Às vezes, quando infelizmente tivemos corrupção, por exemplo, em nosso grupo na Ucrânia, tivemos que tomar medidas disciplinares. Não tivemos alternativa.
“Mas no caso da Escócia (todos os documentos estão publicados e são de domínio público), não tomamos medidas disciplinares porque estávamos politicamente confiantes de que, com o tempo, provaríamos que estávamos certos, como foi revelado na degeneração do SSP desde então. Mas eles saíram por vontade própria, não foram forçados. Penso que isto está ligado com outro ponto. Peter disse que nos anos 90 discutimos com outros grupos internacionalmente e não tivemos acordo. A forma como o CIT se desenvolveu em diferentes países se deu, frequentemente, por meio de reuniões e discussões com diferentes grupos ou partidos, com os quais, depois de um tempo, descobrimos uma base comum e eles se uniram a nós. Houve uma minoria de casos onde membros já existentes do CIT foram para diferentes países criar grupos nossos lá. Fora da Europa, no Sri Lanka e Nigéria, as nossas seções vieram dos membros de grupos ou partidos existentes que se uniram ao CIT há uns 30 ou 40 anos atrás.
“No momento, estamos discutindo com o Partido Socialista da Malásia, que tem sua própria história. Ele se desenvolveu independentemente, mas discutimos com ele e o mesmo acontece em outros países. O fato de não estarmos discutindo com outros grupos internacionais atualmente não significa que em nível internacional não estejamos discutindo com diferentes grupos. Temos que observar onde podemos concordar e onde podemos discordar e como as relações podem se desenvolver, o que algumas vezes pode levar um longo período de tempo antes das questões ficarem claras. Não é apenas a discussão em si; é a experiência, os eventos, o desenvolvimento da situação objetiva e de nossas próprias atividades”.
Vocês pensam em si mesmos como uma “Internacional” e, partindo disto, vocês pensam que a futura direção de uma revolução internacional surgirá de uma ampliação do CIT?
Somos uma organização internacional e, como expliquei anteriormente, sempre tivemos uma abordagem internacionalista, mesmo quando tínhamos poucas forças fora da Grã-Bretanha. Mas, dada a experiência histórica e os desapontamentos surgidos do fracasso de organizações muito pequenas que se proclamavam como “a” Internacional, éramos contra isto quando criamos o CIT em 1974. Podemos reivindicar a análise que fizemos historicamente, em especial desde 1991-92, como uma descrição correta da situação política geral que a classe trabalhadora enfrenta e as conclusões que derivam disto.
Isto não significa dizer que estivemos corretos em cada detalhe, que não houve erros, por exemplo, no ritmo provável dos eventos. Os grandes líderes socialistas, como o próprio Marx, embora corretos em sua análise histórica geral, cometeram muitos erros de ritmo. A História tem uma forma de confirmar uma perspectiva apenas depois de um atraso e, às vezes, depois de um tempo considerável. Pelo fato da arena política internacional estar poluída com auto-proclamadas “Internacionais”, chamamos a nós mesmos de “Comitê por uma Internacional Operária”. Isto implica que precisamos de uma nova Internacional que possa começar a criar raízes de massas e o CIT irá tomar os passos necessários, junto com outros, para realizar isto.
Esta Internacional de massas seria apenas uma “ampliação do CIT”? Somos uma pequena organização, que procurou manter o fio de continuidade das genuínas idéias trotskistas e marxistas, em uma das circunstâncias objetivas mais difíceis em talvez cem anos. Há algumas comparações a serem feitas com a posição dos marxistas e trotskistas desde 1989 com a que enfrentaram os bolcheviques e Trotsky após a derrota da revolução de 1905-07. Na Rússia, foi um período de reação, acompanhado de divisões à esquerda e à direita, que se refletiram dentro dos bolcheviques.
É claro que os marxistas russos enfrentaram uma repressão muito mais brutal – execuções, exílio e perseguição – do que a que enfrentaram nos anos 90 os marxistas em geral e, ainda mais, nos países industriais avançados. Mas mesmo no período de reação de 1905 à 1911/12, o movimento operário russo ainda podia olhar o horizonte internacional e ver a ascensão de fortes partidos operários e outras organizações da classe trabalhadora – na França, Alemanha, Itália, e até nos EUA, onde Eugene Debs ganhou quase um milhão de votos para o programa socialista nas eleições presidenciais em 1912. Esta era uma fonte de encorajamento e força para eles.
O período atual foi de uma reação ideológica mais generalizada mundialmente, que afetou o movimento operário, quase sem exceção, em cada continente e em praticamente cada país. As idéias do socialismo e seus defensores, sem falar do marxismo e do trotskismo, tiveram que lutar apenas para manter sua existência contra o pano de fundo de uma ofensiva ideológica pró-capitalista, pró-mercado. Ela teve como efeito a criação de uma confusão ideológica que deixou sua marca até naqueles que ainda se diziam marxistas e trotskistas. Alguns chegaram até mesmo a abandonar seus pontos de vista ideológicos anteriores, a adesão formal às idéias trotskistas, e abraçaram abertamente uma perspectiva reformista. De fato, a maioria esmagadora até de intelectuais radicais hoje subscrevem estas idéias de uma forma ou outra.
Organizações e partidos, que antes estavam na ultra-esquerda (o SWP/IST, na Grã-Bretanha e internacionalmente, e fragmentos da LIT), embora mantendo certas práticas sectárias – uma intolerância com outras idéias, uma indisposição de discutir em um diálogo aberto – giraram à direita. Outras recuaram para um beco sem saída de sectarismo.
Um grande fator nesta confusão ideológica surge do fato que no recente período, o proletariado na Europa, no Japão e nos EUA não entrou decisivamente na arena política. Quando entrar, isto exercerá um profundo efeito, até mesmo sobre a mistura confusa que constitui o meio intelectual, mesmo daqueles que se consideram “radicais” no momento. Então, a nossa resposta é que uma nova Internacional de massas não seria apenas uma “ampliação” do CIT, nem viria necessariamente dos que se proclamam marxistas ou trotskistas hoje. Novas formações da classe trabalhadora e da juventude, rachas consideráveis de organizações reformistas e centristas, podem se desenvolver e apontar para uma nova Internacional de massas. Estas novas e frescas forças da classe trabalhadora irão constituir a esmagadora maioria de uma nova Internacional de massas. Acreditamos, todavia, que o CIT, enquanto mantiver sua clareza política e dinamismo organizativo, será uma parte importante deste processo. Geralmente, uma Internacional de massas não é construída de um modo linear, de acréscimos graduais no apoio ao CIT ou qualquer outra organização, mas por uma combinação de fusões entre genuínas forças marxistas e até de divisões à esquerda de partidos e organizações dos trabalhadores que irão se mover para uma posição marxista.
Existiram muitas experiências provenientes de Internacionais anteriores, que diferiram substancialmente uma da outra. A Quarta Internacional, mesmo quando Trotsky estava vivo, era muito pouco significativa (fora o Vietnã e talvez o SWP nos EUA). Também há muitas divisões em muitos grupos que parecem estar em “guerra eterna” uns com os outros. A mais séria tentativa de construir uma Internacional revolucionária de massas foi a “Terceira”. A abordagem de Lênin não era sectária. Em Moscou, nos primeiros congressos da Internacional, houve a participação do centrista USPD, liderado por Kautsky, e do sindicato anarquista CNT da Espanha, assim como elementos oportunistas do Partido Socialista Francês, como Cachin, de anarco-sindicalistas como Rosmer e Serge, e também o Industrial Workers of the World de ‘Big Bill’ Haywood. Você pensa que uma futura Internacional de massas precisa ser uma Internacional “trotskista” pura?
Respondi parte de sua pergunta acima. Eu não concordaria que a Quarta Internacional lançada por Trotsky foi “pouco significativa”. Ela não conseguiu estabelecer uma base de massas, em grande parte por causa dos difíceis fatores objetivos existentes nos anos 30, durante a Segunda Guerra Mundial e a situação que descrevi sobre o período pós-1945. Os erros dos que assumiram a direção depois do assassinato de Trotsky também tiveram seu papel. Não obstante, a análise de Trotsky sobre o stalinismo e várias outras questões são armas políticas indispensáveis para as novas gerações de trabalhadores intervirem nas lutas que se abrem. Sem a monumental contribuição de Trotsky na análise dos regimes stalinistas, a geração de marxistas que o seguiu teria estado em uma enorme desvantagem. Não duvido que eles tenham encontrado um meio de corrigir a análise e o método, mas com muitas dificuldades, falsos começos, desvios estéreis e assim por diante. A maior contribuição de Trotsky, como ele mesmo admitiu, não foi o papel dirigente que ele sem dúvida jogou na Revolução Russa, mas o trabalho de caráter teórico que empreendeu nos anos 30.
A idéia da Terceira Internacional foi lançada primeiramente por Lênin contra o pano de fundo da eclosão da Primeira Guerra Mundial e a capitulação dos líderes reformistas e centristas ao social chauvinismo. Porém, ela só se tornou viável com base no maior evento da história humana, a Revolução Russa, que naturalmente atraiu o apoio da classe trabalhadora mundial e obrigou todas as formações políticas a adotar dentro de suas fileiras uma posição a favor ou contra a revolução. Os líderes reformistas e centristas foram obrigados a mostrar uma certa simpatia por causa do sentimento dos trabalhadores. Isto significou que os oportunistas, centristas e reformistas disfarçados, assim como genuínos lutadores revolucionários, alguns dos quais de origens anarco-sindicalistas, como Rosmer, Serge e o IWW, encontraram um lugar nas fileiras da Terceira Internacional.
Lênin, embora saudasse os genuínos lutadores da classe, mesmo que não concordassem necessariamente com o programa e a visão marxista dos bolcheviques, não obstante tomou uma atitude diferente com os líderes oportunistas. Estes, ele reconheceu, representavam um perigo potencial, uma corrosiva influência reformista dentro das fileiras de uma Internacional revolucionária. Desta forma, ele foi compelido a aumentar as exigências originais para as organizações filiadas para 21, até que a maioria dos reformistas e oportunistas não pudesse encontrar lugar dentro da Terceira Internacional. Portanto, enquanto Lênin saudava todas as genuínas forças de massa e potencialmente de massas, independentemente de suas posições iniciais, ele, junto com Trotsky, ainda insistia no caráter marxista e revolucionário da Terceira Internacional.
Uma futura Internacional de massas precisaria ser uma Internacional “trotskista” pura? Se ela será conhecida por este nome ou não, não é importante. O crucial é o conteúdo político, o programa e os métodos pelos quais uma nova Internacional é formada. Os termos “marxista”, “leninista” ou “trotskista” denotam para nós as idéias do socialismo científico aplicados à era moderna. Não importa se uma idéia ou corpo de idéias são velhas, se elas explicam melhor o caráter da era moderna e as tarefas do movimento operário, então elas são as mais “modernas” e atuais. Ao mesmo tempo, não se pode descartar que houvesse certas formas transitórias de organizações internacionais antes que se chegasse à idéia de uma Internacional marxista de massas. Procuramos colaborar com outros para levar o movimento operário em geral adiante, assim como discutir e reunir as genuínas forças do trotskismo onde existir um acordo político geral.
Em sua breve história do CIT, você diz que internacionalmente há camaradas conscientes, bons revolucionários, jovens e trabalhadores atualmente fora do CIT. Quais são as condições que você considera necessárias para a fusão ou unificação com outros grupos ou partidos?
Há forças revolucionárias muito boas mundialmente que não são membros ou simpatizantes do CIT ou que, em alguns casos, nem conhecem o CIT. Colaboraríamos com todas estas forças em questões concretas e procuraríamos abrir uma discussão, debate e diálogo, que são absolutamente essenciais neste período de esclarecimento das tarefas do movimento operário internacional. Não é possível anunciar de antemão e em cada circunstância as condições para a fusão ou unificação com outros grupos ou partidos. Onde conseguimos chegar a um acordo ideológico sobre as principais questões, o CIT pode estar aberto e saúda todos aqueles que desejam se unir às nossas fileiras. Todavia, com o pano de fundo que mencionei antes, de confusão política e ideológica, seria errado correr para isto sem o terreno estar adequadamente preparado. Isto significa, no geral, discussão, tentativa de trabalhar juntos na prática e campanhas comuns em questões cruciais, nacionais e internacionais.
Unimos-nos a grupos que inicialmente não eram trotskistas. Dei exemplos disto na história do CIT. No momento, estamos discutindo com importantes organizações como o Partido Socialista da Malásia. Não temos acordos com eles em várias questões, mas temos relações fraternas de colaboração, com convites para falar nas reuniões de ambos, na esperança de esclarecer e possibilitar um acordo político, o que, esperamos, terá conclusões organizativas. Porém, se uma unificação ou fusão não for possível com alguns grupos, não há razão para não ser possível uma colaboração.
Nos anos recentes, em vários materiais do CIT, vocês falaram da “longa noite” dos anos 90, mas que agora o socialismo está voltando à agenda. O mundo está em tumulto, mas você ouve de muitas pessoas que “o socialismo é uma boa idéia, mas infelizmente, é utópica”. Outros dizem que o “socialismo não funciona porque a natureza humana é muito egoísta”. Você acha que, depois da trágica experiência do stalinismo, que o socialismo no sentido verdadeiro do termo pode funcionar e resolver muitos dos problemas da humanidade? O socialismo como sistema pode funcionar?
Nós respondemos estas questões muitas vezes em nossas publicações e em livros, como o “Socialismo no Século XXI”, de Hannah Sell, em vários artigos na Socialism Today e nas publicações de seções do CIT. Darei um breve resumo aqui. A reação ideológica de que falei dominou os anos 90, embora a classe trabalhadora tentasse lutar em grandes movimentos. Agora, por causa da experiência de 20 anos do neoliberalismo e de seu claro fracasso, especialmente no mundo neocolonial, ocorreu uma mudança, que pôs o socialismo de volta na ordem do dia. Mesmo o fato de Chávez na Venezuela ter saído de uma posição de “capitalismo humanitário” para proclamar a necessidade do “socialismo”, é um indicador disto. Na Europa também, há uma camada de jovens – não uma força substancial nesta etapa, mas importante – que busca as idéias socialistas. Muitos deles se tornaram marxistas observando a situação, lendo e olhando os eventos internacionalmente.
Porém, ainda há nesta situação um elemento dos anos 90, no ceticismo demonstrado em relação às idéias socialistas. A memória do stalinismo ainda representa uma certa barreira para as idéias e forças genuínas do marxismo. Alguns, até mesmo bons jovens, dizem inicialmente que “o socialismo é uma utopia”, que não funciona, como as experiências da Rússia e do Leste Europeu mostraram. Neste sentido, temos um trabalho mais difícil até do que a geração de socialistas e revolucionários antes da Primeira Guerra Mundial. O socialismo então era uma grandiosa idéia a ser posta em prática no futuro. A Revolução Russa realizou este sonho e repercutiu por todo o mundo, nos “dez dias que abalaram o mundo”. Mas então tivemos o stalinismo.
Reforçada pela propaganda capitalista hostil, a impressão tem sido a de que “o socialismo teve sua chance” e que é preciso tentar idéias mais “radicais”. Isto é acompanhado pelo argumento ancestral contra o socialismo de que os seres humanos são muito “egoístas” ou “individualistas” para agir em comum, de modo coletivo ou de forma altruísta, para mudar a sociedade. A história provou que isto está errado, tal como foi evidenciado não apenas na Revolução Russa, mas pelas numerosas tentativas de revolução feitas pela classe trabalhadora e pelos pobres no século XX, que falharam devido a uma direção incapaz. A massa da população não irá buscar uma alternativa até que o sistema atual esteja evidente e claramente em bancarrota. Este não é o caso da minoria combativa e corajosa que está procurando por explicações e podem achar o caminho para o socialismo e o marxismo agora. Como explicamos antes, o boom dos anos 90 e da primeira parte desta década não se esgotou ainda. Serão precisos grandes eventos – e eles estão chegando, inclusive com as dificuldades econômicas do capitalismo – para dissipar as prolongadas ilusões de que este sistema pode ser “reformado” ou se tornar mais “humano”.
Mesmo quando há uma ruptura, as massas não se voltarão necessariamente para o “socialismo” em primeiro lugar, por causa das experiências do passado. Elas vasculharão as “despensas da história”, abraçarão tentativas mais “fáceis” do passado como exemplos de mudança. Nestas condições, idéias e partidos reformistas podem surgir e crescer. Formações centristas também podem se desenvolver, especialmente no mundo neocolonial, com as condições objetivas das massas piorando e se tornando insustentáveis. A experiência é a maior professora da humanidade. Tendo esgotado estes falsos caminhos, não de uma vez e não todas juntas, as massas buscarão uma alternativa socialista. Porém, este movimento não será uma simples repetição do passado, nem os partidos que lutam pelo socialismo apenas uma réplica dos que vieram antes. Novas e frescas camadas entrando em ação empregarão todos os tipos de idéias inovadoras e imaginativas e o socialismo como um conceito amplo se tornará uma força de massas. Karl Marx uma vez disse que quando uma idéia se apodera das mentes das massas, ela se torna uma força material. Nós vimos isto na Revolução Russa e isto também será testemunhado novamente nos colossais eventos que são iminentes na Grã-Bretanha, na Itália e em todo o mundo.
[1] O Poll Tax era uma injusta taxa única sobre a moradia cobrada por cabeça criada por Margaret Thatcher nos anos 80. Houve enorme oposição ao imposto e a tendência Militant na Grâ Bretanha, antecessora das atuais seções inglesa e escocesa do CIT, desempenhou um papel central na organização da luta de massas vitoriosa contra a implementação da taxa e que foi decisiva para a queda de Thatcher (N. do T.).
[2] Long Term Capital Management (LTCM) foi um fundo de ativos criado em 1994 por um grupo de especuladores capitalistas, dentre eles o Prêmio Nobel de economia de 1997, Charles C. Merton, que, após enorme sucesso inicial entrou em acelerada bancarrota perdendo mais de 4,6 bilhões de dólares em menos de quatro meses (N. do T.).
[3] Eu escrevi um livro no início da guerra traçando alguns paralelos. Hoje, até mesmo Bush admite que o paralelo do Vietnã com o Iraque é válido. Ele também admite que a situação militar é comparável à “ofensiva do Tet” em 1968, no sul do Vietnã. Efetivamente, ela resultou em uma “vitória” militar para os EUA, mas em uma grande derrota política; o povo americano se voltou decisivamente contra a guerra. Isto pavimentou o caminho para a primeira derrota militar do imperialismo dos EUA, depois do “empate” na Coréia. Este elemento da Guerra do Vietnã – a Ofensiva do Tet – é válido quando relacionado à atual situação no Iraque; o povo americano rejeita a guerra e Bush.
[4] Em desespero, até o “establishment” do Partido Republicano está encorajando Bush a fazer um acordo com o Irã e a Síria, antigos párias, sendo que o Irã é parte do “eixo do mal”. O Irã se fortaleceu significativamente como potência regional com a guerra do Iraque, aumentando sua influência com seus correligionários xiitas. Os EUA esperam que o Irã apóie-se nos xiitas para impedir a ruptura do Iraque, mas seu sucesso não é uma certeza.