Crises graves de todos os tipos: o estado do Rio de Janeiro entregue ao caos no governo Witzel
O estado do Rio de Janeiro vive atualmente a sua mais grave crise da história. É uma crise que atinge de forma profunda várias áreas simultaneamente. Como se não bastasse todos os efeitos decorrentes da crise sanitária estendida a todo o país e a crise fiscal que coloca o estado em situação de pré-falência desde 2016, outros componentes sociais, políticos e administrativos colocam o Rio de Janeiro como o epicentro da crise aguda no território nacional.
Em primeiro lugar, as ações policiais, nas favelas e subúrbios, matando os moradores em meio a uma pandemia. As ações ocorridas no RJ que redundaram na morte de tantos cidadãos, marcadamente jovens, negros e favelados, não costumam trazer resultado positivo em termos de apreensão de armas e drogas ou de prisão de investigados que justifiquem a ação; porém, redundam na morte da população negra, na maioria jovem, reforçando o caráter genocida e racista da ação do Estado. Ações genocidas que não pararam, mesmo após os primeiros resultados trágicos; são marca registrada da politica de segurança publica, e que tem se intensificado na gestão de Wilson Witzel, com as infames frases “mira na cabecinha e atira” e “a morte desses jovens está no colo dos Direitos Humanos”.
Essas ações genocidas, somente nessa última semana, provocaram a morte de 13 pessoas no Complexo do Alemão, além da morte dos jovens João Pedro, João Vítor e Rodrigo. João Pedro, de 14 anos, foi assassinado em São Gonçalo onde mora, em uma ação da polícia que deixou 72 tiros em sua casa. João Vítor, de 18 anos, morreu durante uma operação policial na Cidade de Deus no mesmo momento de uma distribuição de cestas básicas. O mesmo ocorreu com Rodrigo Cerqueira, de 18 anos, que participava diretamente da distribuição de cestas básicas no Morro da Providência.
Essas ações ocorreram um dia após o outro. A sanha assassina das forças de segurança pública no RJ não para, mesmo após a repercussão negativa de suas ações. Não para mesmo em face do momento dramático de pandemia que vivemos no país, principalmente nos bairros populares e favelas. Na mesma semana, Bianca Regina, de 22 anos, foi baleada na cabeça, quando dormia em casa, na Cidade de Deus, em meio a mais uma operação policial nessa localidade. Não morreu, mas aponta para a insegurança total da população mais pobre, que não tem nem mesmo a sua casa como refúgio, senão do coronavírus, mas pelo menos da ação assassina da polícia.
É fundamental que haja uma mudança radical na politica de segurança. Esta barbárie fica ainda mais evidente durante a pandemia, já que a única politica de prevenção em massa tem sido a defesa do isolamento social. Contudo, seria irônico, senão trágico, o fato de João Pedro ter sido morto dentro de casa, protegido e brincado com sua família. Dia 31 de maio, domingo, setores do movimento negro, trabalhadores e profissionais que estão na linha de frente do enfretamento a pandemia, organizaram uma manifestação em frente ao Palácio Guanabara, sede do governo estadual, para protestar pela vida, contra as ações da polícia nas favelas, ainda mais durante a pandemia. Manifestação com cerca de 250 pessoas, ocorrida durante o período de isolamento social, mas exatamente porque quem vive nas favelas e periferias não suporta mais essa situação de total falta de respeito à vida humana pela polícia no RJ!
Mas essa situação caótica não é localizada apenas na área da segurança, mas também na área da saúde – o caos toma conta do estado do Rio de Janeiro. Sete hospitais de campanha de combate ao coronavírus, que deviam ser entregues pela organização social (OS) Iabas, ainda não estão em funcionamento; atualmente apenas o hospital do Complexo Maracanã está funcionando, em condições precárias. As acusações ao governo estadual, que vão de membros do Legislativo estadual às investigações da Polícia Federal, apontam para superfaturamentos nos contratos, bem como irregularidades de Mário Peixoto, empresário próximo ao governador e responsável por fornecer boa parte da mão-de-obra terceirizada no serviço público estadual.
Os olhos do governador, tão ávidos na hora de “mirar na cabecinha e atirar”, são cegos para as irregularidades da Iabas. Importante precisar que foi com OS que assinou contratos sem licitação, no montante de 1 bilhão de reais, cujo histórico é tão necrótico que a impede de participar de novas licitações, num período de dois anos, na prefeitura da capital. E esses mesmos olhos do governador se mostram, segundo o MPF, interessados em participar ativamente das vantagens obtidas através do empresário Mário Peixoto – amigo íntimo e cliente do escritório de advocacia da esposa do governador. As suspeições de desvios se avolumam contra o governador e como esse não apresenta explicações para os demais poderes e para a opinião pública, sua rejeição aumenta consideravelmente.
Toda essa situação abala as movimentações políticas no estado, com três novos pedidos de impeachment do governador. Um protocolado pelo PSDB, outro pelo NOVO e um terceiro pela base bolsonarista na Alerj. A direita se assanha com a crise de um governo de estado que recentemente saiu do espectro bolsonarista para se aventurar por uma linha política independente. Justamente no estado em que Bolsonaro e sua família mais atuam politicamente, no estado em que se têm relações mais próximas com o setor podre das polícias e dos militares (os milicianos) e em que precisam ter o controle das ações das polícias estaduais e da Policia Federal (PF) para que seus crimes possam ocorrer sem a devida firmeza nas investigações, como por exemplo, no caso envolvendo a morte de Marielle e Anderson.
Witzel não tem hoje apoio popular. Sua base política e jeito de fazer política são aquelas que herdou do bolsonarismo, o que reforça a possiblidade do pedido de impeachment ser acatado e aprovado pela maioria da Alerj. O isolamento do governador se torna ainda mais evidente com as demissões ocorridas no secretariado (na área da Saúde, na Fazenda e Casa Civil), além dos pedidos de exoneração. Os ratos abandonaram o barco principalmente após a Operação Placebo, ocorrida pela PF com mandados de busca e apreensão no Palácio Guanabara e na residência do governador. Como a base de apoio de Wilson Witzel é o círculo de milícias e essas são muito mais fieis a Bolsonaro e seu grupo, o governador está totalmente isolado. A decisão em se afastar do bolsonarismo, o tornou também refém das perseguições políticas do presidente da república.
É preciso pontuar aqui que essas investigações da Polícia Federal, embora apontem para crimes que tenham realmente ocorridos, nada tem de neutralidade. Muito pelo contrário, essas ações na investigação de Wilson Witzel ocorrem na medida em que houve a separação política entre o governador e Bolsonaro. Até pouco tempo atrás andavam juntos em suas ideias reacionárias, no sucateamento dos serviços públicos e na politica privatista. A Polícia Federal já podia ter feito com Bolsonaro e seus filhos o mesmo procedimento que fez com o governador (por exemplo, apreendendo celulares), dada as graves acusações que pesam sobre o mesmo de intervenção na PF, em especial na Superintendência do RJ.
O estado do Rio de Janeiro encontra-se, hoje, refém de um governo sem rumo. Perdido em políticas públicas que privilegiam acordos com as empresas privadas, que promove uma política de segurança pública totalmente voltada para a criminalização da pobreza e o genocídio do povo negro, em um nível antes nunca visto na história fluminense.
As tensões entre Governo federal e estadual expressam disputas no interior da extrema direita e em nada os diferenciam em relação à politica geral. Ambos estavam lado a lado, na última eleição, tinham supostamente o mesmo discurso de moralidade, de zelo com o bem público e de segurança pública. Construíram conjuntamente o apoio das milícias e dos grupos de fake news nas redes sociais, sendo eleitos com uma expressiva votação. Mas hoje, cada um de um lado, mostram o lado podre de suas políticas, voltadas apenas para os interesses políticos pessoais de poder.
A questão central é quem mais paga o preço? São seguramente os mais pobres, carentes das políticas públicas necessárias, os funcionários públicos com salários diminuídos, estagiários demitidos dos órgãos públicos estaduais e, em especial, os profissionais de saúde, na linha de frente, não contando com os paramentos necessários para o combate ao covid 19.É preciso derrotar esses dois setores em uma jogada só: Witzel e Bolsonaro. É preciso uma rearticulação do movimento popular, do movimento sindical do funcionalismo público em novas bases (com um caráter classista) e o fortalecimento das ideias de ruptura dessa linha política conservadora, tanto na esfera nacional como estadual. As eleições municipais desse ano podem ser um momento para se pensar alternativas para a articulação de um movimento que sirva para oxigenar a esquerda de luta, mas isso é um processo de médio e longo prazo, em que os socialistas revolucionários precisam ter amplitude política para barrar o bolsonarismo no estado (seja do Bolsonaro ou de WW) e ao mesmo tempo, viabilizar o crescimento de uma esquerda verdadeira como alternativa.