Vinte anos de Chernobyl: O pior acidente nuclear da história
À medida que o lobby pró-nuclear aumenta sua campanha por uma ‘nova geração’ de estações de energia nuclear, as verdadeiras lições do desastre de Chernobyl precisam ser relembradas.
Este abril marca o vigésimo aniversário da catástrofe de Chernobyl, o pior acidente nuclear já visto. A explosão do reator, situado a 100 milhas ao norte de Kiev na Ucrânia, então parte da União Soviética, enviou uma nuvem radioativa ao redor do mundo. Esta nuvem continha 20 vezes o total de radiação desencadeado em Hiroshima.
Estimativas feitas na época pelo New Scientist magazine, de que 100 mil eventualmente morreriam como resultado direto e indireto do despejo radioativo, talvez tenha sido muito alto. Mas se o vento tivesse soprado na direção oposta naquele dia, rumo à densamente povoada cidade de Kiev ao invés de áreas esparsamente habitadas, o resultado poderia ter sido bem pior até mesmo das estimativas da New Scientist.
O reator de Chernobyl era de um tipo chamado RBMK, muitos dos quais ainda estão em operação nos estados da antiga União Soviética (o último reator da estação de Chernobyl foi desligado apenas 15 anos depois deste incidente). É inerentemente inseguro num reator nuclear ser desligado com alta temperatura e vapor sob pressão, mas foi isso o que aconteceu com o RBMK.
Neste tipo de reator, o combústivel de urânio é cercado pelo grafite, que absorve parte do calor da reação nuclear, um processo essencial para controlar sua velocidade. A água é bombeada atrás do combústivel e do grafite para absorver mais do calor, e o vapor produzido é usado para mover as turbinas para produzir eletricidade. Além disso, o grafite tem que ser cercado por gás hélio e nitrogênio para parar o incêndio no ar circundante. Se o grafite e o urânio rods entrarem em contato com o vapor uma explosão é possivel, produzindo uma nuvem de vapor radioativo. Isso é exatamente o que aconteceu em abril de 1986. A escala do acidente se tornou pior porque não havia nenhuma estrutura de contenção em torno do reator que pudesse impedir que o vapor escapasse para a atmosfera.
A razão imediata para a explosão reside nos efeitos de uma súbita onda de energia causando uma ruptura nos canos que levavam a água fresca, portanto trazendo a água em contato com o grafite. A onda de energia ocorreu em primeiro lugar porcausa de um imprudente experimento que estava sendo conduzido pelos técnicos de um sub-reator de energia. Seu objetivo era acelerar o tempo levado para reparar os defeitos.
Os técnicos foram os bodes espiatórios na época, mas a razão porque eles estavam conduzindo o experimento em primeiro lugar estava ligado à crise de energia na União Soviética. Estações nucleares eram normalmente operadas para providenciar uma ‘ base load ‘ de eletricidade, que eles estavam operando 24 horas por dia devido sua dificuldade e tempo consumido para parar e reiniciar o reator. Se havia defeitos frequentes, que significava que o reator estava para ser desligado, sua eficiência é drasticamente reduzida. Como resultado, os técnicos estavam sob pressão para darem uma resposta rápida e facil para os problemas causados pelos frequentes defeitos na estação.
Os verdadeiros custos do nuclear
Observadores ocidentais na época, como provavelmente fazem de novo agora, ressaltaram as características ligadas especificamente ao sistema soviético que contribuiram para o desastre, tais como o comportamento imprudente do corpo administrativo, dirigido por uma burocracia impaciente e intimidadora, ela mesma pressionada pelos profundos problemas na economia, combinado com o design pobre e inseguro da planta da estação. Contudo, a causa verdadeira, que foi uma combinação de erro humano e falha mecânica, foi a mesma que ocorreu no maior acidente nuclear nos EUA, em Three Mile Island em 1979.
Ali, a planta da estação era baseado no PWR (Pressurised Water Reactor), o mesmo tipo que é usado na estação de Sizewell na Grã-Bretanha. Durante a crise em Three Mile Island o material radioativo dentro do reator saiu de 700F graus do seus ponto de fundição de 5,000F. Se tal fusão tivesse ocorrido poderia ter havido um desastre maior, possivelmente maior do que o de Chernobyl, desde que o urânio fundido tivesse penetrado no solo, contaminado o lençol de água em uma ampla área.
Advogados do poder nuclear irão apontar para o baixo risco teórico de acidentes, mais isso precisa ser contraposto à escala potencialmente catastrófica de qualquer incidente quando de fato ocorrer. Também há riscos na geração de energia nuclear não diretamente conectados à segurança da operação da planta. Estes estão primariamente legados aos problemas de reprocessar de forma segura e estocar o lixo tóxico que é produzido como um sub-produto da energia nuclear. Apareceram evidências décadas atrás de que a incidência de leucemia infantil perto das instalações de reprocessamento em Sellafield, Cumbria aumentou significativamente. Na cidade de Seascale, há apenas uma milha da planta, crianças abaixo de dez anos tiveram uma incidência de leucemia dez vezes maior que a média nacional, embora um relatório patrocinado pelo governo na época dissesse que isso não era significativo. Nos EUA, num estaleiro naval no Maine, o índice total de mortes de trabalhadores envolvidos em tarefas relacionadas à energia nuclear era vinte vezes a média nacional e a ocorrência de leucemia 45% mais alto do que o esperado. Estes trabalhadores eram expostos a niveis muito baixos de radiação, dentro de ‘limites seguros’, indicando que provavelmente não há uma dose segura de radiação nestas circunstâncias.
Potencialmente ainda mais sérios do que os problemas de saúde ligados aos baixos niveis de vazamento de radiação associado com o reprocessamento é a questão de estocar o lixo nuclear tóxico. Uma consequência direta de produzir eletricidade com reatores nucleares é a acumulação de dejetos radioativos, urânio e plutônio. Fora a geração de eletricidade, há uma significativa quantidade de plutônio produzido para propósitos militares, que também são estocados. Para dar uma idéia da escala do problema, a quantidade de dejeto nuclear estocados nos EUA em 1991 era de 4.900 metros cúbicos , com radioatividade de 24.000 MCi (um curie é uma quantia de radioatividade, MCi é um milhão de curies). Para pôr isso em perspectiva, uma típica fonte de radioatividade usada numa sala de aula para experimentos de ciências tem uma atividade de um milionésimo de curie. Numa média de mil megawatts (MW – um milhão de watts), o reator de uma estação nuclear tem um total de radioatividade de 70 MCi em seu interior um ano depois de desligada. Depois de 100.000 anos esta figura irá cair naturalmente para 2 MCi, ainda 2 bilhões de vezes mais radioativas do que uma fonte típica usada em uma sala de aula (Há muito mais dejetos para estocar agora, comparado a 1991, e a quantia aumenta todo o tempo).
A implicação deste dado é que um método de estocagem seguro precisa garantir a segurança para mais de 100 mil anos, uma tarefa que coloca enormes incertezas e problemas porque é dificil prever quais serão as condições sociais depois deste tempo. Se o dejeto é enterrado, o começo de terremotos em áreas anteriormente inafetadas é possivel, por exemplo. Se ele é colocado no fundo do oceano a integridade dos materiais usados na contenção podem ficar instáveis depois de muito tempo, possivelmente levando a um vazamento. Também uma atividade vulcânica submarina pode começar, produzindo o mesmo resultado.
Dificuldades técnicas, e a compreensivel oposição das comunidades locais de onde é proposto estocar o lixo, significa que provavelmente irá levar pelo menos outros dez anos antes que qualquer suposto sítio seguro esteja pronto nos EUA, e outros 20 na Europa. Neste meio tempo, muito do lixo tóxico do Ocidente está sendo armazenado nos países pobres.
Uma nova direção pró-nuclear
Desde que o 20º aniversário de Chernobyl coincide com o inicio de uma nova direção pró-nuclear da classe capitalista na Grã-Bretanha e internacionalmente, comemorar as vítimas do desastre na Ucrânia seria embaraçoso para Bush e Blair, eles tentarão se esquivar tanto quanto possivel. Isto pode tomar a forma de distorção sobre o verdadeiro impacto de Chernobyl, uma campanha que já começou em alguns setores da mídia.
A necessidade política de uma nova situação pró-nuclear,que a comemoração de Chernobyl ameaça em seu caminho, é um resultado direto da crescente ameaça do aquecimento global, uma realidade que a maioria dos capitalistas aceitam agora como um fato científico e tem de forma tardia começado a responder a isso. Na Grã-Bretanha anunciou um ‘diálogo nacional’ sobre expandir o poder nuclear, que traduzida do idioma de Blair signifiva que ele já tomou a decisão de ir adiante e o diálogo que ele quer é sobre a melhor maneira de vender a idéia. Outros “líderes” mundiais estão se movendo na mesma direção porque percebem que o tratado de Kyoto, com sua abordagem pró-mercado ao atacar a mudança climática, provou ser totalmente ineficiente. Apesar do apoio retórico barulhento a Kyoto (exceto de Bush), a iminente virada nuclear é um reconhecimento de sua bancarrota.
Desenvolver o poder nuclear se tornou a opção preferida dos grandes negócios internacionais por várias razões. Primeiro, por uma feliz coincidência, ele não produz nenhum gás provocador do efeito estufa, em contraste com a energia gerada de combústiveis fósseis como o petróleo, e para tal critério principal, é claro que as questões de segurança são ignoradas. Segundo, o poder nuclear e relativamente barato de gerar, desde que se utilize de uma tecnologia bem-estabelecida, e questões de longo prazo tais como o pagamento pela estocagem segura fica para um futuro indefinido, significando que os custos de qualquer futuro acidente nuclear serão ignorados ou encobertos. Dizendo isso, eles dizem, a energia nuclear será mais cara que extrair petróleo do deserto, então porque os patrões que tem mais a perder se o aquecimento global ocorrer, especialmente nos EUA, que são o maior culpado, estariam dispostos a contemplar um golpe em seus lucros sem fazer nada?
Uma razão é que o furacão Katrina trouxe para casa, mesmo para os mais ossos duros capitalistas americanos (exceto Bush é claro, que representa as grandes empresas de petróleo) que há verdadeiros custos de longo prazo ligados aos efeitos do aquecimento global que devem ser levados em consideração. Também , embora companhias individuais nunca irão optar voluntariamente por gastos de energia nuclear intrinsecamente mais caros, os governos, mesmo o dos EUA, podem seguir este caminho se os custos extras a curto-prazo forem relativamente pequenos e não forem excessivamente competitivos. Outro fato que pode dourar a pilula para os EUA é que a companhia American Westinghouse, com seus reatores nucleares do tipo PWR, é a mais preparada para dominar e expandir o mercado mundial.
A opção para o poder nuclear pode, contudo, ser revertido quando houver uma recessão econômica significativa que coloque seus lucros sob pressão, levando à necessidade de corte de custos ainda mais brutalmente do que no passado recente. Nestas circunstâncias, as plantas nucleares podem ser abandonada em favor do retorno à geração de energia baseada em combústiveis fósseis. O que não é provavel acontecer é que Blair, Bush, ou qualquer outro de seus sucessores irão optar por uma opção sustentável, baseada em fontes de energia renováveis tais como o vento, ou energia solar, porque os custos disto prejudricarão significativamente seus lucros das multinacionais que eles representam. Para o momento pelo menos a maioria dos líderes mundiais se movem à direção pró-nuclear e não dão as boas vindas a qualquer avaliação verdadeira do desastre de Chernobyl.