Sem negociação sobre nossas vidas: pelos direitos à saúde sexual e reprodutiva, pelo direito ao aborto! 

Milhões de mulheres ao redor do mundo perdem a vida, todos os anos, devido à falta de atenção e garantia públicas à saúde sexual e reprodutiva. Elas não são exceção, são mulheres assassinadas por um sistema cruel e degradante que ignora questões passíveis de resolução e mudança. Gravidez entre as crianças e adolescentes, abortos inseguros, violência obstétrica e falta de acesso a serviços básicos de saúde estão entre os principais motivos dessa mortalidade. 

Em 1984, no IV Encontro Internacional da Mulher e Saúde, foi instituído o dia 28 de maio como dia Internacional de Ação pela Saúde da Mulher. Na América Latina e Caribe, em 1987, durante a 5ª Reunião Internacional de Mulheres pela Saúde em Costa Rica, esse dia foi referendado também como dia de mobilização para campanhas contra a mortalidade materna. A reivindicação de uma data de atenção ao tema está atrelada à necessidade de diálogo internacional e ponto de referência para mobilização, denúncias e proposição de políticas públicas voltadas às garantias de saúde e vida das mulheres.  

Falar sobre essa realidade envolve debater, entre outras questões, o acesso a serviços de saúde, acesso a informações seguras e liberdade de decisão das mulheres e gestantes sobre o próprio corpo. Direitos, que poderiam parecer óbvios para algumas de nós, encontram entraves significativos nos ataques que visam criminalizar cada vez mais o aborto, que negam métodos contraceptivos e que precarizam os serviços públicos de saúde. Permeada por questões de raça e território, a classe social determina de maneira profunda quem serão as mulheres e meninas mais atingidas pelo cerceamento desses direitos. Mulheres negras, indígenas, pobres, periféricas, LGBTQIA+ e com deficiência enfrentam maiores dificuldades de acesso e são mais frequentemente alvos de violências institucionais e estigmatização.

Uma realidade das mulheres pelo mundo

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada dois minutos uma mulher morre no mundo em decorrência de complicações evitáveis de gravidez ou parto. A maioria em países de baixa e média renda. Mulheres em situação de vulnerabilidade são frequentemente submetidas a violências obstétricas, tratamentos desumanizados e negligência nos serviços de saúde, além das recusas à garantia do aborto legal em várias situações e pouco acesso à educação sobre sua saúde e falta de garantia de direitos básicos.

Após avanços na redução da mortalidade, entre 2000 e 2015, o progresso desacelerou, com retrocessos em várias regiões, especialmente após a pandemia de COVID-19, que agravou desigualdades e colapsou sistemas de saúde já fragilizados por décadas de cortes, privatizações e falta de financiamento. Muitos países registraram aumento da mortalidade materna e infantil, interrupções no acesso a contraceptivos, exames pré-natais e serviços de aborto legal. Paralelamente, crescem ofensivas conservadoras contra direitos sexuais e reprodutivos. No Brasil, desde 2012, com exceção dos anos críticos da pandemia, o Brasil apresenta índices entre 55 e 65 óbitos para cada 100 mil nascidos vivos. A mortalidade é profundamente desigual: mulheres negras, indígenas, periféricas e das regiões Norte e Nordeste são as mais afetadas.

A gravidez infantil e a violência sexual fazem parte da nossa realidade e tem implicações devastadoras. Em 2022, o Brasil teve 17.561 partos de meninas entre 10 e 14 anos, conforme o DataSUS. Muitas dessas meninas morrem por complicações evitáveis, ou desenvolvem condições graves a partir da gestação. Vale lembrar que todas as meninas menores de 14 anos são legalmente vítimas de estupro nesse caso, e, portanto, teriam direito ao acesso ao aborto legal, seguro e gratuito. No entanto, casos de impedimento judiciário na realização de aborto em situações de gestação infantil ficaram conhecidos do Sul ao Centro-Oeste do Brasil nos últimos anos. Ataques reacionários e institucionais escancaram processos de criminalização, negação de direitos legais e, principalmente, a violência institucional que permeia setores diversos e ataca não só as gestantes, mas também as trabalhadoras das áreas de educação e saúde que ousam se posicionar. 

Parem de rifar nossas vidas!

Durante o governo de extrema direita de Bolsonaro, além dos recorrentes ataques reacionários destinados às mulheres e população LGBTQIA+, foi promovido um desmonte a nível Federal acerca das políticas públicas de saúde da mulher. Houve uma redução significativa nos recursos federais destinados a programas que incluem métodos contraceptivos, capacitação profissional e campanhas educativas. 

Com o governo Lula 3, se existiam expectativas de setores lulistas ou progressistas sobre uma mudança de rumos que, de fato, considere os agravantes em torno da questão de saúde reprodutiva das mulheres e a necessidade de ampliação de serviços e garantia de direitos básicos públicos, essa expectativa já pode ser visivelmente deixada de lado. O governo não recompôs integralmente os recursos para saúde da mulher e o orçamento do programa de planejamento reprodutivo ainda está muito abaixo do necessário.

De fato, houve a retomada de políticas e programas voltados à saúde da mulher. É o caso do Programa de Redução da Mortalidade Materna e Infantil e do lançamento da Rede Alyne, que promete reduzir a mortalidade materna em até 25% até 2027. Podemos considerar um avanço se comparado à política totalmente assassina de Bolsonaro. Mas devemos nos perguntar o que esse possível avanço representa na realidade. Ele está longe de representar uma mudança concreta sobre o acesso das mulheres às garantias de saúde reprodutiva. Não basta a utilização da pauta sobre a vida das mulheres para demonstrar apoio e metas. É preciso garantir, na prática, que essas mulheres e meninas fiquem vivas e que se tenha condição real de cumprir esses objetivos. 

A adoção do arcabouço fiscal, a falta de recomposição plena do orçamento da saúde e a ausência de políticas estruturantes de acesso ao aborto legal e de combate à mortalidade materna evitável demonstram uma contradição entre o discurso de defesa dos direitos das mulheres e a prática do governo. Embora haja aumento parcial dos repasses, o orçamento de programas essenciais como pré-natal, atenção obstétrica e aborto legal segue abaixo das necessidades, e o arcabouço fiscal engessa futuras ampliações desses investimentos. O governo não elaborou uma política nacional de garantia do acesso ao aborto legal, nem ampliou a rede de hospitais que realizam o procedimento. As mulheres continuam enfrentando obstáculos institucionais, violência e desinformação, sem ação federal sistemática de enfrentamento. O governo não assume uma posição clara a favor da descriminalização do aborto, mesmo diante de perseguições judiciais a meninas e profissionais de saúde. Nós não aceitaremos promessas que não se sustentam!

Jovens e trabalhadoras juntas pelos direitos das mulheres e por outra sociedade!

É principalmente dentro dos movimentos articulados de mulheres que encontramos preocupações e reivindicações sobre o tema da mortalidade das mulheres e da saúde reprodutiva. As reivindicações, dentro de movimentos diversos por todo o mundo, incluem a universalização do acesso ao aborto legal e seguro, políticas públicas de saúde da mulher, combate à violência obstétrica, ginecológica e institucional, inclusão das especificidades de mulheres negras, indígenas, quilombolas e do campo nas políticas públicas, o fortalecimento da atenção obstétrica e neonatal, a ampliação de campanhas públicas sobre direitos sexuais e reprodutivos, o acesso à educação sexual e reprodutiva, entre outros aspectos urgentes. Vemos, por todo o mundo, lutas dando frutos e conquistas sendo alcançadas. Foi assim que tivemos conquistas no Direito ao Aborto com o exemplo de companheiras na América Latina. Foi também através das lutas que conseguimos, ano passado, barrar o avanço da PL 1904. E é pelas lutas que seguimos juntas pelas nossas vidas! 

Mas, para que essas lutas sejam duradouras, precisamos necessariamente combinar essas demandas imediatas com uma perspectiva radical de transformação da sociedade. Não podemos ficar a mercê de governos que utilizam da esperança de mulheres, que se veem desprovidas dos seus direitos mais básicos, para utilizar suas reivindicações como moeda de troca. O investimento público na saúde das mulheres é urgente, e a luta por uma sociedade em que não precisemos gritar pelo básico é determinante para uma real emancipação das mulheres!

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