Quais são as lições das Olimpíadas de Londres para o Rio 2016?
Privatizações, privilégios, criminalização dos movimentos sociais, desperdício de dinheiro público
Diversos funcionários do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos Rio2016 acompanharam de perto as Olimpíadas de Londres, com o intuito de aprender e tirar lições para a realização das Olimpíadas 2016 no Rio de Janeiro. Mas tais conclusões são baseadas na lógica que beneficia as grandes corporações e multinacionais e não a população local.
O Comitê Olímpico Internacional- COI funciona como uma grande empresa comercial, a serviço dos burocratas do esporte e das corporações donas das marcas que patrocinam a Olimpíada. Todo o processo de elaboração e construção deste evento esportivo visa o lucro dessas grandes marcas e multinacionais. O COI decide qual a cidade irá sediar a Olimpíada, quais meios de comunicação vão transmiti-la e quem serão os patrocinadores.
Quem paga o músico escolhe a melodia
As grandes marcas que patrocinam este evento esportivo pagaram 60 milhões de libras, em um contrato de 10 anos. Como “quem paga o músico escolhe a melodia”, tais corporações possuem poder de decisão e monopólio de vendas. Da mesma forma, as empresas que transmitem este evento possuem absoluta exclusividade, ao ponto de proibirem turistas de registrarem os jogos, para não postarem no Youtube.
Os privilégios não param por aí, foram criados 50 quilômetros de vias exclusivas para a Família Olímpica (burocratas do esporte, mídia, executivos e atletas), enquanto os britânicos sofrem com quilômetros de trânsito. A falta de transparência e o controle absoluto do COI potencializam os privilégios, como o mercado paralelo de ingressos. O The Guardian relatou que, dos 80 mil assentos disponíveis para o final dos 100 metros rasos masculinos, apenas 29 mil (36%) foram para o público, os demais são distribuídos de acordo com os interesses desta casta.
O pior desta história é que a farra de privilégios e lucros é garantida com o dinheiro público, que poderia ser investido em melhorias reais para a população. O orçamento inicial previsto para os jogos de Londres era 2,4 bilhões de libras (3,8 bilhões de dólares) e foi para 9,3 bilhões de libras (14,6 bilhões de dólares). Este valor já aumentou e pode chegar até a 11 bilhões de libras. O Comitê de Contas Públicas da Câmara dos Comuns admitiu que menos de 2% do orçamento das Olimpíadas veio do financiamento privado, diferente do que imaginavam de início.
Aumentos desproporcionais no orçamento de mega-eventos esportivos tem se tornado a regra e não mais a exceção, como vimos nas Olimpíadas da Grécia, nos jogos Panamericanos que ocorreram no Brasil em 2007, etc. A falta de transparência nas contas e orçamentos nos permitem acreditar que existe “caixa dois” nesses eventos, esquemas de corrupção e desvio de dinheiro. Isso sem falar na criação de “enormes elefantes brancos”, monumentos que não servem para nada, somente para gerar mais lucro para as construtoras que os produzem.
O maior gasto foi com segurança
O maior gasto da Olimpíada de Londres foi com segurança pública, que passou de 282 milhões de libras (902 milhões de reais) para 553 milhões de libras (1,7 bilhões de reais). Esta é a maior operação de segurança do Reino Unido, desde a 2ª Guerra Mundial. Usando o pretexto do auto risco de ações terroristas, Londres aumentou seu aparato de coerção e repressão, se precavendo de lutas sociais e manifestações populares. Esta lógica que trata os lutadores como criminosos, a criminalização dos movimentos sociais, vem se repetindo na história sempre que as contradições do capitalismo estão emergentes e é necessário conter as explosões populares.
Infelizmente no Brasil não tem sido diferente, vivemos no último período um aumento nas lutas populares e sindicais. Junto com isso também cresceram medidas que impedem a organização popular, como a multa de cem mil reais por dia para a greve dos metroviários de São Paulo, que seguiu uma onda de greves nos transportes, foram sete capitais. Além disso, temos o assassinato de vários dirigentes populares no campo, mas também na cidade, como os pescadores que foram assassinados no município do Rio no primeiro semestre deste ano.
A política de segurança pública que tem sido adotada no Brasil criminaliza a pobreza, reduzindo jovens pobres e negros a bandidos em potencial. Isso ocorre principalmente com o modelo que está sendo gestado no estado do Rio de Janeiro, baseado nas UPP, que será implementado em outros estados. Desta forma, vemos que o crescente controle policial é a meta dos governantes de nosso pais.
Nesse sentido, não foi sem intenção que em 2011 o prefeito do Rio de Janeiro Eduardo Paes criou a Empresa Olímpica Municipal que será responsável por coordenar a execução dos projetos municipais voltados para 2016, semelhantes aos de Londres. Este visa utilizar o CPTED (prevenção ao Crime através do Desenho Ambiental), técnica criada em Londres que aponta para um maior controle sobre os ambientes urbanos. O governo brasileiro se comprometeu a contratar mais 31 mil policiais até as Olimpíadas, número que deve aumentar ainda mais.
O poder privado
A empresa de segurança privada G4S treinou 23.700 pessoas para atuarem nas Olimpíadas deste ano. Tais medidas abrem um enorme espaço para a privatização da segurança pública, o que diminui ainda mais a possibilidade de controle da população sobre a guarda. Como vemos, a classe dominante está “se armando” para impedir o fortalecimento das lutas sociais, o que já vem ocorrendo no Brasil.
As privatizações não param por aí. O parque Olímpico, responsável pelo aumento exorbitante no orçamento inicial de gastos do governo, será administrado por uma empresa privada. A mesma empresa que fez este projeto para as Olimpíadas em Londres, a Aecom, fará o Parque Olímpico da Rio 2016. Como vemos, as lições que o Brasil está tirando de Londres é a criminalização dos movimentos sociais e dos pobres, a privatização e o aumento do lucro das corporações!
Ganho público menor do que o esperado
Fica claro que somente quem ganhou com essa Olimpíada de 2012 foi a corja ligada ao COI. O rendimento normal que Londres adquiriu com a vinda de turistas para conhecer a cidade caiu durante a Olimpíada, foram somente 1/3 do fluxo de pessoas esperado para esta época do ano. A previsão era de aumentar as vendas em 20% em função deste evento, ao invés disso ela diminuiu 10%. Mais de 800 mil turistas britânicos visitam Londres no verão, número que caiu pela metade.
Um elemento que justifica esta queda no fluxo de turistas é a crescente crise econômica. Segundo o Escritório Nacional de Estatísticas, a economia britânica caiu 0,7% entre abril e junho. É o terceiro trimestre consecutivo de Produto Interno Bruto negativo, e a segunda recessão em três anos.
Os efeitos da crise econômica se mostraram presentes em Londres e deve ser considerado na Rio 2016. A tentativa de usar as Olimpíadas como forma de alavancar a economia pode ser um tiro que sairá pela culatra. Em momentos de instabilidade e insegurança econômica as corporações diminuem seus investimentos, o que força o governo a usar dinheiro público para investimentos que em nada beneficiam o povo, como vimos em Londres. Também, a população tende a gastar menos. Exemplo explícito desta combinação perigosa que contribuiu para o déficit público e a crise social que assistimos hoje.
A desculpa para toda esta farsa é o incentivo ao esporte. Sim, uma farsa, pois diminuíram o número de pessoas que praticam esportes em Londres. Vale lembrar que a participação da população no esporte caiu em mais de 100 mil na faixa etária entre 16 e 19 anos. A verba para o incentivo da prática de esportes para pessoas portadoras de necessidades especiais foi reduzida. As marcas patrocinadoras deste evento nada têm a ver com a prática saudável de esportes, como Mc Donalds e a Coca Cola, cujos produtos são sabidamente prejudiciais à saúde. Por fim, assistimos as transmissões da mídia, muitas vezes de forma sensacionalista e apelativa, usando da imagem/beleza física das atletas para “vender” as notícias, tratando as mulheres como objetos e desqualificando seu potencial como atleta.
Capital do mundo… para o capital privado
Infelizmente, já estamos assistindo este “filme” no Brasil. Com a desculpa de preparar a cidade do Rio de Janeiro para os mega-eventos esportivos, a cidade está sendo replanejada. A cidade-sede é pensada como a capital do mundo, o que justifica intervenções urbanas brutais para a população, que vão ao encontro dos interesses de políticos e das construtoras, como a valorização do valor dos imóveis e a transformação ou demolição de patrimônios históricos, culturais. O orçamento inicial para as Olimpíadas Rio 2016 prevê gastos de R$ 25,9 bilhões. Somente com a reforma do Maracanã, para se adaptar aos “padrões” exigidos pelos mega-eventos, foi gasto 1 bilhão de reais.
Enquanto isso milhares de famílias já foram desalojadas de suas casas, comunidades inteiras foram removidas e desintegradas, sem terem um lugar adequado para serem realojadas pelo governo. Desta forma, essas pessoas não perderam apenas suas casas, mas empregos, e até mesmo suas identidades culturais por terem que migrar para outras regiões muito diferentes de seus locais de origem.
Devemos aprender com as lições de Londres para exigirmos dos nossos governantes as melhorias reais voltadas para os trabalhadores e trabalhadoras, diferente do que assistimos nas Olimpíadas deste ano. Quando a poeira abaixa, podemos ver o final do túnel! Se sabemos para quem a COI e os governos locais estão trabalhando, não vamos esperar a história se repetir, pois a história é feita por nós!