Lições dos 43 anos do PT

O PT completou 43 anos exatamente quando Lula inicia seu terceiro mandato presidencial (o quinto do partido) e o nefasto governo de Bolsonaro chegou ao fim.

É dever do movimento dos trabalhadores e de toda esquerda tentar aprender da história do PT e de suas experiências mais recentes. O futuro da esquerda brasileira depende, em grande parte, de que se tirem as lições corretas desse balanço crítico.

O PT nasceu como expressão política de um ascenso histórico das lutas da classe trabalhadora e do povo pobre e oprimido no Brasil em meio à crise do regime ditatorial de 1964.

As greves, ocupações e mobilizações de massas nos anos 1980 levaram a um avanço na consciência de classe e a um processo de reorganização do movimento sindical e popular e da esquerda no país. 

A velha esquerda, que havia sido hegemônica antes do golpe, através do PCB e suas dissidências e do trabalhismo varguista, estava enfraquecida como resultado da repressão e de seus erros políticos. 

A nova classe trabalhadora que surgiu da industrialização e urbanização dos anos anteriores e se mobilizou no final dos anos 1970 já não tinha os mesmos vínculos e lealdades políticas com essas forças.

Influência da radicalização das lutas

Diante da política moderada, reformista e de colaboração de classes da velha esquerda stalinista ou trabalhista, o PT se construiu sob a influência direta da radicalização das lutas, defendendo a independência de classe dos trabalhadores e uma perspectiva socialista. 

Foi assim que o PT, depois de protagonizar com outras forças a campanha de massas pelas ‘Diretas Já’, recusou-se a participar do Colégio Eleitoral que consolidou a transição pelo alto e resultou no governo de José Sarney em 1985. 

No Congresso Constituinte eleito em 1986, o PT buscou fazer com que as demandas da classe trabalhadora estivessem presentes na nova Constituição promulgada em 1988. Mas, apesar dos avanços conquistados pela luta, o partido recusou-se a votar a favor do texto final.

Mesmo assinando a Carta, o partido rejeitava a manutenção da tutela militar, as restrições à reforma agrária, a não aceitação da liberdade e autonomia sindical, o reconhecimento da propriedade privada como um direito humano fundamental e, de forma geral, a manutenção de sistema político e econômico injusto.

Foi com base nessa postura classista, coerente e firme, somado ao ascenso das lutas sociais, que o PT ganhou peso de massas, venceu eleições municipais importantes em 1988 e Lula chegou ao segundo turno das eleições presidenciais de 1989. 

Apesar das comemorações nos dias de festa, muitos dirigentes do PT e o próprio Lula passaram a renegar essa coerência do passado. Lula chegou a dizer que o país seria ingovernável se tivesse adotado a Constituição que o PT propunha. Na prática, pouco resta das políticas defendidas pelo PT nos anos 1980 e muita coisa mudou em sua base social.

Giro à direita e ofensiva neoliberal

A década de 1990 foi marcada pela ofensiva neoliberal no mundo e por um significativo giro do PT à direita nesse novo cenário.

Entre os fatores que levaram a essa guinada à direita do partido estão os impactos políticos e ideológicos do colapso dos regimes stalinistas e a restauração capitalista no Leste Europeu e União Soviética. 

A própria base social do PT foi duramente afetada pela crise e as consequências do modelo neoliberal sobre a classe trabalhadora e seus movimentos, incluindo a desindustrialização, precarização, desemprego, fragmentação social e política. 

Houve uma profunda adaptação do partido às instituições do regime político. O PT passou a ser, mais do que nunca, um partido para as disputas eleitorais e sua direção majoritária perdeu qualquer referência na luta de classes. Passou a ser uma esquerda propositiva nos limites da ordem.

Apesar disso, o partido ainda canalizava eleitoralmente a insatisfação existente com as políticas neoliberais de FHC e a profunda crise no país. 

Ao contrário da versão oficial hoje no PT, foi o que sobrou do perfil combativo do partido o que permitiu a vitória de Lula em 2002. Não foi a moderação na política, a ‘Carta ao Povo Brasileiro’ tranquilizando empresários e banqueiros ou as alianças com o Partido Liberal e outros políticos burgueses.

PT no governo – mudança qualitativa na natureza do partido

Chegar ao governo federal aprofundou qualitativamente o giro à direita e a institucionalização do partido. 

O partido passou a governar o Estado burguês sem qualquer perspectiva de ruptura ou transformações estruturais. Seu projeto era a conciliação entre os interesses da grande burguesia com a necessidade de amenizar a terrível situação das camadas mais pobres da população brasileira.

Os programas sociais e políticas públicas do governo serviram para melhorar a vida de muita gente. Mas, como não eram mudanças de caráter estrutural, foram rapidamente atacados e revertidos quando a crise veio ou o PT deixou de ser governo, derrubado por um golpe institucional em 2016.  

Uma vez no governo, o PT passou a refletir na sua composição social e na sua política interesses de camadas sociais que se aburguesaram através da relação direta com o aparelho de Estado, fundos de pensão etc., além de setores da própria burguesia nacional.

A base social e eleitoral na classe trabalhadora organizada e ativa foi perdendo peso efetivo no partido, mesmo que o PT continuasse tendo controle sobre a burocracia sindical hegemônica. No seu lugar ganhou importância a base eleitoral formada pelas amplas camadas empobrecidas atraídas pelos programas sociais, setores não organizados e sem referências políticas definidas

Indo além do PT, o fenômeno lulista nasce a partir dessa base social que concilia setores da burguesia com as camadas populares não organizadas e não conscientes de sua condição de classe e de quem se espera apenas o voto, nada mais. Essa é uma diferença qualitativa com aquele partido que nasceu das lutas operárias e populares dos anos 1980.

Tsunami da crise política e econômica

A base objetiva para a conciliação de classes pretendida pelo lulismo se perdeu com o agravamento da crise no mundo a partir de 2008 e no Brasil um pouco depois.

A resposta das ruas a um cenário de crise que já vinha se gestando veio com força através das chamadas jornadas de junho de 2013, com milhões nas ruas em todo o país. Uma onda de greves, ocupações urbanas, ocupações de escolas e universidades e mobilizações de massas se seguiu a esse levante popular no período seguinte. 

Mas o PT no governo não tinha nada a oferecer à juventude, trabalhadores e às massas nas ruas. Era visto como parte do problema, não da solução e se desgastou politicamente.

Concessões não evitaram o golpe

Dilma conseguiu vencer a disputa pela reeleição em 2014 por uma pequena margem. Em seguida passou a adotar a política de seu adversário derrotado, com o ajuste fiscal estrutural (antecessor do teto de gastos) e enormes concessões à burguesia. Nada disso impediu o golpe institucional de 2016. Pelo contrário, apenas minou as possibilidades de resistência popular ao golpe.

Usando uma retórica anticorrupção e antiesquerda, uma nova direita nasceu em todo esse processo e também passou a disputar as ruas. Aproveitou-se da incapacidade do PT e do governo em oferecer uma alternativa às massas insatisfeitas.

O bolsonarismo nasce como alternativa reacionária de extrema‑direita a uma crise profunda diante da ausência de uma alternativa radical pela esquerda. 

Mesmo fora do governo, a estratégia fundamental do PT não se modificou. O PT não voltou a ser o que era nos anos 1980. Continuou defendendo a conciliação de classes e a prioridade nas disputas por dentro das instituições, secundarizando, desestimulando ou abertamente barrando as mobilizações populares. 

Com isso perdeu-se várias oportunidades de derrotar a direita nas ruas, como na greve geral contra Temer em 2017 ou nas mobilizações pelo Fora Bolsonaro. A vitória eleitoral contra Bolsonaro em 2022 foi extremamente apertada e se deu apesar das políticas de aliança com a direita. 

Reivindicar a fundação do PSOL

A adaptação completa do PT às instituições do sistema, principalmente a partir de 2003, provocou inúmeras reações, provocando um novo processo de reorganização da esquerda.

Reagindo às políticas neoliberais que Lula manteve desde os seus primeiros anos de governo, incluindo uma contrarreforma da previdência, setores da esquerda romperam com o partido e, junto com militantes de outras origens, formaram o PSOL – Partido Socialismo e Liberdade.

Esses militantes buscavam resgatar o que havia de mais positivo na experiência inicial do PT ao mesmo tempo em que buscavam superá-lo. Buscavam manter viva uma alternativa de esquerda que não se vendeu e não se rendeu às benesses do Estado burguês.

A fundação e o projeto original do PSOL foi uma iniciativa correta que hoje está sob risco e precisa ser defendida. As razões que levaram à fundação do partido não deixaram de existir. O PT precisa ser superado por uma alternativa de esquerda socialista nas urnas e nas ruas.

A ascensão da direita e extrema-direita com Temer e Bolsonaro criou um cenário que impõe a necessidade de unidade na luta em muitas situações. Isso pode incluir o apoio eleitoral crítico, particularmente em situações de segundo turno contra a extrema-direita. 

Manter a independência política do PSOL e a esquerda socialista

A unidade contra a extrema‑direita, porém, não deveria implicar em subordinação à linha política do PT. Menos ainda quando o PT está no governo junto com setores da direita e representantes diretos da burguesia.

O PSOL e a esquerda socialista devem manter uma postura de independência política diante do governo e priorizar a retomadas das lutas sociais contra a direita e pelos direitos dos trabalhadores e setores oprimidos. Qualquer ilusão na capacidade de regeneração do PT só atrapalhará a tarefa de reconstruir uma esquerda socialista de massas no Brasil.

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