A Greve Geral hoje

Este artigo foi escrito em junho de 2003. A ofensiva neoliberal dos capitalistas europeus provocou uma resposta determinada da classe trabalhadora, incluindo a reemergência da arma da Greve Geral – com tudo o que ela significa para questão: quem governa a sociedade? Com a consciência que existe neste momento, contudo, a questão não pode se respondida da mesma forma que no passado, defende Peter Taaffe. CIO on-line

A OFENSIVA IDEOLÓGICA MUNDIAL CAPITALISTA dos anos 90, na seqüência do colapso do stalinismo no leste europeu e na União Soviética, significou que por mais de uma década o movimento dos trabalhadores esteve na defensiva.

No início dos anos 90 houve uma significativa resistência dos trabalhadores à agenda neoliberal dos capitalistas, particularmente aos ataques ao setor público: o levante dos mineiros em 1992, na Grã-Bretanha; as greves do setor público na Bélgica; e a greve do setor púbico anti-Juppé em 1995, que esteve na base da queda do governo de direita na França. Da mesma forma, em 1994, a greve de quatro horas dos trabalhadores italianos levou ao colapso do primeiro governo de Berlusconi. Ações deste tipo, contudo, diminuíram nos últimos anos da década de 90. Uma das principais razões para isso foram as algemas impostas ao movimento dos trabalhadores pelos dirigentes de direita dos sindicatos e seus partidos correspondentes – Blair na Grã-Bretanha, Jospin na França, Schröder na Alemanha – os dirigentes dos antigos partidos de trabalhadores na Europa.

Apesar dos avisos iniciais, a agenda neoliberal – privatizações, “flexibilidade”, redução de pessoal, etc. – foi brutalmente levada a cabo pelos patrões durante o período de boom (crescimento) econômico dos anos 90. Uma obstinada resistência impediu os capitalistas em vários países da Europa de levarem a cabo integralmente o seu programa. Agora, contudo, sob o impacto de uma séria recessão econômica, a necessidade de restaurar os lucros em declínio e a feroz competição que agora enfrentam dos EUA, Japão China, etc., a destruição das condições de vida dos trabalhadores nos anos 90 deu lugar a uma ofensiva muito mais séria por parte dos capitalistas europeus. Esta ofensiva, por sua vez, provocou fúria nas fileiras da classe trabalhadora. Dos países mais pobres da Europa – Grécia e Portugal – aos motores da “velha Europa”- a França e a Alemanha – bem como nos países “intermediários” como a Espanha e a Itália, a reação é o protesto, sair ás ruas e entrar em greve. Como parar o ataque neoliberal? A conclusão que muitos tiraram é que apenas uma ação decisiva pode fazer descarrilar o perigo. Isto coloca perante a classe trabalhadora a questão das greves, e das greves gerais em particular, que estão agora firmemente na agenda do movimento dos trabalhadores.

Em vários países, os trabalhadores, sob o chicote da reação já demonstraram a sua disponibilidade para a luta, inclusive recorrendo à greve geral. A Grécia, que assistiu a muitas greves gerais na década passada (20 ao todo!), em Setembro de 2001 assistiu à maior mobilização da classe trabalhadora quando o governo direitista de Simitis atacou os direitos às já pequenas pensões dos trabalhadores gregos. O movimento foi tão imenso que forçou um rápido recuo pelo governo, com o primeiro-ministro declarando publicamente que as medidas seriam “completamente retiradas”. Isso não impediu o mesmo governo de, rapidamente, voltar a atacar com selvageria os direitos e condições dos trabalhadores: maior liberdade para os patrões demitirem, imposição do emprego temporário e a abolição das oito horas de trabalho diário, cinco dias por semana, por meio da anualização dos horários de trabalho. A resposta foi uma segunda greve geral dos trabalhadores gregos dentro de um período de dois meses.

Em Abril de 2002, a Itália assistiu à primeira greve geral unificada em 20 anos, em resposta a chamada “reforma” do Artigo 18 das leis trabalhistas (que impede a demissão arbitrária de qualquer trabalhador numa fábrica com 15 ou mais trabalhadores). Esta ação foi seguida, em Outubro de um novo dia de greve geral afetando 120 cidades por todo o país. A Itália teve, também, uma das maiores manifestações da sua história em 23 de Março de 2002, com três milhões de pessoas em Roma.

Não se pode deixar de referir que a Espanha foi convulsionada por uma greve de massas em Junho de 2002 contra medidas similares às propostas por Berlusconi, introduzidas pelo seu colega, o arrogante Aznar e o seu governo de direita do Partido Popular, o PP. Dois milhões de trabalhadores saíram às ruas, com os principais sindicatos afirmando que 10 milhões de trabalhadores estiveram em greve – 84% da população ativa num país onde apenas dois milhões estão organizados nos sindicatos. A Espanha foi também cenário de manifestações de massas anticapitalistas e antiguerra nos últimos dois anos, como aconteceu na maioria dos países da Europa Ocidental. Em 2002, Portugal também teve um ‘dia de ação’ com as proporções de um dia de greve geral, contra o selvagem programa de austeridade do novo governo de direita português.

A França enfrentou recentemente um movimento impetuoso de um dia de ações de greve, envolvendo principalmente o setor público, mas também seções significativas do setor privado. Este movimento indubitavelmente evidenciou uma tendência para o desenvolvimento de ações muito mais amplas, possivelmente com o caráter de greve geral, contra os ataques neoliberais do governo de direita de Raffarin. Mesmo na Alemanha, onde Schröder, inicialmente enfrentou oposição da base do disciplinado do Partido Social-Democrata (SPD) e uma muito maior das bases dos sindicatos, a tentativa de seguir Blair no caminho neoliberal colocou a questão de uma greve geral de um dia entre seções da classe trabalhadora alemã.

Colocando a questão do poder

OS EXEMPLOS ANTERIORES demonstram claramente a disposição do povo trabalhador para responder, e de uma forma decisiva, ao apelo das suas organizações para defender os seus direitos e suas conquistas do passado. Contudo, em todos os exemplos, incluindo os mais recentes acontecimentos em França, há uma clara perplexidade, incerteza e mesmo uma falta de confiança do que fazer depois da ação inicial ser desencadeada. A falta de confiança dos trabalhadores é clara, apesar da sua imensa força potencial vislumbrada nessas ações. Isto não se relaciona apenas com a força operária e como esta pode ser decisiva na derrota dos capitalistas, mas também com a questão da alternativa política.

Neste sentido, a ampla consciência dos trabalhadores da Europa é, neste momento, marcadamente diferente do que foi em períodos de luta anteriores. Isto é verdade mesmo na França, entre a situação de 1995 e a presente luta. Há um claro apoio nas manifestações pela “greve geral” mas a sua duração e o objetivo de tal ação não são claros. Muitos sindicalistas exigem que tal greve seja de mais de um dia, alguns defendendo mesmo que deva ser ilimitada, mas isso ainda não está ligado à questão de uma alternativa política dos trabalhadores, quer na forma de uma nova sociedade de democracia socialista ou mesmo de um governo alternativo: “uma greve geral até que o plano seja retirado” não “uma greve geral para derrubar o governo”.

Esta situação foi parcialmente moldada pela propaganda contra as idéias tradicionais do movimento operário de luta e solidariedade – que não são levadas em conta pela direção direitista do movimento. Por outro lado, isto está ligado à ofensiva ideológica, na seqüência do colapso do stalinismo, contra qualquer cheiro de ‘socialismo’. Não foi o “socialismo” que provou a sua ineficácia, tal como alegam os ideólogos burgueses, mas a sua caricatura, o stalinismo. A idéia do planejamento da sociedade, um plano de produção democrático socialista, em vez do caos do capitalismo, mantém a sua validade. Porém, isto tem sido claramente defendido apenas por pequenas forças do Marxismo, tal como o CIO e outras. A virada à direita das direções dos sindicatos e das ex-organizações dos trabalhadores também ajudaram a minar a confiança da classe trabalhadora.

Apesar de tudo, tal é a ameaça que agora se coloca aos trabalhadores e suas famílias, a classe trabalhadora não possui alternativa que não seja a luta. Nesse processo procurarão por uma ação decisiva através da greve geral. Para os marxistas, uma greve geral não é uma panacéia apropriada para todas as ocasiões. Mais ainda, uma greve geral preparatória de um dia é obviamente diferente de uma greve geral total. Esta última reivindicação não é colocada na Europa, neste momento, mas, dada a polarização das classes, pode surgir no futuro e muito mais rapidamente do que pode ser imaginado neste momento.

Parte da preparação para tal situação é a análise e discussão do caráter da greve geral, e de greves gerais específicas em diferentes situações. A situação de hoje é diferente da dos anos 70 e 80 e mesmo, em alguns aspectos, do início dos anos 90. Naquele momento existia um pólo de atração político na existência de “partidos burgueses para trabalhadores” de massas e partidos comunistas. Eles já não existem a não ser, talvez o Rifondazione Comunista (RC) na Itália, o qual é uma ‘nova’ formação. Além disso, os sindicatos, pelo menos em números, na sua presença nas fábricas e lugares de trabalho, etc., foram enfraquecidos em muitos países da Europa Ocidental. Tudo isto significa uma cuidadosa reavaliação de que reivindicações podem ser colocadas em cada estágio para fazer o movimento dos trabalhadores avançar. Leon Trotsky acautelava contra atitudes ultra-esquerdistas neste assunto: “Uma greve geral, particularmente nos velhos países capitalistas, requer uma conscienciosa análise marxista de todas as circunstâncias concretas”.
Os Marxistas sempre entenderam que uma greve geral ilimitada coloca a questão do poder. Assim como os mais sérios representantes dos capitalistas. No princípio dos anos 80 a idéia de greve geral esteve “no ar” na Grã-Bretanha por causa dos ataques provocativos de Thatcher contra os sindicatos. Contudo, o jornal The Times não hesitou em avisar os dirigentes sindicais que “uma greve geral é, essencialmente, um ato revolucionário, e os dirigentes dos sindicatos hoje estão, na sua maioria, mais longe de serem revolucionários do que qualquer outro grupo na Grã-Bretanha” (12 de Janeiro de 1980).

Isto foi uma mera reprodução do que um anterior primeiro-ministro britânico, David Lloyd George, disse aos dirigentes sindicais em 1919: “Se levarem a cabo sua ameaça e entrarem em greve vão derrotar-nos, mas se o fizerem já pesaram todas as conseqüências? Uma greve será um desafio ao governo deste país, e pelo seu próprio sucesso, precipitará uma crise constitucional de primeira importância. Se surgir uma força no Estado que é mais forte que o próprio Estado, ela deve estar preparada para assumir todas as funções do Estado ou retirar-se e aceitar a autoridade do Estado. Meus senhores, já pensaram nisso, e se o pensaram estão preparados?” A reação do dirigente de direita dos mineiros Robert Smillie foi: “Naquele momento nós fomos derrotados e sabíamos disso”.

Em outras palavras, os dirigentes sindicais nesse tempo não estavam preparados para mobilizar a classe trabalhadora para tomar o poder. Isso é ainda mais verdade para os presentes dirigentes sindicais – muito menos radicais que os seus colegas dos anos 80, para não falar daqueles que se seguiram a I Guerra Mundial. A questão do poder também não se coloca, neste momento, à classe trabalhadora. A ação de greve geral, particularmente se esta se alarga e assume um caráter ilimitado, envolvendo a maioria da classe ou as suas seções mais poderosas, coloca objetivamente a questão do poder, mesmo hoje, mas não de uma forma imediatamente clara na consciência da classe trabalhadora. E isto, a consciência da classe trabalhadora, é um fator vital na determinação de quais demandas serão postas em cada estágio. Esta consciência da classe trabalhadora é formada pela combinação de eventos, experiências e do papel das organizações de massas e seus dirigentes no apoio à classe trabalhadora para tirar conclusões claras a partir daí.

Greves e o movimento contra a guerra

O quanto isto é pouco compreendido por não marxistas é demonstrado pelos comentários de George Monbiot, no The Guardian, que, no desenrolar da recente guerra do Iraque, não demonstrou uma atitude “conscienciosa” sobre esse assunto. O Socialist Party (Partido Socialista, seção inglesa do Comitê por uma Internacional Operária) colocou a idéia de greve num determinado momento – não uma greve geral – no período que antecedeu a guerra. Mas dado que os dirigentes sindicais de esquerda em particular não estavam preparados para isso, esse tipo de ação nunca foi levado à prática. Procurando um outro caminho além do das manifestações e propaganda, para parar os planos de guerra das juntas de Bush e Blair, Monbiot também discutiu que ações deveriam ser tomadas e concluiu: “Muitos ativistas falam agora… procurando provocar uma ação de greve muito mais ampla – mesmo uma greve geral”. Ele não enxerga esta demanda como algo apropriado para todas ocasiões: “Isto é difícil e perigoso. Algumas greves gerais foram eficazes… outras foram contra-produtivas, em alguns casos desastrosas… Se defendermos uma greve e quase todos forem trabalhar, Blair verá nisso um sinal de que ele pode fazer o que quer”. Mas pelo menos “esta deverá ser a escala na qual deveremos pensar”. Daí, ele parte para defender, contudo, que “se não conseguirmos mobilizar forças de trabalhadores a classe” então não interessa, pois “ainda há muitas maneiras de concentrar as mentes de políticos”. Ele sugere que isso poderia envolver “o bloqueio de estradas, interrupção de discursos e bloqueio dos mais importantes edifícios e instalações” (7 de Janeiro).

É um reducionismo colocar a questão da greve geral ao lado de medidas tão mínimas. Improvisar na questão da greve geral, em particular na séria questão da guerra é completamente errado. Tal ação só pode ser preparada durante um longo período, convocado efetivamente quando a situação o exige e por aqueles que ganharam a necessária autoridade aos olhos do povo trabalhador durante todo o período anterior. Obviamente George Monbiot, apesar das suas boas intenções, não detém esses requisitos. Nem absorveu a experiência histórica da classe trabalhadora Européia nesta questão. Mesmo a grande revolucionária polaco-germânica Rosa Luxemburgo, uma “águia real” superestimou a importância independente da greve geral quando não estava ligada à tomada do poder pela classe trabalhadora e o estabelecimento do seu próprio Estado.

Também os partidos social democratas como os da Fraca e da Alemanha, com Jean Jaurès e August Bebel prometeram que eles organizariam uma greve geral no caso de uma guerra, resumindo as decisões do famoso Congresso de Basiléia da II Internacional, em 1912. Mas como Trotsky comentou mais tarde, este apelo “assumia… a natureza de um trovão teatral”. Os partidos social-democratas colocaram este assunto de uma forma pouco viva, formal e meramente verbal. Eles não estavam seriamente preparados para tal tipo de ação. Uma greve de protesto antes de uma guerra, desde que seja convocada por dirigentes com autoridade, é totalmente possível, como foi parcialmente o caso de alguns países da Europa Ocidental durante a recente guerra do Iraque, mas uma greve geral uma vez que uma guerra comece é uma coisa completamente diferente. Quando os interesses fundamentais da classe dominante estão em jogo, apenas uma greve geral ligada com o derrube do capitalismo pode ter êxito nessas circunstâncias. Isto, por sua vez, apenas pode ser preparado num dado período precedente de tempo pelo movimento dos trabalhadores.

Tais condições não se concretizaram, nem no período que antecedeu a guerra, nem durante a própria guerra. Uma vez que a mobilização para a guerra tenha começado, existirão as mais difíceis circunstâncias – quando são mobilizados os sentimentos patrióticos – para se colocar a questão da greve geral. A greve geral é uma importante arma de luta, mas, como notou Trotsky, “Não é universal. Há condições nas quais a greve geral pode enfraquecer os trabalhadores mais do que os inimigos imediatos. A greve deve ser um elemento importante no cálculo de uma estratégia e não uma panacéia na qual se submetem todas as outras estratégias”. Ele também destacou que a greve geral é uma arma contra o poder do Estado consolidado e os seus componentes: estradas, telégrafo, polícia e exército, etc. “Ao paralisar o aparelho do governo, uma greve gera, assim como “assusta” um governo, cria os postulados de uma solução revolucionária à questão do poder”.

Isto pode ser uma solução, por exemplo, para os trabalhadores sob ditadura fundirem-se, começando com greves setoriais em direção a uma greve geral e adquirindo força para derrubar o regime. Mas noutras circunstâncias esta arma é desapropriada. Por exemplo, no período da marcha de Kornilov contra Petrogrado, em 1917, nem os Bolcheviques, nem os sovietes – comitês de trabalhadores – pensaram em declarar a greve geral. Ai contrário, os trabalhadores ferroviários continuaram a trabalhar para que pudessem transportar os oponentes de Kornilov e bloquear as forças dele. Os operários fabris continuaram o trabalho exceto os que largaram o trabalho para lutar contra as forças de Kornilov. Na altura da Revolução de Outubro, mais uma vez não se falou de greve geral. Os Bolcheviques tinham apoio de massas e sob essas condições o apelo à greve geral significaria enfraquecer a si próprios e não o inimigo capitalista. Nas estradas de ferro, nas fábricas e nos escritórios, os trabalhadores ajudaram a insurreição para a derrubada do capitalismo e estabelecer um governo democrático dos trabalhadores.

Nem estas observações de Trotsky, de caráter geral é verdade, mas sem dúvida muito úteis, não tiveram lugar na situação confrontada pelo movimento dos trabalhadores, nem na Grã-Bretanha, nem na Europa. O caráter das ações de “greve geral” parcial que ocorreram é similar, em alguns aspectos, à situação que se desenvolveu nas décadas que antecederam a Primeira Guerra Mundial, que também foi comentada por Trotsky. Há casos, em que “o governo amedronta-se com a greve geral e imediatamente no inicio da greve, sem assumir posições de confronto, faz concessões”.

Tal foi a situação da greve geral belga em 1893 e numa escala muito maior na Rússia em 1905. Sob a pressão da greve, o regime czarista fez “concessões constitucionais” em 1905. Na Bélgica, a greve foi convocada pelo Partido Trabalhista Belga, com 300.000 trabalhadores participando, incluindo grupos de esquerda dos católicos. Houve diversos confrontos entre os grevistas, a polícia e tropas. No entanto, a greve foi terminada quando o governo assegurou o direito ao voto aos homens com mais de 25 anos. (A idade de voto tinha sido aumentada para 30 anos em 1885. A vitória da greve abriu o caminho para vitórias parlamentares do Partido Trabalhista que ganhou 27 cadeiras em 1894.).

A situação de hoje pode ser comparada, ainda que não dogmaticamente ou simplisticamente, com a situação belga de então. Em 1995, na França, o governo Juppé assustou-se, retirando os ataques contra a classe trabalhadora e pagando por isso na derrota eleitoral que sofreu e a chagada ao poder do governo Jospin em 1997. O mesmo Juppé recentemente avisou Raffarin que “as ruas” não aceitariam os seus ataques, implicando num recuo do governo de direita francês em face de uma ofensiva de massas. Tal possibilidade não está posta de lado. Contudo, houve mudanças significativas que afetaram a situação de hoje, comparada com os anos 90. A classe dominante francesa concluiu que a deterioração da sua posição obriga-a a seguir os EUA e a Grã-Bretanha no caminho de políticas neoliberais maiores.

Que alternativa política?

AS AÇÕES DOS TRABALHADORES chacoalharam indubitavelmente a classe dominante, levando-a a pequenas concessões, mas ainda não a impediu de prosseguir, até ao fim, com a sua agenda. Raffarin dá a impressão de que, ao contrário de 1995, está preparado para ultrapassar a presente onda. Isto coloca ao movimento que se está a desenvolver um de dois caminhos: em direção a uma ação mais decisiva, com uma greve geral de um dia, ou mesmo maior; ou recuar a curto prazo para emergir com maior determinação no futuro próximo. Os dirigentes sindicais, ao arrastarem os pés na proposta de ação mais determinada, estão a inclinar-se para a segunda opção.

Na Itália, o governo de Berlusconi também dá a impressão de ter se livrado da massiva oposição na forma de greves ou manifestações (apesar de ter recentemente sofrido um recuo nas eleições regionais). Uma das razões porque lhe foi possível isso foi porque os dirigentes das grandes federações sindicais continuam a assegurar à classe dominante que não têm intenção de tentar derrubar o “cavallier” – leia-se palhaço – democraticamente eleito’, Berlusconi. Esta não é a disposição da classe trabalhadora italiana que quer, não só, usar o seu poder para defender os seus direitos consagrados no Artigo 18, mas alargá-los aos locais de trabalho com menos de 15 trabalhadores e forçar eleições onde Berlusconi possa ser derrotado.

O governo Raffarin, ao mesmo tempo em que faz “concessões”, miseráveis e no “papel”, aos professores, por exemplo, ainda está determinando a forçar o caminho. Similarmente, com muito mais dificuldades Schröder, na Alemanha, com o apoio da ‘oposição’ Democrata Cristã, e pressionado pela burguesia, pretende levar a cabo um ataque contra as pensões e etc. Na Áustria, um milhão de trabalhadores de 18.000 locais de trabalho, um terço de toda a força de trabalho da Áustria, entraram em greve em 3 de Junho – a maior greve nacional desde a Segunda Guerra Mundial. Até a polícia e a guarda nacional se juntaram aos protestos. A direção sindical, de direita, da ÖGB (Confederação Sindical austríaca), estava mais assustada com a resposta massiva à sua convocação, de pelo menos uma greve geral parcial de 24 horas, que o governo de direita do ÖVP-FPÖ do chanceler Schussel. Eles convocaram uma conferência de imprensa para declarar que toda a ação de ataque contra as pensões tinha sido adiada, para não se falar da greve geral que estava a ser energicamente popularizado pelo Partido da Esquerda Socialista (PES) filiado ao Comitê por uma Internacional Operária, com um grande apoio dos trabalhadores. O PES chamou a organização de uma Conferência nacional de delegados sindicais, ativistas sindicais, estudantes secundaristas e desempregados para construir a luta contra o governo. Tal é o inato conservadorismo dos dirigentes sindicais que a convocação da greve geral deve ser ‘ligada’ aos ‘comitês de ação’ ou conferências de delegados sindicais para dirigir e controlar a greve.

Mesmo uma greve geral de um dia efetiva, para não falar de uma ilimitada, é temida por esta geração atual de dirigentes sindicais de direita. Em países em que há tradição de greves de um dia, eles podem sancionar a idéia como forma de aliviar a pressão dos trabalhadores. Na França, contudo, é presente na consciência dos dirigentes sindicais direitistas a memória da greve geral de um dia de 1968 que levou a uma greve geral ilimitada e à ocupação das fábricas. Daí a sua cautela em convocar uma paralisação geral de um dia. Noutros países, como a Áustria, a Alemanha e a Grã-Bretanha, que não possuem o mesmo tipo de experiência recente, a convocação de uma greve geral de um dia pode ter uma imensa importância na preparação da classe trabalhadora para levar a cabo uma ação decisiva para derrotar o capitalismo.

Tudo isto coloca na consciência dos trabalhadores que tipo de ação pode derrotar as ofensivas dos governos dos patrões contra eles. Em alguns casos, onde greves gerais de um dia foram convocadas, coloca-se algo mais. Por exemplo, na Espanha, na seqüência do magnífico movimento do ano passado, o CIO colocou a questão de mais ações de greve contra o governo de Aznar, desta vez por 48 horas a qual, se for organizada, poderá preparar o caminho a uma greve geral ilimitada. Por outro lado, na França, a onda de greves e de manifestações de massas não forçou Raffarin a recuar. Aí, a questão de ações mais decisivas pode ser colocada, em primeiro lugar uma greve geral de um dia, incluindo os setores público e privado e então, talvez, uma ação de greve geral mais extensa. É claro que não se pode por de lado a possibilidade, dada a tradição de iniciativas vindas das bases por parte dos trabalhadores franceses, que um movimento tipo 1968 ou proto-1968 possa deflagrar – mais do que uma greve geral de um dia, mas não ainda uma greve geral completa na linha do que se passou em Maio e Junho de 1968. Contudo, é mais provável, a curto prazo, que a classe trabalhadora da França, especialmente os seus setores mais desenvolvidos, absorvam o choque e trabalhem no sentido de encontrar a melhor forma para avançar.

Por causa da falta de uma alternativa, a ausência de uma consciência socialista ampla, a questão de uma greve geral ilimitada ligada à tomada de poder pela classe trabalhadora não será colocada claramente, mesmo entre os trabalhadores franceses, ou em qualquer outro lugar, neste momento. A vontade existente é de usar a força para extrair concessões do governo, para forçá-lo a recuar, para parar sua ofensiva. Daí, o que está a ser colocado são palavras de ordem de um caráter determinado, mas que, nesta fase, param antes de uma greve geral ilimitada pelo poder. Uma greve geral de um dia é a melhor maneira, inicialmente, de preparar a classe trabalhadora, unindo-a para as batalhas que virão. Infelizmente, dado o caráter de direita das cúpulas sindicais, com a CFDT em particular, funcionando como um breque, esta tarefa não será levada a cabo por eles. Será uma tarefa da esquerda, em particular da esquerda marxista na França, colocar claramente aos trabalhadores a questão de uma ação decisiva deste caráter.

Uma situação similar pode surgir em outros países da Europa ocidental. Mas a ação de greve geral, mesmo limitada a um dia, coloca implicitamente a questão de quem governa a sociedade. Com efeito, dois poderes confrontam-se: a classe dominante, com os seus poderes “suspensos”, mesmo que por um dia; e o imenso potencial de força da classe trabalhadora. Mais, isto coloca inevitavelmente a questão de uma alternativa política. Em movimentos similares a este no passado, os marxistas poderiam colocar a questão de partidos burgueses para trabalhadores – o Partido Trabalhista na Grã-Bretanha, por exemplo – ou a combinação de partidos burgueses para trabalhadores – o Partidos Comunista e o Partido Socialista na França – chegarem ao poder com um programa socialista. Entendemos isso como uma fase inevitável do ressurgimento da classe trabalhadora, uma etapa pela qual se forma um formidável movimento de massas capaz de mudar a sociedade na direção do socialismo. Infelizmente, a burguesificação dos partidos de trabalhadores na Europa ocidental durante os anos 90 que chega agora a uma conclusão em uma escala européia (com o surgimento de novas formações de esquerda como a RC na Itália e o pequeno e emergente Partido Socialista Escocês) significa que não há uma real alternativa de massas, de caráter político, na situação atual.

Na verdade, o programa de políticas neoliberais têm sido levado a cabo mais eficazmente pelos governos controlados pelos ex–social-democratas do que por governos abertamente burgueses. O governo de Jospin levou acabo mais privatizações que o governo Juppé. De forma idêntica, Schröder está em melhores condições de impor à classe trabalhadora alemã a via neoliberal que os Cristão-Democratas, neste momento. É impensável, por isso, aos socialistas ou marxistas colocar a questão de estes senhores serem uma alternativa política para os trabalhadores presentes na luta. Era o mesmo que propor ao carcereiro mais umas chaves para as nossas algemas.

Assim sendo, ao mesmo tempo em que se propõem claras medidas combativas, conscientemente pensadas, resumidas em palavras de ordem claras como greve de 24 horas ou greve geral, é necessário colocar nas mentes dos trabalhadores uma política alternativa baseada no seu poder e nas suas forças. Isto sugere a adoção de palavras de ordem como “governo de trabalhadores” com um programa socialista claramente definido, o que envolve a expropriação dos setores chave do capitalismo e a criação de uma sociedade socialista e democrática. Esta é uma fórmula “algébrica” que os acontecimentos e os futuros desenvolvimentos darão uma forma concreta. Mas inevitavelmente coloca, por sua vez, a questão de que partidos podem lutar por ou constituir um governo de trabalhadores. Isto inevitavelmente está ligado à questão de um novo partido das massas trabalhadoras, como uma etapa na direção a tal governo. O fato de a consciência ter sido forçada a regredir, que uma clara alternativa política de massas não seja colocada nas consciências dos trabalhadores, não liberta os marxistas nem os socialistas de colocarem uma alternativa política que será entendida na luta no futuro.

A Europa entrou numa fase diferente. Uma fase de estagnação econômica, na qual um pequeno “crescimento” – crescimento de recessão – não poderá, de forma nenhuma, melhorar os padrões de vida dos trabalhadores mas terá o efeito contrário. Isso implica que, para amplos setores da classe trabalhadora, as condições que tinham no passado serão alvo de tentativa de destruição por parte dos capitalistas. Os trabalhadores lutarão, procurarão, pelos meios mais decisivos para derrotar o patronato e os seus governos. Inevitavelmente isso colocará a questão da greve geral na agenda. A classe trabalhadora da Europa já acumulou uma vasta experiência neste campo no passado. Ela deve ser estudada, analisada e aplicada com habilidade nas novas condições que começam a amadurecer na Europa. Um novo e explosivo período de greves de massas, poderosas manifestações e a politização da classe trabalhadora na Europa será colocada no período que começa. Nesse processo, será a clareza das idéias do Marxismo, estratégias e táticas claras e oportunas e a flexível aplicação de palavras de ordem claras que encontrarão eco entre o povo trabalhador por todo o continente.

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