Rússia: Cuidado com a queda dos BRICs
Bolsa de valores russa suspendeu as operações em três ocasiões – crise econômica iminente
O colapso dos bancos americanos está ocupando as manchetes em todo o mundo. Mas as conseqüências da atual crise também estão começando a atingir os chamados BRIC – Brasil, Rússia, Índia e China – as supostas novas “economias milagrosas” que foram louvadas por comentaristas pró-capitalistas como o novo motor em potencial para a economia mundial. De fato, enquanto que em 2001, quando eles respondiam por menos de 10% do PIB mundial (com um terço da população), agora eles respondem por quase 15%.
Mas em cada um desses quarto países, os efeitos da crise estão começando a se fazerem sentir. Enquanto Nova Iorque e Londres foram assoladas pela “volatilidade”, perdendo quase um sexto de seu valor desde maio, as quedas nos BRIC foram fenomenais. O índice MSCI BRIC caiu em 37% desde janeiro, a Bovespa brasileira em 15% desde janeiro, e 38% desde seu auge em maio, e a bolsa de Mumbai na Índia caiu em 32% desde janeiro. A bolsa de Xangai está em queda livre. Desde seu auge de 6124 pontos em outubro de 2007, ela caiu agora para 2154 – uma queda incrível de mais de 60%. Já na China, 67.000 empresas entraram em bancarrota, acrescentando mais 2 milhões à lista de desemprego.
Fora a crise geral no crédito, esses países sofreram com as quedas nos preços mundiais de commodities. Tão volátil estava a bolsa de valores russa que as autoridades suspenderam as atividades em três diferentes ocasiões desde o começo de setembro. Mas se provou impossível obstruir a tendência geral. A bolsa russa caiu, de seu auge, em maio, de 2.500 para 1.340 pontos hoje – uma queda de 45%, em apenas 4 meses.
As bolsas chinesa e russa tiveram duas das melhores performances mundiais em 2007, mas em 2008 elas tiveram as piores. Essas quedas são significativas em mais de uma maneira. Dez anos atrás, essas bolsas não jogavam um grande papel na economia mundial. Contudo, o valor combinado das quatro bolsas é agora de 7 trilhões de dólares, aproximadamente duas vezes o tamanho da bolsa de Londres (4 trilhões). A movimentação de ações é de 5 trilhões por ano, comparados com os 9 trilhões de Londres.
Embora os governos chinês e indiano digam que os Investimentos Estrangeiros Diretos (FDI, em inglês) ainda estão florescendo nestes países, na Rússia eles estavam secando antes da guerra na Geórgia. O ministro das Finanças, Alexei Kudrin, relatou que durante os cinco dias da Guerra mais 16 bilhões de euros fugiram da Rússia. Nos últimos três meses, os fundos dos mercados emergentes viram uma saída de $26 bilhões, comparada com um influxo de $100 bilhões nos cinco anos anteriores. Em outras palavras, mais fugiu dos mercados emergentes nos últimos três meses do que entrou durante um ano médio!
A reação dos governos foi em grande parte previsível. O governo indiano injetou 7 bilhões de dólares de suas reservas para apoiar a rúpia. O governo chinês usou seus ainda consideráveis ativos estatais para ajudar os bancos comerciais. A principal força dirigente para o crescimento da China tem sido suas exportações, mas o volume de seu crescimento caiu pela metade no ano passado. A bolha do boom de imóveis também está sob pressão. As vendas de imóveis nas grandes cidades caíram em 40%-50% no ano passado, segundo as companhias imobiliárias de Hong Kong.
Crise iminente
Os sinais mais claros de uma crise iminente são vistos na Rússia. Tendo fechado a bolsa de valores para impedir a continuidade do colapso, o governo fez todo o possível para tentar acalmar a situação.
O presidente Medvedev tenta convencer a todos que a economia russa está em uma posição sólida e quaisquer dificuldades temporárias causadas pela crise dos EUA serão rapidamente superadas. Nos noticiários da televisão os problemas enfrentados na Rússia são mencionados apenas como uma nota de rodapé das reportagens sobre a crise americana.
Mas as “pequenas dificuldades temporárias” estão provando ser muito grandes. Depois do colapso do Freddie Mac e do Fanny Mae, descobriu-se que o estatal Sberbank, o maior banco da Rússia, esteve ajudando os EUA a resolverem seu problema de débito investindo mais de 100 bilhões de dólares nos dois bancos americanos. Em agosto, este número caiu para 30 bilhões, parcialmente como resultado da venda de ações do Sberbank, parcialmente como resultado da queda no valor das companhias americanas. Esse era o primeiro sinal de que a Rússia não era o paraíso seguro que Putin tinha apresentado no início do ano.
Depois do colapso do Lehman Brothers, começaram os verdadeiros problemas. No primeiro dia da crise, o governo russo injetou 20 bilhões de dólares no mercado. No momento em que escrevemos, ele tinha distribuído 127 bilhões de dólares, que incluem 20 bilhões para apoiar dois dos maiores bancos e a companhia petrolífera Rosneft. Considerando que o PIB dos EUA é quase 10 vezes o tamanho da economia russa, esse soma seria o equivalente ao governo americano doando 1,27 trilhão de dólares.
Em termos proporcionais, a ajuda aos grandes negócios na Rússia é provavelmente duas vezes o tamanho da ajuda americana, e ainda é raramente mencionada nas páginas de negócios da imprensa russa. Isso, é claro, pode ser devido ao modo como o apoio é dado; normalmente comprando ações nas companhias no exterior que nominalmente possuem os bancos. Desnecessário dizer, freqüentemente há ligações entre essas companhias e os ministros do governo.
Apesar disso, ainda houve crise nos bancos. O Banco de Investimento Estatal, cujo presidente é Vladimir Putin, foi forçado, essa semana, a intervir para comprar 95% do banco Svyaz bank, o 20º maior banco privado na Rússia. Esse banco é importante, já que lida com todas as transferências monetárias para o pagamento de pensões em toda a Rússia, e não podia mais garantir o livre fluxo de dinheiro. Ao mesmo tempo, dois outros bancos de investimentos, o Renaissance Capital e o KIT Finance foram forçados a uma reestruturação de emergência. O Renaissance Capital é principal companhia investidora na Rússia. Metade de suas ações foram compradas por um dos oligarcas russos por meio bilhão de dólares, no que é descrito como “não um resgate, mas um golpe preventivo”. Mas o dinheiro pago sublinha a escala da crise; 2 anos atrás, esse banco valia 4 bilhões. Espera-se agora que uma leva de bancos de segundo ou terceiro escalão ou entrarão em colapso ou serão forçados a se venderem para os bancos estatais.
A crise do rublo, em 1998, junto com a crise econômica do sudeste asiático abalou as economias mundiais. Paradoxalmente, os 30% de desvalorização resultante do rublo, que ocorreu praticamente da noite para o dia, ajudou a preparar uma década de crescimento econômico. Significava que as importações russas eram caras e, portanto, os russos começaram a comprar mais bens produzidos no país, impulsionando os produtores locais. Mas os outros fatores por trás dos anos recentes de crescimento foram, claro, o preço do petróleo e do gás. Durante os anos 90, os preços do petróleo nunca estiveram acima de 22 dólares o barril. A partir de 2000, coincidindo com a eleição de Putin como presidente, os preços do petróleo dispararam. Isso deu uma enorme injeção de dinheiro na economia russa e, pelo menos até 2005-2006, agiu como um grande impulsionador para o crescimento econômico. No ano passado, a economia cresceu em cerca de 8%.
Investimento desigual
Mas mesmo antes de eclodir a crise bancária e de crédito nos EUA, sinais de problemas crescentes estavam aparecendo na economia russa. Apesar da enorme quantidade de dinheiro do petróleo afluindo para a economia, o investimento era muito desigual. Como resultado da queda dos preços do petróleo e do gás, o rublo foi ficando muito forte. Isso significava que era muito caro financiar os investimentos em setores não ligados aos setores de gás e petróleo. No melhor, as companhias eram capazes de substituir apenas o material quebrado e não desenvolviam novos potenciais. Mesmo o setor de petróleo sofria desse problema. Nos últimos 10 anos, a Rússia não conseguiu expandir significativamente sua produção potencial de petróleo. De fato, neste ano a produção na verdade caiu ligeiramente. Agora os patrões do petróleo dizem que não têm dinheiro para investimentos. A Lukoil, por exemplo, está para cancelar seu programa de investimentos, argumentando que ele se baseava em um preço do petróleo de $105 dólares o barril, e não de $95, o que era mais realista.
Agora, algumas companhias estão se queixando de que é quase impossível achar qualquer crédito, ou mesmo manter as operações cotidianas. Isso resultou em uma crise em um dos aeroportos de Moscou, onde 6 vôos de linhas aéreas regionais foram cancelados por que as companhias implicadas não podiam pagar pelo combustível. Passageiros ficaram abandonados por uma semana, até o governo salvar as linhas aéreas permitindo que uma das “corporações estatais” (“Tecnologia Russa”) se apropriasse delas.
Estes são os relatos contraditórios, no que concerne à produção industrial. Uma pesquisa conduzida por um grande instituto de pesquisa, no fim de agosto, indicou que o crescimento da produção industrial era quase zero. Isso e contestado por estatísticas do governo, que falam de uma taxa de crescimento anual de 5% (embora, no último ano, fosse de 7%). O que não se discute é que o crescimento industrial está desacelerando. Nos anos 2005, 2006 e 2007, o investimento do capital cresceu em 10,7%, 13,7% e 21,1%, respectivamente. Esse ano terá sorte se crescer em 9%.
Também, pela primeira vez em vários anos, reapareceu o fenômeno no atraso nos pagamentos – em agosto, estes atrasos cresceram em 14%, embora o nível absoluto de atrasos seja consideravelmente menor do que durante os anos de pesadelo da década de 90.
Mas talvez a ameaça mais imediata esteja colocada pelo mercado de imóveis. Começaram a aparecer manchetes nos jornais, perguntando “O que significa os maiores construtores do país anunciarem que estão congelando os projetos de construção?” Uma das maiores companhias anunciou que estava congelando, por pelo menos 1 ano, e talvez 2 ou 3, um projeto para a construção de 10 milhões de metros quadrados de novos apartamentos. Outra companhia anunciou que estava vendendo sítios de construção válidos meio bilhão de dólares. Um analista revelou que porque os construtores não podem mais achar o dinheiro para financiamento, a maioria dos projetos estão agora atrasados em pelo menos 6 meses. Ele explica que os “construtoras” estão se queixando porque eles tiraram dinheiro de setores menos lucrativos e mais arriscados para entrar no mercado de construção, acreditando que ele continuaria a crescer rapidamente. Mas após a quebra da bolsa, em media as ações das construtoras caíram em 15%-25%, e assim não elas não podem mais manter seus compromissos. Agora que estão aparecendo os primeiros sinais de uma crise, circulam rumores que acrescentam combustível ao problema. Falam de que os preços dos apartamentos cairão em pelo menos 20% nos próximos meses. Mesmo sem a crise atual, seria apenas uma questão de tempo antes que isso acontecesse, já que há claramente uma super-capacidade na indústria de construção, pelo menos nas grandes cidades. Mas agora que os potenciais compradores sabem dessa especulação na queda dos preços, eles hesitarão antes de continuarem com novas compras. Isso também afetará o setor industrial. Estima-se que até 15% da produção industrial na Rússia responde ao mercado de construção.
Mas o outro fator que aumenta os problemas é os gastos do governo. No início do boom do petróleo, o governo conseguiu transformar o déficit no orçamento em um superávit. Isso foi feito, de um lado, por um corte drástico nos gastos e, de outro lado, aumentando as receitas do setor de gás e petróleo. O primeiro superávit no orçamento foi calculado sob um preço do petróleo de 24 dólares o barril. Desde então, o governo usou o enorme aumento nas receitas para criar um “fundo de estabilização” de 500 bilhões de dólares e lançar vários “projetos nacionais”, por exemplo na educação, habitação e saúde. Embora esses projetos tenham criado algumas melhorias superficiais, as principais conseqüências foram o aumento da inflação (agora oficialmente esperada para atingir 15% esse ano) e criar um massivo aumento na corrupção. Mas não é mais possível esperar um superávit no orçamento se os preços do petróleo caiem abaixo de 85 dólares o barril. E como se pode ver, o fundo de estabilização não é tão grande – no presente, os 127 bilhões que foram prometidos para estabilizar a bolsa virá de fontes orçamentárias federais. Mas as pressões sobre o fundo de estabilização já estão crescendo, já que o governo anunciou que ele será usado para resgatar os fundos de pensões, sofrendo com o resultado da crise demográfica.
Conseqüências da baixa econômica
As taxas de crescimento ainda estão relativamente altas nos BRICs, mas está claro que as nuvens da tempestade estão se aproximando. Embora ainda não esteja claro como exatamente a crise econômica irá se desenvolver, a única coisa que pode ser dita é que, certamente, o último período de crescimento chegou ao fim.
Isso tem grandes conseqüências para milhões de trabalhadores e camponeses russos. Após o colapso da União Soviética e os desastrosos anos Yeltsin, o boom do petróleo e do gás fez com que setores das classes médias e trabalhadores qualificados conseguissem melhorar seus padrões de vida, em um grau limitado, embora ao custo de longas horas de trabalho, poucos direitos e freqüentemente, pobres condições de trabalho. Milhões de outros, contudo, especialmente no interior e nas regiões, ainda lutam para satisfazer as necessidades humanas básicas. Agora o país enfrenta a volatilidade econômica, a incerteza e a possível recessão econômica. Putin e Medvedev encontrarão sua limitada base social de apoio seriamente erodida e não mais serão capazes de apontar para o boom econômico como a “permuta” necessária para seu governo autoritário. Mais trabalhadores e jovens serão forçados a buscar uma alternativa aos “partidos” pró-mercado e pró-Putin. O chauvinismo e nacionalismo populistas engendrados pelo regime, que alcançaram um auge na curta guerra com a Geórgia, cada vez mais soarão ocos para milhões de russos que enfrentam o desemprego e lutam para satisfazer suas necessidades. Nesta situação, uma clara alternativa de classe pode ganhar um amplo eco entre os trabalhadores e a juventude. Genuínos sindicatos independentes são necessários para defender os empregos e condições de trabalhadores para lutar por um salário decente. Um novo partido de massas dos trabalhadores é essencial para articular os verdadeiros interesses dos trabalhadores e jovens; opondo-se aos partidos reacionários chauvinistas e pró-mercado de Putin, e oferecendo uma alternativa de genuína solidariedade internacional dos trabalhadores e de oposição ao capitalismo.