Construir uma saída pela esquerda da crise!
A entrada do ex-presidente Lula no governo Dilma como ministro da Casa Civil marca um novo capítulo da crise política que levou o governo Dilma à beira do colapso. Essa medida desesperada foi o resultado de um novo acirramento da crise após a delação premiada de Delcídio do Amaral, a condução coercitiva e pedido de prisão preventiva de Lula e a adesão recorde aos atos da direita no dia 13 de março.
A principal tarefa de Lula no governo, será tentar evitar o abandono da base aliada e recuperar alguma credibilidade na capacidade de implementar medidas de ajuste. Há uma forte pressão no PMDB, o principal aliado do PT, para romper com o governo, expressada em sua convenção nacional no último final de semana, e outros partidos podem rapidamente deixar o governo como ratos abandonam um navio que afunda.
A situação é muito mais grave que em agosto do ano passado, quando o tema do impeachment tinha ganhado nova força, mas representantes centrais da burguesia brasileira se pronunciaram contra essa medida: editoriais da Folha de São Paulo e o Globo, a FIESP e FIERJ, além dos presidentes do Itaú e Bradesco. Isso por que avaliavam que a crise política se agravaria com o impeachment tendo efeitos negativos na economia. Agora a avaliação é outra. A crise econômica se agravou e o governo não conseguiu tomar as medidas que querem para garantir que o peso da crise caia sobre as costas dos trabalhadores.
É importante constatar que essa perda de apoio do governo da classe dominante não se dá por que o governo conduziu uma política de esquerda. Desde sua reeleição o governo Dilma vem implementando uma política dura de ajuste fiscal. Diante do agravamento da crise, Dilma aprofundou os ataques buscando uma saída pela direita. No último período vimos a implementação da lei antiterrorista que criminaliza movimentos sociais e a entrega do pré-sal para o setor privado, além do anúncio de contrarreformas da previdência e fiscal de cunho neoliberal.
Essas medidas de ajuste só agravam a crise e jogam o peso dela nas costas dos trabalhadores, que já sofrem com o rápido aumento do desemprego, inflação de dois dígitos e queda na renda.
Porém, devido a crise política, o governo está praticamente paralisado e essa agenda de ataques parada, enquanto há uma disputa por cargos e poder, que inclui o corrupto Eduardo Cunha que coloca sua autodefesa e agenda reacionária na frente de qualquer outra coisa.
O “mercado” capitalista não tem muita cerimônia sobre quem está no governo. Enquanto os governos de Lula e Dilma conseguiam segurar os movimentos e garantir a aplicação de uma política em que os “ricos nunca ganharam tanto”, como dizia Lula, não havia problema.
Lula entrou no governo pela avaliação de que se o governo cair, sua figura ainda que de fora também será afetada e isso colocaria em risco sua eleição em 2018, além da possibilidade de escapar das garras do juiz Sérgio Moro para o foro privilegiado. Havia a possibilidade de Lula seguir outro caminho, onde ele, o PT e os movimentos governistas, como a CUT, UNE e MST se distanciariam da figura de Dilma para construir uma falsa imagem de “esquerda” até as eleições. Com a entrada de Lula no governo isso será muito mais difícil, já que ele terá que assumir a responsabilidade direta pela implementação da política de ajustes, mesmo tentando dar ênfase aos programas sociais como Bolsa Família.
Mesmo assim os movimentos governistas tentam vender a entrada de Lula no governo como algo progressivo: “A presença de Lula vai mudar radicalmente e dar uma guinada à esquerda no governo”, como diz o presidente da CUT, Vagner Freitas.
A restauração da credibilidade do governo diante dos aliados, como PMDB, e as grandes empresas passa pelo compromisso com o ajuste fiscal e superávit primário. Essa foi sempre a política de Lula. Qualquer política de estímulo fiscal, rebaixamento de juros e aumento do crédito só será aceita pelo mercado financeiro, sob o risco de desencadear uma crise financeira, se vier junto com mais ajuste fiscal, poderá piorar ainda mais a crise econômica. Lula não tem nenhuma intenção de romper com a lógica do capitalismo.
Correlação de forças
Nos últimos anos parte da esquerda vem fazendo a avaliação de que vivemos uma “onda conservadora”. Nós defendemos que isso era uma visão unilateral, que só enxergava a atuação da direita nos parlamentos, onde deputados de direita tem recebido mais votos e lançaram uma agenda agressiva de ataques.
O outro lado da moeda é o crescimento de lutas, especialmente a partir das jornadas de junho 2013. Uma nova camada de ativistas se jogaram na luta, com greves, marchas e ocupações. No último período vimos as vitoriosas ocupações de secundaristas em São Paulo contra a reorganização das escolas, a primavera feminista contra a PL 5069 de Cunha e nesse momento a forte greve dos trabalhadores da educação contra os ataques de Pezão no Rio de Janeiro.
Por isso afirmamos que é mais correto dizer que vivemos uma polarização social, onde cresce o espaço para a direita e a esquerda, na vaga do enfraquecimento do lulismo. E é natural que a direita, com o nosso sistema político totalmente dominado pelo poder econômico, consiga ocupar um espaço maior nos parlamentos inicialmente (mesmo se o PSOL também vem crescendo nas eleições, porém em escala ainda pequena).
Porém, temos que constatar que a alternativa de esquerda ainda é bastante fraca. As lutas em curso ocorrem de forma fragmentada, e a própria esquerda também está bastante dividida. Além disso, os atos do dia 13 de março mostram que a direita também está ocupando um espaço nas ruas com bastante força.
Atos dia 13 de março
Os atos do dia 13 mostraram a mesma composição social que os atos anteriores da direta: majoritariamente brancos da classe média, com salários mais altos, com diploma universitário e eleitores de Aécio em 2014. Porém, foram atos maiores. Segundo a Datafolha foi o maior dia de protesto da história do país.
É errado assumir que se trata de uma massa reacionária que tomou as ruas. Muitos desses poderiam apoiar uma alternativa consequente de esquerda. Porém, não há dúvida que quem dirigiu os atos foram grupos de direita e neoliberais. E ainda, havia como nos outros atos uma presença de setores reacionários, abertamente defendendo intervenção militar, cheio de ódio de classe, que não eram questionados pelo resto.
A ideia que unificava a maioria era o antipetismo, contra Dilma e Lula, e contra a corrupção. Mas boa parte não poderia dizer o que colocar no lugar do governo atual. Políticos vistos como parte da estrutura de poder antiga, como Aécio Neves, Geraldo Alckmin e Marta Suplicy, foram vaiados, mas o reacionário Jair Bolsonaro foi aplaudido.
O cenário lembra os EUA, onde um Donald Trump, reacionário e racista, tem apoio, por que é visto como alguém de fora do sistema político. As pessoas não concordam necessariamente com tudo que ele diz, mas é visto como alguém que pode “causar” e dar uma boa mexida no sistema. Mas há espaço também para uma alternativa pela esquerda, como mostra o entusiasmo pela candidatura de Bernie Sanders, especialmente na juventude. E a ausência da juventude nos atos da direita é marcante. Um Bernie Sanders no Brasil teria uma grande repercussão, até mesmo entre quem foi às ruas no dia 13. Mas essa figura não existe e não pode ser construída do nada artificialmente.
Combate à corrupção
Defendemos que todos os casos de corrupção sejam averiguados e os culpados sejam punidos. Isso vale para corruptos e corruptores, para membros do atual governo e dos governos anteriores, para o governo federal e também governos estaduais e municipais.
Ao mesmo tempo, não podemos manifestar qualquer ilusão nos novos “salvadores da pátria” colocados em um pedestal de ouro pela grande mídia ou nas manifestações do dia 13 de março. Muitos dos métodos discricionários e abusos cometidos pela Polícia Federal, Ministério Público e Poder Judiciário na situação atual serão também utilizados contra a legítima atuação da esquerda socialista e os movimentos da classe trabalhadora. Métodos muito piores já são usados nas periferias e comunidades pobres numa verdadeira criminalização da pobreza.
A investigação e punição seletiva que hoje atinge o PT, e absolve ou ignora o PSDB reflete o fato de que o PT perdeu sua utilidade para o grande capital.
Por isso defendemos que os casos de corrupção sejam sujeitos a comissões populares de inquérito, composto por representantes sindicais, de movimentos populares e estudantis, intelectuais, etc.
Ao mesmo tempo entendemos que a corrupção é integrada ao sistema político e econômico e tem que ser combatida politicamente. O financiamento de campanhas eleitorais por grandes empresas junto com a política de privatizações, terceirizações e licitações onde dinheiro público é usado para pagar empresas privadas por serviços públicos, cria o caldo de onde surge a corrupção. A corrupção é um sistema de poder e um sistema de transferir renda para empresas e seus executivos.
Nenhuma ilusão numa saída institucional
A crise política é de todo o sistema político brasileiro. A população precisa fortalecer uma alternativa por fora dos espaços institucionais. É nas lutas que irá surgir uma nova alternativa de poder. Isso não significa abandonar a disputa eleitoral. Ela tem um espaço importante, mas é preciso saber seu limite.
Por isso não devemos ter ilusões nas instituições do estado burguês, seja o judiciário, o legislativo ou executivo.
Somos contra o impeachment, por que isso significa uma saída pela direita, entregando o poder para Temer, com seu programa “Uma ponte para o futuro”, com ainda mais ataques neoliberais.
Nós não levantamos a palavra de ordem de novas eleições, ou mesmo de uma assembleia constituinte, como saída da crise pela mesma razão. Hoje novas eleições, com o sistema político podre vigente, significaria na prática a reciclagem da dominância de partidos de direita no congresso, onde a esquerda ainda é demasiadamente frágil para ocupar espaço.
Porém, caso Dilma chegue a cair, somos contra a posse de Temer, ou eleições indiretas onde o congresso elege um novo presidente (caso a chapa Dilma/Temer fosse cassada no ano que vem pelo TSE). Nesse caso defendemos que todo o congresso corrupto deve ser substituído, o que pelo menos abriria espaço para uma disputa política maior.
Uma saída pela direita?
O sistema político no Brasil está falido. O fisiologismo, a construção de mandatos como pequenos feudos de poder a venda, tem levado a uma fragmentação total do sistema político, com cerca de 30 partidos no congresso. Dificilmente os partidos atuais conseguirão compor um governo estável, algo que a burguesia precisa para poder impor todos os ataques que planejam.
O lulismo está enfraquecido, mas a direita também está dividida e sem liderança natural?. Quem aparece como alternativa mais “limpa” hoje é a Marina Silva, mas não é certo que ela terá suficiente apoio para um governo estável.
Com o aprofundamento da crise, e se a esquerda não conseguir construir uma alternativa, isso pode abrir espaço a novas alternativas populistas de direita, mas que também serão instáveis se o sistema político não for reformado.
A alternativa seria um governo que impõe a estabilidade por meio de autoritarismo e repressão. Mas não estamos lá ainda. Uma saída por meio de um golpe ou com um governo repressivo, no estilo de Putin na Rússia ou Erdogan na Turquia, teria que passar por uma derrota da classe trabalhadora.
O alarmismo hoje só serve para quem quer amedrontar as pessoas a defenderem o governo Dilma para evitar um “golpe”. Mas isso não significa que esse caminho está descartado no médio ou longo prazo, caso a esquerda não consiga construir uma alternativa. Para defender seu sistema, os capitalistas não abrem mão de nenhuma alternativa.
A construção de uma alternativa de esquerda é incompatível com a defesa do governo
Essa situação carrega um grande risco político. Temos uma direita na ofensiva política e uma esquerda sem grande expressão política. Uma parte da esquerda e dos movimentos acha que a saída é de defender o governo Dilma. Isso é um beco sem saída. A construção de uma terceira via tem que se dar através da luta contra o ajuste fiscal e ataque sobre os trabalhadores e as trabalhadoras, independente de todos os governos que implementam esses ataques, seja o governo Dilma, os tucanos ou outros governos.
Não é possível lutar contra as contrarreformas da previdência e fiscal, contra a entrega do pré-sal, contra a lei antiterrorista, etc. e ao mesmo tempo tentar blindar o mesmo governo que lança mão desses ataques. Isso foi mostrado com todas as cores no 8 de março em São Paulo, onde as governistas abriram mão da defesa do direito ao aborto e da oposição à reforma da previdência para tornar o ato em um ato em defesa do governo, atacando fisicamente quem falava contra o governo. Do mesmo jeito a CUT e outros movimentos vão transformar o ato em Brasília no dia 31 de março, convocado em oposição ao ajuste fiscal, em um ato em defesa do governo, apesar da oposição do MTST.
Queremos unificar todos que estão preparados a lutar contra os ataques concretos aos trabalhadores, sejam dos governos ou patrões. Queremos unificar as lutas, por que é o único jeito de barrar os ataques. Um passo importante seria a convocação de uma greve geral, que mostraria a força da classe trabalhadora e poderia criar as condições para realmente desafiar a política de ajuste fiscal. Nessa luta queremos que todos participem.
Mas para que essa luta realmente unifique e não se divida, e para garantir que ela não descambe para uma defesa do governo, ela não pode ser em cima de palavras de ordem que abrem espaço para isso, como “não ao golpe”, “não ao impeachment”, etc. Esse é o equívoco do ato do dia 31, que também é convocado pela Frente Povo Sem Medo. A LSR também faz parte da Frente, mas acreditamos que o caráter do ato, no momento que vivemos, fará dele um ato totalmente sequestrado pelos movimentos governistas.
Um fator importante nessa situação é uma avaliação da própria esquerda antigovernista. Se a esquerda estivesse unida e forte com uma linha clara, poderíamos intervir nesses atos e desafiar a linha totalmente contraditória dos governistas. No 8 de março, com uma esquerda unida, foi correto a avaliação de que era possível fazer um ato unitário, incluindo as governistas, para fazer a disputa, e no limite, seguir um caminho próprio (na verdade quem rompeu o acordo foi as governistas, que tentou impor sua linha de defesa do governo ao ato inteiro).
Infelizmente não temos essa unidade na esquerda hoje. Há aqueles que, baseado na impressão de que há uma “onda conservadora” ou mesmo um real risco de golpe, tende a ceder à pressão dos governistas. Do outro lado há aqueles contentes em marcar posição e tachar como “governistas” aqueles que não concordam com sua linha.
Essa desconfiança e divisão só será superada com a luta concreta contra os ataques, que ajuda a aglutinar novas camadas da classe, que não estarão interessadas em disputas fraticidas e sim por saídas concretas e alternativas políticas.
A construção de uma terceira via, passa não só pela unidade na luta, mas também pela construção consciente de um polo político alternativo de esquerda, que seja independente dos governos. Seria uma Frente Social e Política, que une os partidos de esquerda, como PSOL, PSTU e PCB, e movimentos combativos como CSP-Conlutas, MTST, Intersindical e outros. Essa frente deve atuar nas lutas, e também nas eleições.
Uma verdadeira saída pela esquerda da crise
Defendemos uma saída à esquerda da crise. O PT, PMDB, PSDB etc., estão envolvidos em uma disputa ferrenha pelo poder, mas estão unidos em defender que a saída da crise passa por retirar direitos dos trabalhadores. Nenhum deles estão preparados para atacar o verdadeiro poder econômico, deixar de pagar a dívida pública aos banqueiros e especuladores, taxar as grandes empresas e fortunas ou implementar um sistema de impostos progressivos, onde quem ganha mais paga mais já que, hoje a carga tributária para quem tem baixa renda é o dobro de quem tem renda alta.
É necessário um programa de investimentos públicos, que garanta empregos a todos, junto com moradia, educação, saúde, transporte, etc. Enormes investimentos serão necessários também em infraestrutura, saneamento e meio ambiente. Hoje o pouco que é feito é sob custo alto e com atrasos constantes, sabotados por corrupção, burocracia e busca do lucro. Defendemos a estatização das empresas que foram privatizadas, sob o controle dos trabalhadores.
Grandes empresas que receberam bilhões em incentivos fiscais e fizeram enormes lucros implementam demissões em massa, destruindo a vida de milhões de trabalhadores. Defendemos a abertura dos livros para que possa ser controlado para onde foram os lucros e que empresas que demitem em massa ou fecham fábricas devem ser estatizadas, sob o controle e gestão dos trabalhadores.
No final das contas se trata de romper o poder decisivo que os bancos e grandes empresas têm sobre a economia hoje, para ter uma sociedade onde a produção é voltada para a necessidade do povo e em harmonia com o meio ambiente, e não para saciar a sede de lucro de uma pequena minoria. Essa é a saída socialista da crise.