Che Guevara: Símbolo de luta
Uma nova Cuba
Enquanto o imperialismo norte-americano se sentia horrorizado pelos acontecimentos que estavam acontecendo em Havana, a ditadura burocrática que governava em Moscou em nome do “socialismo” observava inicialmente os acontecimentos à distancia. Os líderes do Kremlin foram, em todo caso, pegos de surpresa pelo giro que haviam tomado os acontecimentos. É completamente falso afirmar, como alguns apologistas do regime de Moscou têm feito, que a revolução cubana foi realizada com o apoio da URSS desde o começo e que Castro estava colaborando com eles.
Houve algum contato limitado entre membros individuais do Movimento 26 de Julho e os oficiais soviéticos no México anteriores à expedição do Granma. Fora a militância nas Juventudes Comunistas de Raúl Castro, Che também havia mantido discussões com um oficial soviético.
No máximo, o contato que havia tido lugar foi de caráter investigador. Che, durante o tempo que esteve no México, via a União Soviética como uma manifestação do “socialismo”. Além disso, como muitos outros no mundo colonial e semicolonial, a URSS era vista como um atrativo contrapeso ao imperialismo,- na América Latina especialmente ao imperialismo norte-americano.
Numa carta a ‘Daniel’ escrita em 1958, Che havia explicado que ele “… pertencia àqueles que crêem que a solução dos problemas do mundo está atrás da chamada cortina de ferro…” Mais tarde, quando ele pode ver a Rússia de primeira mão, se fez mais crítico e hostil em sua atitude ante a burocracia privilegiada que governava ali em nome do “socialismo”, sem perder seu ódio pelo capitalismo e o imperialismo.
Se existiu uma conspiração em que estavam implicados Castro e a burocracia do Kremlin para tomar as rendas de Cuba, então os dirigentes da União Soviética não tinham conhecimento dela.Quando as noticias dos turbulentos acontecimentos de Havana chegaram a Moscou em janeiro de 1959, estava ocorrendo um encontro do PCUS (Partido Comunista da União Soviética). Anderson detalha em sua biografia de Che Guevara os fato tal como lhes foram relatados por Giorgi Kornienko, oficial de alta patente que trabalhava no Departamento de Informação do PCUS. “Kruschev perguntou, ‘que tipo de gente são eles? Quem são?’ mas ninguém sabia a resposta a sua pergunta…Na realidade não sabíamos quem eram estes tipos de Havana.”
Sem dúvida, uma vez confrontados com a revolução social, a burocracia de Moscou esteve disposta a intervir e usar a oportunidade que se havia apresentado. Ao abraçar o regime cubano sob Castro, Kruschev fez valer a influência e o prestigio internacional da burocracia.
Isto pode se ver durante a crise dos mísseis cubanos em 1962 quando, temendo os planos de uma intervenção norte-americana, os cubanos fizeram um chamado a favor da ajuda militar. A burocracia soviética concordou e enviou armas capazes de transportar ogivas nucleares. Isto se fez, em primeiro lugar, para potenciar o prestigio da burocracia a nível internacional ao ser vista “fazendo frente” aos EUA. Fez-se, em parte, como uma medida de olho por olho e dente por dente contra a ação que os EUA haviam tomado antes. Ao instalar armas nucleares em Cuba Kruschev afirmou: “Podemos lhes pagar na mesma moeda o que eles nos deram na Turquia (Os EUA haviam instalado mísseis nucleares apontando para a URSS)… É só para os assustar um pouco… Há que fazê-los sentir o mesmo que nós… Vão ter que tragar a pílula igual a que nós engolimos na Turquia.”
Enquanto utilizaram a situação em Cuba para potencializar seu prestigio internacional, a burocracia russa também utilizaria sua influência e força econômica para controlar os dirigentes cubanos que eram considerados como coringas. A burocracia que governava a URSS em 1960 tinha confiança e firmeza na situação mundial, em marcado contraste com a camarilha desmoralizada que promulgou a restauração do capitalismo em 1989/92.
Conquistas Sociais
A Cuba revolucionaria estabeleceu acordos comerciais extremamente favoráveis com a URSS e o Leste da Europa. 85% do comércio cubano tinha lugar atrás da ‘cortina de ferro’, posto que o açúcar cubano se comprava a três e mesmo quatro vezes o preço no mercado mundial. 95% do petróleo cubano vinha da URSS. Verdadeiramente a ajuda econômica russa superava em excesso o milhão de dólares americanos diários.Sem esse apoio, a economia a revolução cubana teriam colapsado. Como diz um velho ditado, “Quem paga a banda elege a melodia”.Com essa dependência, o Kremlin tinha o regime de Castro firmemente preso.
Levou-se a cabo uma inversão na indústria e se enviaram técnicos à Havana. Baseando-se na derrota do capitalismo e a construção de uma economia planificada com o apoio econômico da URSS, a vida das massas cubanas se transformou.As conquistas obtidas como conseqüência da revolução contrastavam com o oceano de miséria do ‘mercado livre’ em que o resto da população do continente se afogava.
Em dois anos o analfabetismo foi abolido. Antes de 1959, 50% das crianças em idade escolar primária não recebiam nenhum tipo de educação; depois da revolução estava ao alcance de todos. Enviaram-se professores e estudantes para organizar classes nas fábricas e nas fazendas. Quando todos num centro de trabalho aprendiam a ler e escrever, se fazia tremular uma bandeira vermelha na entrada.
Desenvolveu-se a atenção sanitária gratuita e à disposição de todos, que finalmente, sobressaiu entre as melhores do mundo. O emprego, a comida e a moradia estavam ao alcance de todos. A mortalidade infantil se reduziu à 10.6 por mil e a esperança de vida aumentou para 74 anos no final dos anos 70. Estes níveis de expectativa de vida se comparavam favoravelmente com os dos principais países imperialistas. Nesta época se comparavam com os 45 anos na Bolívia, uns 60 anos no Brasil e 58 na Colômbia. O governo de Castro foi o primeiro no continente a proclamar abertamente seu tributo ao “socialismo”. Inclusões anteriores de partidos socialistas ou comunistas no governo na América Latina se realizaram mediante coalizões com uma série de partidos capitalistas. Qualquer adesão a construir o socialismo se desvanecia rapidamente e se abandonava. Só até a eleição de Allende no Chile em 1970 não houve outro governo latino-americano que proclamasse intenção de construir o socialismo.
Além do mais, a vitória em Cuba se obteve aparentemente pela revolução. O efeito por todo o continente foi eletrizante. Trabalhadores, camponeses e jovens de toda América Latina começaram a contemplar Cuba como um exemplo que aspiravam imitar. Cuba se convertia agora no modelo para as massas exploradas. O entusiasmo que haviam gerado os acontecimentos de Havana por todo o sul só tinham paralelo no horror com que foram acolhidos pelos governantes capitalistas ao norte do Rio Grande.
Bahia dos Porcos
Dentro do que José Martí descreveu como o “interior do monstro” do imperialismo norte-americano, se criaram planos para derrotar a “ameaça comunista” de Castro. Em abril de 1961, aviões dos EUA bombardearam a cidade de Santiago em Cuba. Foi em resposta a este ataque que Castro proclamou o “caráter socialista” da revolução. Este ataque foi o prelúdio de uma invasão no mesmo mês na Praia Girón (Bahia dos Porcos) por forças mercenárias organizadas pelos EUA. O assalto se converteu em uma farsa quando os EUA retiraram o ataque total em solo cubano, repelido pelas milícias armadas.
Cada tentativa de assalto do imperialismo norte-americano servia meramente para fortalecer o apoio à revolução e ao regime de Castro. Che, justificadamente, enviou uma mensagem escrita ao presidente Kennedy depois da invasão da Praia Girón: “Obrigado pela Praia Girón. Antes da invasão, a revolução era pouco firme. Agora, é mais forte que nunca.”
Ao fracasso desta invasão se seguiu uma campanha para isolar Cuba a nível internacional. A expulsão de Cuba da Organização de Estados Americanos (OEA) ocorreu em 31 de janeiro de 1962. Isto foi seguido de um embargo comercial total dos EUA que ainda persiste hoje.
Em 4 de fevereiro Castro devolveu o golpe num prolongado discurso, ‘A Segunda Declaração de Havana’, pronunciado ante uma audiência de um milhão de pessoas (uma de cada sete da população total). Tratou-se de um destacado resumo da historia latino-americana, denunciando o capitalismo e o imperialismo e fazendo um chamado à revolução e ao socialismo por todo o continente.
Castro tinha mais que motivos para proclamar “Cuba, a nação latino-americana que tem feito latifundiários de mais de 100.000 pequenos agricultores, assegurado emprego para todo o ano nas granjas e cooperativas estatais para todos os diaristas, transformado fortes em escolas, concedido 70.000 becas a estudantes universitários, de escolas técnicas e secundárias, criado salas de conferências para toda a população infantil, liquidado por completo o analfabetismo, quadruplicado os serviços médicos, nacionalizado os interesses estrangeiros, suprimido o sistema abusivo que convertia a moradia em veículo de exploração da gente, eliminado virtualmente o desemprego, suprimido a discriminação por motivos de raça e sexo, que se tem desfeito do vicio do jogo e da corrupção administrativa, armado o povo…é expulsa da Organização de Estados Americanos por governos que não tem obtido para seu povo um só destes objetivos.”
Referindo-se à ira despertada entre os defensores do capitalismo, a declaração afirmava: “O que o explica é o medo. Não medo da revolução cubana, mas medo da revolução latino-americana… medo de que os trabalhadores, os camponeses, os estudantes, os intelectuais e os setores progressivos das camadas médias tomem, por meios revolucionários, o poder nos países oprimidos e famintos explorados pelos monopólios yankis e as oligarquias reacionárias da América, medo de que o povo saqueado do continente vá arrebatar as armas de seus opressores e, como Cuba, se declarem como povo livre da América.”
Os êxitos da Revolução Cubana junto com estas declarações asseguraram que esta ganhasse p apoio massivo tanto no interior como fora. Sem dúvida, apesar da popularidade do novo regime e os enormes êxitos feitos pela revolução, não resultou na criação de um sistema genuíno de democracia operária.
Uma Nova Cuba, mas governada por quem?
Depois da Revolução Russa de 1917 se criou um sistema de democracia operária mediante a eleição de sovietes (conselhos operários). Estes se compunham de delegados eleitos nas fábricas, locais de trabalho e unidades militares.A classe trabalhadora tem criado formas similares de organização em outras revoluções, como durante a Comuna de Paris de 1871. Depois da Revolução Russa os sovietes locais haveriam de eleger os delegados regionais e nacionais dos quais se formava o governo.Todos esses delegados eleitos poderiam ser revogados pelos que os elegiam a qualquer momento. Aos representantes do governo não se pagava mais que o salário médio de um trabalhador qualificado. Lênin defendeu que o diferencial máximo em soldos e salários deveria ser de quatro a um. Mediante este sistema de democracia operária a classe trabalhadora, com o apoio dos camponeses pobres e outros setores explorados, exercia o controle e a administração democrática sobre o governo e a planificação da sociedade.
Devido a isto, a Revolução Russa teve um impacto massivo a nível internacional. Foi como John Reed intitulou seu vibrante relato da revolução, Os Dez Dias que Abalaram o Mundo. Os trabalhadores do mundo não só apoiaram a revolução mas lutaram para criar um sistema similar de democracia operária em seus próprios países. Seu impacto foi inclusive maior e mais prático internacionalmente que a simpatia que despertou a Revolução Cubana.
O sistema de democracia operária que se criou durante a Revolução Russa foi construida tomando como base a classe operária que, conscientemente, tomou as rédeas do governo da sociedade. Com o proletariado à cabeça do processo revolucionário se criou um estado operário que refletia o caráter de classe da revolução. Foi isto o que teve tanto impacto nos trabalhadores por todo o mundo.
A classe operária finalmente perdeu o poder político a favor de uma elite burocrática devido o fracasso da revolução internacional e a intervenção militar de 21 exércitos do imperialismo que fortaleceram as forças da contra-revolução na Rússia.A guerra civil encarniçada que se deu entre 1918 e 1921 provocou uma catástrofe social e econômica devastadora.Devido à penúria que se estendeu nas zonas rurais ocorreram inclusive casos de canibalismo. Estes acontecimentos e o fracasso da vitória da revolução internacional acabaram esgotando a classe operária, em especial os trabalhadores mais experimentados e politicamente ativos. Emergiu uma casta privilegiada burocrática que tomou o poder político.Um repressivo regime burocrático governou em nome do “socialismo” até 1989/91. Em Cuba, o novo regime que chegou ao poder em 1959 foi tremendamente popular e desfrutou do apoio massivo da população. Mas o caráter do estado que se criou refletia a base predominantemente rural e camponesa da revolução. Devido a isto não se criou uma democracia operária similar à que tomou o poder na Rússia e, 1917.
Apesar de seu apoio e popularidade, o regime cubano foi desde o começo não uma democracia operária, mas o que o CIO caracteriza como um estado operário deformado. Isso é, um estado onde o capitalismo e feudalismo foram derrotados e substituídos por uma economia planificada estatizada mas dirigida e controlada por uma casta burocrática. Não houve um sistema de conselhos operários através do que o proletariado pudesse governar a sociedade.
O governo governaria principalmente mediante o Partido Comunista e os Comitês de Defesa da Revolução (CDR) que o novo regime criou em setembro de 1960. Estes comitês não eram corpos eleitos com bases nos centros de trabalho através dos quais a classe operária pudesse iniciar suas propostas ou revisar e emendar as que provinham do nível regional e nacional. Isto é essencial para permitir que a economia planificada centralizada se desenvolvesse de maneira mais eficaz e controlar possíveis tendências burocráticas.
Cada rua tinha um CDR, que qualquer um podia inicialmente se unir e, conseqüentemente, chegou a contar com 3 milhões de membros. Estes atuavam como um cinturão de transmissão para as decisões do governo que as comunicavam através dos membros do Partido Comunista.Funcionavam como o mecanismo mediante o qual a direção do partido realizava os plebiscitos locais para aprovar suas decisões. Não existia um canal efetivo no qual os trabalhadores e a população pudessem debater e mudar as decisões tomadas em cima.
Este método de governo foi freqüentemente utilizado por Castro. Convocavam-se concentrações de massas e se apresentavam as propostas aos assistentes e pediam que votassem “sim” ou “não”. Não havia debate nem discussão, nem revisão e controle. No fervor inicial da revolução se exerceu um elemento de controle mediante os CDRs principalmente nos temas cotidianos. Sem dúvida, nunca funcionaram como mecanismo mediante o qual se pudesse levar a cabo a planificação e controle democrático da economia e a sociedade em seu conjunto por parte da classe trabalhadora.
Ainda que muito populares entre muitos trabalhadores no período inicial da revolução, desempenharam crescentemente o papel de informar sobre as atividades da população local. Os sindicatos, mediante o CTC, se converteram rapidamente em pouco mais que uma agência supervisora do ministro de governo pertinente. Também existiam quase 300 conselhos municipais mas tinham pouco poder. Todos os candidatos deviam cumprir os critérios estabelecidos pelo Partido, que também designava os presidentes.
O Partido Comunista Cubano é o principal instrumento pelo qual a burocracia dirige seu governo.O próprio partido baseia seu funcionamento nas designações feitas a cada nível da direção de cima para baixo. O Partido foi formalmente fundado em 1965 em bases de controle após um expurgo que havia ocorrido nas ORI (Organizações Revolucionárias Integradas) de todos os membros do PSP que haviam participado nas eleições que Batista convocou em 1958.
Com 70.000 membros em 1959, era proporcionalmente o menor per capita dos “partidos comunistas” dos chamados países “comunistas”. Seus membros eram selecionados por comissões designadas pelo Comitê Central e as frações estavam proibidas. Estas comissões selecionavam trabalhadores “exemplares” e especialmente técnicos dos centros de trabalho.Apesar de formado em 1965, o Partido Comunista só realizou seu primeiro congresso em 1975, uma década depois. Os outros partidos políticos foram proibidos.
Na Rússia, mesmo durante as condições de guerra civil, o partido bolchevique realizava um congresso todo ano. Sob Lênin e Trotsky as frações dentro do partido só foram proibidas (e Lênin quis isto como uma medida temporal)quando a revolução estava ameaçada pela guerra civil e a intervenção imperialista de 21 países. Os outros partidos só foram proibidos quando recorreram às armas contra a revolução e colaboraram com a intervenção imperialista.
Planificação Burocrática
Criou-se um mecanismo de planificação central primeiro através do INRA e logo o JUCEPLAN, que eram uma imitação dos mecanismos de planificação burocrática que existiam na URSS. Che jogou um papel dirigente em ambos e foi presidente do nacionalizado Banco Nacional Cubano.
Chegaram “conselheiros” do outro lado da “cortina de ferro” que crescentemente influenciaram o mecanismo de planificação centralizada. Até 1961, mais de 100 “conselheiros” da Europa Oriental se encontravam em Havana. As massas não exerciam o controle da planificação da economia local ou central. O controle burocrático da economia terminou numa série de “zig-zags” econômicos e no estabelecimento de objetivos inalcançáveis conforme o regime tentava superar os problemas e a escassez. Em 1960, Castro prometeu que em 1965 se obteriam níveis de vida iguais aos da Suécia. Em 1961 Che Guevara declarou que Cuba se converteria num país industrializado em 12 meses. Nesse mesmo ano se introduziram racionamentos de alimentos que continuaram até os anos 70.
Os objetivos excessivos e os zig-zags se pronunciaram no importante setor agrícola igual à industria. Em países como Cuba é essencial um desenvolvimento harmonioso da agricultura e da indústria. Necessita-se um alto grau de desenvolvimento industrial e mecanização para elevar ao máximo a produção agrícola. Isto requer que se estabeleça uma correlação sintonizada entre a industria e a agricultura. Não é possível obter isto sem um sistema de democracia operária nem onde exista uma burocracia que governe a sociedade de cima. Leon Trotsky apresentou isto em sua crítica às políticas agrárias de Stalin nos anos 30.
Castro declarou no final dos anos 60 que a produção de açúcar de Cuba alcançaria os 10 milhões de toneladas em 1970. Isto só teria sido possível com o desenvolvimento da indústria e a mecanização da agricultura. Só se coletaram 8 milhões de toneladas em 1970 e 5.4 milhões em 1975. Numa corrida desesperada para cumprir o objetivo de 1970, 400.000 cubanos foram mobilizados das cidades para fazer a colheita. Esta política de mobilização de massas de mão de obra voluntária (as vezes de mão de obra forçada) constituía uma tentativa de substituir a falta de mecanização. Por sua vez, isto tinha como conseqüência um transtorno da produção nas cidades agravando o problema que existia na indústria.
Che e Castro tentaram resolver algumas das dificuldades econômicas que surgiram devido a burocracia. Lamentavam os sintomas, mas não podiam encontrar uma cura.Mesmo em 1963, Che tinha que se haver com problemas que se colocavam devido ao sistema de governo burocrático. Che pronunciou um discurso secreto que era “para o uso privado dos dirigentes políticos e econômicos” em que criticava duramente os gerentes pela pobre qualidade dos produtos. Sem dúvida, para remediar a disfunção da burocracia, se necessitava de um sistema de democracia operária que permitisse a crítica dos que faziam as decisões e a discussão e as mudanças de planificação. Isto estava ausente em Cuba.
Em um pequeno país como Cuba, as dificuldades que até um regime de democracia operária encontraria exigiriam a vitória da revolução socialista a nível internacional, especialmente por toda a América Latina, para obter os recursos e a técnica necessários mediante a integração e a planificação das economias. É por isso que a luta por uma Federação Socialista da América Latina é de importância crucial para a classe operária e os povos oprimidos do continente.
Che apoiou e lutou pela vitória desta revolução internacional. Infelizmente, as idéias que defendeu para obtê-la não correspondiam com as condições que existiam em outros países da América Latina mais urbanizados.
A influência burocrática da URSS piorou a situação. A nível central, ela tentou impor seu próprio sistema orçamentário. Esta política absurda significava que cada indústria operava a nível financeiro de forma separada sem ter em conta a contabilidade nacional. Uma industria não podia, para tanto, oferecer subvenções à outra mesmo quando isto era globalmente desejável em termos econômicos. Che resistiu às tentativas de impor isto em Cuba.Outros aspectos da “ajuda” russa eram quase cômicos, para não dizer trágicos. Moradias adequadas a condições de temperatura abaixo de zero na Sérvia foram construídas na ensolarada Cuba. Mil tratores russos foram enviados em 1963 para colher a cana de açúcar. Uma vez descarregados se descobriu que não podiam ser empregados para a tarefa porque se requeria uma maquinaria especial. Existiram diferenciais salariais desde o começo do novo regime. K S Carol aponta em sua obra Guerrilhas no Poder, que até 1963 havia conhecido um engenheiro em uma fábrica que recebia 17 vezes o salário de um operário. Isto estava muito longe do diferencial máximo proposto por Lênin de 4 a 1.
A burocracia cubana adquiriu privilégios para si mesma embora, devido o atraso de Cuba, estes pareciam ser menores que os adquiridos pelos burocratas do Kremlin. Sem dúvida, nem por isso são menos significativos em dimensão social. Em 1975, o Congresso do Partido Comunista votou para que se permitisse aos cubanos comprar carros. Até então isto havia sido privilégio dos oficiais do estado e do partido. Durante o racionamento de alimentos de 1961, os oficiais do governo tiveram rações mais altas que os trabalhadores camponeses. Os restaurantes mais caros e de melhor qualidade como ‘Torre’ e o ‘1830’ eram freqüentados por oficiais do governo e do partido. Para os trabalhadores continuavam sendo inacessíveis.
Não para o Che
Alguns destes privilégios foram literalmente tomados do que os ricos haviam deixado para trás quando fugiram de Cuba. Che não ia ser partidário destas atividades e se sentiu repelido por elas.Cada vez se irritava mais pelos rasgos burocráticos que emergiam na nova Cuba. Orlando Borrego trabalhou com ele na JUCEPLAN e rememora um incidente. Depois de ter “intervido” em um moinho de açúcar, Orlando havia tomado um carro Jaguar recém saído da fábrica que o proprietário anterior havia deixado e o utilizou durante uma semana. O Che o surpreendeu dentro dele e correu até ele gritando: “Você é um cafetão. É o carro de um cafetão. Nenhum representante do povo deveria dirigi-lo, livre-se dele. Tem duas horas.” Borrego rememora “Che era super severo… como Jesus Cristo.”
Che rechaçou os privilégios para si mesmo e viveu uma vida frugal.Como presidente do Banco Nacional rechaçou o salário mais alto que lhe outorgaram e insistiu em viver com o salário mínimo pago a um “comandante”. Quando foi introduzido o racionamento de alimentos em 1961, se sentiu horrorizado ao descobrir acidentalmente que sua ração era mais alta que a oferecida à massa da população e imediatamente a cortou em conseqüência.
Inclusive rechaçou fazer uso da gasolina que o governo designava para os serviços oficiais para levar sua mulher ao hospital e quis que seu pai e família pagassem sua própria passagem de avião da Argentina quando o visitaram em Cuba. Seu compromisso com a revolução e seu estilo de vida o fez ganhar um lugar especial nos corações das massas cubanas e da América Latina.
Cada vez mais, Che reagia com hostilidade ao que via na União Soviética. Em uma visita, convidado a cear no apartamento de um oficial do governo, tomou sua ceia em delicada porcelana importada da França. Durante a ceia se voltou a seu anfitrião e falou com sarcasmo: “Assim, pois, o proletariado aqui come em porcelana francesa, é?”
De volta a Cuba, cresceu sua frustração pela qualidade dos abastecimentos industriais enviados de Moscou, que denunciou como “merda de cavalo”. Numa ocasião, enquanto sofria de um ataque de asma especialmente severo, foi visitado por seu amigo Padilla que, depois de acabar de regressar da URSS, denunciava o que havia visto. Che interrompeu : “Devo lhe dizer que não preciso escutar o que tem que dizer porque já sei que tudo isso é uma pocilga, o tenho visto eu mesmo.”
Embora repelido pelo que havia visto na URSS e frustrado pelos emergentes métodos e erros burocráticos em Cuba, Che não tinha uma alternativa clara. Sua debilidade central, a carência de uma compreensão do papel da classe trabalhadora na revolução e na planificação e governo consciente da sociedade, agora o impedia de desenvolver uma política alternativa viável.
A isto se deve atribui sua carência de uma explicação fundamentada sobre os estados stalinistas na URSS e no Leste da Europa. De um ponto de vista marxista, ambas as carências em suas idéias haveriam de conspirar contra ele. Che corretamente aspirava a estender a revolução mais além das fronteiras de Cuba mas não soube compreender como poderia fazer isto.
Política Internacional
Tudo o que pode oferecer foi um chamamento a repetir a revolução e seus métodos de ‘guerrilheirismo’. Devido à autoridade da revolução cubana, isto teve um enorme impacto em setores da juventude e intelectuais de toda América Latina e Europa. Sem dúvida, apesar de simpatizar com a Revolução Cubana e o Che, este método de luta não era viável pela poderosa classe trabalhadora que estava crescendo no Chile, Argentina, Brasil, Bolívia e outros países. Che não soube se dirigir a esta poderosa e potencialmente revolucionária classe e lhe oferecer um programa socialista revolucionário alternativo às políticas de colaboração de classe, reformismo e frente populismo que eram oferecidos pelos partidos socialistas e comunistas na região. As idéias de Che sobre o internacionalismo tiveram um apoio de massas em Cuba e o novo regime estava disposto a fazer eco delas como contrapeso ao bloqueio perverso do imperialismo. Sob a influência de Che, o regime apoiou e iniciou organizações guerrilheiras em muitos países.
Isto foi tolerado por um breve espaço de tempo pela burocracia da URSS, apesar de lhe causar alguns problemas ao tratar com os partidos comunistas locais que rechaçavam estes métodos. Também se deram conflitos e desacordos entre Havana e Moscou. Do ponto de vista do Kremlin, era um preço que valia a pena pagar já que a ajuda econômica que Moscou dava à Cuba fortalecia seu prestigio internacional, especialmente nos países coloniais e semicoloniais.
Embora o apoio que o regime de Castro prestou às numerosas forças guerrilheiras da América Latina fosse fonte de irritação para a burocracia de Moscou, esta não se sentiu ameaçada por ele. Puderam tolera-lo durante um período de tempo e mesmo utilizá-lo para seu próprio beneficio contra o imperialismo norte-americano.A atitude diferente mostrada por Kruschev sobre os acontecimentos da Hungria em 1956 e os que se desenrolaram em Cuba ilustrava a natureza do regime de Havana.
No levante da Hungria de 1956 se formaram conselhos operários. O poder esteve nas mãos da classe operária e as massas, o que colocava uma ameaça mortal para a burocracia. Uma revolução vitoriosa na Hungria ameaçaria estender-se numa série de levantes pela Europa Oriental e a URSS. A burocracia não ia condescender com esta ameaça. Kruschev afogou a revolução húngara em sangue. Para Havana estendeu a mão da amizade na forma de acordos e ajuda comercial porque a natureza do regime de Castro não ameaçava o governo dos burocratas no Kremlin.
A política internacional é um reflexo da política doméstica. Até 1968, após a morte de Che, Havana tentou suavizar suas relações com o imperialismo norte-americano e seus consortes na América Latina. Isto refletia a consolidação do poder da burocracia e um relaxamento temporário do boicote comercial por parte dos EUA. O apoio cubano aos movimentos revolucionários internacionais se atenuou. Os interesses do regime nacional tinham uma prioridade mais alta que o movimento revolucionário internacional.
O governo mexicano foi o único estado capitalista que manteve relações diplomáticas com Havana. Atuou como mensageiro entre Havana e Washington, e que continua fazendo hoje. No México, em outubro de 1968, o exército massacrou mais de mil estudantes. Nem uma só palavra de protesto emanou do Partido Comunista Cubano ou do governo.
Além disso, se deu uma marcada contradição na política que Cuba adotou com os movimentos guerrilheiros e as lutas da classe trabalhadora. Quando explodiram movimentos dos trabalhadores durante a tormentosa década de 60, Castro e o regime cubano permaneceram notavelmente silenciosos. Quando o capitalismo europeu se viu sacudido pela greve geral de 10 mil trabalhadores na França durante o Maio de 1968, houve silêncio de Havana. Neste mesmo ano, Castro apoiou a intervenção militar da burocracia russa na Tchecoslováquia.