Marielle presente! Nossas vidas importam!
Difícil construir um texto, uma narrativa, capaz de contribuir para pensar os próximos passos quando tratamos de uma perda tão dolorosa de alguém tão próximo. Tenho certeza que os lutos são sempre assim, sobretudo lutos inesperados, que envolvem situações de injustiças.
Contudo, isso fica ainda mais difícil quando se trata de um extermínio, de um assassinato, encomendado por quem dialoga ou está nas estruturas de poder, para silenciar aquela que dava voz a muitos corpos invisibilizados. Neste sentido, trata-se do extermínio de uma lutadora social, que não se curvou aos desmandos e atrocidades do Estado, pelo contrário, usou seu mandato político para organizar a luta e dar voz à maioria.
Apesar da dor, isso nos impõe a gigante tarefa, do tamanho de Marielle, de honrar sua luta, não se curvar e fazer ainda mais e melhor, tudo o que fizemos até agora para a construção de um novo mundo, socialista.
Quem matou Marielle?
Passaram-se mais de 30 dias e nada ainda foi apresentado pelas autoridades. Apesar não terem um nome, sabemos que a morte dela está associada ao Estado, seja por meio de milícias, ou ainda da polícia de fato. É inegável que ao enfrentar a política de intervenção militar no RJ – ela era relatora da comissão de intervenção na câmara – e denunciar as mortes e barbáries cometidas em nome da “segurança nacional”, ela foi silenciada.
Ainda que apresentem um nome, é importante mensurar a responsabilidade de um governo ilegítimo do Temer que na tentativa de angariar apoio político organiza uma operação de dar inveja aos tempos da ditadura militar. O exército tem poder de polícia para entrar na casa das pessoas sem mandado e ainda ameaçaram a construção de um tipo de “mandado coletivo” para “violentar os direitos” sem retaliação. Não se trata de uma ação nova, mas em proporções ainda maiores e com o aval do governo federal.
Marielle faz parte de vários outros corpos tombados neste período. Durante a intervenção militar, segundo dados oficiais, são 5 mortos a cada 24 horas no RJ, e isso sem dúvida são subnotificações, entendendo que mortes como as denunciadas por Marielle em Acari, não estavam nas estatísticas. Anderson, o motorista que estava com ela no dia da sua morte, era o símbolo do trabalhador médio no RJ. Trabalhava como motorista de Uber para complementar a renda já que sua companheira, funcionária pública, estava sem receber por meses. Dois dias depois Benjamim, um bebê de quase dois anos, foi morto no Complexo do Alemão num tiroteio.
O tamanho da resistência: o significado de Marielle
No dia seguinte da sua morte, milhares de pessoas saíram às ruas transformando luto em luta. Milhares nas ruas se abraçando, se reconhecendo, com o peito cheio de dor e ódio, que aos poucos deve se transformar em consciência e em luta concreta. Essas manifestações de apoio, e de pedido de justiça, ocorreram por todo o mundo. Na Europa, o parlamento europeu se pronunciou. Figuras públicas populares, como a atriz Viola Davis, pronunciaram-se. Tratou-se de um crime político, dos mais graves nos últimos anos, desde a ditadura.
Contudo não foi o único, o Brasil é um dos países do mundo mais perigosos para defensores dos direitos humanos, segundo a Anistia internacional. O país está entre os quatro líderes globais em homicídio, perdendo para Colômbia, Filipinas e México.
É tarefa nossa, militante, desvendar o significado de direitos humanos. A defesa do direito à vida como fundamental e inalienável só pode ser pleno se precedido de condições básicas de sobrevivência. Portanto, direito à alimentação, direito a morar dignamente, direito à saúde, direito a uma vida sem violência, são elementos básicos de direitos humanos que Marielle defendia e que muitos continuam a defender.
Isso não tem nada de socialismo, é defender o básico para qualquer pessoa. Só demonstra que o mais básico dos direitos que é o direito a vida, o capitalismo não dá conta, justamente pelo seu caráter predatório que está acima de qualquer direito. Quando uma defensora como Marielle, expõe toda essa fragilidade do sistema e esses elementos básicos que o Estado não cumpre para garantir a vida, ela torna-se uma ameaça viva. Precisamos falar mais de direitos humanos.
Trata-se de uma mulher negra, favelada, lésbica e socialista. Estas características explicam sua postura aguerrida, pois não era fácil ser uma das poucas na câmara de vereadores e travar todo este enfrentamento, mas possivelmente explica ela ter sido o alvo escolhido. Somos a carne mais barata do mercado, e a mais descartável, há muito nossos corpos são chorados apenas pelos nossos, um certo amortecimento da dor. Mas desta vez foi diferente, este corpo foi chorado, choramos por Marielle, Anderson, e por muitos dos nossos que tombaram.
Vivemos quase que uma catarse coletiva, e o protagonismo de negras (os) foi inegável. Apesar do papel jogado pelas elites brancas, na tentativa de secundarizar o fato apontando o “exagero das comoções”, houve resistência.
Movimentos organizados se rearticulam para colocar ao centro a importância de lutar contra o genocídio do povo negro. Debates devem ser feitos, sobre qual o eixo das nossas ações. Contudo, ações espontâneas revelam o quanto esta é uma pauta central e como nós socialistas precisamos deixá-la mais visível no nosso programa e nas ações concretas. Esta pauta remonta a história de fundação do nosso país e o quanto o racismo estrutural se faz presente através das políticas de Estado e segurança pública.
O genocídio do povo negro é uma triste realidade. Segundo o Atlas da Violência foram 59.080 homicídios no país em 2015. Durante a guerra do Afeganistão, em 3 anos, cerca de 12 mil mortos. Morrem mais negros no Brasil do que na guerra. Esses números assustam, ao mesmo tempo que explica a comoção nacional e mundial em torno da morte de Marielle. Por isso a resposta deve ser a altura.
A cada 2 horas uma mulher é assassinada neste país. A violência contra a mulher e o acirramento das condições concretas da nossa existência, sobretudo dos corpos negros, pioram com a crise. Houve um aumento de 54% do índice de mortalidade das mulheres negras, enquanto que das mulheres brancas diminuíram 10%, segundo a ONU. A crise atinge o conjunto da classe trabalhadora, mas as mulheres negras estão pagando com a vida.
O PSOL cumpriu um papel importante na articulação deste processo, mas a resposta foi muito além de nós, o que prova o tamanho da Marielle e das pautas que ela carregava e defendia. Não devemos nada menos do que radicalizar e manter as pautas vivas!
Lula e Marielle: partes do mesmo processo?
Tempos difíceis de atentado a nossa frágil democracia, revela que os “golpistas” não estão de brincadeira. Temer sem dúvida é resultado da política de conciliação de classe do lulopetismo, e das escolhas de composição política. Contudo a seletividade do judiciário, em condenar e prender Lula, ao mesmo tempo que faz vistas grossas a Aécio, Alckmin e mesmo ao Temer, revela o quanto estão dispostos a descartar aqueles que não os servem mais. Tirar o candidato com quase 40% da intenção de votos é a tarefa da classe dominante neste momento e contam com a ajuda do não neutro judiciário. Lula, neste sentido é um preso político. Todavia não é possível colocar um sinal de igual.
Marielle era uma lutadora do povo e morreu pois não conciliou, porque ousou denunciar o genocídio e a farsa da política de segurança nacional, que nada serve aos problemas do RJ e pelo contrário, os agrava. Temos que ter cuidado em, ao aproximar as duas pautas, não invisibilizar uma luta histórica em torno das nossas vidas!
Respondermos à altura
Para além de saber quem apertou o gatilho queremos que caíam os responsáveis por planejar esse crime. De imediato devemos exigir a suspensão da intervenção militar no Rio de Janeiro, uma falsa política de segurança, que aterroriza e tomba os nossos corpos negros. O Rio necessita de uma intervenção social, de políticas públicas, de salários pagos e de condições para continuarmos vivos.
Não é possível entender a morte da Marielle de modo fragmentado, ela era tudo isso: mulher, mãe, negra, lésbica e socialista e por isso precisamos gritar em alto e bom tom: Nossas vidas importam!
Estes atos foram só o começo, precisamos radicalizá-los e dar sentido político de ruptura com esta estrutura social. O PSOL deve ser protagonista nesta defesa e reforçar a todo instante a centralidade destas pautas. A tarefa agora é ir pra cima e não recuar: não perdemos Marielle em vão! NOSSAS VIDAS IMPORTAM!
Os socialistas precisam fazer o que nos cabe:
- Construir uma campanha nacional de denúncia e de combate ao genocídio e ao feminicídio
- Pela imediata suspensão da intervenção militar
- Pelo Fora Temer e a revogação das contrarreformas
- Apresentar uma alternativa socialista: como real possibilidade de garantia das nossas vidas!
Marielle Presente! Hoje e Sempre!