Evo Morales assusta as petrolíferas e dá esperança aos pobres da Bolívia
O anúncio de Evo Morales, o presidente da Bolívia, do decreto que “nacionaliza” o gás e o petróleo (os “hidrocarbonetos”) causou repercussão pelo mundo inteiro. De maneira dramática, vimos a entrada do exército em 56 instalações, pendurando a bandeira do país e faixas dizendo “Nacionalizado, pertence aos Bolivianos”.
Enquanto a medida levantava esperanças entre as camadas pobres da população boliviana, que lutaram por anos pela nacionalização, as elites dirigentes do mundo se arrepiavam. No Brasil, que depende da Bolívia para obter mais da metade do gás consumido, a mídia tentou causar um clima de crise, dando a impressão de que o fornecimento de gás boliviano seria cortado em breve.
Ao mesmo tempo, há muitos ativistas que não ficaram satisfeitos, pois isso não seria a verdadeira nacionalização pela qual lutaram. As gigantes multinacionais ainda permanecem presentes, com 180 dias para renegociar os contratos. A “nacionalização” pararia no meio do caminho. O “Decreto Supremo 28.701” tem como objetivo criar “joint ventures” com as multinacionais, nos quais o estado controla 50% mais uma das ações dessas empresas que eram estatais até 1996. Porém, os ativistas querem uma nacionalização plena, não somente uma repartição mais favorável na qual as multinacionais vão poder continuar lucrando.
Mesmo assim, o fato que Evo Morales anunciar esse decreto é um avanço obtido pela pressão do movimento de massas, que derrubou dois presidentes desde 2003.
O medo da classe dirigente internacionalmente é que a história agora chegou a um ponto de inflexão. A reação contra as políticas neoliberais, que dominou quase todos os países do mundo por quase duas décadas, atingiu um novo patamar.
Chávez, com sua política populista radical combinada com uma retórica socialista, não é mais um fenômeno isolado. Em vários países candidatos presidenciais, supostamente da esquerda, como Lula, levantaram as esperanças das massas. Quase todos traíram suas promessas e as esperanças de mudança depois de serem eleitos. O fato que Evo Morales cumprir sua promessa da campanha eleitoral, mesmo sendo uma “nacionalização” parcial e limitada, é um passo avante que constitui um exemplo perigoso para a classe capitalista no mundo. Eles temem agora que o candidato de “esquerda” nacionalista no Peru, Humala, vença o segundo turno das eleições presidenciais; e provavelmente temem também à volta do antigo presidente sandinista nas eleições em Nicarágua em novembro – ambos com apoio de Chávez.
Começo ambíguo
Muitos temeram que Evo Morales, que ganhou as eleições presidenciais em dezembro já no primeiro turno, tornar-se-ia um novo Lula, ou um Gutierrez (que chegou ao poder com o apoio de um movimento de massas, deu um giro à direita, e acabou sendo derrubado por uma nova onda de protestos no ano passado).
Nas suas primeiras viagens internacionais, Morales fez o possível para acalmar os governos da Espanha, Argentina, Brasil etc, dizendo que não haveria “expropriação ou confisco”, que as empresas têm direito ao lucro, mas que o país precisa de “sócios, não patrões”.
A promessa de aumentar o salário mínimo em 200 % foi esquecida, os professores e trabalhadores de saúde receberam apenas um pequeno reajuste salarial e quando trabalhadores da empresa aérea arruinada Lloyd Aereo Boliviano entraram em greve reivindicando a nacionalização, o governo mandou o exército para os aeroportos para garantir seu funcionamento.
Porém, a pressão do movimento de massas obrigou Morales a tomar medidas, o arriscar ter o mesmo destino que os ex-presidentes Lozada e Mesa, que foram forçados a renunciar por causa dos enormes protestos da classe trabalhadora e dos pobres camponese.
Segundo Kennedy Alencar, colunista da Folha de São Paulo, quando Lula falou em privado com Morales durante a reunião com Chávez da Venezuela e Kirchner da Argentina, Lula reclamou da maneira de como foi feita a nacionalização, sem aviso e usando o exército. “Morales respondeu que precisava fazer um gesto político para não sofrer desestabilização precoce – a Bolívia teve quatro presidentes em menos de quatro anos”, escreve Kennedy Alencar. Morales também havia dito ser grato pela reação moderada do Lula e que haveria espaço para segurar o preço do gás até após a campanha eleitoral.
Nacionalização parcial
O decreto 28.701 fala da “terceira e definitiva” nacionalização dos hidrocarbonetos, pela qual o “estado recupera a propriedade, posse e controle total desses recursos”. Mas, de fato, não chega a ir tão longe quanto as nacionalizações de 1937, quando Standard Oil foi nacionalizada, e 1969, quando foi a vez da Gulf Oil. O decreto diz que: “O estado toma o controle e a direção da produção, transporte, refino, armazenamento, distribuição, comercialização e industrialização dos hidrocarbonetos no país”. Mas, ao mesmo tempo, não reverte totalmente a privatização de 1996.
As empresas privadas têm 180 dias para renegociar os contratos. O decreto diz que as cinco empresas que tinham sido vendidas em 1996, deixando uma pequena parte para a empresa estatal YPFB (Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos), tornarão “joint ventures”. Isso significa que a empresa estatal terá um controle de 50 % mais um das ações.
O que vai acontecer com as outras empresas privadas não está claro. Muito vai depender da auditoria e das negociações com as multinacionais que serão feitas durante o período de transição de 180 dias. Mas também a situação depende da pressão das massas. O processo não está acabado e há a possibilidade de forçar Morales a ir além do que foi planejado.
Grande parte do decreto é baseado na “Lei de hidrocarbonetos” do ex-presidente Mesa, lei que levou à sua queda por ser vista como insuficiente. Uma diferença é a introdução de um novo imposto de 32%, que eleva o total de impostos sobre a produção de hidrocarbonetos a 82%, durante o período de transição. O nível posterior não está estabelecido e dependerá da auditoria. Mas esse novo imposto só atingirá a produção das maiores reservas de gás, como as de San Alberto, San Antonio e Margerita – enquanto a propaganda de televisão do governo dá a impressão de que o imposto atinge toda a produção. O resto da produção manterá o 50% de imposto. O dinheiro do novo imposto, estimado em 320 milhões de dólares (isso pode ser exagerado, já que o imposto só atinge uma parte da produção e só é garantido para os próximos seis meses) será usado para revitalizar a YPFB. Uma parte vai provavelmente ser usada para comprar as ações que garantem os 50% da participação nas empresas – o que significa que esse dinheiro voltará para as multinacionais!
A artigo do decreto que diz que a YPFB terá 50 % mais um das ações é uma outra diferença comparado à Lei dos hidrocarbonetos de Mesa. Mas na Lei já constava que as ações que pertencem aos fundos de pensões criados durante a privatização serão transferidas para a YPFB. Pegamos o exemplo de Transredes, uma das cinco empresas, que controla parte dos gasodutos. Nessa empresa 50% das ações pertencem a Shell (Holanda/Grã Bretanha) e a Prisma Energy (Enron, EUA), 34% pertencem aos fundos de pensão e 16% a outros. Isso significa que só será necessário a transferência de 17% das ações para a YPFB, junto com as 34% dos fundos de pensão, para garantir mais do que 50%. Nas empresas Chaco e Andino, os fundos de pensão já controlam 48% das ações e será necessário menos de 3% para obter uma maioria.
Os impostos que serão pagos pelas empresas petrolíferas são na verdade mais baixos que os 50 ou 82%. Segundo os cálculos otimistas do governo, a renda de impostos dos hidrocarbonetos atingirá 750 milhões de dólares como a “nacionalização”. Mas a renda total do setor petrolífero é de 3.500 milhões de dólares, segundo Econoticiasbolivia.com.
A diferença mais importante entre as medidas de Morales e Mesa é que Morales está de fato implementando as medidas, mesmo sendo apenas parcialmente. As medidas de Morales não significam de fato uma ruptura com o capitalismo. São medidas que tem como objetivo retornar os recursos ao estado boliviano, que ainda é dominado pela elite capitalista do país, em nome da “soberania”.
Na Noruega, por exemplo, existe um monopólio do estado sobre a produção petrolífera. Grã Bretanha também aumentou os impostos sobre produção de petróleo, de 40 a 50%. O decreto de Morales, mesmo sendo inspirado pela política de Chávez, leva Bolívia a uma situação não muito diferente da do Brasil (onde há porém um processo de privatização).
Mas mesmo essas medidas limitas significam um desafio que os poderes imperialistas não estão preparados a aceitar. Condoleezza Rice, Secretária do Estado dos EUA, chamou Evo Morales de “demagogo”. A razão não é tanto os recursos materiais em jogo. As multinacionais só investiram 3,5 – 4 bilhões de dólares nos hidrocarbonetos de Bolívia desde a privatização. O que deixa o imperialismo mais nervoso é o medo de que o exemplo de Morales se espalhe, com o risco de ver o “chavismo” ser exportado para outros países da América Latina.
As multinacionais abandonarão a Bolívia?
Mesmo tendo a segunda maior reserva de gás da América Latina, a Bolívia ainda é um pequeno produtor de hidrocarbonetos, com um mercado menor ainda. A maioria das empresas tem uma operação limitada no país. British Gas, por exemplo, tem somente 2% da sua produção e 3% das suas reservas no país. A situação é diferente na Venezuela, que é o quinto maior produtor de petróleo do mundo e que tem enormes reservas (alguns cálculos sugerem que se forem incluídas as reservas de petróleo extra-pesado, que agora é possível ser extraído, a Venezuela pode ter as maiores reservas de petróleo do mundo). As multinacionais investiram 17 bilhões de dólares (investimentos que agora tem um valor de 33 bilhões) só na região do Orinoco, onde um quarto da produção de hidrocarbonetos é situada. A Bolívia por isso não tem a mesma possibilidade de ditar as condições como a Venezuela.
De outro lado, a Bolívia tem sido um país onde é extremamente barato extrair petróleo e gás. Mesmo com impostos mais altos, os custos de produção são muito baixos. Os custos de produção da Repsol e Amoco na Bolívia são os mais baixos entre as 200 empresas monitoradas no mundo, segundo Global Upstream Performance Review 2003, perdendo só para a Niko Resources. O custo do equivalente a um barril de petróleo para Repsol é somente um dólar, e para a Amoco 0,97 dólares – comparado com a média mundial de 5,60 dólares. O custo de desenvolvimento de novos campos de exploração são ainda menores. A Repsol só gasta 0,40 dólares por barril, comparado com uma média mundial de 8,58 dólares.
Duas empresas têm um investimento maior na Bolívia. A Repsol-YPF (Espanha) tem investido 1,2 bilhões de dólares desde 1997 e tem 18% de suas reservas e 11% da produção no país. Mas dependente ainda é a Petrobrás.
Durante o governo de Cardoso, a Petrobrás começou a investir em produção na Bolívia, com o objetivo de utilizar o gás boliviano como uma fonte de energia barata. A Petrobrás investiu 1,5 bilhões de reais desde 1996 e é a empresa mais importante na Bolívia. A Petrobrás sozinha controla 18% do PIB boliviano; paga 24% de todo o imposto do país e controla 35% da exportação total da Bolívia. A empresa também controla 46% das reservas de gás, 95% da capacidade das refinarias, e toda a venda de gasolina no país.
Para garantir o acesso a uma grande quantidade de gás barato, a Petrobrás fechou um contrato na qual garantia pagar por uma quantidade fixa, mesmo importando menos. Durante cinco anos Petrobrás importou 18 milhões de metros cúbicos por dia, mas pagou por 25 milhões. É claro que isso não era por razões filantrópicas. O estado só recebia 18% em impostos, o resto ia para a Total (França), Repson (Espanha), Amaco (EUA), Enron (EUA)… e Petrobrás!
O resultado é que o Brasil agora está dependendo totalmente do gás da Bolívia, que fornece pelo menos 51% do consumo no Brasil. Mesmo se a Petrobrás ameaçar não investir mais na Bolívia, ela não pode simplesmente abandonar o país. Por outro lado, 75% da exportação de gás boliviano vai para o Brasil, que também depende totalmente desse mercado.
É irônico que o plano de Lozada de construir um gasoduto para o Chile, que abriria a possibilidade de exportar gás liquefeito (GNL) para outros países, e diminuir a dependência do Brasil, levou a queda dele e foi engavetado. O jornal chileno “La Nación”, escreve que o país espera poder importar mais gás da Bolívia agora, e que o país pode pagar o dobro do preço comparado com o que paga agora.
É suficiente?
A nacionalização dos hidrocarbonetos é amplamente vista como a última chance de acabar com a pobreza no país. Mas será que a nacionalização do Evo Morales é suficiente para transformar a situação da maioria do país que vive na pobreza? Infelizmente a resposta é não. A Bolívia tem reservas muito menores do que a Venezuela, e menos ainda de petróleo, que rende mais e é mais fácil de exportar. Mas nem as enormes reservas da Venezuela têm sido suficientes para mudar de fundo a situação dos pobres. Sem uma ruptura com o capitalismo, introduzindo um plano de produção socialista, Chávez tem um espaço limitado para manobrar, mesmo ele implementando reformas importantes. A maioria na Venezuela continua pobre.
Mesmo se o novo imposto de 32% fosse na sua totalidade para despesas estatais, e não para a YPFB, o orçamento público ainda seria deficitário. E para manter a produção de petróleo e gás são necessários grandes investimentos e capacidade tecnológica. Chávez está preparado a ajudar, usando a estatal PDVSA, mas até a Venezuela está dependendo de investimentos estrangeiros. Mesmo na Venezuela, a produção de petróleo diminuiu 25% nos últimos 5 anos, um fator é falta de investimentos.
Para ter mais recursos para reformas sociais, Evo Morales anunciou que aumentará o preço do gás em 61%, que geraria 600 milhões de dólares a mais. Lula diz categoricamente que “não vai ter aumento do preço”, e que o contrato só abre para aumento a cada cinco anos. Mas ele também diz que “tudo tem que ser negociado”. Lula também diz que se o preço for aumentado, a Petrobrás carregaria o peso, não os consumidores. Isso é algo que a esquerda e os movimentos sociais têm que cobrar.
Na verdade o gás boliviano é barato. Clóvis Rossi, colunista da Folha de São Paulo, cita o exemplo do gás da Califórnia que é 6 a 7 vezes mais caro que o da Bolívia. Os consumidores em São Paulo pagam na verdade menos pelo gás do que os consumidores da prórpia Bolívia!
O Brasil não tem alternativa no curto prazo. O país poderia importar gás liquefeito, mas o preço seria quase igual ao gás boliviano após o aumento, e seria necessário construir uma estação regaseificadora que custaria 300-400 milhões de reais e que levaria tempo. O Brasil possui reservas próprias de gás, com o campo de Santos, mas esse começará a produzir somente em 2008. E mesmo o Brasil tendo reservas substanciais, o aumento de produção planejada não será suficiente para cobrir o aumento de demanda. Muitas empresas usam gás como fonte de energia, a maioria da produção elétrica no último tempo vem de usinas termoelétricas que usam gás e o número de carros que usam GNV aumentou rapidamente.
Tudo isso mostra que não há uma saída da situação para um país isolado. Há uma necessidade urgente de desenvolver um sistema de energia integrado na América Latina, que tem que ir além da lógica do capitalismo e do mercado.
Por isso é vital para os socialistas brasileiros não somente dar apoio ao direito dos bolivianos de nacionalizar, mas também levantar questões de classe e uma solução socialista, que inclui a situação brasileira. Isso também vale para Venezuela, e o resto da América Latina.
O PSOL tem que reivindicar que o processo de privatização da Petrobrás seja revertido. Cardoso privatizou a maioria das ações da empresa. A União (incluindo o BNDES) só possui 39,7% do capital de ações, mas essas correspondem a 56,7% dos votos. A empresa segue a lógica do mercado, repartindo grande parte dos lucros para os acionistas, dos quais grande parte está na bolsa de valores de Nova Iorque. No ano passado, a Petrobrás teve um lucro recorde de 23,7 bilhões de reais, um aumento de 40%! Esse lucro foi maior do que o PIB boliviano! Sete bilhões desse lucro irão para os acionistas, cuja maioria está no exterior, em forma de dividendos. Só esses dividendos são o dobro do que a Petrobrás investiu na Bolívia durante os 10 últimos anos!
O governo de Lula não reverteu essa privatização, e continuou com o leilão dos campos de petróleo. O governo e a Petrobrás fizeram uma grande campanha de propaganda sobre o fato do país pela primeira vez ser auto-suficiente em petróleo. Mas uma crescente parte dessas riquezas acaba nos bolsos dos grandes capitalistas.
Verdadeira nacionalização requer medidas socialistas
Uma nacionalização genuína na Bolívia, Venezuela ou Brasil, só será possível quando for combinada com uma transformação socialista da sociedade. Em quanto o capitalismo é vigente, qualquer nacionalização será parcial, subjugada ao mercado e sob ameaça de privatização. Os planos do Chávez de criar a Petrosul, uma empresa petrolífera para toda América Latina, ou o plano de um gasoduto gigantesco de 8 mil quilômetros ligando Venezuela, Brasil, Bolívia e Argentina, deve ser ligado ao controle e à gestão democrática dos trabalhadores, um plano socialista de produção e uma federação socialista da América Latina. Dessa maneira será possível combinar os recursos da Petrobrás, PDVSA e YPFB, dando a capacidade de desenvolver a produção para o benefício de todo o povo trabalhador, e não ao lucro de uma elite rica.
Essas empresas têm que ser completamente nacionalizadas, com indenização somente para pequenos poupadores. Controle e gestão democrática dos trabalhadores significa que a direção das empresas seria composta por representantes dos trabalhadores da empresa, do movimento dos trabalhadores em geral e de um governo de trabalhadores e camponeses. Isso garantiria as opiniões dos diferentes setores da classe trabalhadora, expressando a necessidade de empregos, produção, desenvolvimento, proteção ao meio ambiente etc.
Infelizmente, isso não é o que está sendo implementado pelo Chávez na Venezuela ou Evo Morales na Bolívia. Morales argumenta pela nacionalização somente de um ponto de vista de “interesses nacionais”. Mas o que significa isso num país que ainda é dominado por uma elite corrupta, composta por capitalistas e grandes donos de terra, que cada dia implementa a vontade dos poderes imperialistas? Na verdade Morales adotou uma postura nacionalista, sem vínculos com um programa socialista. No decreto, a privatização de 1996 é descrita como uma “traição da pátria”! Isso está vinculado com uma visão de uma transformação da sociedade em “estágios”, jogando uma transformação socialista para um futuro distante. O vice presidente boliviano, Álvaro Garcia Linera, o “teórico” do governo, pensando num horizonte limitado pelas fronteiras do país, diz que o socialismo não viável na Bolívia nos próximos 50-100 anos. Em quanto isso, o que é necessário, segundo ele, é de desenvolver um “capitalismo andino-amazônico”.
A idéia de uma classe capitalista “andino-amazônica” na Bolívia é impossível até de imaginar. A classe capitalista na Bolívia é pequena, fraca e subjugada à vontade das forças imperialistas. Somente rompendo com o sistema capitalista e começando uma verdadeira integração fundada no socialismo que um novo futuro pode ser aberto para as pobres massas trabalhadoras do continente. A luta contra o neoliberalismo, que alastra o continente, já é uma grande fonte de inspiração para trabalhadores e jovens no mundo inteiro. Um governo verdadeiramente socialista iria eletrificar a situação no continente inteiro e além.
A necessidade de um partido revolucionário
Evo Morales o seu partido MAS (Movimento ao Socialismo) representa a ala mais moderada dos movimentos de massa que abalou a Bolívia desde 2003. Em outubro de 2003, quando 80 pessoas foram mortas durante os protestos que levaram à queda do presidente Lozada, Morales nem estava no país. O movimento era contra o plano de Lozada de um gasoduto ao Chile, onde o gás poderia ser exportado em forma liquefeita (GNL) aos EUA e ao México. O sentimento entre as massas era de que os recursos naturais mais uma vez estavam sendo saqueados beneficiando capitalista estrangeiros, enquanto dois terços do país vivem na pobreza. O setor petrolífero foi quase totalmente privatizado em 1996 e os impostos reduzidos de 50 a 18%.
O movimento levantou a bandeira da nacionalização, exigindo a expulsão das multinacionais, e que as riquezas do país fossem usadas para tirar o povo da pobreza. Enquanto o MAS jogava um pequeno papel no movimento contra Lozada, Morales rapidamente deu apoio ao novo presidente, Mesa (que era o vice de Lozada).
Quando Mesa chamou um referendo, em julho 2004, sobre o gás e o petróleo, a ala mais radical do movimento, como a central sindical COB, reivindicou um boicote ao referendo, dizendo que as questões ambíguas do referendo era uma maneira de desviar a atenção do movimento. Morales apoiou o referendo, e por isso foi expulso da COB. No referendo, 95% votou a favor da nacionalização, o que levou à “Lei dos Hidrocarbonetos” de Mesa em maio 2005.
A lei foi vista como insuficiente e foi a faísca para uma retomada do movimento. O Tribunal Constitucional tinha declarado que os 76 contratos feitos com as empresas multinacionais desde 1996 eram inconstitucionais. Para os ativistas, isso era uma prova de que as multinacionais deviam ser expulsas do país e o setor inteiro nacionalizado. A lei de Mesa dava uma chance para as multinacionais regularizar seus contratos, permanecendo no país, enquanto os impostos voltaram a ser de 50%. A posição do Morales vacilava entre somente exigir uma implementação do imposto de 50% (sem as isenções propostas por Mesa), e levantar a palavra de ordem da nacionalização, pressionado pelo movimento.
Falhas da direção da COB
Quando o movimento estava no seu auge, e o parlamento corrupto estava totalmente sem autoridade, a direção da COB começou levantar a necessidade de um governo dos trabalhadores e camponeses. A COB, a Fejuve (a Federação das Associações de Vizinho, que organiza os moradores de El Alto, a pobre cidade vizinha de La Paz) falava em chamar uma “Assembléia Popular” como uma alternativa ao governo e o parlamento, num massivo ato com 400.000 participantes, no dia 6 de junho. Mas essas idéias não se realizaram. Mesa renunciou como uma maneira de salvar o sistema, e mais uma vez Morales e o MAS apoiaram uma saída institucional e “segura” para a crise.
A falta de uma alternativa política clara, na forma de um partido revolucionário, com apoio de massas entre os trabalhadores e pobres camponeses, e apoio a uma alternativa socialista, possibilitou para a classe dominante restabelecer o controle sobre a situação. A direção da COB jogou um papel importante na construção do movimento, mas não deu passos na construção de um partido que poderia desafiar o MAS. Faltava uma compreensão da dinâmica do movimento, o que levou a importantes falhas táticas. Quando o movimento retrocedeu no segundo semestre de 2005, as esperanças das massas foram direcionadas às eleições chamadas para 18 de dezembro. Ao invés de lançar seus próprios candidatos, a COB e outros movimentos radicais chamaram um boicote das eleições. Mas, sem uma alternativa estrutura de poder, como “assembléias populares”, a grande maioria não queria perder essa oportunidade de poder expressar sua vontade. Evo Morales tinha por pouco perdido a eleição a presidente em 2002. Agora havia uma nova chance de eleger o primeiro presidente indígena do país, se não de todo o continente. Uma clara expressão de que o boicote foi um erro é o fato do MAS ter 88% dos votos em El Alto, que tinha sido o principal foco da luta no começo do ano. Evo Morales conseguiu uma grande vitória nas eleições, com 54% na eleição presidencial e uma maioria no congresso.
A COB e os movimentos deram ao novo governo uma breve trégua, três meses, para nacionalizar os hidrocarbonetos e ameaçaram retomar os protestos de massa se isso não fosse feito. Porém, foi provado que esse tempo não era suficiente para desenvolver uma oposição ao novo governo. A direção da COB subestimou o impacto da eleição de Evo Morales; o fato dos povos indígenas pela primeira vez ter “um deles” como supremo mandatário, prometendo uma Assembléia Constituinte que “refundaria” o país e livra-los-ia dos vestígios de 500 anos de colonialismo. Evo também começou seu governo implementando medidas simbólicas populares, como o corte de seu salário e de outros políticos pela metade, demitindo altos funcionários corruptos – tudo isso teve um efeito. O povo estava disposto a dar uma chance a Morales. Os líderes da COB lançaram planos de um novo boicote à Assembléia Popular, chamando uma assembléia paralela, e chamaram uma “greve geral” no 21 de abril, mas poucos apareceram para o ato convocado.
Contudo, mesmo a direção da COB estando enfraquecida no momento, isso não significou que as massas tinham esquecido as promessas de nacionalização feitas por Morales durante a campanha eleitoral. Para assegurar uma vitória nas eleições para a Assembléia Popular em julho, ele tinha que agir.
Além do decreto sobre a nacionalização dos hidrocarbonetos, Morales anunciou outras medidas. Uma das leis trabalhistas neoliberais, o artigo 55 do decreto 21.060, vai ser abolido. Ela dava aos patrões o direito de demitir trabalhadores sem justificativa. Mas isso muda a situação de poucos. Somente um quinto dos assalariados tem trabalho com carteira assinada, que paga imposto e contribui para a seguridade social.
O salário mínimo será elevado em 13,5%, de 440 a 500 bolivianos. Isso é muito menos do que os 1.500 bolivianos que Morales prometeu durante a campanha eleitoral, uma promessa que ele negou depois da posse. Muitos não vão ser atingidos nem por esse pequeno aumento. Nas cidades 27% ganham menos que um salário mínimo.
Evo Morales anunciou que a nacionalização dos hidrocarbonetos só é o começo, e será seguido pela nacionalização das terras, minas e florestas. Mas já está claro que a “nacionalização” da terra será limitada. Os grandes proprietários não vão ser atingidos, somente as terras ociosas e contratos ilegais e na zona da fronteira. Mesmo assim isso gerou medo nos fazendeiros brasileiros que produzem soja, que controlam 35% da produção da segunda maior mercadoria de exportação da Bolívia.
Na questão das minas, Morales não suspendeu a licitação das jazidas de ferro e magnésio de El Mutún, mesmo a empresa corrupta brasileira EBX sendo expulsa do país. É estimado que 70% das reservas mundiais de magnésio estejam em El Mutún.
A direção do MAS está usando a situação para tentar isolar e substituir os líderes mais radicais do movimento. Conseguiram substituir Felipe Quispe, que é muito crítico a Evo Morales, como líder da federação de pequenos camponeses, por um representante do MAS. Morales tentou incorporar representantes da Fejuve no governo, mas esses foram forçados a renunciar seus cargos pelo movimento por causa disso. No congresso da COB, que foi adiado para 25 de maio, terá uma disputa da direção do movimento. A manifestação chamada pela COB no 1° de maio foi bem menor que os atos festivos chamados por Morales.
A meta de Evo Morales é de obter uma maioria de dois terços nas eleições para a Constituinte, que daria ao MAS a possibilidade de refazer a constituição sozinho. A ala socialista e revolucionária do movimento tem que mostrar como as medidas de Morales, abrindo um diálogo com aqueles que agora têm ilusões no novo presidente do país. As organizações combativas e radicais precisam ter seus próprios candidatos, o que seria um passo importante na construção de um genuíno partido socialista revolucionário para os trabalhadores e pobres camponeses da Bolívia.