Retomar as lutas e levantar um programa da classe trabalhadora

Para barrar a extrema direita é necessário superar os limites do Lulismo construindo uma alternativa de esquerda e socialista
A denúncia formal da Procuradoria Geral da República (PGR) contra Bolsonaro e mais 34 pessoas envolvidas na preparação de um golpe de Estado representa um significativo revés para a extrema direita, incluindo seu projeto eleitoral para 2026. Se já era considerado inelegível por decisão do TSE em 2023, agora Jair e seus cúmplices podem ter o mesmo destino do general Braga Netto e acabar atrás das grades.
A extrema direita, no entanto, está longe de ter sido definitivamente nocauteada. Não se pode subestimar os riscos que vêm do Congresso Nacional no sentido de fazer prevalecer a impunidade. Além do projeto já em tramitação para modificar a Lei da Ficha Limpa, beneficiando Bolsonaro, a extrema direita continua buscando obter algum tipo de anistia para o ex-capitão e seus cúmplices.
Mesmo não sendo provável que consiga, não se deve baixar a guarda. Pode ser fatal a ilusão de que os novos presidentes da Câmara e do Senado bloqueariam qualquer medida que beneficiasse Bolsonaro. Ambos são políticos direitistas eleitos com apoio do governo Lula, mas também da oposição bolsonarista! Hugo Motta, novo presidente da Câmara, chegou a declarar, por exemplo, que o ‘8 de janeiro’ sequer pode ser considerado uma ação golpista.
Não podemos confiar no judiciário
O mesmo vale para o poder judiciário, que já deu mostras no passado de sua conivência com o golpismo. Foi assim no caso do golpe institucional que derrubou Dilma Rousseff em 2016 e da prisão de Lula em 2018 no âmbito da Operação Lava Jato. Se hoje o STF parece ter uma posição diferente, que garantia existe de que continuará assim?
O protagonismo atual do STF na tentativa de conter o golpismo que nasce das hordas bolsonaristas reflete antes de tudo seu próprio temor como instituição ameaçada por essa extrema direita, mas também a posição conjuntural de um setor da classe dominante brasileira que hoje (até quando?) é refratária a aventuras golpistas.
Esse protagonismo de Alexandre de Moraes e do STF também é diretamente proporcional à moderação (ou covardia) do governo em assumir esse papel. Basta lembrar que José Múcio, que não se cansa de passar pano para militares golpistas, continua como ministro da defesa e boneco de ventríloquo dos militares dentro do governo.
A extrema direita brasileira também tenta se aproveitar do novo cenário internacional, impactado e tumultuado pela posse de Trump nos EUA, apesar de todas as contradições e volatilidade desse processo. Só podemos esperar interferências, conflitos e ataques vindos do norte. A canalha bolsonarista não perderá nenhuma oportunidade de usar isso em seu favor. Qualquer ilusão em saídas pragmáticas e conciliatórias levará a mais derrotas.
Além disso, a denúncia da PGR e mesmo a prisão de Bolsonaro não bastariam para neutralizar a extrema direita. O bolsonarismo conseguiu construir raízes relativamente profundas em amplos setores da população. Mesmo na hipótese de que Bolsonaro de fato não possa candidatar-se em 2026, a extrema direita tem possibilidades de se recompor em torno de outros nomes tão ou mais nefastos quanto o ex-capitão.
Tarcísio de Freitas, um dos principais potenciais substitutos de Bolsonaro em 2026 é o mesmo que, como governador de São Paulo, no fim de fevereiro dividiu o palco com Lula na inauguração de obras na cidade de Santos (SP). Na ocasião, Tarcísio foi vaiado pelos presentes, que também gritavam “sem anistia!”. Foi Lula quem pediu moderação e paciência ao público.
Foi nessa mesma Baixada Santista que o governador Tarcísio de Freitas promoveu uma verdadeira operação de guerra interna contra a população negra e pobre sob o pretexto de combate ao crime organizado. Somente entre julho de 2023 e abril de 2024, a chamada “Operação Escudo”, além da “Operação Verão”, resultou em mais de cem mortos por parte das forças de segurança de São Paulo sob o comando de Tarcísio e seu secretário de segurança Derrite.
O perigo representado por Tarcísio é real. Ele representa uma ala da extrema direita, tão nefasta quanto a original bolsonarista, mas que tenta se tornar, na aparência pelo menos, mais palatável ao gosto das frações da classe dominante que ainda preferem evitar o risco das aventuras extremistas de Bolsonaro.
Mesmo no caso de fricções e divisões internas na disputa pela sucessão de Bolsonaro, repetindo o que aconteceu na eleição para a prefeitura de São Paulo no ano passado, por exemplo, a extrema direita continuará sendo um perigo real hoje e em 2026.
A luta independente é a única garantia
Para enfrentar a extrema direita, é preciso aprender com os erros cometidos até agora. Delegar ao poder judiciário ou ao Congresso a tarefa de barrá-la ou esperar uma atitude firme do governo Lula é uma ilusão perigosa e uma estratégia fadada ao fracasso.
A única garantia que temos é nossa capacidade de lutar de forma independente. Ao contrário de confiar cega e passivamente no STF ou rezar para que o governo Lula mude de atitude, é tarefa do conjunto do movimento dos trabalhadores e da esquerda colocar o bloco na rua e construir a luta organizada contra a impunidade dos golpistas e seu projeto autoritário e antipopular.
Só conseguiremos construir essa luta contra a impunidade e a extrema direita se levantarmos ao mesmo tempo nosso projeto alternativo, um projeto que atenda às necessidades da classe trabalhadora e os setores oprimidos da sociedade, mesmo que esse projeto se choque com a política do governo Lula.
Lula – austeridade, conciliação e freio às lutas
A grande vantagem que a direita bolsonarista tem neste momento reside principalmente nos limites, contradições e incapacidade do governo Lula em oferecer uma alternativa efetiva e apontar um caminho que atenda às necessidades da maioria do povo brasileiro.
Assim como vemos em muitos países (Argentina, Alemanha, EUA, etc.) são os limites, erros e traições de forças consideradas progressistas e a falência das alternativa burguesas ditas “democráticas” ou de “centro” (de quem não se podia esperar muito de qualquer forma) que abrem o caminho para a ascensão da extrema direita.
No caso de Lula, o que vemos é uma recusa intransigente a tomar qualquer iniciativa de mobilização popular. Nada parecido nem sequer às iniciativas, ainda que limitadas, tomadas por governos como o de Gustavo Petro (Colômbia) ou Claudia Sheinbaum (México). A aposta fundamental de Lula para a sustentação do governo é a conciliação com o “Centrão” e a tentativa desesperada de manter o apoio da parcela da burguesia que o apoiou em 2022. A essência de suas políticas é voltada para isso.
O resultado é um governo que não reverteu nenhuma das contrarreformas implementadas por Temer e Bolsonaro e que aplica políticas de austeridade que resultam em perdas e sacrifícios para o povo e ganhos financeiros para os mega detentores de títulos da dívida pública e especuladores em geral.
Não se trata de que os ataques estejam sendo promovidos por representantes da direita dentro do governo, como alegam alguns. Os cortes e a política austeridade, que são parte fundamental do novo arcabouço fiscal, são obra de Fernando Haddad e Lula. O Banco Central que mantém os juros na estratosfera não é mais dirigido por um agente do bolsonarismo, como foi Roberto Campos Neto. Gabriel Galípolo, indicado por Lula, pouco se diferenciou de Campos Neto na diretoria do BC e hoje, como presidente, mantém e manterá uma política criminosa de juros altos.
A economia “vai bem” mas o povo vai mal!
O tão falado crescimento surpreendente do PIB nos últimos dois anos (3,2% em 2023 e 3,5% projetado para 2024) não se repetirá esse ano, como resultado da política monetária e de investimentos do governo, atendendo ao mercado, além das complicações do cenário externo. Da mesma forma, os baixos índices de desemprego anunciados escondem as péssimas condições de trabalho, altas jornadas, precarização extrema, adoecimento sistemático e baixíssimos salários.
Os índices econômicos razoáveis apresentados não servem para conter a insatisfação popular. Por mais que a inflação oficial não esteja tão alta quanto pretendem os capitalistas que defendem os ajuste fiscal e os juros altos, o aumento nos preços dos alimentos, em particular, é um fator determinante da insatisfação, principalmente entre os mais pobres. A economia “vai bem” mas o povo vai mal!
A queda dramática de 35% para 24% na aprovação do governo Lula entre dezembro e fevereiro, segundo o DataFolha, reflete isso. Foi o pior resultado para Lula em todos os seus três mandatos presidenciais até agora. A queda foi maior entre os mais pobres, mulheres e no Nordeste do país. Entre os que têm renda inferior a dois salários-mínimos, a aprovação caiu 15 pontos percentuais no mesmo período. Entre os que votaram em Lula no segundo turno, a queda foi de 20 pontos percentuais. Na pesquisa da Quaest, a rejeição a Lula ultrapassou os 60% nos três maiores estados brasileiros (SP, RJ, MG), chegando a 69% em São Paulo.
Mesmo que outras pesquisas tenham indicado uma queda menor da aprovação do governo, a tendência de queda é inegável e um sinal de alerta foi aceso. Mas, a resposta do governo continua na mesma direção. As mudanças ministeriais, em particular na área de comunicação, não farão milagre. O problema está nos rumos e na essência da política do governo, nos seus compromissos com setores da burguesia e dos políticos do Centrão e na sua estratégia política global.
A política do governo Lula, na prática, é de disputar com a extrema direita fazendo concessões a ela. Isso se dá na política econômica, mas também em temas delicados como a segurança pública. No mesmo encontro com Tarcísio em Santos, Lula assumiu o figurino típico da direita, defendeu uma “revolução” na segurança pública, disse que “é importante colocar os bandidos na cadeia” e não disse uma palavra sobre cidadãos assassinados a sangue frio pela PM e o clima de terror criado.
Alternativa de esquerda
O ano de 2025 será decisivo para a construção de uma relação de forças sociais e políticas que desfavoreça a direita e abra caminho para uma alternativa da classe trabalhadora. Há lutas da classe trabalhadora sendo preparadas e deflagradas desde já, como no setor de educação, no funcionalismo em geral, em outras categorias e entre a juventude.
Muitas dessas lutas se dão contra as políticas de cortes, privatizações e retirada de direitos adotadas pelos governos municipais, estaduais, mas também do governo federal. São lutas justas e necessárias e devem ser cobertas de apoio por parte da esquerda e do movimento sindical, popular e da juventude.
O mesmo vale para as demandas de luta do movimento feminista no 8 de março, incluindo temas como a conquista do direito ao aborto e a defesa do direito ao aborto legal atual. São temas que foram completamente negligenciados pelo governo federal e são cotidianamente atacado pelos governos de direita nos estados e municípios.
Além disso, a luta contra a escala de trabalho 6X1 tornou-se enormemente popular e ganhou a simpatia da imensa maioria da população. Essa é a típica demanda justa que penetra até mesmo naquelas camadas da classe trabalhadora que foram levadas à confusão pela ofensiva ideológica bolsonarista. Ela ajuda a arrancar a máscara dos políticos de extrema direita, colocando-os explicitamente ao lado dos patrões e contra os trabalhadores em um tema sensível a todes, o direito à vida além do trabalho.
O grande desafio é construir pela base um grande movimento de massas pela redução da jornada de trabalho sem redução de salários e direitos e o fim da escala 6X1. As iniciativas de luta até agora são muito importantes apesar do boicote por parte das direções sindicais majoritárias e da esquerda governista.
A bandeira da luta contra a escala 6X1 não pode ser vista apenas como um elemento da disputa ideológica, da “guerra cultural” com a extrema direita, como entendem alguns. Ela deve ser uma demanda concreta que visa ser alcançada efetivamente e, nesse processo, questione a própria lógica de superexploração do capitalismo brasileiro e prepare o caminho para lutas ainda mais profundas e que vão à raiz dos problemas.
Unificar as lutas e levantar uma alternativa socialista
A luta contra a anistia aos golpistas e a Bolsonaro em particular tem que ser construída junto com demandas concretas que afetem a vida real dos trabalhadores e setores oprimidos da sociedade. Essas lutas precisam ser unificadas em torno de um plano de ação comum, incluindo trabalho de base, organização de manifestações, ações de protesto e utilizando a greve e os métodos de luta da classe trabalhadora de forma coordenada entre todos os setores.
O papel da esquerda socialista é levantar um programa que incorpore todas as demandas desses setores e os vincule a uma saída de caráter anticapitalista e socialista. Isso não será feito pelo governo Lula nem agora nem em 2026. Precisamos de uma ação coordenada da esquerda socialista que está dentro e fora do PSOL, assim como das direções sindicais, populares, feministas, antirracistas etc. que sejam combativas, independentes e se recusem a frear as lutas como pede Lula.
- Defender direitos! Derrotar a direita, a extrema direita e os ataques do governo Lula/Alckmin com um plano de lutas unificado da classe trabalhadora, da juventude e dos movimentos sociais!
- Não ao arcabouço fiscal, às privatizações, à militarização de escolas, às contrarreformas trabalhista, administrativa e previdenciária! Pelo fim da escala 6X1 – por uma jornada de 30 horas sem redução de salários! Aborto gratuito, seguro e legal! Não ao PL do Estupro, à PEC do Cunha e outros ataques! Fim da violência policial! Demarcação já e defesa dos direitos dos povos indígenas!
- Sem anistia! Prisão para os militares, políticos e empresários golpistas! Comissão independente de inquérito com representantes dos movimentos sociais.
- Desmontar o sistema da dívida pública à serviço dos super ricos – auditoria e suspensão do pagamento aos grandes especuladores. Reestatização das empresas privatizadas e estatização do setor financeiro e setores chave da economia sob controle e gestão democrática dos trabalhadores.
- Construir uma alternativa de esquerda independente do governo que levante um programa socialista, nas lutas e nas eleições!