Resistência nas ruas ao golpe no Peru

Desde 08 de dezembro do ano passado, o Peru foi palco de massivas manifestações contra a atual governante golpista do país, Dina Boluarte. Esta foi empossada após um golpe institucional que retirou do poder Pedro Castillo, um antigo dirigente sindical que ganhou as eleições de 2021 defendendo um programa de reformas e a realização de uma Assembleia Constituinte. 

Compreender como Pedro Castillo perdeu rapidamente o apoio popular que garantiu sua vitória contra a extrema-direita peruana é de enorme importância para a esquerda latino-americana, pois a profunda crise política existente no Peru não é uma “anormalidade”, mas indica a instabilidade política que caracteriza a atual era de desordem no capitalismo mundial.

Antes da vitória de Pedro Castillo, o Peru teve quatro presidentes diferentes entre 2016 e 2021. A instabilidade política do país coexiste com a permanência de um modelo econômico neoliberal instaurado autoritariamente pelo corrupto ditador Alberto Fujimori nos anos 1990. A agenda de Fujimori foi mantida intacta até hoje e é ela que explica a enorme pobreza ou a devastação social agravada durante a pandemia de Covid-19. 

Em 2020, ano dos massivos protestos que garantiram a convocação do processo eleitoral que elegeu Castillo em 2021, mais de 30% dos peruanos, isto é, quase 10 milhões de pessoas viviam em situação de pobreza (recebiam menos de R$515 reais por mês). A pandemia foi particularmente cruel para a classe trabalhadora: morreram quase 220 mil pessoas. Nesta conjuntura de desastre social, Pedro Castillo foi eleito presidente graças à sua promessa de mudar o sistema.

Castillo abandona o programa que o elegeu

O novo presidente enfrentou desde a sua posse em julho de 2021 inúmeras tensões com o congresso nacional. Para enfrentar as pressões da direita, a opção de Castillo foi moderar o discurso e abandonar suas principais promessas de campanha como a realização da reforma agrária, a estatização do setor de mineração e organizar uma Assembleia Constituinte. O abandono do programa que o elegeu custou caro: Castillo perdeu rapidamente apoio popular, abrindo espaço para a realização do golpe que empossou Dina Boluarte.

Após duas tentativas fracassadas de impeachment, o Congresso peruano conseguiu remover Pedro Castillo do poder em um momento em que este enfrentava manifestações populares que clamavam por mudanças reais e fracassou em sua tentativa de dissolver o congresso nacional. Em seu lugar, foi empossada sua vice-presidente, Dina Boluarte. Esta, apesar de ter pertencido ao mesmo partido de Castillo, hoje é a principal representante da direita tradicional peruana: seu governo é basicamente composto por figuras ligadas ao fujimorismo que foi derrotado nas urnas em 2021.

A rápida perda de popularidade de Pedro Castillo não significava que a classe trabalhadora peruana apoiaria mais um governo fujimorista. Por isso, o governo golpista de Boluarte tem enfrentado enorme resistência nas ruas.

Protestos enfrentam violenta repressão

Já no primeiro dia da manobra golpista e da prisão de Pedro Castillo, pequenos protestos pipocaram em todo o país. As manifestações cresceram e alcançaram um caráter massivo em janeiro de 2022, enfrentando uma dura repressão com dezenas de mortes.

Em 19 de janeiro houve a “Tomada de Lima”, nome da manifestação massiva em que manifestantes do Peru Profundo ocuparam a capital e enfrentaram uma violenta repressão. Mais de 11 mil oficiais dispararam balas e bombas contra manifestantes na capital do país. Em 21 de janeiro foram divulgadas imagens dramáticas mostrando um tanque invadindo a Universidade de San Marcos. 

Para piorar, mesmo com milhares de feridos e inúmeras denúncias por violação de direitos humanos, o ministro da defesa, Jorge Chávez, e Boluarte atualizaram no fim de fevereiro, o código das Forças Armadas para autorizar o disparo de armas de fogo contra o corpo de manifestantes.

Mesmo frente à virulenta repressão foi convocada uma “Segunda Onda de Tomada de Lima” para 02 de março. Exatamente enquanto este artigo é escrito, as ruas de Lima são ocupadas por manifestantes de distintas regiões do país e mostram que a disposição de luta não foi arrefecida pela virulenta repressão. De fato, uma pesquisa de opinião realizada no final de fevereiro revelou que mais de 90% do povo peruano rejeita o Congresso Nacional, enquanto a presidenta golpista é reprovada por 72% da população. Trata-se de um significativo sinal de que a situação permanece explosiva.

Necessidade de uma alternativa socialista

O governo golpista de Boluarte será derrotado apenas se novas organizações de massas da classe trabalhadora forem forjadas para fazer avançar as lutas daquelas e daqueles ocupam heroicamente as ruas do Peru hoje. 

As medidas insuficientes implementadas pelos líderes reformistas da nova “onda rosa” como Pedro Castillo no Peru, Gabriel Boric no Chile ou Gustavo Petro na Colômbia não desafiam as estruturas de poder desse sistema e abrem para novas derrotas e traições em seus governos e, com isso, a extrema-direita tem encontrado um novo fôlego para atacar a classe trabalhadora. 

Em uma era de desordem, é urgente a construção de uma alternativa socialista. 

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