Guerra na Ucrânia: seis meses que mudaram o mundo
Já se passaram seis meses desde que a Rússia invadiu a Ucrânia. Sem fim à vista, o resultado hoje é mais de 50 mil, talvez 100 mil mortos, 14 milhões de deslocados, e cidades na Ucrânia totalmente destruídas. O mundo inteiro mudou, política e militarmente e com grandes crises de acesso a alimentos e energia, bem como com uma crise econômica mais ampla.
O maior efeito geral da guerra é a intensificação dos antagonismos interimperialistas. A segunda Guerra Fria, entre o imperialismo estadunidense e o imperialismo chinês, foi ainda mais aguçada por este brutal lembrete de que guerras “quentes” e incidentes militares estão firmemente na agenda à medida que o sistema capitalista em putrefação entra em uma perfeita tempestade de crises.
As potências ocidentais estão se militarizando pesadamente: só os países da União Europeia decidiram aumentar os gastos militares em mais de 200 bilhões de euros. A OTAN decidiu multiplicar por sete sua presença de tropas na Europa e recebeu pedidos de adesão da Suécia e da Finlândia. “A guerra da Ucrânia é nossa”, declara a primeira-ministra sueca Magdalena Andersson, cujo governo seguiu os passos de outras potências ocidentais e enviou várias remessas de armas.
Na Rússia, a brutalidade da guerra é acompanhada por um aumento da repressão que forçou toda a oposição a se esconder na clandestinidade, no exílio ou na prisão. Com inúmeras e duras sanções, as potências ocidentais deram, pelo menos a curto prazo, a Putin a oportunidade de retratar a guerra como um ataque a todos os russos.
A invasão russa em grande escala da Ucrânia foi precedida por uma série de avisos das agências de inteligência ocidentais, mas mesmo assim enviou ondas de choque ao redor do mundo quando ela começou em 24 de fevereiro. Já em abril, após 7,5 semanas de guerra, o Kremlin foi forçado a desistir da tentativa de ocupação da capital Kiev e da maior parte do país. A resistência militar da Ucrânia e a total falta de apoio popular às tropas russas foram decisivas.
Uma guerra longa e mortífera
Com cerca de 200 soldados mortos por dia em ambos os lados, a guerra já é mais mortal, e mais longa, que 75% de todas as guerras desde o início do século 19 (de acordo com o The Correlates of War Project, relatado no Washington Post).
Todas as projeções apontam para uma guerra prolongada. Nenhum dos lados pode recuar ou mesmo voltar às negociações realizadas em março. Putin lançou a guerra como uma espécie de “ação punitiva”, mas o principal objetivo a curto prazo das tropas russas é agora segurar a quinta parte da Ucrânia que foi capturada. Estas regiões devem ser anexadas à Rússia via cidadania, o rublo, a internet, o sistema escolar, etc., enquanto muitos relatórios indicam severas dificuldades nestas áreas.
Perspectiva de um prolongado impasse
Nem as potências ocidentais nem o governo ucraniano podem aceitar um acordo sem concessões russas. “Os formuladores de políticas ocidentais parecem ter chegado a um consenso sobre a guerra na Ucrânia: o conflito se resolverá em um prolongado impasse, e eventualmente uma Rússia enfraquecida aceitará um acordo de paz que favoreça os Estados Unidos e seus aliados da OTAN, assim como a Ucrânia”, observa um artigo no Foreign Affairs dos EUA.
De fornecer apoio à Ucrânia para resistir à invasão, o governo de Biden em particular intensificou seu apoio militar com vistas a uma vitória militar para a Ucrânia. As armas defensivas, como o míssil Javelin antitanque, estão sendo complementadas por armas ofensivas. Sete sistemas de artilharia diferentes de países da União Europeia chegaram. Em 8 de agosto, chegou o maior carregamento até hoje dos Estados Unidos, carregando munições para o avançado sistema de artilharia de foguetes Himars, que chegou neste verão. Até agora, os EUA enviaram armas no valor de 25 bilhões de euros, de acordo com o Instituto Kiel de Economia Mundial. Os EUA também estão considerando o envio de caças, que foram rejeitados anteriormente. “Nossa ajuda está fazendo uma verdadeira diferença no terreno”, comentou o Secretário de Defesa dos EUA Lloyd Austin. Em campos secretos na Grã-Bretanha, 10 mil soldados ucranianos estão sendo treinados, relata o Dagens Nyheter sueco.
Aumento dos preços
O governo da Ucrânia tem apelado às potências ocidentais para apoio militar durante toda a guerra. Esta semana, o presidente Zelensky realizou uma cúpula com o secretário-geral da ONU, António Guterres, e o presidente turco, Erdogan. Este último tem um pé em cada campo após acordos com Putin sobre a expansão do comércio. Erdogan também participou de negociações sobre a exportação de grãos da Ucrânia. O bloqueio desde o início da guerra, juntamente com o impacto da mudança climática, causou tanto a fome quanto o aumento extremo dos preços. O fato de vários navios terem podido deixar os portos não significa que a crise tenha terminado.
Muitos fatores ainda podem influenciar a guerra. O fato de que a linha de frente está praticamente paralisada, apesar dos fortes disparos de artilharia, deve-se ao fato de que ambos os lados precisam se recuperar. As tropas russas têm problemas de recrutamento e moral (ou seja, confiança naquilo pelo qual estão lutando), enquanto grandes quantidades de equipamentos destruídos precisam ser substituídos. A Ucrânia precisa treinar suas tropas em novos sistemas de armamento e não estão acostumadas ao combate ofensivo. Ainda há grandes riscos de escalada da guerra, através de táticas desesperadas de ambos os lados. Já são feitos alertas de armas químicas e até nucleares por ambos os lados, assim como o uso de minas que matam civis.
Crise econômica e escassez de energia
Na Europa, o preço do corte do petróleo e do gás russos poderia ser muito alto, com uma crise econômica e escassez de energia neste inverno. Isto poderia aumentar a pressão para um acordo de paz na Ucrânia, arriscando uma divisão na aliança ocidental.
O povo ucraniano tem o direito de se defender contra a invasão russa e decidir o futuro da Ucrânia. O caminho a seguir é a organização independente da classe trabalhadora e das comunidades locais para formar comitês de defesa armada, organizar a distribuição de suprimentos, etc. Não há solução baseada na guerra atual, com o governo ucraniano ligado ao imperialismo dos EUA e do Ocidente de um lado e do outro ao imperialismo russo.
Qualquer cessar-fogo ou acordo, como já foi comprovado desde 2014, será temporário, acumulando para novas guerras. O governo sob Zelensky não está do lado dos trabalhadores, com novos ataques aos direitos sindicais implementados durante a guerra. Há uma necessidade de apelos internacionalistas aos trabalhadores e soldados, enfatizando os direitos das minorias, contra os governos e o sistema que causa esta guerra.
A ausência de um forte movimento de trabalhadores e de paz
A ausência de um forte movimento de trabalhadores e de paz é outro fator importante que permite que a guerra continue. Em muitos países, os partidos de esquerda capitularam e aceitaram o aumento dos gastos militares, incluindo armas para a Ucrânia. Mas os trabalhadores e os jovens não podem apoiar nenhum dos blocos ou governos imperialistas. São as contradições entre eles, embutidas no sistema capitalista, que levam à guerra. A luta contra a guerra e seus efeitos devastadores em todos os níveis é uma luta pelo verdadeiro internacionalismo, o entendimento de que os trabalhadores têm interesses comuns, e uma luta pelo socialismo democrático contra os belicistas e as ditaduras.