Eleições iranianas: Vitória de conservador atordoa líderes do Ocidente
Mahmoud Ahmadinejad, um conservador islâmico e antigo guarda revolucionário, foi eleito presidente do Irã. Entre alegações feitas por seus rivais de fraudar as cédulas, ele venceu, de forma acachapante, com 62% contra 36% de Rafssanjani durante o segundo turno com um quorum de 60%.
O triunfo de Ahmadinejad atordoou a maioria dos líderes ocidentais que esperavam que o anterior e pragmático, duas vezes presidente, Rafsanjani venceria. Líderes europeus estão alarmados com a perspectiva de um conflito com o Irã por sua política nuclear e o seu papel no Oriente Médio – especialmente quando o regime Bush parece receber a eleição de um conservador como uma nova desculpa para a confrontação com o regime de Teerã.
A ameaça do novo presidente de endurecer o controle estatal da massiva indústria de petróleo do Irã, acima de tudo, atingiu o mercado financeiro global – especialmente quando o petróleo já atinge US$60,00 por barril.
Reformistas derrotados
No primeiro turno, em 17 de junho, existiam sete candidatos, todos avaliados e aprovados pelo clero instituído. Candidatos reformistas, como Mehdi Karrubi (17,3%) e Mostafa Moin (13,8%), tiveram um fraco desempenho. Isto refletiu o profundo desencantamento com o governo reformista do presidente anterior, que pateticamente falhou na concretização de suas promessas. Existiu certa liberalização no código de vestimentas e de questões sociais, mas mais como resultado da pressão de mulheres e jovens do que de medidas de Khatami.
Suas políticas de livre-mercado falharam em satisfazer os negócios e a classe média, enquanto a vida para a maior parte das pessoas piorou, com 30% de desemprego e com uma pobreza crescente. Khatami não estava preparado para desafiar os governantes clérigos, Khamenei e o Conselho dos Guardiões, e estava com medo de mobilizar a rebeldia da juventude para forçar mudanças radicais.
Desta forma, o segundo turno ocorrido em 24 de junho foi entre o conservador “pragmático’ Rafsanjani (que no primeiro turno teve 21%), tentando posar como um reformador, e o conservador religioso, Ahmaninejad (19,5%).
Rafsanjani – o corrupto
Muitos líderes ocidentais – mas não Bush – desejavam Rafsanjani, pois calculavam que ele poderia mover-se no sentido de uma acomodação com os poderes ocidentais e abrir a economia do Irã para as multinacionais. Sendo um “moderno”, ele favorece privatizações e políticas neoliberais.
Os comentaristas ocidentais, porém, falharam completamente em ver o quão desacreditado ele se tornou. Muitos iranianos enxergam Rafsanjani como um seguidor oportunista de Khomeini, que, quando presidente entre 1989-97, foi um pilar das elites dominantes. Sua recente tentativa de usar as vestimentas reformistas não foi convincente.
Rafsanjani acumulou uma vasta riqueza pessoal em seus negócios e é visto como corrupto. Sua tentativa de última hora de comprar o eleitorado com promessas de distribuir verbas de serviços privatizados não funcionou.
Ahmadinejad – o apelo populista
Paradoxalmente, Ahmadinejad foi amplamente percebido como o único candidato fazendo oposição ao crescentemente desacreditado regime clérigo, apesar de suas duradouras conexões com o establishment religioso Khomeini-Khamenei.
Sem dúvida alguma, ele minimizou suas visões religiosas conservadoras. Ele atacou a corrupção de Rafsanjani e de outros importantes líderes da hierarquia política do pós-1979. Acima de tudo, Ahmadinejad reforçou seus chamados para dificultar a vida das companhias estrangeiras e para dar preferência às companhias domésticas na indústria petrolífera. “Eu cortarei fora as mãos dos poderes e facções mafiosos que estão agarrando nosso petróleo. Eu aposto minha vida nisto. As pessoas devem ver sua parte do dinheiro do petróleo em sua vida diária.”
Ele recuou de sua ameaça em fechar a “pecaminosa” Bolsa de Valores, mas prometeu cortar as taxas de juros e dar aos pobres largas participações em companhias estatais.
Esta mensagem populista indubitavelmente teve um poderoso impacto nos trabalhadores, pequenos comerciantes, camponeses pobres e jovens.
Uma mudança de direção?
Significará a vitória de Ahmadinejad uma grande mudança de direção para o Teerã, com políticas econômicas populistas em casa e aguda confrontação com os Estados Unidos e outros poderes imperialistas? Ou seu apelo populista é mera demagogia eleitoral?
Em sua primeira declaração à imprensa, o novo presidente tomou uma linha dura – mas tentou diminuir sua intensidade. O Irã continuaria com seu programa de energia nuclear – mas poderia continuar as negociações com os líderes europeus. O Irã não necessita de relações com os Estados Unidos – mas poderia dialogar com Washington se eles assumirem políticas transparentes. “Na política doméstica, a moderação será a política do governo”.
“Ele colocou em suas respostas frases conciliatórias, como se buscasse apresentar uma face tranqüilizadora ao mundo e à nação”, comentou o New York Times (27 de junho). “Seu padrão… foi de primeiramente tomar uma linha dura e, então, rapidamente seguir com uma oferta modesta de compromisso”.
Ahmadinejad está fazendo um jogo perigoso. Está apelando às massas pobres, profundamente insatisfeitas com o regime clerical, enquanto, ao mesmo tempo, tenta agir como o porta-voz do regime.
O regime chegou a uma rua sem saída. Possui uma crise econômica em casa, apesar das enormes reservas de petróleo. Enfrentando problemas domésticos, o regime, sob Rafsanjani e Khamenei, tentou sair do isolamento resultante da revolução de 1979. O tom conciliatório de Ahmadinejad reflete pressões pela continuação desta política.
Além disso, os aiatolás aceitaram a privatização, inclusive da indústria petrolífera, o que foi um recuo proveniente do regime de Khomeni após 1979 – e agora é contrariada por Ahmadinejad.
Com a presidência nas mãos de um conservador linha-dura, a liderança do clero controla todos os postos do governo – a autoridade islâmica suprema, o judiciário clerical, e a liderança do parlamento. Eles serão forçados a se responsabilizar pela situação do país, que não pode mais se esconder atrás de um presidente reformista.
Quanta independência de poder terá Ahmadinejad? O poder do Estado ainda está nas mãos de Khamenei e do Conselho de Guardiões, que controlam o exército, a polícia e o restante do aparato estatal, incluindo o judiciário clerical. A história dos presidentes anteriores, Rafsanjani e Khatami, sugere que Ahmadinejad não terá muito espaço para manobra política dentro das estruturas existentes.
Porém, os problemas crescentes em casa e no exterior conduziram a divisões de facções dentro do regime. Irão as diferenças internas dar ao novo presidente mais espaço para políticas econômicas populistas e uma confrontação nacionalista com o imperialismo dos Estados Unidos? Será que ele terá a audácia de mover rumo à distribuição do lucro do petróleo para a população trabalhadora, seguindo um caminho similar ao de Chávez na Venezuela? Isso despertaria um enorme apoio popular, abrindo uma aguda polarização de classe na sociedade. Tal virada no Irã teria um efeito dramático em todo o Oriente Médio
Mas ainda são os primeiros dias.
O novo presidente já prometeu muito. Hoje, o Irã parece, mais do que nunca, uma panela de pressão prestes a estourar. A não ser que Ahmadinejad cumpra com suas promessas, ocorrerá um movimento de massas contra o regime clerical e, especialmente, a geração mais jovem (65% da população está abaixo dos 25 anos) procurará fazer mudanças sociais a favor dos trabalhadores e dos pobres.
Quem é Ahmadinejad? Mahmoud Ahmadinejad (49 anos) é um religioso linha-dura, porém é o primeiro presidente não-clérigo da República Islâmica. Um professor de engenharia civil, ele era uma figura politicamente obscura até ser atingir o posto de prefeito de Teerã em 2003. Durante a campanha ele fez uso de sua origem humilde como filho de um ferreiro e de seu estilo de vida simples para chamar a atenção dos trabalhadores e camponeses pobres. Durante a revolução de 1979, Ahmadinejad apoiou o Aiatolá Khomeini e, supostamente, esteve envolvido na invasão à embaixada dos Estados Unidos. A partir de 1986 ele lutou com a Guarda Islâmica Revolucionária na guerra do Irã-Iraque (1980-88). Oponentes afirmam que ele esteve pessoalmente envolvido na repressão de oponentes políticos durante o regime Khomeini. A força paramilitar Basiji ainda fornece apoio político. De acordo com os rivais reformistas, os paramilitares intervieram ativamente nas eleições para intimidar oponentes e mobilizar apoio para Ahmadinejad. As visões de Ahmadinejad refletem seu laço estreito com a elite clerical do Irã. Enquanto prefeito de Teerã, ele reverteu reformas que foram conduzidas por prefeitos reformistas, insistindo que homens empregados pelo conselho deveriam ter barba e utilizar elevadores separados das mulheres em construções municipais. Ele prometeu resistir à “decadência ocidental” e construir um “estado islâmico moderno e poderoso”. Oponentes, usualmente, citam sua frase: “O Irã não teve uma revolução a fim de ter uma democracia”. Perguntado, durante a campanha, se caso eleito presidente ele iria libertar prisioneiros políticos ele afirmou: “Quais prisioneiros? Os que estão nos Estados Unidos?” Ahmadinejad pertence à segunda geração de radicais islâmicos conhecidos como “developers” que estão tentando enfrentar os problemas crescentes que o regime clerical autocrático encontra, agora encabeçado pelo Aiatolá Khamenei. Com a corrosão de sua autoridade entre amplos setores da população a elite clerical necessita da aparência de legitimidade oferecida pelas eleições. Durante a campanha, Ahmadinejad amenizou o medo de que ele reverteria a liberalização dos últimos anos. “As pessoas pensam que retornar aos valores revolucionários é apenas uma questão de vestir o turbante. Os verdadeiros problemas do país são o emprego e a moradia, não o que vestir”. Descrevendo a si mesmo como um “amigo do povo”, Ahmadinejad atacou a corrupção do governo e dos negócios. Ele enfatizou em políticas econômicas populistas: aumentar a renda de trabalhadores com baixos salários e aumentar o controle estatal sobre a indústria petrolífera, “colocando o lucro do petróleo na mesa do povo”.
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