Alemanha Oriental, 1953

Este artigo foi escrito em 2003. Há mais de cinqüenta anos um milhão de trabalhadores da Alemanha Oriental insurgiu-se contra a ditadura stalinista no seu país. ROGER SHRIVES revê a forma como a classe trabalhadora alemã tentou uma revolução política.

Quando os trabalhadores se ergueram contra o Stalinismo

A 15 de Junho de 1953, cerca de 60 trabalhadores de construção civil do local de construção do hospital de Friedrichshaim pararam o trabalho para elaborarem uma carta de protesto contra um aumento de 10% nas normas de trabalho impostas pelo governo stalinista da Alemanha Oriental.

Se não conseguissem alcançar essas normas os trabalhadores estavam ameaçados com um corte de 1/3 do salário. Por isso começaram uma revolta que se tornou uma insurreição.

Mesmo parar o trabalho era potencialmente perigoso. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial a Alemanha fora dividida em dois Estados antagonistas. Na área do Leste, as armas e tanques da Rússia stalinista estabeleceram um regime fantoche segundo o modelo da Rússia de 1945 e de outros estados do Leste Europeu.

A Alemanha Oriental tinha uma economia nacionalizada e um sistema de planejamento da produção, o essencial de uma economia socialista. Mas a semelhança acabava aqui. Uma economia genuinamente socialista requer uma democracia dos trabalhadores que controle e faça a gestão do planejamento da produção da mesma forma que um organismo humano saudável requer oxigênio para funcionar.

Mas na Alemanha Oriental, assim como no resto do Bloco do Leste, uma pequena burocracia, afastada da classe trabalhadora, arbitrária nas suas decisões e ditatorial em todos os aspectos, executava o seu plano para manter os seus próprios privilégios.

Esta contradição entre um forma socialista de propriedade e uma elite política burocrática iria, dentro de 40 anos, conduzir à estagnação e ao colapso do stalinismo.

Revolução política

O ÓDIO a esses burocratas levou os trabalhadores que construíam uma esquadra da polícia próxima ao local de construção do hospital Friedrichshaim, e aos trabalhadores do local de construção de Stalinallee a segurem seu exemplo. Na manhã seguinte os trabalhadores de Friedrichshaim e Stalinallee percorriam outros locais de construção da cidade chamando outros trabalhadores.

Rapidamente os manifestantes chegaram a 10.000. Os seus líderes levavam uma faixa pintada a mão dizendo “Abaixo o aumento de 10% das normas!”. Trabalhadores das fábricas, empregados de escritórios, mesmo funcionários dos escalões mais baixos da burocracia juntaram-se aos manifestantes gritando em coro: “Somos trabalhadores, não somos escravos! Fim à normas exorbitantes! Queremos eleições livres, não somos escravos!”

As pessoas gritavam o seu apoio aos manifestantes das janelas das casas e escritórios. Surgiu a palavra de ordem “Ao governo, à rua Leipsiger!”

A manifestação tomou uma forma política. O ditador da União Soviética, Josef Stalin, tinha morrido há apenas três meses. A sua morte foi o sinal para parte da revolta latente contra as burocracias do leste europeu vir à superfície.

Esse mesmo mês, um pouco antes, as tropas tinham sido enviadas para dispersar uma manifestação em Pilsen, na Tchecoslováquia. Agora, menos de uma semana depois, uma revolta operária estava a desenvolver-se na Berlim Oriental.

O Secretário do Partido Comunista (SED) em Berlim, Heinz Brant, explicava: “Os trabalhadores da construção civil lançaram uma fagulha para as massas. A fagulha irrompeu em chamas. Esse era o sonho de Lênin tornado em realidade, só que agora esta ação de massas era diretamente contra um regime totalitário em nome de Lênin”.
Na realidade, o regime era uma distorção das idéias de Lênin.

Os trabalhadores exigiram conversações com os dirigentes do governo, Pieck e Grotewohl. Um trabalhador apelou à greve geral se o governo não aparecesse em meia hora. Não apareceu e os trabalhadores saíram em manifestação para alargar a greve.

Carros de som do governo foram enviados para apelar aos trabalhadores que voltassem ao trabalho, mas a multidão ocupou-os, usando-os para chamar à greve geral em Berlim no dia seguinte.

Em 17 de junho a greve tinha-se espalhado pela maioria das cidades industriais da Alemanha Oriental, envolvendo 300.000 trabalhadores. Realizaram-se plenárias em fábricas de Berlim, levando a detalhadas discussões sobre os crimes do regime do SED. Foram eleitos comitês de trabalhadores e apelos a novas manifestações.

Em Merseburg, 10,000 trabalhadores, cantando canções revolucionárias, marcharam pela cidade onde se encontraram com outros milhares de trabalhadores. Ocuparam a esquadra da polícia, destruíram as sedes do SED e invadiram as prisões para libertar os prisioneiros.

Em Halle, 8.000 trabalhadores ferroviários tomaram de assalto a sede central do SED, as instalações da Câmara Municipal e as prisões. Em Leipzig ocuparam a sede da Juventude e destruíram todos os retratos menos os de Karl Marx. Em Brandenburg os chamados “juízes do povo” e “promotores de justiça” foram espancados.

Contra-Revolução

OS GOVERNANTES DA Alemanha Oriental tinham perdido o controle, mas os tanques e tropas russos – que tinham colocado o SED no poder – entraram em Berlim. Foi proclamada a lei marcial.

Apesar do enorme heroísmo dos trabalhadores, a insurreição foi esmagada. O SED fez concessões econômicas temporárias, mas estas apenas duraram o tempo da crise revolucionária. Seis dos dirigentes da insurreição foram executados, quatro foram condenados a prisão perpétua e mais 1.300 foram levados ao tribunal. Estima-se que 260 foram mortos por balas russas.

Inevitavelmente a burocracia stalinista classificou esta insurreição de “contra-revolucionária” – na realidade, os trabalhadores nunca exigiram privatizações da indústria ou o retorno ao capitalismo. O fato dos dirigentes do SED desencadearem um expurgo contra os seus próprios militantes – 71% dos secretários locais do Partido foram despedidos por apoiarem os trabalhadores – confirma isso. Um terço dos que dirigiram a insurreição tinham sido membros do Partido Comunista antes da guerra. A “contra-revolução” foi levada a cabo pelos stalinistas!

A insurreição mostrou o instinto dos trabalhadores na luta pela democracia dos trabalhadores – o seu exemplo foi seguido nos anos seguintes pelos trabalhadores na Hungria, na Tchecoslováquia, na Polônia e foi uma inspiração para os trabalhadores da Alemanha Oriental em 1989 quando a ditadura stalinista colapsou.

Desde o colapso do stalinismo, e a conseqüente restauração capitalista, a Rússia e o leste europeu foram arruinados, apesar da Alemanha Oriental ter sofrido menos com esse processo. Agora, a reivindicação da revolução social será novamente ouvida e o exemplo de 1953 na Alemanha Oriental continuará a ser uma inspiração.

Churchill apoiou a repressão

“Se a Grã Bretanha – a sua excentricidade, o seu grande coração, a sua força de caráter – pode ser resumida numa pessoa, essa pessoa terá de ser Winston Churchill” Assim disse a trabalhista Mo Mowlam defendendo Churchill na sondagem da BBC sobre a mais importante personagem britânica. Talvez a sua excentricidade explique porque é que Churchill apoiou o esmagamento da insurreição de 1953 pelos sucessores imediatos de Stalin.

Por que Chruchill apoiou o regime stalinista contra os trabalhadores? Afinal de contas, ele era um inveterado guerreio de classe, um campeão do capitalismo contra o “comunismo”. Nos anos 20 via os dirigentes fascistas com admiração, descrevendo Mussolini como “dando o necessário antídoto ao veneno russo” e “proteção contra o crescimento do Bolchevismo”. Mais tarde, foi o arqui-apoiador da Guerra Fria – inventando o termo “cortina de ferro”.

Parte da razão foi que Churchill, um político imperialista, estava preocupado com a força da Alemanha, que durante anos rivalizou com a Grã- Bretanha pelo domínio da Europa. A Segunda Guerra Mundial extirpou muito desse poder da Alemanha, mas em 1953, o rearmamento da Alemanha estava na ordem do dia, como uma fortaleza da Guerra Fria contra a União Soviética. Churchill preferiu uma Alemanha dividida.

Contudo, é também possível que Churchill percebesse que os stalinistas estavam defendendo o status quo contra a força de uma potencial classe trabalhadora revolucionária e que visse que uma vitória dos trabalhadores num chamado estado dos trabalhadores viesse a ter impacto no Ocidente capitalista tal como no Leste stalinista. 

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