O resultado das eleições reflete a estabilidade de ontem
O PSOL deve chamar voto nulo no segundo turno e preparar os trabalhadores para a crise econômica e os novos ataques
O resultado das eleições municipais no dia 05 de outubro reflete a estabilidade relativa que marcou esse ano. Nas 20 das 26 capitais onde os atuais prefeitos disputaram a reeleição, ficaram em primeiro lugar na disputa em todas elas, sendo que em 13 capitais já se elegeram no primeiro turno.
Isso se deve ao crescimento econômico relativamente forte no último ano, acima de 5%, e conseqüentemente, ao desemprego menor, aumento dos salários (mesmo que não se tenha recuperado os níveis anteriores, e que o aumento dos alimentos tenha aumentado o custo de vida para os mais pobres) e do consumo (muito disso baseado em crédito).
O governo Lula usou esses elementos para lançar uma ofensiva de propaganda dando uma idéia de que o país agora terá um longo período de crescimento e estabilidade. Junto com isso, Lula declarou que as novas reservas de petróleo do pré-sal serão usadas para finalmente resolver os problemas da educação e saúde, num futuro próximo. O governo continuou a alegar até recentemente que a economia era tão forte que a crise financeira mundial não teria nenhum efeito grave no Brasil.
De outro lado, não há uma verdadeira oposição à política neoliberal do governo, com a oposição da direita defendendo a mesma política e a esquerda ainda fraca e fragmentada demais para influenciar o debate. Isso também reflete um baixo nível de luta e um processo ainda incipiente de recomposição da esquerda combativa, seja no âmbito político, mas também nos movimentos sindical, social e estudantil.
A aprovação de Lula nessa situação bateu novo recorde, chegando a 80%. Essa aprovação não é só baseada num otimismo em relação à economia, que para grande parte da população é algo bastante abstrato, mas também está ligada às políticas assistencialistas e compensatórias do governo. Apesar de insuficientes, elas servem para ganhar apoio ao governo entre camadas mais pobres. Por isso, vimos que poucos queriam bater de frente com Lula nas eleições. No Rio de Janeiro havia quatro candidatos que competiam entre si pelo título de “candidato do Lula”.
Desde que o PT se adaptou totalmente ao sistema, as campanhas se baseiam em propaganda de TV e cabos eleitorais pagos, além do uso descarado da máquina governamental no caso dos candidatos da situação. A campanha de 2008 não foi diferente. O debate continua sendo despolitizado, um espetáculo de mesmice, com todos os principais candidatos tentando se mostrar como os melhores administradores do mesmo projeto.
Essa idéia de que um prefeito não é mais do que um síndico para toda a cidade, desconsiderando o fato de que a cidade é dividida entre ricos e pobres, classes com diferentes interesses, foi reforçado pela mídia. Com a Rede Globo à frente, contribuíram para rebaixar o debate político e garantir o continuísmo do sistema. Em São Paulo e Rio de Janeiro, a Rede Globo preferiu cancelar o debate final a ter que dar espaço a partidos menores de oposição.
Uma tendência importante foi que as eleições fortaleceram os partidos da base governista, que hoje contém 14 partidos. No primeiro turno esses conquistaram 4.036 prefeituras das 5.563 que estavam em disputa, um aumento de 20%. Os partidos que mais ganharam novas prefeituras foram o PT, com 157 novas, e o PSB, com 95 novas. Entre os principais partidos da oposição, o DEM perdeu 176 prefeituras (redução de um quarto), o PSDB perdeu 109 e o PPS perdeu 70, um terço de suas prefeituras.
Do ponto de vista dos votos, o PT obteve quase a mesma quantidade de votos que 2004, 16,5 milhões, e foi de novo ultrapassado pelo PMDB, que ganhou 4 milhões a mais de votos, chegando a 18,4 milhões. O PSDB perdeu 1,3 milhões de votos (obtendo 15,7 milhões), o DEM perdeu 2 milhões (9,3 milhões) e o PPS teve uma forte queda, de 4,9 milhões para 2,8 milhões.
PSOL nas eleições
Nessa situação, o PSOL tinha a tarefa difícil de propagandear um projeto para uma nova sociedade. Foi a primeira vez que o partido participou nas eleições municipais, já que só foi legalizado em 2005.
O partido conseguiu obter vitórias importantes, elegendo 8 vereadores em 6 capitais. O ex-deputado federal João Alfredo foi o mais votado vereador em Fortaleza (CE), a quarta maior cidade do país. Em Maceió (AL), Heloísa Helena foi a vereadora mais votada e conseguiu, com isso, eleger mais um vereador.
Em Porto Alegre (RS), a deputada Luciana Genro teve o resultado mais alto com 9,2% (72.863 votos) para prefeita. O partido elegeu dois vereadores, com Pedro Ruas sendo o segundo mais votado.
Os dois outros deputados federais do PSOL, Ivan Valente e Chico Alencar, também se candidataram para prefeito em São Paulo e Rio de Janeiro, mas com um resultado menor do que o esperado.
Ivan Valente obteve 42.616 votos (0,67%) em São Paulo e o partido não elegeu nenhum vereador. O terreno era difícil, já que as eleições na capital paulista foram o palco da principal disputa do país, não somente pela importância da cidade, que tem o terceiro maior orçamento do país, mas também por que a disputa representava um ensaio geral para as eleições presidenciais em 2010.
Não existe ainda um candidato que possa ser sucessor do Lula que tenha expressão nas pesquisas eleitorais. É vital para o PT fortalecer sua base em São Paulo, onde Lula perdeu contra Alckmin nas eleições de 2006. De outro lado existia a luta sobre quem vai ser o candidato pelo PSDB e o partido estava dividido entre um apoio a Alckmin ou a Kassab (DEM), que contou com o apoio de Serra.
O resultado foi que Kassab ganhou o primeiro turno, depois de ter estado no terceiro lugar nas pesquisas até as últimas semanas. Para o DEM a eleição de Kassab seria uma salvação num quadro de enfraquecimento geral do partido na última década. Se o segundo lugar da Marta foi uma decepção, o terceiro lugar de Alckmin foi uma catástrofe que marca o fim de suas chances de tentar uma nova candidatura presidencial em 2010.
O resultado foi negativo para o PSOL em geral no estado de São Paulo. Em Campinas o partido não conseguiu reeleger nenhum vereador. Mesmo com boa votação em Sorocaba (7,95%) e em São Caetano do Sul (8,84%) para os candidatos a prefeito Raul Marcelo e Horácio Neto, isso não foi suficiente para eleger um vereador.
O partido conseguiu eleger vereadores em quatro cidades do interior de São Paulo, Casa Branca, Mirassol, São José do Rio Preto e Várzea Paulista, com um em cada. Mesmo assim, o preço pago em alguns desses municípios foi alto demais. Em Várzea Paulista houve uma coligação com o PSL (!) sem candidato a prefeito o que, na prática, significou uma aliança informal com o PT local. Em Casa Branca, a coligação foi com o PSB e o PMN, que apresentou o candidato a prefeito e que foi eleito. Nos dois casos poderemos ter vereadores do PSOL apoiando e participando dos governos municipais.
No Rio de Janeiro, Chico Alencar obteve 1,8% (59,362 votos), comparado com os 4% que tinha nas pesquisas. Isso foi parcialmente um resultado do efeito Gabeira (PV), que na pesquisa do Ibope em 13-14 de agosto estava empatado com o Chico, mas acabou indo para o segundo turno com 25,61%. O PV não é um partido de esquerda (Gabeira conta com apoio de Serra e do DEM), mas acabou sendo visto como uma nova alternativa, principalmente para aqueles que não queriam um segundo turno entre Eduardo Paes (PMDB) e o ex-bispo Crivella.
Ainda sim, o PSOL conseguiu reeleger Eliomar Coelho e teve também um bom resultado em Niterói, onde Paulo Eduardo Gomes teve 7,98% dos votos para prefeito e Renatinho foi reeleito vereador com a segunda maior votação na cidade.
Alianças refletem giro a direita
Os ganhos eleitorais que o PSOL teve nessa eleição mostram que, mesmo nessa conjuntura difícil, existe um espaço para a construção de uma alternativa de esquerda. Mas, infelizmente o partido em geral continuou a tendência das eleições 2006 de priorizar a disputa eleitoral baixando o perfil radical e fazendo alianças eleitoreiras para aumentar a chance de eleger candidatos.
Isso ficou muito evidente na campanha em Porto Alegre, onde o partido fez aliança com o PV. O PV de Gabeira não é um partido de oposição de esquerda. Nas eleições de 2004 o partido apoiou o PP na cidade! O programa de governo de Luciana Genro era muito rebaixado, falhando em levantar bandeiras tradicionais da esquerda, como não pagamento da dívida, passe-livre, redução da jornada de trabalho sem perda salarial, etc. Na propaganda de TV, Luciana se utilizou de depoimentos do seu pai, ministro da justiça de Lula! Em cima de tudo isso, o partido aceitou uma contribuição de cem mil reais da Gerdau, uma siderúrgica multinacional.
Em Macapá (AP), o partido fez aliança com o PSB de Capiberibe, partido que faz parte da base governista, e elegeu um vereador. Camilo Capiberibe venceu o primeiro turno e pode ser eleito, o que abre a perspectiva do PSOL participar num governo municipal de uma capital junto com partido burguês! Já mencionamos os casos de Casa Branca e Várzea Paulista.
Outras alianças semelhantes foram feitas. Em Embu (SP), o PSOL coligou-se e apoiou o candidato a prefeito do PSB, numa tentativa fracassada de eleger o Professor Toninho. O PSB tem uma história de truculência contra os movimentos sociais na região. O resultado não poderia ter sido pior – desmoralizou o partido com essa aliança e não reelegeu o vereador como pretendido!
Temos que fazer um debate equilibrado sobre os resultados. Pode haver uma tentativa de usar os resultados de maneira superficial para mostrar que, por exemplo, a aliança com o PV e o perfil rebaixado foram justificados pelo resultado obtido por Luciana Genro, comparado com o resultado de outras cidades.
O resultado de Luciana Genro reflete, mais do que a aliança com o PV, um perfil de combatividade que tem sido construído durante bastante tempo. Nas eleições em 2006 ela conseguiu aumentar o seu número de votos, de 99.629 para 185.071 mil, comparado com outros deputados federais que vieram do PT, que não se elegeram, ou com Ivan Valente e Chico Alencar, que se elegeram com menos votos.
Um fator foi que a Luciana Genro teve seu perfil mais ligado a Heloísa Helena, saindo junto com ela do PT e participando do PSOL desde a fundação. Por outro lado vimos que o partido conseguiu outros bons resultados também em cidades onde não houve alianças com partidos burgueses e o perfil da campanha foi mais à esquerda como no caso de Fortaleza (CE) e Sorocaba (SP).
Mas, não se pode avaliar o resultado da intervenção eleitoral do partido apenas com o critério do número de votos. É preciso observar como usamos o processo eleitoral para construir o partido, enraizá-lo nas diferentes regiões, fortalecer nosso perfil de esquerda, as lutas sociais e um projeto alternativo socialista.
A nossa avaliação é que em Porto Alegre, Macapá e outros lugares onde existiram alianças com partidos burgueses ou a campanha foi feita com um programa rebaixado, mesmo se houver algum ganho aparente no curto prazo, o preço a ser pago será altíssimo.
O debate sobre o balanço das eleições vai ser fundamental para o futuro do partido. O Socialismo Revolucionário, junto com o Coletivo Liberdade Socialista, a Alternativa Socialista, a Alternativa Revolucionária Socialista e o Reage Socialista defenderam que o partido só deve fazer alianças com partidos de trabalhadores, que fazem oposição de esquerda ao governo Lula, como o PSTU e o PCB.
Mas a nossa linha foi derrotada na Conferência Eleitoral Nacional do PSOL, que votou por uma linha mais flexível. Mas, muitos no partido reagiram contra a aceitação do dinheiro da Gerdau, e existe um espaço para fazer esse debate crucial. O Bloco Resistência Socialista, que inclui essas correntes internas do PSOL tem hoje presença em nove estados. Onde pudermos vamos convocar atividades para discutir o balanço das eleições.
Afirmar uma posição coerente para o segundo turno
A militância do PSOL tem que exigir agora que o partido em todo o país chame plenárias para discutir o balanço das eleições e também deliberar sobre a posição do partido no segundo turno. Em vários lugares os militantes do PSOL enfrentarão uma pressão pelo voto útil, no “mal menor”, como em Marta Suplicy (PT) em São Paulo e Walter Pinheiro (PT) em Salvador. Temos que armar a militância com argumentos contra essa tendência, dialogando de maneira não sectária, mas apontando que os trabalhadores só devem fazer aliança com os partidos da classe trabalhadora que estão na luta no dia-a-dia ao lado do PSOL nos sindicatos, DCEs, grêmios, associações de moradores.
O PT e os partidos de sustentação do governo não são uma alternativa para os trabalhadores, porque estes partidos promovem e apóiam ataques aos direitos dos trabalhadores.
Devemos apontar também que o próximo período será de forte queda de crescimento econômico, e que os governos, seja do PT ou PSDB/DEM etc., ao invés de ser governos que vão implementar grandes obras como dizem na propaganda, vão ser governos que atacam os trabalhadores.
Por isso o partido tem que chamar voto nulo no segundo turno, mas também se posicionar contra a participação em governos encabeçados por partidos burgueses, como um eventual governo do PSB em Macapá.
O partido tem que retomar a construção da Frente de Esquerda, com PSTU e PCB, que foi só implementadas em alguns lugares nessas eleições, como parte da construção de uma unidade das lutas e dos movimentos sociais. Para isso ser possível é imprescindível a independência do partido diante dos partidos da direita e da base do governo Lula.
Fim da estabilidade – preparar para as lutas
Esse período de estabilidade econômica não vai durar muito. Lula e seu governo têm durante o último ano feito tudo para negar que o Brasil vai ser afetado pela crise econômica mundial, mas agora as tensões do mercado mundial já começam abalar a economia brasileira.
De fato o país está numa posição melhor que em crises anteriores, com uma reserva monetária recorde de 206 bilhões de dólares. Em razão da sucessão de crises, o setor financeiro no Brasil é mais regulado que, por exemplo, o dos EUA, mas o país não é imune às tempestades que agora castigam os mercados financeiros.
No dia seguinte às eleições, a Bolsa de Valores de São Paulo despencou em poucos minutos em mais de 15%, e os negócios foram suspensos duas vezes, o pior dia da bolsa em 11 anos. A Bovespa está entre as que mais perderam em valor este ano, com as quedas dos preços das commodities afetando gravemente as gigantes Petrobrás e Vale. O real se valorizou durante os últimos anos devido ao superávit no comércio com o exterior. Mas só nos últimos dois meses o dólar subiu quase 50%.
Ainda que Lula negue que haverá um “pacote econômico”, o Banco Central já está implementando um pacote de crise a conta-gotas, para facilitar o crédito para pequenos bancos e empresas.
Mas o verdadeiro efeito na economia brasileira virá quando a crise financeira atingir a economia mundial, com queda do crescimento no mundo inteiro, crescimento do desemprego, queda na demanda das mercadorias brasileiras e aperto geral do crédito. O crescimento econômico no Brasil tem sido devido a uma situação favorável no mercado mundial e também um forte crescimento do crédito. Esses dois fatores estão agora se revertendo.
Os patrões estão se preparando para um período que será muito mais turbulento e conflituoso. Por isso vimos no último período um aumento de ataques contra os sindicatos e movimentos sociais, numa onda de criminalização na qual os patrões contam com a ajuda do Estado. Os exemplos de sindicatos que são multados por organizar marchas, panfletar ou fazer assembléias na porta de fábricas, se multiplicam. Neste ano, vimos também a tentativa dos procuradores do Rio Grande do Sul de dissolver o MST.
A esquerda no Brasil tem uma grande responsabilidade em construir uma unidade na resistência contra esses ataques. Seja na arena política, ou nos movimentos sociais e sindicatos. O debate políticos dentro do PSOL tem que ser visto neste contexto. Participamos nas eleições para defender os interesses dos trabalhadores e eleger representantes que podem agir como porta-vozes para a luta. Sabemos que a verdadeira mudança na sociedade só virá com a luta do povo trabalhador organizado. Os cargos políticos não são um fim em si mesmo. O preço político que você paga fazendo alianças eleitoreiras oportunistas com partidos burgueses não é uma lição nova para o movimento dos trabalhadores. O fracasso e a adaptação ao sistema do PT é uma testemunha disso.