França de 1968 – Mês da Revolução – Lições da Greve Geral

 Introdução

O mundo de 68 e a França de hoje

Este livro tem o objetivo de trazer vida ao drama de um mês na França, no qual o futuro do capitalismo esteve em perigo. Dez milhões de trabalhadores, ocuparam as fábricas e locais de trabalho de todo o país, hasteando bandeiras vermelhas e cantando a Internacional, deixando claro seu desejo por uma nova sociedade. Eles forçaram um poderoso presidente a fugir do seu país. Arrastaram para seu lado amplas camadas da classe média. Soldados, marinheiros e a policia estavam prontos para se amotinarem. A chama do movimento transbordou fronteiras, inspirando trabalhadores e estudantes nas vizinhas Bélgica, Grã-Bretanha, Espanha e, acima de tudo, Itália.

À medida que se aproxima o 40º aniversário destes momentosos eventos, vemos uma tentativa deliberada, através da cobertura da mídia, de menosprezar e trivializar seu verdadeiro significado. Ela concentra-se nas extravagâncias mais exóticas dos estudantes, retira o conteúdo anti-capitalista dos movimentos que apareceram mundialmente, e diz pouco ou nada sobre o que foi a mais poderosa greve geral da história. Este mês da revolução no coração da Europa demonstrou que uma transformação socialista da sociedade estava ao alcance.

Par a mídia de massas – propriedade dos capitalistas e agindo no interesse do capitalismo – quanto menos se falar de socialismo melhor! Isso é ainda mais verdadeiro agora, quando este livro está sendo republicado. Os capitalistas já reconhecem que estão à beira da pior crise de seu sistema desde a “Grande” Depressão dos anos entre guerras.

No ano seguinte ao que “Mês da Revolução” foi originalmente escrito, em 1989, as economias planificadas estatais da “União Soviética” e Leste Europeu começaram seu histórico colapso, caindo como um castelo de cartas depois que o Muro de Berlim veio abaixo. Nos disseram então que o socialismo tinha acabado. O meio ideal de dirigir a sociedade, de agora em diante, seria capitalista, sem nenhum concorrente. Fim da história! Ou, como o muito citado Francis Fukuyama declarou, o “fim da História”!

Mas menos de vinte anos depois, está se tornando mais óbvio a cada dia que o capitalismo é um sistema cego, anárquico e perigoso. A espiral descendente na economia mundial irá mergulhar dezenas de milhares a mais na pobreza e no desespero. A potência mais perigosa, os Estados Unidos da América, e seu elenco cada vez menor de aliados, está atravancada em guerras horrendas e que não podem ser ganhas. Mesmo a sobrevivência futura da espécie humana está em perigo com o aquecimento global, culpa da ganância dos patrões, que ostentam sua riqueza e se recusam a mudar o curso.

Pouco admira que sua mídia tente enterrar o verdadeiro significado de 1968. Para as novas gerações de jovens e trabalhadores, recontar os eventos é uma reafirmação da validade, e de fato da necessidade, de manter e intensificar a luta por uma sociedade socialista.

Um ano para ser lembrado

1968 foi um ano para ser lembrado, não apenas na França, com a greve geral revolucionária que é o assunto deste livro, mas em toda a Europa e mundialmente. Existem poucos de tais anos na história. Eles são normalmente associados com fenômenos tais como uma guerra, especialmente mundial, ou uma revolução, em especial uma que se espalha de país para país, como 1848 ou 1917-18. Houve o ano da crise econômica em 1929 e mesmo o ano das contra-revoluções de 1989.

Mas 1968 foi memorável de um modo diferente. Fora o fato de ser o ano em que os primeiros astronautas viram o lado escuro da lua, foi um ano de dramáticas eventos políticos por todo o globo – eventos que abalaram as classes e elites dominantes do mundo até a medula. Movimentos de massas os forçaram a repensar suas estratégias de se manter no poder e deram coragem aos que desafiaram a eles e o modo capitalista de fazer as coisas.

Foi um ano de revolta estudantil contra a guerra, opressão e autoritarismo e contra o sistema dos lucros em países tão distantes como Brasil, Polônia, EUA, Grã-Bretanha, Alemanha, Japão e México. Foi o ano da ofensiva do Tet no Vietnã e das manifestações anti-guerra e anti-imperialistas de massas nos EUA, Grã-Bretanha e outros lugares, que estiveram por trás da mudança de trajetória do presidente democrata norte-americano Lyndon Johnson, a respeito do sangrento envolvimento de seu país no Vietnã.

Em março, Johnson anunciou que ele não se candidataria na eleição presidencial daquele ano. Em agosto, a convenção do Partido Democrata em Chicago foi sitiada por dezenas de milhares de manifestantes que exigiam a retirada imediata de todas as tropas do Vietnã. O prefeito Daley enviou batalhões pesados da policia contra eles, que foram espancados e presos às centenas. Tudo isso foi mostrado pela TV em todo o globo. O grito que subiu dos manifestantes combativos foi: “O mundo inteiro está vendo vocês!”.

Os líderes, os “oito de Chicago”, foram processados. No fim do ano, o candidato republicado, Richard Nixon, foi eleito presidente – o homem que terminaria a guerra no Vietnã, mas não antes de ordenar muitas ofensivas brutais a mais na Ásia, incluindo os assassinos bombardeios encobertos no Camboja. Hoje, depois de cinco anos de envolvimento no Iraque – com astronômicos custos humanos e financeiros, com Abu Ghraib, Guantánamo e “rendição”, o regime de George Bush se afunda cada vez mais no lodaçal da impopularidade em casa e no estrangeiro.

Foi no ano de 1968 que os oficiais Baathistas no Iraque implementaram o golpe que levou Saddam Hussein ao poder. Foi criada uma das mais brutais ditaduras do mundo, e, como tantas outras, esta desfrutou do apoio ocidental por muitos anos. 1968 também viu o juramento como presidente da Indonésia do ditador General Suharto. Com o total apoio dos EUA e do imperialismo mundial, nos dois anos anteriores ele foi o responsável pela carnificina de mais de um milhão de membros e simpatizantes do poderoso Partido Comunista Indonésio.

Na Rodéia – hoje Zimbábue – Ian Smith, o supremacista branco que morreu este ano, lutava para manter sua ditadura de uma minoria sobre a maioria negra oprimida. Na África do Sul, o abominável regime do apartheid de outra minoria branca mimada mantinha dezenas de milhões de trabalhadores e jovens negros escravizados. Contudo, a resistência crescia nacional e internacionalmente.

Em 1968 na China, a brutal “Revolução Cultural” de Mao, na qual milhões foram mortos, caminhava para sérias dificuldades. Ela tinha sido iniciada como uma tentativa de regenerar a economia chinesa – estatal e planificada como era – mas também para expulsar os “capitalistas” dentro da casta dirigente. Como na União Soviética e outros estados stalinistas, a sociedade era dirigida por uma enorme burocracia parasitária que afirmava governar em nome da classe trabalhadora, mas com nenhum elemento de democracia operária e sugando as energias vitais do corpo do qual ela dependia. Mas a “revolução” de Mao a partir da cúpula estava indo longe demais para certas camadas da burocracia. Apenas respirando o oxigênio do controle e gestão operários uma economia estatal poderia ser saudável e plenamente desenvolvida.

Na Europa, rachaduras estavam aparecendo nas ditaduras de direita de Portugal e Grécia, que seriam derrubadas cinco anos depois. Em Lisboa, Marcelo Caetano substituiu, como chefe do regime militar, António de Oliveira Salazar, depois que este se tornou incapacitado devido a um acidente. Em Atenas, a junta dos coronéis gregos zigue-zagueava entre repressão e concessão – libertando o cantor Theodorakis mas mantendo plebiscitos para reforçar o seu domínio.

Direitos civis

1968 na Irlanda do Norte viu as primeiras explosões do movimento dos direitos civis contra o governo Unionista(1). Perseguidos pela intolerante Polícia Real do Ulster(2) e os odiados “B-Specials”(3), a juventude e os trabalhadores das áreas católicas de Derry se levantaram. Os movimentos de massas que se desenvolveram viram importantes exemplos de unidade entre trabalhadores e jovens católicos e protestantes que outros, mesmo na esquerda, escolheram ignorar.

Nos EUA em 1968, a luta pelos direitos dos negros já estava sendo travada há alguns anos. Em 4 de abril, seu líder mais famoso, Martin Luther King Jr., foi assassinado em Memphis, Tennessee. Tendo se movido progressivamente à esquerda, King tinha, naquele dia, falado em um comício de apoio aos lixeiros em greve.

Seis meses depois, nos Jogos Olímpicos no México, os velocistas negros americanos Tommy Smith e John Carlos fizeram sua famosa saudação de punho fechado dos Panteras em cima do pódio, em desafio ao governo dos EUA e em solidariedade com a luta dos trabalhadores e jovens negros da América. Eles foram vistos como heróis por milhões em todo o mundo, mas vilipendiados na imprensa dos EUA por seu “insulto” aos poderes existentes. O rancor da classe dominante refletiu-se na decisão do Comitê Olímpico de bani-los dos Jogos Olímpicos por toda a vida.

Dez dias antes do começo daqueles Jogos, ocorreu um dos mais horríveis eventos daquele ano tumultuoso. Dezenas de milhares de jovens marcharam ao estádio para expressar seu ódio à guerra e à ditadura. Os tanques e armas do regime de Díaz Ordaz, com a ajuda do Pentágono, foram jogados contra eles, massacrando mais de 300. Cenas de corpos de jovens empilhados uns sobre os outros foram transmitidas por todo o mundo e apenas realçaram a raiva dos trabalhadores e jovens internacionalmente – contra os governantes e contra o sistema do capitalismo.

Na Índia, a oposição às políticas do Partido do Congresso forçou Indira Gandhi a simular um giro à esquerda, mas também a adotar o “governo presidencial” para manter o controle em quatro dos estados mais populosos. Movimentos de massas no Paquistão desafiaram o governo dos senhores feudais e dos militares, levando à queda, no ano seguinte, do ditador Ayub Khan.

Por todo o mundo do capitalismo e do latifúndio, no Oriente e Ocidente, revoltas políticas e culturais estavam em pleno florescimento. Foi um ano no qual as lutas das mulheres por pagamento igual e controle sobre suas próprias vidas crescia rapidamente. Um ano, também, em que os movimentos pelos direitos dos gays se afirmavam. Um espírito de desafio e ultraje permeava a sociedade, especialmente os jovens.

Na Grã-Bretanha, o governo Trabalhista de Wilson ficava cada vez mais impopular. Protestos e greves de massas se desenvolviam, inclusive contra sua tentativa de restringir a atividade sindical, que culminou no ano seguinte com o infame projeto “Em lugar do Conflito”, proposto pela ministra do trabalho, Barbara Castle. Este era um governo trabalhista tentando impor uma legislação anti-sindical, o que lançou as bases para os brutais ataques dos governos Tories de Heath e Thatcher. Suas leis permanecem até os dias de hoje em vigor, nunca sendo substituídos pelo Novo Trabalhismo.

Naquela época, o Partido Trabalhista ainda era um partido operário com líderes burgueses. A pressão de baixo forçou Wilson a voltar atrás em várias questões. Era impossivel para ele apoiar fisicamente os EUA no Vietnã com tropas. O Partido Trabalhista Blairista não teve tais constrangimentos em relação ao Iraque. Apenas isso indica o caráter da geração dos anos 60.

As tentativas das classes dominantes e da mídia atual de refutar as idéias do anti-capitalismo e do socialismo irão despertar um interesse renovado. Sua incapacidade de impedir novas crises após o colapso de seu super-esgotado sistema de crédito irá criar as condições para a ascensão de uma nova geração deste calibre.

Stalinismo

Em 1968, dentro do campo stalinista, enormes fissuras estavam se abrindo nas estruturas estatais monolíticas – o legado da contra-revolução política implementada por Josef Stalin no final dos anos 20. Ele e sua camarilha assassina arrancaram o poder das mãos da classe trabalhadora e começaram a proteger seus próprios privilégios. Stalin argumentava que o socialismo poderia ser construído em “um só país”, mas fez todo o possível para impedi-lo de ser construído em qualquer país.

Na Rússia em 1968, dissidentes intelectuais, incluindo Andrei Sakharov, foram postos em julgamento por se oporem ao governo unipartidário. Kosygin estava sendo deixado de lado por Brezhnev como líder da vasta “União das Repúblicas Socialistas Soviéticas”. Estes estados não eram socialistas, mas economias estatais monstruosamente deformadas, onde nenhuma democracia operária ou planejamento democrático eram permitidos. Depois da aniquilação física de toda a oposição na URSS por Stalin, e das mortes de milhões nos expurgos e coletivizações forçadas, burocratas, figuras militares e mercenários auto-suficientes do partido eram os mestres. Os países do Pacto de Varsóvia do Leste Europeu, onde o capitalismo tinha sido eliminado após a Segunda Guerra Mundial, ainda eram mantidos sob o controle de ferro do Kremlin.

Agora em 1968, doze anos após a heróica revolução operária na Hungria ter sido afogada em sangue sob as ordens de Moscou, uma nova revolta contra o domínio do Kremlin se desenvolvia na Tchecoslováquia. Conhecida como “Primavera de Praga” e liderada por um secretário partidário nomeado, Alexander Dubcek, ela foi uma tentativa de reforma a partir de cima para impedir a revolução de baixo. Estudantes e jovens trabalhadores começaram a agir para tomar o controle de seus próprios futuros, mas o movimento não alcançou a mesma profundidade e objetivos políticos que o da Hungria. A idéia do “socialismo com face humana” era um desafio à ditadura burocrática militar, mas para alguns ela significava o inicio de uma mudança do estado planificado na direção das relações de mercado e do capitalismo. Em 20 de agosto, 200.000 soldados do Pacto de Varsóvia e 2.000 tanques interviram para esmagar o “experimento”.

Raivosos protestos contra a invasão foram organizados em vários países, inclusive dentro da Rússia. Para muitos nos partidos “comunistas” de todo o mundo, isso foi a gota d’água. Sua militância declinou dramaticamente. Na Suécia, as eleições realizaram-se logo após a invasão russa da Tchecoslováquia, e os votos no PC caíram em 76.000, de 5.2% para 3%.

1968 e suas conseqüências

Como explica Mês da Revolução, o stalinismo jogou um papel nocivo ao impedir a classe trabalhadora da França de tomar o poder em maio/junho de 1968. Ele foi igualmente culpado durante os eventos na Itália, onde um colossal movimento, menor apenas ao da França, esteve a todo o vapor durante todo o ano de 1968. De fato, as poderosas greves e manifestações de massas, embora não alcançassem uma conclusão política em termos de derrubar o capitalismo italiano, continuaram na década seguinte. Como na França com o PSU (Partido Socialista Unificado), um pequeno partido à esquerda dos “comunistas” – o Partido Socialista Italiano da Unidade Proletária (PSIUP) – cresceu rapidamente à medida que a onda revolucionária varria o país (Nas eleições de maio de 68, ele ganhou aproximadamente um milhão e meio de votos, recebendo 23 assentos no parlamento). Mas não havia nenhuma força capaz de levar as lutas de uma década a uma conclusão socialista. Tragicamente, incapaz de achar um caminho político para estabelecer um governo operário na Itália, o movimento finalmente deu lugar aos “anos de chumbo” – terrorismo e a mortal “estratégia de tensão” da direita.

Levaria mais de duas décadas depois de 1968 antes de o Muro de Berlim cair e as economias stalinistas planificadas implodirem. Os trabalhadores na União Soviética e no Leste Europeu, sem seus próprios partidos independentes capazes de lutar para tomar o controle das mãos dos velhos burocratas, foram seduzidos pela idéia de um retorno às relações capitalistas de mercado. Nos anos que se seguiram, as terríveis conseqüências da rápida privatização e do saque das economias planificadas foram sentidas por milhões de trabalhadores, pensionistas e jovens. Apenas a Rússia viu o colapso de 50% de sua atividade econômica. Alguns diretores de fábrica e especialmente altos funcionários do estado e do partido se converteram ao capitalismo quase da noite para o dia. Usando suas posições para se apoderar da propriedade estatal, eles não tinham aversão de contratar gângsters e pistoleiros para se livrarem de rivais. Hoje, alguns dos mais ricos oligarcas da Rússia estão em altos postos governamentais, outros em exílio voluntário ou na prisão! Enquanto isso, a maioria da população nos antigos estados stalinistas se afunda cada vez mais na pobreza – privada de empregos seguros, lares, pensões, sistema de saúde e educação.

Partidos Operários

Foi o colapso do stalinismo que mudou tão profundamente o mundo em que vivemos comparado com 20 anos atrás. Ele é um lugar ainda mais diferente do que o de 1968. A Guerra Fria, em termos de luta entre dois sistemas de classe antagônicos – um capitalista e outro não-capitalista – não existe mais!

Em muitas partes do mundo, partidos comunistas de massa se tornaram uma coisa do passado. Alguns sobreviveram, mas em um tamanho muito diminuído e com políticas mudadas. A principal exceção é a China, onde o “Partido Comunista” de 70 milhões de membros ainda governa com mão de ferro. Contudo, ele não é o mesmo partido do passado. Possui características de um partido stalinista, mas está sofrendo mudanças. É o partido da elite, que está levando a China para o caminho do capitalismo no momento em que o próprio sistema capitalista internacional está chegando aos seus limites! A crise econômica em desenvolvimento trará severas conseqüências para a China, assim como para o resto do mundo.

Levantes de massas da classe trabalhadora contra o regime chinês, quando a economia desacelerar, são previsíveis nas manifestações e greves diárias que eclodem por todo esse vasto país. Os tanques nas ruas de Lhasa, Tibet, nos fazem lembrar o que pode ser desencadeado contra os trabalhadores e jovens em toda a China quando eles entrarem em ação. Mas uma repetição do banho de sangue na Praça da Paz Celestial, há 19 anos atrás, com as condições modificadas, pode se provar fatal para os governantes de Beijing. Haverá uma profunda confusão ideológica entre os trabalhadores das cidades e do campo, mas uma importante camada irá se voltar para os benefícios perdidos da propriedade estatal e da planificação, e as idéias de uma genuína democracia socialista podem ganhar um amplo apoio.

Nos anos 60, e mesmo nos 70 e começo dos 80, o socialismo era visto entre amplas camadas do movimento sindical, estudantil e operário como a alternativa “natural” ao capitalismo. Haverá muito debate sobre como e se ele pode ser alcançado.

Hoje, aproximadamente todos os partidos que antes eram organizações operárias, pelo menos na base, e considerados como socialistas, foram transfigurados. A maioria de seus líderes são agora totalmente abertos sobre sua adesão ao capitalismo de mercado; alguns limitam suas apostas como protagonistas do capitalismo e usam frases de esquerda para esconder seu abandono do socialismo como objetivo. Estes antigos partidos operários, como o Novo Trabalhismo de Blair ou os Social-Democratas na Alemanha, implementaram as políticas thatcheristas com tanto fervor, se não mais, quanto os partidos tradicionais dos patrões. O primeiro presidente grego “comunista” de Chipre do Sul parece pronto para se unir a eles!

Na França, em 1997, o Partido Comunista e o Partido Socialista tomaram o poder em uma aliança da ‘Gauche Plurielle’. Este governo, sob Lionel Jospin, implementou mais privatizações do que qualquer outro governo de direita anterior ou subseqüente, Gaullista ou neo-Gaullista! Tal foi a desilusão com os “socialistas” que Jospin foi batido no primeiro turno das eleições presidenciais de 2002 pelo líder da extrema-direitista Frente Nacional, Jean-Marie Le Pen.

Estas experiências sem dúvida pesaram nas mentes dos trabalhadores na França até hoje, explicando uma certa falta de entusiasmo em relação às lutas parlamentares e sindicais. Apenas as medidas de extrema austeridade “prometidas” pelo atual governo da União por um Movimento Popular (UMP) sob Nicolás Sarkozy explicam uma recuperação na sorte dos partidos de “esquerda”. Eles podem recuperar algum nível de apoio entre o eleitorado e até crescer em números, como fizeram recentemente, inclusive nas eleições municipais de março de 2008, mas continuam firmemente ligados à idéia de que “não há alternativa” ao capitalismo.

Novas forças

No fim deste livro, escrito em 1988, há uma afirmação de que novas forças para a revolução socialista viriam de dentro dos Partidos Comunista e Socialista. Mas a situação mudou dramaticamente no intervalo de duas décadas. Estes partidos não mais podem ser chamados de operários, embora alguns trabalhadores ainda os vejam como o “mal menor” e votem neles. Alguns irão votar em partidos burgueses liberais, como os Democratas nos EUA, quando não houver partidos operários de massas para votar, mas eles não os vêem como suas organizações. Novos partidos operários de massas devem ser organizados das camadas frescas de trabalhadores e jovens que procuram por uma alternativa. Entre eles estarão os melhores socialistas do futuro.

Na eleição geral de 2002, dois partidos trotskistas consideráveis na França – a Ligue Communiste Révolutionnaire (LCR) e a Lutte Ouvrière (LO) – ganharam entre eles aproximadamente três milhões de votos, mais de 10% do eleitorado. Isso mostrou o potencial para uma nova força que defendesse a causa do socialismo. Houve e há diferenças de abordagem, análise e programa entre estes dois partidos e entre eles e a Gauche Révolutionnaire (GR) – a seção do Comitê por uma Internacional Operária (CIO) na França. Mas a GR defendeu consistentemente que estes partidos podiam e deviam concordar em fazer um chamado conjunto para lançar um novo partido operário de massas imediatamente.

Tal nova formação, com direito a diferentes pontos de vista e diferentes tendências, é claro, mas se baseando nas lutas da classe trabalhadora francesa, poderia ter decolado rapidamente. Mas a LO quis ficar sozinha e a LCR apenas tardiamente encampou a idéia de construir uma força ou movimento anti-capitalista. Mesmo então, ela abandonou a idéia de manter um núcleo revolucionário dentro do novo partido.

O candidato da LCR na eleição presidencial de 2007, Olivier Besançenot, atingiu substanciais um milhão e meio de votos – 300.000 a mais sobre 2002 e 4% do total – e atraiu um grande apoio entre trabalhadores e jovens. Em algumas áreas, nas eleições locais de março deste ano, a LCR chegou a ganhar 10% a 17%.

A seção do CIO na França está participando entusiasticamente deste projeto de construir um novo partido operário de massas, apoiando-se nas experiências em outros países, como na Itália, Brasil, Grã-Bretanha e Alemanha. Sua abordagem está delineada no material no web-site da Gauche Révolutionnaire (www.gr-socialisme.org) e do CIO (www.socialistworld.net).

Batalhas passadas e presentes

A ausência de tal partido, e a pusilanimidade dos líderes sindicais, está por trás da aparente reticência da tradicionalmente combativa classe trabalhadora francesa nos anos recentes. Os ataques neoliberais têm sido severos, mas tem havido notáveis vitórias e semi-vitórias da juventude e de setores dos trabalhadores. O voto no “Não” no referendo de 2005 sobre a constituição da UE foi um golpe que levou à renúncia do Primeiro Ministro Raffarin. As manifestações e greves da juventude em 2006 forçaram o governo a retirar a legislação que atacava seu direito ao emprego. Greves e greves gerais sobre as pensões e outras questões impediram mais ataques sérios. Mas as cúpulas das federações sindicais constantemente declaram tréguas com o governo e os patrões antes mesmo das principais batalhas começarem.

Em 1968, os trabalhadores colocaram sua confiança nos líderes sindicais, especialmente na CGT (Confederação Geral do Trabalho), liderado pelo PC, para lutar e ganhar. Quando eles traíram esta confiança e usaram o acordo da Rue de Grenelle com os patrões e o governo para desmobilizar a luta revolucionária, muitos trabalhadores sentiram que lições importantes ainda tinham que ser aprendidas. Mais trabalhadores uniram-se às federações sindicais e aos partidos de esquerda.

Depois que o Partido Socialista sob François Mitterand chegou ao poder em 1981, inicialmente houveram importantes reformas, incluindo a nacionalização de grandes setores da economia, enquanto se permanecia dentro dos limites do capitalismo. A pressão das forças internacionais do mercado apenas poderiam ser superadas agindo-se para converter todas as principais companhias em propriedade pública e espalhando a idéia de uma genuína democracia socialista.

Ao invés disso, os recuos e as contra-reformas de Mitterand levaram à desilusão e ao retorno da Direita na eleição geral de 1986. Um período de “co-habitação” com Mitterand como presidente e Jacques Chirac como primeiro ministro prolongou o impasse político e econômico.

Então, em 1995, vieram as eleições de Chirac como presidente e a Direita formou um governo sob Alain Juppé. Começou uma brutal rodada de ataques sociais. Em novembro daquele ano, os trabalhadores do setor público, acompanhados por trabalhadores de uma parte do setor privado, entraram em um confronto de greve geral que terminou com a pareceria Chirac-Juppé.

A atitude expressada nas poderosas manifestações de rua daquele inverno foi: “Eles dizem que a classe trabalhadora não existe mais; bem, estamos aqui e estamos lutando!” Mas aqueles mesmos trabalhadores tinham pouca confiança de que houvesse qualquer força de esquerda efetiva com a qual se pudesse substituir a Direita.

Hoje, também, há uma falta de confiança de que, mesmo se os trabalhadores possam derrotar o governo Sarkozy, há uma alternativa anticapitalista verdadeiramente viável. Apesar disso, a derrota da Direita nas recentes eleições locais mostra que a classe trabalhadora francesa está ansiosa em puni-la por tentar impor suas chamadas reformas, que têm o objetivo de cortar dramaticamente sua parcela na riqueza e recursos do país.

A raiva está fervendo lentamente no subterrâneo na França mais uma vez. Como em outros lugares no mundo, existe uma profunda inquietação e descontentamento sobre o rumo que a sociedade está tomando, sobre a sobrevivência do planeta e sobre os vastos abismos entre os muito ricos e os pobres. As tensões estão crescendo. O medo agora se apodera de grandes setores da sociedade – trabalhadores e as camadas mais pobres da classe média – como resultado da incerteza e insegurança com a habitação e empregos, assim como o futuro dos serviços públicos.

Relevância de ‘68’no mundo de hoje

Estamos vivendo em um mundo profundamente perturbado, de cujas entranhas eventos cataclísmicos podem estourar como um vulcão. Mas os “eventos de maio” na França ainda mantêm tanta relevância para nós, quarenta anos depois? Porque as novas gerações – os filhos dos filhos da “geração de 68” – devem se familiarizar com o que se passou em 1968 se o mundo de hoje é tão diferente? Que orientação para as futuras lutas um exame do que aconteceu há 40 anos atrás pode dar às novas gerações de trabalhadores e jovens, à medida que eles enfrentam uma enorme recessão econômica mundial?

O capitalismo, um meio de organizar as coisas supostamente sem rivais, está se provando catastroficamente incapaz de resolver os maiores flagelos do século 21 – pobreza em massa, guerra, falta de habitação, fome, conflitos civis, tortura, exploração, degradação ambiental e aquecimento global. Mesmo comentaristas capitalistas reconhecem o que os marxistas já têm dito há algum tempo. Jeremy Warner, do jornal Independent na Grã-Bretanha, por exemplo, admitiu: “Estou tirando o pó da minha cópia do Das Kapital, abandonada desde os meus dias de estudante… depois de décadas no limbo, é possível que algumas das idéias centrais de Karl Marx possam desfrutar de alguma renovação”.

O mundo já está caindo em uma crise econômica que pode ser ainda maior do que a de 1929. Nos anos que se seguiram à quebra de Wall Street, uma enorme área do mundo – a URSS – estava imune das crises do sistema capitalista. Hoje, será que não há mais esperanças de construir uma alternativa – baseada nas idéias socialistas de cooperação harmoniosa entre os indivíduos e os povos? Pelo contrário, a convicção de que outro mundo – um mundo socialista – é possível, tem sua validade hoje, mais do que nunca. Como argumentava Lenin, muito antes da derrubada do czarismo, do latifúndio e do capitalismo em seu país: sem uma visão do que é necessário você nem mesmo irá começar o caminho de mudar a sociedade.

O que a vitoriosa Revolução Russa começou a demonstrar, em um país econômica e socialmente subdesenvolvido, em 1917, a revolução quase vitoriosa na França, em um país capitalista avançado, demonstrou meio século depois: os trabalhadores podem fazer a história e podem, com o programa e a direção corretos, se engajar na tarefa de construir uma sociedade socialista. É por isso que a mídia capitalista em seu aniversário está tentando abafar a verdadeira história em uma onda imprópria de reminiscências distorcidas.

Muita publicidade está sendo dada à juventude de 60, que partiu para conseguir o impossível: “Sejamos realistas, peçamos o impossível”, era um dos famosos slogans dos estudantes em revolta contra a sociedade capitalista auto-satisfeita, contra o consumismo, a opressão colonial e a exploração de todos os tipos. Mas a maioria dos relatos dá apenas um quadro unilateral daqueles eventos na França, omitindo o papel titânico jogado pela classe trabalhadora francesa, cuja massiva greve geral revolucionária foi decisiva para levar o capitalismo francês a ficar face a face com a perspectiva de extinção!

Na URSS, os eventos de maio de 68 também foram retratados como meros “motins estudantis”. A casta parasitária privilegiada à frente da sociedade na União Soviética tinha um medo mortal de que notícias de trabalhadores lutando pelo poder na França pudessem “infectar” seus irmãos e irmãs na União Soviética, trazendo histórias de revolução e o desejo de remover o peso morto da burocracia de suas costas. Até Fidel Castro, um chefe de estado popular visto como socialista, se sentiu desafiado pela idéia de que trabalhadores e jovens pudessem tomar e governar a sociedade. Uma democracia operária verdadeira não existia em Cuba. No recente livro sobre Castro, Minha Vida, as recordações sobre a França de 1968 não ocupam mais do que quatro linhas. Castro fala de De Gaulle sendo ameaçado, mas não faz nenhuma menção da poderosa greve geral que paralisou a França capitalista.

Lições da grevegeral revolucionária

Então, para os socialistas, qual é o verdadeiro legado dos eventos na França em 1968? Para nós, ele foi e continua a ser a maior greve geral da história – não apenas em termos de sua escala e extensão. Foram outros “Dez dias [ou um mês] que abalaram o mundo”. Ela desafiou um dos principais países imperialistas no coração da Europa. A maior lição de todas foi que ela trouxe a perspectiva de que é possível se livrar do capitalismo e seus representantes políticos em uma economia e sociedade desenvolvidas. Quando a poderosa força da classe trabalhadora entra em cena na história, pouco pode ficar em seu caminho se ela tem uma direção firme. Os exércitos e tribunais da classe dominante podem ser reduzidos a pó.

Como argumenta o CIO, e este livro empenha-se em provar, tudo o que é preciso para uma revolução vitoriosa é uma direção perspicaz de um partido que tenha a confiança da classe trabalhadora. O papel de tal direção é indicar a tempo o que é preciso para acabar com o domínio capitalista, como ligar os comitês representativos dos trabalhadores, arrastar as forças armadas para o lado da revolução, ou pelo menos neutraliza-las, criar um governo de trabalhadores e jovens diretamente eleitos para levar as coisas a uma conclusão e apelar aos trabalhadores internacionalmente para seguir o seu exemplo.

Na época destes grandes eventos, o Partido Comunista da França era a principal força política na qual os trabalhadores punham sua confiança. Havia várias outras organizações com idéias revolucionárias. Havia os trotskistas, e também os anarquistas, baseados principalmente entre estudantes e intelectuais radicais. Poucos deles tinham qualquer confiança na capacidade da classe trabalhadora de transformar a sociedade (Muitos, subseqüentemente, abandonaram a política revolucionária e acabaram no campo capitalista!).

Os fundadores do atual Comitê por uma Internacional Operária, baseados na Grã-Bretanha, tinham apenas um punhado de correligionários em poucos países na época, e nenhum na França. Apesar disso, eles previram que um confronto fundamental entre as classes competidoras na Europa estava em preparação. Em uma reunião em Londres, em março de 1968, eles contestaram a perspectiva dos líderes do Secretariado Unificado da Quarta Internacional (SUQI), a organização internacional a qual o antecessor da Ligue Communiste Révolutionnaire (LCR) pertencia. Estes líderes erroneamente colocavam todas as suas esperanças para a revolução nos movimentos coloniais, em sua maioria liderados pelo campesinato, contra o imperialismo e nos estudantes dos países metropolitanos. A classe trabalhadora da Europa, eles diziam, estava passiva e não iria se mover!

Semanas depois que estas palavras foram proferidas, os poderosos trabalhadores franceses entraram em cena aos milhões. Inicialmente levados a agirem em resposta às ações de um estado brutal e arrogante, ao longo da lua eles arrastaram atrás de si amplas camadas da classe média em revolta. Até os membros das forças armadas recusaram-se a serem usados contra o movimento. Um dos mais poderosos governos da Europa do pós-guerra esteve à beira de ser derrubado!

Trabalhadores de outros países mostraram solidariedade na prática e, mesmo sem qualquer abordagem consciente dos trabalhadores franceses, começaram a pensar em seguir o exemplo da nova revolução francesa dos trabalhadores. As repercussões internacionais de uma vitória não podem ser exageradas; o quanto os trabalhadores e estudantes franceses chegaram perto da vitória é algo que vale a pena ser reiterado para preparar as novas gerações de socialistas para o que está por vir.

É papel dos líderes revolucionários examinar as lutas passadas, como fazem os generais dos exércitos. Como os eventos de maio de 68 aconteceram e como um movimento tão poderoso foi derrotado é descrito nas páginas deste livro. Nicolás Sarkozy jurou apagar o espírito de 1968 que ainda assombra a classe dominante francesa. Seu objetivo declarado era acabar com todos os “privilégios” – os ganhos obtidos através da luta – da classe trabalhadora francesa. Esta meta, ditada pelos capitalistas e banqueiros da França, contrasta desfavoravelmente com seu próprio estilo de vida pródigo, tirando férias em iates de luxo e não poupando despesas para agradar sua nova esposa italiana. A abordagem arrogante de Sarkozy e suas planejadas medidas draconianas contra a classe trabalhadora correm o risco de provocar um novo 1968! Agora, depois de quase um ano no poder, a prometida “ruptura” com o passado ainda não se realizou.

A força dos trabalhadores,a fraqueza de Sarkozy

Apenas isso é testemunho do temível poder da classe trabalhadora francesa – não apenas para resistir, mas para ir para a ofensiva contra os patrões e seu sistema. Mesmo depois de perder nas principais cidades para o Partido Socialista nas eleições locais, o primeiro-ministro de Sarkozy, François Fillon, insiste que o programa de austeridade deve ser implementado (do mesmo modo que na Itália, o ministro das finanças de Berlusconi, Renato Brunetta, prometera administrar uma “terapia de choque” para a classe trabalhadora italiana).

O próprio Sarkozy já se tornou um risco para seu partido. Sua avaliação pessoal caiu para 35% no inicio de março deste ano e os marqueteiros eleitorais de seu próprio partido – a UMP – pediram-lhe que ficasse longe de suas áreas! No papel, Sarkozy tem uma ampla faixa de poderes plenipotenciários, que foram outorgados à presidência desde os dias de De Gaulle e da revolução argelina.

O presidente de hoje, contudo, é potencialmente tão impotente ante o poder da classe trabalhadora quanto o veterano general em 1968. O material explosivo para a conflagração de “maio de 68” foi abastecido não apenas por causa das condições cada vez mais intoleráveis nas fábricas e cortiços da França. Um importante fator que contribuiu foi a absoluta arrogância de um presidente – de Gaulle – que não escutava as preocupações de seu povo. Quando os estudantes começaram a expressar nas ruas sua raiva com seu autoritarismo e métodos policiais, de Gaulle chamou-os de Chi-en-lit (‘Bagunça na mesa’).

Em 2005, quando Nicolás Sarkozy era ministro do interior, os jovens dos banlieus deteriorados protestaram contra o estado arrogante e negligente. Ele se referiu a eles como “ralé” ou “gentalha” (racaille). Em 1968 a resposta dos manifestantes a seu presidente foi Le chi-en-lit c’est lui! (‘A bagunça na mesa é ele!’) Não demorou para que de Gaulle estivesse sendo gentilmente ridicularizado como “o grande aspargo”! A juventude nos banlieus mostrou como se sentia com seu insolente e saciado presidente, Sarkozy, e a classe que ele representa. Renovadas explosões de violência contra bancos e companhias multinacionais que operavam em suas áreas foram as respostas às “medidas de emergência” (mais polícia nas ruas) do governo Sarkozy.

O Partido “Socialista” na França e seus líderes oferecem “mais do mesmo” sobre questões de lei e ordem. Depois da última eleição geral, eles se moveram ainda mais para a direita, com a candidata presidencial, Ségolène Royale, opondo-se abertamente à manutenção das 35 horas semanais. Isso não descarta a adoção de frases demagogicamente radicais, embora isso não esteja em evidência no momento atual.

Os partidos da esquerda radical e os sindicatos na França devem acham um meio de canalizar a raiva na sociedade em um movimento organizado contra o sistema. Se eles falharem nisso, pode haver um grande crescimento nos choques entre a juventude imigrante despossuída e os grupos racistas e a policia. No movimento de 1968, as diferenças de raça, sexo e idade foram submersas na luta unificada para acabar com o velho regime.

Os sindicatos hoje

Quarenta anos atrás, o primeiro-ministro de De Gaulle, Georges Pompidou, argumentou por controle, moderação e negociação. Ao contrário, o primeiro-ministro de Sarkozy, François Fillon, é um dos mais ansiosos em implementar todo o programa neoliberal de “reformas” exigido pelos grandes capitalistas. Os direitos de pensão, sindicais, educação e de serviço de saúde estão todos na linha de fogo. As taxas em crescimento para a economia francesa, a segunda maior da Eurozona, já foram revistas para abaixo de 1.6% e o Fundo Monetário Internacional prevê que a capacidade da França de equilibrar seu orçamento será atrasada até 2012, no mínimo. E isso foi antes da recessão mundial chegar!

No ano passado, parecia que o governo Sarkozy tinha ganhado a primeira rodada de ataques às pensões e à idade de aposentadoria para uma grande parte do setor público, incluindo os ferroviários – os heróis da grande greve geral de novembro de 1995. E isso foi com uma proporção maior de ferroviários envolvidos de fato nas greves em 2007 do que nos 12 anos anteriores – 73.5% contra 67%.

Agora, após as batalhas individuais a respeito das pensões já travadas – no setor privado em 1993 e a maioria do setor de serviços em 2003 – todos os trabalhadores franceses estão mais ou menos nas mesmas condições de aposentadoria e pensões. Isso significa que se este governo atacar ainda mais sobre esta questão – o que, do ponto de vista dos grandes negócios, é preciso fazer urgentemente – todos os trabalhadores serão afetados juntos e irão lutar em um muro de resistência unificado!

A direção geralmente complacente do maior sindicato da França – a CGT – já foi forçada a chamar grandes manifestações contras as políticas de Sarkozy. Sob a pressão de baixo, novas greves e greves gerais irão quase certamente se desenvolver.

Mês da Revolução discute os diferentes tipos de greve geral que podem surgir. Algumas podem ganhar reformas parciais, algumas desafiar e enfraquecer governos, algumas serem derrotadas e levar a um período de reflexão. Uma greve geral revolucionária que se constrói como uma maré cheia, como a de maio de 68, coloca totalmente a questão de quem governa a sociedade.

Embora existam certas similaridades entre a França de hoje e a de quarenta anos atrás, importantes diferenças mostram que os eventos podem não se desdobrar da mesma maneira… ainda! Mas todos os indicativos são de que existe um terreno fértil para o rápido crescimento de um partido da classe trabalhadora que pode ganhar um apoio e militância de massas. Tal partido deve se engajar nas lutas imediatas da classe trabalhadora francesa, expondo habilidosamente o papel dos líderes sindicais e a necessidade de construir sindicatos e organizações de base democráticas e combativas.

Em maio/junho de 1968, o único chamado “oficial” por ação sindical contra de Gaulle foi de um dia de greve geral em 13 de maio. Trinta e cinco anos depois, em 2003, as principais federações sindicais na França chamaram outra greve geral em 13 de maio, desta vez contra os ataques às pensões do governo Raffarin. Quase dois milhões sairam às ruas em 115 diferentes manifestações por todo o país. Imediatamente depois, líderes da maior federação sindical, a CFDT (Confederação Francesa Democrática do Trabalho), assinaram um acordo com o governo de direita, embora numerosos setores de estudantes e trabalhadores fizessem mais ações de massa naquele ano. Apenas a covardia das cúpulas sindicais ajudou a classe dominante da França, mais uma vez, a sair de uma enrascada. Isso permitiu que algumas severas “reformas” (ataques) fossem realizadas.

Um espectro assombraos patrões

Apesar disso, quando qualquer luta generalizada começa na França, o espectro da revolução quase vitoriosa de 68 vem à cabeça! Vários grandes conflitos entre as classes principais na França ocorreram desde 1968 – algumas no campo eleitoral, algumas entre estudantes e jovens e algumas no “tradicional” campo de batalha das fábricas e locais de trabalho em greves e greves gerais. Nenhuma alcançou a escala de terremoto da greve geral de 1968.

As greves do período recente foram na maioria relativamente pequenas e isoladas. Em fevereiro deste ano, todavia, o Guardian britânico relatou: “O governo francês está trabalhando para conter uma onda de greves de fábricas no setor privado, não conhecidos normalmente por irem às barricadas, incluindo fabricantes de sorvete, pessoal de supermercados, cabeleireiros e empregados da L’Oréal. O pessoal das fábricas está tomando medidas cada vez mais linha-duras, com alguns mantendo seus gerentes reféns por alguns dias por causa dos fechamentos de plantas e cortes de empregos…

“A ação sindical visada tem se intensificado à medida que os trabalhadores, incluindo cabeleireiros, motoristas de táxi e gráficos têm cruzado os braços por questões como as práticas de trabalho, os baixos salários e a falta de “poder de gasto” que Sarkozy prometeu estimular”.

Isso pode parecer pequeno em comparação com os dez milhões ocupando suas fábricas e desafiando o regime Gaullista quarenta anos atrás. Não obstante, foi precisamente este tipo de lutas espontâneas e amargas que constituíram os primeiros sinais de alerta de um conflito maior em preparo. Durante os “eventos”, muitos patrões foram trancados em seu escritório pelos trabalhadores.

À medida que a recessão bater, pode levar tempo antes que a classe trabalhadora francesa embarque mais uma vez no caminho da revolução. Mas a revolução não é só um evento; ela é um processo. Já há ecos de 68 e tremores sísmicos em muitos países do mundo. Na Malásia, por exemplo, os resultados da recente eleição mostraram um tsunami político mudando a paisagem política daquele importante país da Ásia. E isso antes da grande recessão na economia mundial atingir realmente aquele continente.

Na França, como em muitos outros países, pode haver uma súbita aparição de uma luta de classe séria. A fagulha está pronta! O artigo do Guardian refere-se ao doente cinturão norte-leste da França e à desindustrialização que destruiu meio milhão de empregos desde 2001. Aponta para um massivo aumento, entre 2001 e 2006, na proporção dos salários usados para pagar as necessidades básicas de alimentação e contas – de 50% para 75%! Também aponta para o medo dos patrões franceses de uma ação dos trabalhadores antes da recessão atingir.

Os trabalhadores de cosméticos que tomaram as ruas por mais pagamentos, quando os bons resultados das vendas foram publicados por sua companhia, empunhavam cartazes declarando: “Porque nós valemos isso!”. Uma firma de logística ofereceu €1,000 para seu pessoal não entrar em greve. Mas as greves e bloqueios continuaram – em áreas “tradicionais” como a Fords, Michelin e os portos, e em áreas menos “tradicionais” como entre fabricantes de esquis, taxistas e instrutores de direção. Fotógrafos ameaçaram parar de tirar fotos de passaporte e bloquear as cabines automáticas por causa dos planos do governo de emitir fotos gratuitas para passaportes biométricos! O espírito de 68 vive!

Mesmo antes de a recessão golpear o mundo, a maré está inundando a Europa – com uma onda de greves ofensivas na Alemanha, manifestações de massa em Portugal e greves gerais na Grécia. A Espanha está à beira de uma crise econômica e a Itália pode ser forçada a se retirar da Eurozona. Os trabalhadores destes países mostrarão mais uma vez sua capacidade de luta. Eventos convulsivos irão ocorrer em todo o mundo.

Os eventos na França, e em outros lugares, quarenta anos atrás, ocorreram enquanto o boom do pós-guerra ainda continuava. Um rápido colapso na economia não leva automaticamente à revolução; inicialmente, pode atordoar a classe trabalhadora na frente industrial. Também pode radicalizar enormemente os trabalhadores e jovens. Isso pode preparar o caminho para ondas revolucionárias que, como em 1968, transcendem fronteiras.

Quando se abrir um novo capítulo na história da classe trabalhadora, as falsas afirmações do pós-modernismo e de outros “filósofos”, que pretendem desacreditar as idéias do socialismo como “fora de moda”, irão ser jogadas na lata de lixo a qual pertencem.

A composição da classe trabalhadora pode mudar e mudou. A classe trabalhadora industrial da França e outros países, embora ainda substancial, não tem o mesmo peso em números que no passado. Mas as novas camadas de professores e servidores públicos sentem a necessidade de se organizar para defender seus empregos e condições. Eles irão prontamente tomar o seu lugar ao lado dos “tradicionais” operários fabris, cujo peso na sociedade e capacidade para agir serão vistos ainda jogando o papel chave na transformação da sociedade. A “centralidade” da classe trabalhadora, demonstrada nos eventos de maio de 68, provará ser um ingrediente vital de uma vitoriosa revolução socialista em um país industrial avançado.

A disponibilidade de uma direção revolucionária à frente de um partido operário de massas é crucial. Uma vez estabelecido, um governo operário em qualquer país do mundo irá agir como um farol para os trabalhadores em outros lugares. A hora agora é de estudar os eventos do passado, para se preparar plenamente para os eventos do futuro.

Clare Doyle, março de 2008

 

1 Que defende a “União” com a coroa britânica, contra a união com a República da Irlanda.

2 Ulster = Irlanda no Norte, a RUC foi um corpo policial que atuou entre 1922-2001.

3 Tropas paramilitares usadas contra a população católica.