Violência em São Paulo: Governos e banqueiros são os culpados

Construir uma resposta dos trabalhadores

A onda de ataques e rebeliões em penitenciárias atribuídos ao PCC (Primeiro Comando da Capital) no estado de São Paulo desde o dia 12 de maio colocou a nu não apenas a falência da política de segurança pública do governo de São Paulo, mas também a iminência do colapso social de um país há décadas submetido às políticas neoliberais que só provocam mais exclusão e violência para garantir os lucros de banqueiros e especuladores.

Foram mais de 280 ocorrências entre ataques a postos policiais, fóruns, agências bancárias, uma estação de metrô e dezenas de ônibus incendiados. O número de mortos ultrapassa os 130, entre policiais, suspeitos de terem vínculos com o PCC, detentos e também cidadãos comuns. Entre policiais civis e militares, guardas civis metropolitanos da capital e agentes penitenciários – servidores públicos que vivem uma situação de baixos salários e péssimas condições de trabalho – o número de mortos chega a 40.

Milhões de trabalhadores também foram diretamente afetados pelo caos provocado pelas ações do PCC combinadas com a ação e omissão dos governos estadual e federal. A falta de transportes afetou cerca de três milhões de paulistanos e a total ausência de confiança nas autoridades levou ao fechamento de escolas, universidades e muitos locais de trabalho, principalmente na segunda-feira, dia 15 de maio.

Corretamente, algumas direções sindicais, como no caso de regionais da Apeoesp (professores) dirigidas pela Oposição, apesar da apatia da direção majoritária do sindicato, orientaram os professores a que se recusassem a trabalhar se garantias não fossem dadas em relação à sua segurança. Ao mesmo tempo chamaram os trabalhadores a reunir-se, discutir a situação e preparar-se para a luta.

Instituições podres

A maioria da população de São Paulo acertadamente identifica na Justiça, em Lula e em Alckmin os principais culpados pelos trágicos acontecimentos em São Paulo. O Poder Judiciário, assim como o Executivo e Legislativo, está infestado pela corrupção endêmica e serve apenas aos ricos e poderosos. Mantém uma mãe de família que furtou um pote de margarina por vários meses atrás das grades e deixa em liberdade notórios corruptos que roubam milhões dos cofres públicos e criminosos de colarinho branco e mãos sujas de sangue.

As instituições do sistema político burguês estão podres. Isso fica mais do que claro também quando vemos a “organização criminosa”, assim denominada pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, envolvendo 40 parlamentares, ex-ministros e dirigentes políticos envolvidos no escândalo do ‘mensalão’. O mesmo vale também no caso das licitações fraudadas de ambulâncias denunciadas na operação ‘sanguessuga’ da Polícia Federal e que pode chegar a envolver até um terço de todo o Congresso Nacional.

Lula e Alckmin também são cúmplices no crime do corte nos gastos públicos para investimentos sociais e em segurança pública. Ambos governam para encher os bolsos dos banqueiros e especuladores que lucram como nunca com os juros da dívida pública que é paga pontualmente enquanto a economia permanece estagnada e milhões sofrem com o desemprego, falta de habitação digna e serviços públicos cada vez mais sucateados.

Mais repressão?

Situa-se entre o ridículo e o trágico o papel do governador em exercício Cláudio Lembo (PFL) anunciando que a situação estava sob controle enquanto secretamente negociava e se submetia às exigências de líderes do PCC. Da mesma forma, o governo Lula, depois de reduzir os gastos com segurança pública, inclusive os repasses para o estado de São Paulo, cinicamente tenta mostrar uma disposição de ajuda aventando até mesmo a possibilidade de que tropas do exército passem a ocupar as ruas de São Paulo, o que só pioraria a situação afetando mais o cidadão comum que o crime organizado.

O clima de medo entre amplos setores da população, em especial as classes médias, gerado em primeiro lugar pela descrença nos governos, mas também reforçado por grande parte da mídia sensacionalista e reacionária, acaba sendo alvo de manipulação sórdida por setores políticos reacionários.

O próprio governo tenta recuperar autoridade promovendo uma caça aos supostos “bandidos”. Somente na noite do dia 15/05 e madrugada do dia 16/05, num intervalo de apenas 12 horas, a PM matou 33 pessoas. O número de suspeitos mortos pela polícia paulista, que já tem amplo recorde de assassinatos e abusos, supera a casa dos 70 e continua crescendo.

Vários dias após o início dos ataques e do revide da polícia, os dados básicos sobre os supostos integrantes do PCC mortos ainda não foram disponibilizados. Em vários casos, parentes e vizinhos acusam a PM de ter assassinado inocentes. Foi assim no Jardim Filhos da Terra, zona norte de São Paulo, onde mais de 300 manifestantes tomaram as ruas do bairro para protestar contra o assassinato a sangue frio, executado por uma força tática da PM, de Ricardo Flauzino, um jovem trabalhador de 22 anos (FSP, 17/05/06).

Diante do clima de pânico criado, argumentos em defesa da instalação de um ‘estado de exceção’ vão tornando-se cada vez mais comuns nos meios de comunicação. Seus clamores vão da exigência do exército nas ruas – inútil do ponto de vista da repressão ao crime organizado, mas muito útil para os que querem restabelecer condições para uma saída autoritária na medida em que o colapso social aumente – à suspensão de direitos individuais, violação de casas por parte da polícia, mais repressão nos bairros pobres e retirada de direitos básicos que detentos e acusados já quase não têm. Tudo isso só serve para aumentar o clima de terror, estimular a criminalidade e piorar a situação da maioria da população.

Da mesma forma, essas políticas só tendem a aprofundar a postura de criminalização dos movimentos sociais. Ações de sem-terra e sem-teto são tratadas como terrorismo e crime hediondo, greves e manifestações de rua são duramente reprimidas e os dirigentes mais combativos dos movimentos são perseguidos como criminosos.

Aliança do tráfico e do sistema financeiro

O tráfico de drogas movimenta ente 600 e 800 bilhões de dólares por ano, segundo dados da ONU. Isso coloca o comércio de drogas ilegais num patamar de riqueza superior à própria indústria do petróleo e do gás. Esses números dobraram na última década marcada pela hegemonia das políticas neoliberais e a liberdade total de ação oferecida ao capital financeiro que se aproveita do dinheiro movimentado pelo tráfico.

Se a repressão nas periferias e favelas só aumenta, no caso dos bancos e o conjunto do sistema financeiro, onde se faz a lavagem do dinheiro do tráfico, nenhuma medida realmente firme e dura é tomada. A rigidez e a exceção só valem para os pobres.

Segundo dados do próprio FMI, a lavagem de dinheiro movimenta de 2 a 4% do PIB mundial (600 bilhões a 1,5 trilhão de dólares) por ano! Os principais criminosos são aqueles que lucram bilhões com as transações do tráfico e continuam livres e com “direitos” garantidos.

O desmantelamento das organizações criminosas que operam no sistema financeiro é condição fundamental para sufocar a violência relacionada ao tráfico de drogas e outras atividades criminosas como o roubo de cargas, o tráfico de armas, seqüestros, etc. Contra eles precisamos exigir medidas imediatas de extrema rigidez.

Crime organizado cresce com miséria e exclusão

O surgimento do PCC como uma força organizada e capaz de provocar esse tipo de ataques coordenados como vimos em São Paulo é resultado direto da falência do sistema político e econômico em que vivemos.

Dentro das prisões, verdadeiros depósitos de gente, a ausência de uma política de ressocialização e de garantias de condições dignas para o cumprimento das penas, leva milhares a se vincular a organizações criminosas como o PCC.

Apesar de ter construído novos presídios, ao mesmo tempo em que fechava escolas, o governo Alckmin cortou verbas utilizadas no sistema prisional. O resultado é a manutenção da superlotação, a falta de funcionários para maior controle das prisões e a ausência de condições de trabalho adequadas para os agentes penitenciários que acabam sendo vítimas da violência ou levados a corromper-se.

A pobreza endêmica e a total falta de perspectiva de futuro para milhões de jovens despejados nas favelas e periferias, sem emprego e sem escolas, abrem espaço para que o tráfico recrute sua mão de obra barata.

Não há rigorosamente nada de progressivo em organizações como o PCC. Não passam de grupos organizados para o crime e a violência contra a população à serviço de uns poucos magnatas e seus mega lucros com a venda de drogas ilegais, um dos três comércios mais lucrativos do mundo capitalista. Apesar disso, a ilusão de poder conferido pelo porte de armas e, principalmente agora, a demonstração de força das ações dos últimos dias, que aparentemente se dirigem contra a ordem estabelecida, podem acabar servindo para levar mais jovens perdidos e desesperados para os braços do crime organizado.

Segurança para as elites

As forças de segurança pública em São Paulo e no país refletem a lógica do regime político e do sistema econômico capitalista. Nesse sistema a segurança pública funciona como segurança para as elites e repressão sobre o resto. Ainda que os policiais sejam recrutados das fileiras dos trabalhadores, são submetidos a uma verdadeira máquina de brutalização e educados no preconceito de classe e raça para tornarem-se instrumentos úteis à essa lógica.

Muitos policiais são ex-operários, filhos de trabalhadores, moradores da periferia e muitas vezes até de favelas das grandes cidades. Na polícia também sofrem com os cortes nos gastos governamentais com a segurança. Salários baixos, péssimas condições de trabalho, autoritarismo nas corporações, ausência total de condições para que possam exercer uma função útil à maioria da sociedade.

Existe uma contradição potencialmente explosiva entre a origem de classe dos policiais e suas péssimas condições de vida contrapostas ao papel social de defesa de uma ordem que só serve a quem, de dentro de suas mansões cercadas de seguranças e seus carros blindados, vivem uma outra realidade.

É papel da esquerda e dos movimentos sociais defender os direitos e reivindicações dos trabalhadores da segurança pública, mas é fundamental ligar essa luta à denúncia do papel dessas instituições hoje, inclusive os abusos e a violência policial, e apresentar uma alternativa de controle popular sobre a segurança. A desmilitarização da polícia e a mudança radical de sua orientação elitista e racista têm que ser parte desse processo.

As organizações e movimentos sociais – sindicatos, movimentos de bairro, de direitos humanos, movimento negro, GLBTT, de mulheres, etc – devem organizar-se para compor conselhos populares que controlem todos os aspectos da segurança pública, do recrutamento e formação dos policiais até a política cotidiana de segurança.

Não é hora de se recolher. Tomar as ruas!

Para os trabalhadores, jovens da periferia, escolas e universidades, os desempregados e todos os que sofrem com a pobreza e as injustiças desse sistema não é momento para toque de recolher. A hora é de juntar-se aos seus, discutir com os familiares, amigos e companheiros e tomar iniciativas concretas para exigir o fim da violência e condições dignas de vida e de trabalho.

Diante desse quadro de desagregação social, nunca foi tão importante reconstruir uma esquerda socialista de massas, enraizada nos bairros, locais de trabalho e de estudo, capaz de organizar e mobilizar amplos setores da classe trabalhadora, juventude e setores oprimidos. Uma esquerda conseqüente, voltada para a superação do capitalismo apodrecido e construção de uma nova sociedade igualitária e livre, pode reocupar o espaço que hoje está sendo tomado por falsas alternativas.

Se não formos capazes de mostrar um caminho claro de luta contra a ordem atual e por um futuro digno para os milhões de jovens e grande parte da população pobre, a tendência é que amplos setores fiquem reféns das ações do crime organizado de um lado e da direita mais truculenta de outro.

O ex-ministro de FHC José Gregori, atual presidente da Comissão Municipal de Direitos Humanos, defendeu em ato ecumênico na catedral da Sé a necessidade de uma “frente única acima das diferenças políticas pelo fim da violência”. Da mesma forma o deputado estadual petista Ítalo Cardoso, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de São Paulo, defendeu no mesmo ato a necessidade de “juntar todas as forças dos que querem restabelecer a ordem”.

De fato, apesar da possibilidade de que a escalada da violência em São Paulo seja muito utilizada na disputa eleitoral, tanto o PT como o PSDB/PFL estão juntos na defesa da ordem atual, na busca de desviar as atenções sobre a causa real dos problemas e na defesa de saídas que implicam em mais repressão contra os pobres e liberdade de ação para os ricos criminosos. É isso que seus governos fazem todos os dias.

A verdadeira frente única necessária tem que se dar entre todos os setores da classe trabalhadora e seus aliados nas periferias e favelas em torno de um programa anti-capitalista e socialista que possa cortar o mal da violência pela raiz. Uma demonstração de força dos trabalhadores organizados contra a violência conquistaria o apoio das classes médias e as condições estariam dadas para uma grande mobilização popular contra o crime organizado em todos os níveis, do PCC ao mercado financeiro.

O PSOL e um programa de classe contra a violência

O PSOL nasceu para ser uma ferramenta a serviço da reconstrução dessa esquerda socialista de massas. Como fundadores e integrantes do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), os militantes do Socialismo Revolucionário (SR), entendem que o partido precisa tomar posição clara, ativa e enérgica diante do caos instalado pelos atuais governantes e o sistema a que servem. O PSOL precisa mobilizar seus militantes para responder à altura os desafios do momento atual. Precisa levantar a cabeça de forma organizada e firme e apresentar-se como alternativa sobre os últimos acontecimentos em São Paulo.

Para construir isso apresentamos ao partido e o conjunto dos ativistas dos movimentos sociais, sindicatos e de todas as frentes de luta do povo trabalhador e oprimido, um programa que aponte para a única saída possível para os problemas da violência urbana: a solução dos graves problemas sociais junto com a democratização do controle sobre as ações de segurança pública.

* Colocar os movimentos na ofensiva contra a violência.
Convocação imediata de uma reunião envolvendo as direções sindicais e populares combativas e os movimentos ligados à questão dos direitos humanos e violência urbana para construir um plano de ação que coloque os movimentos sociais na ofensiva. Barrar qualquer ofensiva ilegal e ilegítima da repressão e para exigir medidas concretas contra a violência e o crime organizado.

* Segurança pública eficiente sob controle popular.
Desmilitarização da polícia para acabar com a hierarquia militar. Gestão da segurança pública por Conselhos Populares com participação organizada de representantes dos bairros, movimentos negro, GLBTT, mulheres, direitos humanos, etc. Direito pleno de sindicalização de policiais e agentes de segurança. Fim da política de privatização da segurança pública estatizando e incorporando ao serviço público com controle dos trabalhadores, das empresas privadas de segurança. Reforma estrutural de todo o sistema judicial, penal sob controle dos trabalhadores.

* Melhores condições de vida para combater a violência.
Salário mínimo do DIEESE e garantia de direitos trabalhistas a todos os trabalhadores. Reajuste salarial de acordo com a inflação. Redução da jornada de trabalho sem redução de salários. Investimentos maciços na construção de moradias populares para gerar empregos e eliminar a falta de habitação. Investimentos públicos em centros de cultura e lazer nas periferias com controle da própria comunidade. Garantia de acesso a postos de saúde, creches, escolas, todos públicos, gratuitos e controlados pela comunidade organizada nas periferias. Fim do vestibular e acesso garantido à universidade pública para todos.

* Derrotar as políticas neoliberais e corruptas de Lula e Alckmin que geram violência e abrem caminho para o crime organizado.
Punição e confisco dos bens de todos os corruptos e corruptores! Quebra do sigilo bancário e fiscal de todas autoridades públicas. Não pagamento das dívidas interna e externa aos grandes capitalistas para garantir investimentos sociais e em segurança pública. Controle estrito do fluxo de capitais e estatização com controle dos trabalhadores dos bancos e do conjunto do sistema financeiro para bloquear as ações de lavagem de dinheiro e implementar um plano de desenvolvimento econômico e social. Integração latino-americana democrática e socialista para o combate ao narcotráfico, garantindo os direitos nacionais e indígenas e fomentando o desenvolvimento ecologicamente sustentado.

Comitê Executivo do SR – Socialismo Revolucionário – 18 de maio de 2006 

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