Bolívia: Revolução e contra-revolução – Ofensiva da direita radicaliza as massas e provoca ocupações de terras

O governo do MAS (Movimento Ao Socialismo) de Evo Morales ganhou uma esmagadora vitória no referendo revogatório de 10 de agosto de 2008, com 67.41% dos votos nacionais, em um comparecimento de 83.33%. O referendo revogatório não foi um “impasse”, como afirmado pela direita. Nas áreas cruciais de Cochabamba e Chuquisaca, que foram disputadas entre as forças da esquerda e da direita, Morales ganhou 70.90% e 53.88%, respectivamente. Mesmo nas províncias controladas pela direita na “meia lua”, Morales ganhou com 52.50% em Pando, 49.83% em Tarija, e 40.75% em Santa Cruz. Isso foi mais do que os votos conseguidos por Hugo Chávez e muito mais do que os votos para a coalizão da Unidade Popular de Salvador Allende, que governou o Chile em 1970-73.

A vitória esmagadora de Evo Morales reflete a demanda das massas bolivianas por uma transformação radical da sociedade boliviana, e sua oposição ao neoliberalismo e à classe dirigente. Essa vitória, portanto, aterrorizou a classe dominante, que teme que aumente a pressão para que Morales adote medidas mais radicais.

Após essa vitória, as forças reacionárias de direita nas províncias orientais da “meia lua” passaram para a ofensiva. A luta entre revolução e contra-revolução intensificou-se dramaticamente. A necessidade de audaciosas medidas socialistas é de urgência ainda maior, para derrotar a crescente ameaça da contra-revolução. Essa ofensiva da direita radicalizou setores importantes da classe trabalhadora e do campesinato, levando a ocupações de terras.

Após uma semana de intensas lutas, estão atualmente ocorrendo negociações entre representantes das províncias orientais e o governo central. Embora essas negociações pareçam ter resultado em uma calma temporária da situação, eles não resolverão a causa subjacente da crise. É uma questão de tempo antes que eclodam novos choques. Tal é a pressão das massas que o governo foi obrigado a prender o governador de Pando, Leopoldo Fernandez, durante as negociações. Ele é acusado de contratar pistoleiros para matar dezesseis camponeses a caminho de uma manifestação pró-governo. Infelizmente, o fracasso da direção do MAS e de Evo Morales de usar a vitória no referendo revogatório como um trampolim para levar a revolução adiante e derrubar o capitalismo permitiu que as forças da reação tomasse a iniciativa.

“Golpe Cívico” em Santa Cruz

Em 8 de setembro um “golpe cívico” foi organizado em Santa Cruz. Prédios do governo central, incluindo os escritórios de coleta de impostos, do Instituto Nacional de Reforma Agrária e a companhia de telecomunicações ENTEL, foram tomados e saqueados. O aeroporto local foi tomado e as estradas bloqueadas para cortar os acessos à cidade. O acesso ao aeroporto era possível apenas depois de passar por pontos de vistoria controlados por grupos de direita. Bandidos de direita, da organização de juventude semi-fascista Unión Juvenil Crucenista (UJC), entraram na mais pobre favela da cidade, a ‘Plan 3.000’, onde Morales tem um apoio massivo. Eles se vestiam com fardas militares e aterrorizaram crianças e jovens. Também ameaçaram fechar as válvulas e cortar o suprimento de gás ao Brasil. Também em outras províncias da “meia lua” houve ataques semelhantes.

Esse reacionário “golpe cívico” foi seguido por um sangrento massacre de camponeses em Pando. A carnificina foi claramente perpetrada com o envolvimento de proprietários de terra locais e do governador. O número total de mortos atualmente está em 30 – todas as vitimas eram camponesas e apoiadoras de Morales.

Morales expulsou o embaixador dos EUA por apoiar ativamente as organizações de direita na “meia lua”. Isso foi seguido pela expulsão do embaixador americano da Venezuela, por Hugo Chávez, em solidariedade com Morales. O governo hondurenho recusou-se a aceitar as credenciais diplomáticas do novo embaixador americano. Os EUA responderam com a expulsão dos embaixadores venezuelano e boliviano de Washington.

Essa crise na Bolívia tem implicações e repercussões regionais. As classes dominantes da América Latina estão aterrorizadas com a possibilidade de que a eclosão da guerra civil na Bolívia possa se espalhar por todo o continente.

Além disso, um possível fracionamento da Bolívia, com as províncias orientais da “meia lua” separando-se e tomando as reservas de gás e energia, provocaria uma série de disputas envolvendo Chile, Brasil e Argentina. Temendo essas conseqüências, os governos do Brasil, Chile, Argentina e outros declararam apoio a Morales e oposição à direita na “meia lua”. Com essa intervenção eles esperam exercer mais pressão sobre Morales para manter o movimento de massas em cheque e romper futuros desdobramentos revolucionários. Essa pressão internacional, e o equilíbrio imediato das forças de classe na Bolívia, provavelmente é a razão porque a direita concordou nas negociações com o governo – por hora!

O imperialismo dos EUA está claramente apoiando as forças reacionárias na “meia lua”. Significativamente, o regime Bush não condenou ou criticou o recente “golpe cívico”. A crise em Santa Cruz eclodiu horas após Branco Marinkovic, presidente do reacionário Comitê Cívico pró-Santa Cruz, retornar de Miami. Lá ele se encontrou com o antigo ministro boliviano, Sánchez Berzaín. Berzaín era conhecido como o “linha dura” do antigo governo de direita de Gonzalo Lozada, que foi derrubado por um levante de massas em 2003. Berzaín agora mora no exílio em Miami, e é procurado por “genocídio” na Bolívia, após seu papel de repressor dos protestos de massas de 17 de agosto de 2003. Nestes choques, 67 manifestantes foram mortos e mais de 300 feridos.

Contra-revolução planejada

A recente ofensiva contra-revolucionária foi claramente planejada e preparada, após a vitória esmagadora de Evo Morales no referendo revogatório. Depois dessa vitória eleitoral, Morales anunciou seus planos de continuar com um referendo sobre a nova constituição, em dezembro de 2008. As reformas incluídas no esboço da constituição aumentariam a influência dos povos indígenas – que formam a maioria esmagadora da população – e também introduzem importantes reformas de uma renda mínima, pensões e serviços de saúde. Ela também estabelecia um limite sobre a quantidade de terra que pode ser mantida pelos grandes latifundiários – 5.000 ou 10.000 hectares. Hoje, muitos dos grandes proprietários possuem centenas de milhares de hectares de terra. Um massivo programa de reforma agrária, que resultaria inevitavelmente em uma luta amarga, seria necessária para cumprir essa cláusula da nova constituição. Essa foi, sem dúvida, uma das propostas que causaram mais medo e indignação entre a direita.

Imediatamente após o referendo revogatório, a direita em Santa Cruz começou a ir para a ofensiva. Após sua ratificação como prefeito, Ruben Costas denunciou Morales como um “ditador” e, num insulto claramente racista, referiu-se a ele como um “macaco”. Costas condenou o partido do governo, o MAS, como “terroristas de estado”. Como um presságio dos eventos que ocorreriam em poucas semanas, Costas também anunciou planos de eleger uma nova Assembléia Legislativa Autônoma, e de estabelecer uma força policial e uma agência departamental de impostos paralelas. Em 15 de agosto, Costas liderou uma manifestação que terminou com seus apoiadores surrando o chefe de polícia local e seu vice. A semi-fascista UJC também marchou sobre uma reunião da câmara local. Segundo reportagens, eles pretendiam linchar o único vereador eleito do MAS.

Essa ofensiva da direita, até o momento, tem se limitado às províncias da “meia lua”. Mas esses acontecimentos são um presságio da ameaça da contra-revolução. Essa pode tomar a forma de uma tentativa de golpe por setores dissidentes das forças armadas, em conjunto com as províncias de direita da “meia lua”.

As iniciativas da direita em Santa Cruz foram apoiadas pela oposição de direita, Podemos, no congresso nacional. Seu líder, Jorge Quiroga, declarou abertamente que os eventos em Santa Cruz eram um “golpe democrático, um chamado à guerra civil. Morales está agindo agora como um ditador e não como um presidente constitucional”.

O alarme deveria ser soado após a declaração do coronel aposentado do exército Joaquín Rejas Ledesma, que fez um apelo aberto a: “Meus camaradas nas Forças Armadas. O papel e a responsabilidade das Forças Armadas é cumprir a Constituição Política do Estado, o respeito à propriedade privada… com uma firme oposição às lutas anarquistas das classes sociais que estão tentando desestabilizar a ordem constitucional… Não podemos duvidar que as intenções deste governo é destruir o sistema social democrático e os direitos da propriedade privada…”, (La Opinión, 30 de agosto de 2008).

De forma alternativa, a contra-revolução pode tomar a forma das províncias da “meia lua”, separando-se de fato da Bolívia, levando com elas as reservas de gás e energia e as ricas terras dos latifundiários. A direita na “meia lua” tem usada a demanda por maior “autonomia”, incluindo uma maior fatia dos recursos de gás e energia, como uma ponta de lança para sua agenda contra-revolucionária.

Os Marxistas e o direito à auto-determinação

Os marxistas defendem o direito de auto-determinação, incluindo até o direito de secessão, se apoiado por uma maioria dos povos interessados. Esse direito democrático forma uma parte do programa revolucionário da classe trabalhadora. Contudo, uma defesa geral do direito de auto-determinação não é suficiente para os marxistas ou para a classe trabalhadora. É preciso também ver a situação concreta que existe em cada situação específica. O apoio ao direito de auto-determinação não significa que essa demanda democrática esteja acima dos interesses globais da classe trabalhadora e da luta pelo socialismo. Ela está subordinada aos direitos e interesses da classe trabalhadora como um todo. Há importantes exemplos de lutas históricas da classe trabalhadora internacional que possuem lições para os marxistas sobre como abordar essa questão.

Após a Primeira Guerra Mundial, a Saarlândia (uma região alemã na fronteira ocidental com a França) foi posta sob a tutela francesa. Em 1935, ocorreu um plebiscito sobre sua reincorporação à Alemanha. Embora essa fosse uma questão nacional clara, Trotsky opô-se à reincorporação da Saarlândia à Alemanha (naquela época), pois isso teria significado pôr o povo da Saarlândia sob o tacão de ferro do fascismo, e isso teria fortalecido o regime nazista de Hitler. Em outras palavras, as aspirações nacionais estavam subordinadas aos interesses globais da classe trabalhadora.

Durante a guerra civil russa, após a Revolução Russa de outubro de 1917, as forças contra-revolucionárias na Ucrânia na “Guarda Branca” levantaram a bandeira da “independência ucraniana”. Eles usaram essa demanda de um modo contra-revolucionário; como meio de combater a revolução socialista. A eles se opuseram os trabalhadores e camponeses politicamente mais conscientes, que saudaram a intervenção do Exército Vermelho da Rússia para ajudar a revolução operária e camponesa na Ucrânia. Após a vitória da revolução, Lenin e Trotsky, antes da ascensão do regime stalinista, apoiaram os direitos nacionais e democráticos do povo ucraniano, como parte de uma federação socialista.

Na situação concreta que existe em Santa Cruz e na “meia lua”, a elite dominante levantou a demanda por “autonomia” como um meio de defender seus próprios privilégios e obter o domínio da sociedade. Nestas províncias, a elite tenta governar com uma “mão de ferro” e oprimir os povos indígenas. Eles estabeleceram um “apartheid social” boliviano. No centro de Santa Cruz, bares e restaurantes exibem placas recusando a entrada de pessoas indígenas! A defesa da “autonomia” pela direita reacionária da “meia lua” não tem nada a ver com as aspirações democráticas dos povos oprimidos, que são defendidos pela classe trabalhadora. A elite dominante quer “autonomia” para continuar sua exploração, para governar os povos indígenas e manter o controle sobre as reservas de gás e energia.

Entre uma camada dos oprimidos em Santa Cruz, a elite dominante conseguiu parcialmente semear a confusão sobre essa questão e foi capaz de ganhar alguns pontos de apoio para ela. Isso em grande parte é devido à fraqueza do programa do MAS e do governo central de lidar com essa questão e oferecer a essas pessoas uma alternativa, seja em relação às demandas democráticas nacionais ou às demandas econômicas dos povos interessados. O fracasso do governo de romper com o capitalismo e o latifúndio reforçaram isso, pois aprisionou o governo do MAS no que é “possível” dentro do sistema capitalista. Isso foi usado pelo regime da direita em Santa Cruz. Eles prometeram, por exemplo, quase dobrar o salário mínimo se a “autonomia departamental” fosse assegurada.

Ao mesmo tempo, a verdadeira posição da elite governante foi mostrada durante o “golpe cívico”, quando ela impôs um locaute dos patrões sobre muitos trabalhadores. O massacre dos camponeses Pando é um alerta do que significaria a “autonomia”, na realidade, na “meia lua”. O fato de que mais de 40% votaram em Morales no referendo revogatório em Santa Cruz mostra que grandes setores dos povos indígenas e pobres entendem isso. Com um apelo mais claro e decisivo às massas de Santa Cruz, a base da direita poderia ter sido minada.

Neste momento, os povos indígenas da Bolívia não estão exigindo o direito de secessão, mas direitos culturais, lingüísticos e sobre a terra. Os marxistas apóiam o direito dos povos guaranis, weenhayek, tapieté, ayoreo, etc. de defender sua cultura, língua e outros direitos locais, incluindo direitos de autonomia para essas comunidades, se elas quiserem. Mas a elite dominante não oferece tal programa para esses povos. Ao invés, ela quer a “autonomia” para Santa Cruz e a “meia lua”, mas com a elite tendo liberdade para dominar e explorar esses e outros povos, e, claro, tendo total controle sobre as reservas de gás e energia concentradas nestas áreas. Os genuínos direitos democráticos e culturais dos povos indígenas nestas áreas podem ser garantidos apenas por um governo dos trabalhadores e camponeses na Bolívia, e pela derrubada do latifúndio e do capitalismo.

Negociações e lutas futuras

As negociações ocorrendo atualmente entre os líderes da direita da “meia lua” e o governo podem resultar em um impasse temporário, mas não que não irá durar. Novos conflitos e choques são inevitáveis, enquanto o choque subjacente dos interesses da massa da população e da reacionária elite privilegiada continuar irresolvido.

O apoio esmagador para Morales no referendo revogatório refletiu a demanda por uma transformação radical da sociedade boliviana. Para realizar essas aspirações, e também para derrotar decisivamente a ameaça da reação, é urgente que a luta seja levada adiante, através de uma transformação socialista revolucionária da Bolívia.

Evo Morales desfruta de apoio massivo e há grandes expectativas de que esse governo irá terminar com a pobreza e a miséria que destroem as vidas da maioria da população, no que é o mais pobre país sul-americano. Programas sociais como o pagamento de bolsas a todos os estudantes primários, através do projeto Juancito Pinto, e o Renta Dignidad, com o objetivo de fornecer uma qualidade de vida mínima básica para idosos, são muito populares. Eles despertaram enormes expectativas entre as massas. A nacionalização parcial da Petrobras e outras multinacionais do petróleo, ganharam enorme apoio entre as massas, que estão agora exigindo medidas mais radicais.

Contudo, essas reformas populares mas relativamente limitadas não terminaram com a pobreza miserável que existe para a massa da população. Mesmo assim, despertaram o ódio amargo da elite dominante, especialmente as propostas de Morales de usar os recursos dos hidrocarbonetos concentrados nas províncias da “meia lua”. A indignação da elite governante com essas reformas alcançou novas alturas quando a proposta de limitar a propriedade da terra a 5.000 ou 10.000 hectares foi anunciada.

Todas essas demandas mínimas das massas entraram em choque com os interesses da classe dominante, especialmente aqueles setores que constituem a “meia lua”. O choque de classes e interesses sociais, como os recentes eventos demonstraram, é irreconciliável. A continuação do capitalismo e do latifúndio não permitirá que as reformas que têm sido implementadas sejam mantidas e estas estarão sob constante ataque. A pobreza e falta de desenvolvimento da economia boliviana não podem ser resolvidas com a continuação do capitalismo e do latifúndio; contra o pano de fundo da séria recessão econômica mundial que se desenvolve agora, ainda há menos possibilidade disso. A corrupção da elite dominante, sua dominação pelo imperialismo e a economia mundial, tudo isso mostra que não será possível desenvolver o capitalismo. Para manter os programas de reforma social, para desenvolver a sociedade boliviana e elevar os padrões de vida e a qualidade de vida das massas, uma ruptura conclusiva com o capitalismo e o latifúndio é necessária. A ameaça da reação mostra que isso agora é uma tarefa necessária e urgente para a classe trabalhadora, os camponeses pobres e os outros explorados pelo capitalismo.

‘Capitalismo Humano’ ou um corajoso programa socialista

Infelizmente, esse não é o programa de Evo Morales ou do MAS. Eles buscam a construção de uma forma mais “humana” de capitalista antes da revolução socialista. O que o vice-presidente, Alvaro García Linera, chamou de “capitalismo andino” – uma “etapa necessária” antes que a revolução socialista seja colocada. Mas as questões centrais na Bolívia são o desenvolvimento da indústria, um radical programa de reforma agrária, a obtenção de direitos democráticos e nacionais e a independência do imperialismo.

O governo está tentando uma série de mudanças e reformas que se destinam à maioria dessas questões. Mas essas medidas ainda deixam o poder econômico concentrado nas mãos da elite dirigente e entrarão em uma colisão frontal com os interesses desta, que se opõe amargamente a elas porque sente que seus interesses estão ameaçados.

O limitado programa de reforma agrária implementado pelo governo ilustra as contradições que existem. Desde que Morales chegou ao poder, 500.000 hectares de terra foram tomados dos grandes proprietários e dados a camponeses pobres ou a cooperativas. A maioria desta é terra ociosa, de baixa qualidade. Cinco milhões de hectares de terra são possuídos por dois milhões de camponeses pobres. Mas uma centena de famílias possui incríveis vinte e cinco milhões de hectares! Estas cem famílias nunca irão aceitar a reforma proposta na nova constituição de limitar a posse de terra a 5.000 e 10.000 hectares.

Ao permitir-se ser aprisionado pelo capitalismo, o MAS já começou a entrar em conflito com as demandas do movimento de massas. Demandas dos sindicatos por uma pensão por aposentadoria estatal garantido aos 55 anos (a expectativa de vida na Bolívia é de 62 anos) foram criticadas pelo governo como “inviáveis”. Na corrida para o referendo revogatório, quando alguns trabalhadores chamaram greves e protestos de massas para exigir essas reformas, eles foram atacados pelo governo como “agentes da direita”.

Infelizmente, Evo Morales e o MAS estão adotando políticas com o objetivo de apelar para a elite dominante e alcançar um “meio termo”, ao invés de uma política e programa para derrubarem essa elite. Eles estão repetindo os mesmos erros de Salvador Allende, no Chile, no começo dos anos 70. Allende foi muito mais longe do que Morales, até agora, na transgressão dos interesses do capitalismo. Contudo, embora várias companhias nacionais e multinacionais fossem nacionalizadas, o capitalismo não foi derrubado no Chile. Allende tentou fazer acordos com a classe dirigente e militar. Ele até levou Augusto Pinochet para seu governo – o mesmo Pinochet que liderou o golpe militar em 11 de setembro de 1973. Essa política apenas deu aos capitalistas e militares tempo para preparar o terreno para a derrubada de Allende e esmagar a classe trabalhadora sob o tacão de ferro de uma ditadura militar.

Em cenas tragicamente semelhantes às de Santiago de 1973 (quando 500.000 trabalhadores manifestaram-se em frente de Allende exigindo armas para a luta contra os golpistas) centenas de milhares marcharam em La Paz após a vitória de Morales no referendo revogatório. Eles gritavam: “Evo, mano duro; mano duro” (“Evo, mão firme, mão firme”). Eles foram respondidos por Evo Morales, que declarou: “Quero aproveitar a oportunidade de saudar e expressar meu respeito pelos prefeitos ratificados [na “meia lua”]; nós respeitamos a sua legitimidade e os chamamos a trabalhar de um modo unificado”.

O ‘respeito’ que eles, em troca, mostraram a Morales e à massa dos trabalhadores e camponeses, apenas algumas semanas depois, foi mostrado no massacre de camponeses em Pando e no “golpe cívico” em Santa Cruz.

Ao invés de confrontar esse movimento reacionário, tomando os passos necessários para levar a revolução adiante através de mobilizações das massas, o governo anunciou que desafiaria a reação por “todas as medidas legais necessárias”.

Não há nada errado em explorar qualquer abertura legal ou parlamentar que exista. Mas essas devem ser acompanhadas pelos passos necessários para mobilizar e organizar a massa da população contra a ameaça da reação. Apoiar-se apenas em procedimentos parlamentares e judiciários, em tal confronto, é uma receita para uma repetição da tragédia chilena em 1973.

Um Programa de Luta

Convocar manifestações de massas para se opor ao “golpe” em Santa Cruz por toda a Bolívia teria ajudado a preparar e elevar a confiança dos trabalhadores, camponeses pobres e dos movimentos sociais. Em particular, teria elevado o moral das massas em Santa Cruz para confrontar a direita, face a face. As mobilizações de massas poderiam ter sido uma plataforma para um apelo às massas, para ligar todos os movimentos sociais, organizações operárias e camponesas em comitês de luta e defesa, em todas as localidades. Tais comitês seriam escolhidos com base em delegados eleitos e sujeitos à revogação pelas assembléias que os elegeram. Comitês locais também poderiam eleger representantes para organizações municipais, estaduais, regionais e nacionais para coordenar a luta.

Em Santa Cruz, e nacionalmente, milícias democráticas de defesa para proteger as comunidades dos ataques dos grupos paramilitares de direita, como a UJC, são agora uma tarefa urgente para o movimento.

Ao mesmo tempo, é urgente que o movimento alcance as bases do exército, que são esmagadoramente de origem trabalhadora e camponesa pobre, e simpáticas às lutas sociais do povo. A eleição de comitês de soldados e o expurgo de conspiradores golpistas e apoiadores da direita são essenciais para impedir a vitória da contra-revolução.

Estas tarefas também precisam se ligar à necessidade da formação de um governo dos trabalhadores e camponeses, com um programa socialista revolucionário que inclua a tomada das terras das 100 famílias mais ricas e sua redistribuição aos camponeses pobres e cooperativas; nacionalização dos bancos e companhias multinacionais e das principais empresas que dominam a economia do país. Esses passos, junto com a introdução de um sistema democrático de controle e gestão dos trabalhadores da economia, são a maneira de assegurar que a reação seja decisivamente derrotada e abrir o caminho para um planejamento socialista da economia.

Elementos importantes deste programa já foram formalmente adotados, no passado, pela principal central sindical, a COB, e pelas federações camponesas. Após a recente ofensiva da direita, a COB e a federação camponesa chamaram pela formação de milícias e pela ocupação das propriedades dos latifundiários envolvidos no “golpe cívico”. Essas declaração precisa ser urgentemente implementada, junto com outras medidas para derrubar o capitalismo e o latifúndio.

Junto com um apelo aos trabalhadores da Venezuela, Cuba, e do resto da América Latina para se unirem e derrubarem suas classes dominantes para criar uma Federação Socialista Democrática dos estados latino-americanos, estes são os passos necessários para derrotar a reação e levar a revolução socialista adiante na Bolívia.

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