Como construir uma saída da crise pela esquerda?
Lançar as bases para uma alternativa socialista através das lutas contra o ajuste!
Vivemos uma conjuntura de crise profunda. A crise econômica se agrava a cada dia e ainda não chegamos ao fundo do poço. A inflação está acima de 10% pela primeira vez em uma década, minando o poder de compra das famílias. O desemprego aumenta rapidamente. A indústria está em profunda crise. Há estimativas que indicam que a crise pode se prolongar até 2017 e se tornar a mais longa e profunda desde 1901.
Ao mesmo tempo vivemos uma crise política grave, com um governo, de Dilma Rousseff, que se elegeu sobre a base de um estelionato eleitoral, despencou em popularidade e agora enfrenta uma revolta de sua base de apoio no Congresso, capitaneada pelo ex-aliado, corrupto e reacionário, Eduardo Cunha. Nesse cenário de crise política do PT, o PMDB, PSDB e outros partidos da ordem, fazem tudo para ampliar a sua fatia de poder.
Uma parte da disputa está sendo travada através de pedidos de impeachment, um instrumento que já foi utilizado em várias situações nas últimas décadas. O próprio PT entrou com pedido de impeachment contra Fernando Henrique Cardoso e em outras situações. Como é muito difícil sua tramitação no Congresso, sem grande mobilização popular, esses pedidos normalmente têm pouca possibilidade de avançar e servem mais como instrumento de denúncia.
A diferença agora é que a profunda crise política, o desmoronamento da popularidade de Dilma e a revolta da própria base aliada, tudo somado a uma grande insatisfação popular, faz que o impeachment torne-se uma possibilidade real, embora o desfecho desse processo não esteja dado.
Como já explicamos, somos contra o impeachment, que não tem nenhuma legitimidade e só visa abrir mais espaço para o PMDB no poder e a possibilidade de desgastar o PT para aumentar as chances do PSDB derrotar até mesmo Lula nas próximas eleições. Eduardo Cunha só autorizou a tramitação do processo de impeachment para tentar salvar seu próprio mandato. Acreditamos que esse Congresso, repleto de senadores e deputados corruptos e eleitos com dinheiro de grandes empresas, não tenha legitimidade nenhuma para depor a presidenta. Essa é uma tarefa que só jogaria um papel progressivo se fosse resultado da luta popular contra a política de ajuste e outros ataques aos direitos das mulheres, negros e negras, pessoas LGBT, indígenas, etc, e que servisse para constituir uma alternativa à esquerda de Dilma.
Apesar dessa guerra civil dentro dos partidos do poder, pelo poder, eles estão todos unidos em defesa de uma política de ajuste neoliberal que visa jogar o peso da crise nas costas do povo trabalhador. Não devemos ter nenhuma ilusão em medidas que tem como objetivo apenas mudar os termos da mesma combinação entre PT, PMDB e PSDB que se manterá no poder, ou novas alternativas da burguesia como a Rede, junto com seus apoiadores nos partidos fisiológicos. A tarefa central é construir uma verdadeira saída pela esquerda da crise, uma verdadeira alternativa dos trabalhadores.
A questão é como construir essa alternativa. Dentro da esquerda há um acordo geral sobre a análise que traçamos acima, mas existem visões bastante divergentes sobre o que defender, qual deve ser a tática e a estratégia para a construção dessa alternativa dos trabalhadores. Queremos aqui dar uma contribuição a esse debate que é fundamental para armar todos e todas que lutam por uma sociedade mais justa e socialista, não só para os próximos meses e anos, mas até mesmo para os próximos dias.
Nem 13, nem 16!
A LSR não participará das manifestações do dia 13 de dezembro, que são iniciativas que defendem uma saída pela direita, contra os trabalhadores, incluindo até aqueles que defendem uma intervenção militar. Mas também não nos somamos aos atos do dia 16 de dezembro chamados pela Frente Brasil Popular (composta por partidos e movimentos governistas, como o PT, PCdoB, MST, UNE e CUT) junto com o MTST e a Intersindical, que não participam dessa Frente governista.
Acreditamos que é um equívoco a participação de movimentos combativos como o MTST nesse ato. Apesar de dizer em sua nota que o governo Dilma é “indefensável”, o MTST optou pela lógica do “mal menor”.
Também é um equívoco a participação de partes do PSOL, como defende o presidente do partido Luiz Araújo e a Unidade Socialista. Em nosso ver, vão contra a resolução do congresso do partido, que diz que “O PSOL não participará de manifestações que tenham como finalidade defesa do governo ou de defesa do impeachment”.
Já aconteceram duas manifestações de caráter explicitamente governista, uma no Rio de Janeiro e outra em Porto Alegre. O ato do dia 16, apesar do peso do MTST em São Paulo, deve ir na mesma direção. Isso porque a Frente Brasil Popular é uma frente construída com o intuito de fazer a defesa política do governo e reconstruir as bases para a candidatura do Lula em 2018 nos movimentos.
O ato do dia 16 de dezembro não é comparável com o ato do dia 20 de agosto, realizado em um momento em que a luta contra o ajuste estava no centro e o impeachment não era o tema considerado prioritário como agora. Nesse ato havia um espaço de disputa dos rumos, mesmo que se reconheça que os governistas conseguiram em grande medida sequestrar o ato. Também o ato da Frente Povo Sem Medo do dia 08 de novembro em São Paulo foi mais claramente contra a política de ajustes do governo Dilma em função do peso do MTST e a participação tímida da CUT e demais governistas.
Mesmo não sendo a posição do MTST e Intersindical, no ato do dia 16 de dezembro o centro será o impeachment junto com a defesa do governo Dilma. Isso se dará não apenas pela cobertura viciada da mídia, mas pela forma como será encarada pela maioria dos trabalhadores.
Mal menor?
Não concordamos com a aceitação da lógica do “mal menor” por parte de vários movimentos, inclusive os mais combativos como o MTST. Acreditam que se o PT cair, o que vem vai ser pior e por isso, no final das contas, é melhor manter como está hoje, apesar do governo ser “indefensável”. O problema é que se de fato tivermos um governo do PMDB ou PSDB no futuro próximo, a responsabilidade é do próprio PT. O PT se adaptou totalmente ao regime podre, elegeu-se com dinheiro dos bancos, empreiteiras e grandes empresas – boa parte delas envolvidas em escândalos de corrupção – e se aliou com o que há de mais podre no sistema político brasileiro e adota plenamente a cartilha neoliberal.
Dilma cometeu um estelionato eleitoral nas eleições 2014, quando falou contra o ajuste e privatização durante a campanha, conjurando o fantasma da direita, para logo depois adotar uma política de ajuste duro e privatizações, trazendo figuras como Levy, Katia Abreu, Kassab, Monteiro para seu governo. Essa postura é um retrato do que tem acontecido desde a posse de Lula em 2003. É também o que o PT continuará sendo em consequência de sua completa degeneração.
A aposta principal do governo Dilma agora, para livrar-se do impeachment, é reconstituir sua base de apoio no Congresso, reconstituindo a aliança com uma ala do PMDB e convencendo o grande capital de que será capaz de aplicar a fundo o ajuste fiscal.
Se o governo não cair agora, a continuidade se sua política de ajuste levará a um descontentamento que irá abrir o caminho para um governo de direita em 2018, isso se não construirmos uma alternativa de esquerda. Ficar refém de defender um governo “indefensável” só atrapalha a construção dessa alternativa.
A única chance de construirmos uma saída pela esquerda é fortalecendo as lutas contra o ajuste e outros ataques. O que há de progressivo na situação de hoje é a tremenda vitória das ocupações de escolas contra a “reorganização” (cortes na educação, fechamento de escolas e demissão de professores) do Alckmin, a “primavera feminista” contra os ataques de Cunha, com milhares de mulheres nas ruas e outras lutas. Novas lutas terão que ser organizadas já nos próximos dias. No Rio de Janeiro o governo ameaça não pagar a segunda parcela do 13° e os servidores já estão mobilizando. O início de 2016 promete ser pior que o de 2015, que começou com enormes ataques nos estados, como no Paraná, nos municípios, e pelo governo federal, como no caos gerado no FIES.
Por isso, é um equívoco colocar como centro da conjuntura atual a luta contra o impeachment. Infelizmente a nota da Luciana Genro “Contra Cunha e Temer, por eleições gerais em 2016”, também faz essa análise, colocando que “a situação de urgência neste momento é o iminente golpe político que nosso país está prestes a vivenciar… Nosso primeiro desafio é, portanto, derrotar Cunha, seu impeachment e colocar para fora este representante máximo da máfia no Congresso”.
Estamos 100% na luta contra Cunha e suas posições reacionárias. Somos também contra o impeachment nesse contexto. Mas, na verdade, a melhor maneira de barrar Cunha, Temer e Aécio é unindo as lutas para derrotar os ajustes do governo Dilma e dos governos estaduais e municipais. Se derrotarmos a política de ajuste de Dilma, colocamos em cheque também o Cunha, Temer e Aécio.
Por outro lado, uma luta convocada para defender um governo “indefensável” não vai conseguir mobilizar da mesma forma. Não vai ser possível repetir a dose do segundo turno do ano passado, onde milhares de ativistas no país inteiro se mobilizaram para garantir a vitória de Dilma sobre Aécio. Fizeram tudo isso para, logo em seguida, ver serem esmagadas suas esperanças de que o PT finalmente fizesse um giro à esquerda. Nós defendemos o voto nulo no segundo turno em 2014 porque era nosso dever alertar sobre esse estelionato eleitoral. E é o dever dos socialistas novamente não gerar ilusões de que uma política de “mal menor” irá até mesmo atenua os ataques.
Novas eleições?
A nota da Luciana Genro, refletindo as posições do MES, defende novas eleições gerais como saída da crise atual. O PSTU defende a mesma medida.
A carta da Luciana comete o erro de enfatizar a busca por uma saída institucional para a crise. Não há nada que indica que novas eleições hoje levariam a uma mudança qualitativa do quadro político. Não estamos numa situação como, por exemplo, no “Fora Collor” em 1992, quando havia uma grande referencia de esquerda alternativa, no caso o PT junto com a CUT, MST etc, além de um forte movimento de massas nas ruas.
Hoje a esquerda está se reconstruindo depois da perda do PT, mas ainda está frágil apesar dos importantes avanços do PSOL no último período. A consequência prática de novas eleições gerais no ano que vem, sob o mesmo regime político, seria a de abrir o caminho para um governo de Aécio ou Marina, além de dar nova legitimidade ao Congresso Nacional, onde a maioria ainda seria composta pelos mesmos partidos corruptos, mesmo se o PSOL duplicasse ou triplicasse sua bancada.
Talvez o MES pense na possibilidade de repetir a experiência do Syriza na Grécia, que saltou de pouco menos de 5% para se tornar o maior partido e ganhar as eleições. Mas isso aconteceu depois de 30 greves gerais e uma enorme luta por parte da classe trabalhadora no país. Aconteceu também depois que as duas principais alternativas burguesas (a socialdemocracia do PASOK e a direita abertamente neoliberal da Nova Democracia) já tinham se queimado ao extremo aplicando as políticas de austeridade. Mesmo a experiência do Podemos na Espanha, bem mais volátil, será bem difícil de repetir aqui, como também as experiências de Corbyn na Grã Bretanha ou Sanders nos EUA.
Além disso, a nota de Luciana Genro/MES, dá uma impressão até ingênua ao colocar que “a proposta que apresento neste momento crucial para os rumos do país é que a derrota do impeachment seja acompanhada pelo governo Dilma assumindo a responsabilidade de propor que as eleições municipais de 2016 se transformem em eleições gerais para renovar todos os parlamentos e o Poder Executivo.” Por que Dilma iria renunciar depois de derrotar o impeachment? Seria simplesmente encurtar o seu mandato. Novas eleições só seriam possíveis nos marcos de uma derrota da Dilma e não vitória.
Entendemos que se tente utilizar uma tática de fazer exigências a Dilma que não serão atendidas para tentar dessa forma dialogar com a base petista. Mas, nesse caso, além de não servir para dialogar (os petistas odiaram a ideia de encurtar o mandato de Dilma) ajuda a confundir a vanguarda e não arma os trabalhadores para as reais lutas que se colocam.
Como já colocamos, a saída deve ser fortalecer as lutas reais dos trabalhadores contra os ataques e assim acumular forças para construirmos uma alternativa de esquerda. Junho de 2013 significou um salto nas mobilizações e abriu caminho para uma nova geração entrar na cena política. Mas a alternativa de esquerda tão necessária ainda está em processo de construção. Sem uma forte referência de esquerda, apontar as eleições como uma saída, é gerar ilusões nas instituições justamente no momento que estão perdendo credibilidade.
No mesmo sentido, achamos também um equívoco levantar a palavra de ordem de uma Assembleia Constituinte. A constituição de 1988, apesar de ser uma constituição burguesa, é relativamente avançada na questão dos direitos sociais, fruto das mobilizações dos anos 1980, quando o PT e a CUT ainda tinham uma linha pela esquerda. Os direitos definidos na constituição não foram implementados plenamente e não serão sob o regime atual. Pelo contrário, lutamos constantemente contra as PECs que visam retirar direitos garantidos na constituição. Uma constituinte hoje abriria espaço para um ataque geral a esses direitos.
Avanços em direitos só virão quando existir uma nova relação de forças sociais e políticas construída nas lutas. Junho de 2013 mostrou que essa nova relação de forças é possível, mas ainda não se consolidou. O nosso foco é construir essa nova correlação de forças nas lutas. Eleições são uma espaço importante, mas não são a melhor arena de luta para socialistas. O sistema político é construído para manter a estabilidade do sistema como um todo. Quando há eleições, participamos para defender os interesses dos trabalhadores e construir candidaturas e mandatos a serviço das lutas, mas sem criar ilusões nessas instituições.
Fora todos?
O PSTU vem defendendo como lema central o “Fora todos”. É uma palavra de ordem que novamente não coloca a luta contra o ajuste como o centro e sim uma luta generalizada contra o regime atual. O problema é que essa luta não existe hoje. Na verdade, a luta contra o “regime” mais forte atualmente é da direita contra Dilma, não da esquerda. Não adianta colocar “Fora Aécio”, que hoje só é senador. “Fora todos” acaba significando na prática começar por “Fora Dilma” e esperar que o Temer ou Cunha não se consolide e que não venha um Aécio. Novamente, não é como no “Fora Collor”, quando havia a possibilidade concreta, construída com mobilizações de massas nas ruas, de derrubar não só o presidente, mas o governo inteiro e até mais. Só parou na queda de Collor pela posição da cúpula do PT de apoiar a posse de Itamar Franco, o que não levou a vitória de Lula nas eleições seguintes (1994) e sim de Fernando Henrique Cardoso.
Curiosamente o PSTU defende o “Fora todos”, uma palavra de ordem para um momento de ascenso de lutas, mas constata que hoje não há uma alternativa de trabalhadores para governar, e por isso apoiam novas eleições, mesmo dizendo que não significaria mudanças de “verdade”. Se a luta é por “Fora todos”, por que as instituições são podres e podem ser derrubadas, qual é o sentido de chamar novas eleições para renovar a legitimidade delas?
Hoje não temos uma alternativa de poder alternativa dos trabalhadores suficientemente concreta. Temos que assumir isso e apontar os caminhos para construir essa alternativa, sem tentar queimar etapas de forma artificial, ou gerar ilusões nas instituições vigentes.
Construir uma frente social e política dos trabalhadores
Vivemos uma situação complicada. Há uma retomada de lutas importante há anos, que deu um salto qualitativo em junho de 2013 e que ainda se mantém apesar das contradições. Mas as lutas hoje estão fragmentadas e a própria esquerda também ainda é fraca e fragmentada.
Essa fragmentação é potencializada por uma política fratricida que marca boa parte da esquerda hoje, seguindo uma lógica de cada força defender seus interesses mesquinhos em detrimento da luta geral da classe trabalhadora. É possível ver isso na dificuldade em unificar as diferentes forças da esquerda nas lutas ou eleições sindicais. No PSOL vemos que cada Congresso é marcado por uma disputa acirrada, onde a atual maioria só se mantém com base em manobras burocráticas e até mesmo fraudes.
Será necessário o influxo de uma nova geração de lutadores nas organizações para impor uma disciplina de luta coletiva acima dos interesses particulares. Mas esse processo não é automático. A esquerda não conseguirá captar essa nova geração de lutadores e lutadoras se não superar os métodos ruins e construir uma atmosfera de solidariedade de classe nas lutas e disputas políticas democráticas com base no respeito pelas posições discordantes.
A esquerda precisa superar essa fragmentação construindo uma Frente Social e Política, que una os partidos de esquerda como o PSOL, PSTU e PCB, junto com os movimentos sociais combativos, como o MTST, CSP-Conlutas, Intersindical e outros, construindo um terceiro polo político que rompa a falsa polarização PT e PSDB.
Nosso tempo é curto. Se não construímos uma saída pela esquerda, a burguesia, que hoje está dividida e sem rumo, de algum modo vai se recompor ao redor de uma nova alternativa de direita, que pode até ser um novo populismo de direita com forte traços reacionários. A nova geração de lutadores que vem desde 2013 é motivo de esperança, mas não podemos desperdiçar essa chance.