A ascensão do Militant: Trinta anos do Militant 1964 – 1994
A história oficial da tendência Militant, antecessora do Partido Socialista
Nota do Editor: A história do Partido Socialista pode ser traçada pelo Militant, que propagandeou todas as questões que afetaram os trabalhadores e a juventude na última metade do século 20. Militant se tornou conhecido por sua campanha de adoção de políticas socialistas dentro do movimento trabalhista.
O jornal ‘Militant’ foi publicado pela primeira vez por um pequeno grupo de “pioneiros” em 1964, e alcançou a proeminência nos anos 70. A tendência Militant lutou contra o governo de Margaret Thatcher e contra a rejeição ao socialismo por parte da burocracia do Partido Trabalhista.
O prefácio abaixo foi escrito em outubro de 1995, não muito tempo antes do Militant mudar seu nome para Partido Socialista. Peter Taaffe, primeiro editor do Militant, foi um dos “pioneiros” e seu prefácio traça o inicio e as motivações dos participantes.
Peter Taaffe é Secretário Geral do Partido Socialista.
A idéias deste livro nasceu quando discutíamos como celebrar nosso 30º aniversário em outubro de 1994. Uma sugestão, realizada vitoriosamente em outubro e novembro daquele ano, era um tour para palestras por todo o país, realizado por mim, junto com Tommy Sheridan e outros. Várias reuniões foram realizadas nas principais áreas da Grã-Bretanha. Ao mesmo tempo foi sugerido que eu deveria reunir os principais artigos dos 30 anos da história do Militant, para publicação em um pequeno livro. Contudo, uma vez começado a investigação da viabilidade de tal projeto, se tornou claro que a publicação de poucos artigos “representativos” não faria justiça ao objetivo. Portanto a idéia de publicar um livro sobre os nossos 30 anos tomou forma.
Contudo, o enorme âmbito de tal empreendimento – compreendendo os eventos de 30 anos em um só volume- provou ser uma tarefa muito mais formidável do que eu pensava. Este livro não poderia ser produzido em horas de “lazer”. Como secretário-geral do Militant Labour, estou numa posição que demanda intenso envolvimento nas atividades diárias da organização. Portanto a produção deste livro tinha que ser “encaixada” ao lado das tarefas diárias de construir o Militant Labour e participar da luta. Esta foi a principal razão para o atraso de sua publicação.
Outra razão para o atraso foi a dificuldade em editar e selecionar os extratos da história do Militant que melhor refletiam sua posição política em cada estágio de desenvolvimento, assim como a continuidade de pensamento e ação que determinava sua abordagem política. Este livro não é um relato “organizacional” da evolução do Militant. Alguns detalhes organizacionais foram incluídos, mas foram mantidos no mínimo necessário. Isso porque este livro é essencialmente para traçar as idéias que motivaram o Militant e seus primeiros partidários que empreenderam a publicação do jornal e então sua sustentação, nos bons tempos e nos maus, por um período de 30 anos.
Desde sua concepção, o Militant foi escrupulosamente democrático, tanto em sua organização quanto em sua abordagem com seus oponentes políticos no movimento trabalhista. As decisões, inclusive a que levou à publicação do Militant, eram determinadas democraticamente pelos apoiadores comprometidos, aqueles que quotizavam regularmente e estavam envolvidos em nossos grupos de discussão locais, assim como a política do Militant. Os seus dirigentes não tinham um vasto aparato ou poderosos recursos para obrigar a obediência à sua linha política. No inicio havia um número de dirigentes, baseados em Londres, que constituíam o Corpo Editorial Nacional (NEB), que mantinham posições de autoridade e respeito dentro das fileiras do Militant. Eles eram eleitos e sujeitos à revogação a qualquer momento. No tempo em que o Militant foi lançado e por um período de vários anos estes membros eram Ted Grant, Peter Taaffe, Keith Dickinson, Clare Doyle (que chegou um pouco depois), Ellis Hillman (que subseqüentemente se separou do Militant) e Arthur Deane.
Pequenas forças estavam envolvidas no ínicio. Mas as decisões apenas chegavam depois de uma intensa discussão e debate. A intensidade do debate no movimento marxista algumas vezes é inversamente proporcional ao número de participantes! O aspecto mais controverso no inicio era sobre o nome. A escolha de Militant inicialmente não foi favorecida por muitos. Mas o espaço marcado para “nomes revolucionários” estava muito abarrotado, que fazia a escolha para o nome de uma nova publicação muito difícil. Além disso, o nome Militant tinha uma honrada genealogia na história do movimento trotsquista. Foi o nome de um primeiro e muito pequeno grupo na Grã-Bretanha. Era também o nome do jornal do Socialist Workers Party americano, que trabalhou junto com Trotsky nos anos 1930. Contudo, no começo dos anos 60 os líderes do SWP americano [nenhuma relação com o SWP britânico] estavam em desacordo com os líderes do que se tornou o Militant britânico. Por essa razão, e não outra, muitos dos nossos pioneiros não estavam encantados com esse nome. Foi aceito na época, muito porque não havia outra alternativa viável. Mas na psicologia dos seres humanos, os nomes, tanto de indivíduos quanto de organizações, se associam em suas mentes com o que eles vieram representar. E um dado importante sobre o nome Militant diz respeito ao que seus defensores pretendiam: o objetivo de ganhar no primeiro momento os mais combativos, conscientes, lutadores, i.e. militantes, setores da classe trabalhadora. Um incidente fora de uma fábrica ilustrou o que Militant era acima de tudo. Um apoiador vendia o jornal fora da fábrica para um grupo regular de trabalhadores. Durante três semanas ele observou que outro individuo da fábrica permanecia observando, não era daqueles que compravam o jornal. Temendo que fosse um espião da gerência ou supervisor, o vendedor se aproximou deste indivíduo. Ele confessou que era na verdade o delegado sindical na fábrica. Ele estava observando aqueles que compravam o Militant, porque queria identificar os operários capazes de se tornarem representantes sindicais! Aqueles que estavam preparados para se desenvolver eram aqueles preparados para comprar o Militant, que era material de liderança aos olhos deste representante.
Assim como ele, mas de um amplo ponto de vista, Militant apontou seus esforços num primeiro momento para os setores mais conscientes e politicamente alertas da classe trabalhadora. A conquista destas camadas, que nós consideramos o “sal da terra”, é a chave para ganhar a massa dos trabalhadores em um estágio posterior.
Militant, através da ação como das palavras, se tornou, com o tempo, uma substancial força dentro do movimento trabalhista britânico. No inicio, contudo, forças pequenas se reuniam através da sua bandeira. Mas a história do movimento trotsquista na Inglaterra não começou com o Militant. Há uma longa tradição que remonta aos anos 30 e ao próprio Trotsky, de grupos e organizações que empenhavam-se em encontrar uma base dentro do movimento trabalhista e da classe trabalhadora. Alguns daqueles que ajudaram a criar o Militant, como Ted Grant e os Deanes (Jimmy, Gertie, Brian e Arthur), estiveram no movimento trotsquista por décadas. O autor não compartilha da visão de que a luta de pequenos grupos não tem significância história. Como Trotsky apontou, as batalhas teóricas entre pequenos grupos de revolucionários russos no exílio, nos becos de Paris, nos pubs em Londres ou nos celeiros empestados de Bruxelas foram parte de um processo necessário, afiando as armas políticas sem as quais a maior mudança social da história, a Revolução Russa, não teria sido possível. Sem as lutas de gerações passadas, particularmente dos pioneiros do trotsquismo na Inglaterra, o sucesso do Militant não teria sido possível.
Os jovens que aderiram às fileiras do que se tornou o Militant nos anos 60, se apoiaram nos ombros daqueles que mantiveram a tradição trotsquista no período mais difícil. Contudo, não é a intenção, nem é possível dentro do espaço deste trabalho, tratar desta história. Outros irão executar esta tarefa. O propósito deste trabalho é mostrar como o Militant, de “apenas mais um” pequeno grupo se tornou uma força capaz de levar o marxismo para o movimento de massas dos trabalhadores. O Militant, é verdade, não apareceu totalmente formado.Um período preparatório de reunião de novos quadros, particularmente no inicio dos anos 60, tinha que ser realizado antes que o lançamento do Militant fosse possível. Merseyside era uma área onde o trotsquismo, na forma daqueles que posteriormente apoiaram a formação do Militant, implantaram profundas raízes, como em nenhum outro lugar, no movimento trabalhista. Dentro do Partido Trabalhista, a seção eleitoral de Walton era a única em que os marxistas estavam capazes de alcançar algum sucesso apreciável. Ano após ano eles discutiram o caso para um programa geral do socialismo, tanto no nível do Conselho Sindical de Liverpool e do Partido Trabalhista que eram então um corpo unido, e no congresso nacional do Partido Trabalhista. O Partido Trabalhista de Walton permaneceu uma fortaleza para as forças do marxismo nos anos 50.
Em 1959 George McCartney, um apoiador do Luta Socialista (antecessor do Militant), foi escolhido como um possível candidato parlamentar trabalhista em Walton. Nesta batalha ele derrotou facilmente Woodrow Wyatt, então um apoiador do Tribune, e agora um furioso ultra-direitista. Infelizmente, a eleição geral de 1959, contra todas as expectativas, foi uma vitória dos Conservadores. Apesar da enorme campanha, o Trabalhismo falhou em ganhar Walton.
Entre aqueles que se uniram ao Partido Trabalhista de Walton em 1957, portanto entrando em contato com as idéias do marxismo, estava Keith Dickinson, um dos membros do corpo editorial do Militant expulsos em 1983. Muitos outros jogaram um importante papel para construir as forças do Luta Socialista. Pat Wall, que foi secretário do CLP de Garston ao 16 anos em 1952, também foi importante, assim como Don Hughes, Pauline Knight (que depois se casou com Pat Wall) e um grupo de tipógrafos, entre eles Reg Lewis e John MacDonald.
Eu entrei em contato com o Luta Socialista em 1960, depois de conhecer Don Hughes. Antes disso, apoiava o CND e tinha um grande interesse pelas idéias básicas do socialismo e o que eu imaginava como “comunismo”. Depois de comparecer a uma reunião pública do Partido Trabalhista eu fui contatado pelo Luta Socialista através de John MacDonald. Neste tempo uma batalha feroz se desenrolava dentro da juventude trabalhista (Labour Party Young Socialists) de Merseyside entre os membros do Luta Socialista e da Socialist Labour League (posteriormente o Workers’ Revolutionary Party). Fui convidado para reuniões do Socialist Labour League, e tive discussões com sua organização de Merseyside. Porque fui atraído pelo muito menor Luta Socialista? Com muito pouca experiência no movimento trabalhista, eu todavia fui repelido pelo sectarismo político estreito – para não dizer autoritarismo – da SLL. Nós recordamos depois como os membros do Luta Socialista ganharam a maioria dentro dos Young Socialists.
Com a decisão de publicar o Militant, foi decidido que eu mudaria de Merseyside para Londres, para me tornar editor do jornal em tempo integral. Foi-me prometido 10 libras semanais e acomodações seguras. Contudo, a acomodação e as 10 libras permaneceram no plano da “teoria”, não se materializando por anos. Na melhor tradição dos marxistas e revolucionários, fui obrigado a dormir primeiro no chão do apartamento de um apoiador em Balham, sul de Londres. Mas quando uma pequena disputa fracional teve lugar, sai de lá, algumas vezes sendo forçado a dormir no apartamento de outras pessoas e por uma ou duas vezes, passei noites sem dormir na entrada do metrô, antes de se decidir que eu poderia dormir “ilegalmente” num escritório que o Militant alugou do Independent Labour Party (ILP). Passei lá quase seis meses, onde vivi uma existência quase de gato-e-rato com o zelador. Não muito enamorado dos trotsquistas, esse individuo chegava ao quartel-general do ILP muito cedo de manhã para ir à livraria do partido que se localizava no porão. A figura passava grande parte do seu tempo, entre 7 e 9 da manhã, tentando me surpreender, oculto do escritório do primeiro andar, indo para o banheiro público que ficava no caminho. Felizmente, a agilidade da juventude levou vantagem sobre suas pernas velhas e o gato nunca pegou o rato! Esta existência precária, tanto financeira quanto pessoal, nunca teria sido possível sem a ajuda dos membros do Militant.
A Militant International Review (MIR), de 1969 em diante foi nosso principal jornal teórico. Primeiro foi produzido irregularmente.Depois se tornou trimestral, e então bimensal. Em 1995 a MIR foi relançada como o novo jornal mensal Socialism Today, editado por Lynn Walsh. Os artigos destes jornais contêm algumas das visões mais detalhadas e penetrantes dos desdobramentos britânicos e mundiais das últimas duas ou três décadas.
A partir de 1985, Clive Heemskirk, que ganhou uma valiosa experiência como organizador estudantil de l981 a 85, jogou um valioso papel ao lado de diferentes editores na produção de nosso jornal teórico, incluindo o nosso novo mensário.
Há muitos outros excelentes camaradas que ao longo de 30 anos deram uma grande contribuição à construção do Militant e que não posso mencionar todos neste trabalho. Minhas sinceras desculpas à eles; o peso desta dívida será paga a todos eles quando uma história política mais detalhada e organizada do Militant for escrita no futuro. Mas espero que me perdoem por mencionar a contribuição de Linda Taaffe. Ela se uniu a mim em Londres em 1966. Desde então, tanto no nível pessoal quanto no político, ela tem sido leal na causa do socialismo e do marxismo. Para todos os que a conheceram, e obviamente para o autor, ela sempre foi uma fonte de encorajamento e amor, sempre demonstrando suprema confiança nos objetivos pelos quais lutávamos.
Os cínicos e céticos podem perguntar, “quão perto estão da realização dos seus objetivos, o socialismo que o Militant almeja? Veja ao redor do seu mundo consumido pelo ódio racial, divisão étnica, guerra, pobreza e desemprego.” A melhor resposta para isso foi dada por Leon Trotsky no início deste século. Num diálogo entre um pessimista e um otimista ele escreve:
Na França – o veneno do ódio racial; na Áustria – conflitos nacionalistas… na África do Sul – a agonia de um pequeno povo, que está sendo assassinado por um colosso; na própria ilha “livre” – triunfantes hinos para a vitoriosa avareza dos corretores chauvinistas; dramáticas “complicações” no oriente; rebeliões de famintas massas populares na Itália, Bulgária, Romênia… Ódio e assassinato, fome e sangue…
Parece que o novo século, esse gigantesco recém-chegado, empenhou-se no momento mesmo de seu aparecimento para lançar o otimista no pessimismo absoluto e num nirvana cívico.
“Morte à Utopia! Morte à fé! Morte ao amor! Morte à esperança!” troveja o século vinte em meio a salvas de fogos e ao estrondo dos canhões.
“Renda-se, seu patético sonhador. Aqui estou, seu tão aguardado século vinte, seu ‘futuro.'”
“Não”, replica o imperturbável otimista: “Você – você é apenas o presente.” (1)
O capitalismo decadente é incapaz de mostrar um caminho para os trabalhadores da Grã-Bretanha e do mundo. Nem os líderes de extrema-direita mostram uma saída deste impasse. O socialismo internacional é o único caminho de prevenir um desastre social e político, sem falar ambiental, numa escala monumental. Conscientemente é necessário acabar com o pânico daquilo que os marxistas chamam de “condições objetivas” do capitalismo mundial. Esta contradição, contudo, não pode existir para sempre. A tomada de consciência se dará sob estas condições objetivas. Quando acontecer, se dará por enormes saltos de compreensão, especialmente pela classe trabalhadora. No curso de tais movimentos, as idéias do Militant, que tem dado um lampejo do que é possível para a classe trabalhadora britânica, se tornarão as armas políticas com as quais os trabalhadores irão construir um novo mundo.
1 Trotsky “On Optimism And Pessimism; On The 20th Century And On Many Other Issues” In “The Age Of Permanent Revolution”