Envelhecimento precoce do governo Dilma e o papel da esquerda
O envelhecimento precoce do segundo mandato de Dilma Rousseff é flagrante. Poucos meses depois da reeleição, o novo governo já atinge índices de popularidade ainda mais baixos que aqueles observados nas jornadas de junho de 2013.
A avaliação ótima/boa do governo federal despencou de 42% em dezembro para 23% em fevereiro, segundo o Datafolha. Os índices de ruim/péssimo subiram de 24% para 44% no mesmo período. Trata‑se do pior resultado já visto para Dilma e a avaliação mais baixa de um governo federal desde o início do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso em 1999.
A comparação do segundo mandato de Dilma com o segundo de FHC faz todo sentido. Ambos refletem o fim de um ciclo. Em ambos, também, a crise econômica, política e social se aprofunda e a resposta governamental é a de jogar nas costas dos trabalhadores o peso dessa crise.
Dilma 2 mais à esquerda?
Houve quem acreditasse que Dilma faria um segundo mandato mais à esquerda que o primeiro. Mas o clima de entusiasmo que atingiu alguns setores de esquerda no segundo turno transformou-se em profunda decepção.
Poucas horas depois do anuncio da vitória em 2014, a prioridade do governo foi acalmar os “mercados”. O anuncio da nova equipe econômica, encabeçada pelo neoliberal ortodoxo Joaquim Levy, já antecipava o martírio que estava sendo tramado contra o povo e os trabalhadores.
O conjunto do novo ministério, com Katia Abreu na agricultura e Kassab nas cidades, entre outros declarados inimigos dos trabalhadores, é o retrato fiel de um governo que gira ainda mais à direita.
Dilma enfrenta a crise requentando a velha receita neoliberal: cortes, congelamento de salários, alta dos juros, tarifaço, retirada de direitos trabalhistas e previdenciários. Mantém a linha privatista, anunciando a intenção de abrir o capital da Caixa para o setor privado e vai aprofundar as Parcerias Público Privadas no setor de infraestrutura. Está jogando o país na recessão, que pode agravar-se ainda mais com a iminência de uma crise energética e da crise hídrica.
Essa política só provoca mais crise, demissões e arrocho, enquanto o ajuste da ordem de 80 bilhões de reais anunciado por Levy garante o pagamento pontual da dívida pública para o punhado de especuladores que comanda a economia nacional.
Com Lula é diferente?
Diante da queima do “cartucho” Dilma e já pensando em 2018, alguns setores do PT tentam cinicamente nos convencer que com Lula seria diferente. Ao contrário de Dilma, Lula teria mais vínculos com o movimento sindical e jamais aceitaria os ataques que estão sendo promovidos.
Esquecem que Lula está sendo parte fundamental da ofensiva governista no sentido de reaproximação com a bancada do PMDB e outros partidos de direita no Congresso, depois da derrota sofrida por Dilma com a eleição de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para a presidência da Câmara. O objetivo é garantir a aprovação da política de ataques no Congresso Nacional.
O papel do PT no governo e no Congresso a favor dos ataques é tão nefasto que um senador petista chegou a manifestar seu desconforto em off para o jornal Valor Econômico (24/02): “Estamos agora com o PT defendendo a tese do patrão e os tucanos, a manutenção dos direitos trabalhistas”.
É evidente que os tucanos são plenamente favoráveis à retirada dos direitos e ao ajuste neoliberal. Mas a postura do PT hoje só abre caminho para que o PSDB apareça como uma alternativa que de fato não é.
Corrupção e impeachment
Ao contrário do que aconteceu na época do “mensalão”, dessa vez a gravíssima situação econômica faz com que os escândalos de corrupção tendo como epicentro a Petrobras ganhem mais repercussão.
Os riscos da situação escapar ao controle são enormes para o governo. O governo aposta a maior parte de suas fichas no fato de que uma investigação séria da corrupção na Petrobras e envolvendo as empreiteiras acabaria atingindo praticamente todos os setores políticos, incluindo a oposição de direita. Isso serviria para que parte da sujeira seja jogada pra debaixo do tapete.
Para os tucanos e sua laia, trata-se de sangrar ao máximo o governo do PT tentando não se sujar muito e, dessa forma, acumular forças para vitórias eleitorais futuras.
A discussão sobre o impeachment por parte dos tucanos reflete a mesma política. Mesmo se não vingar, serve para desgastar o governo ao máximo e polarizar ainda mais o cenário evitando que o espaço de oposição seja ocupado por outros setores.
Reaproximação dos movimentos sociais?
Se, por um lado, Lula encabeça os esforços para aprovar os ataques aos trabalhadores no Congresso, de outro também assumiu a tarefa de promover o que chamam de uma reaproximação com os movimentos sociais.
Lula quer usar sua autoridade junto a setores dos movimentos sociais para defender o governo das acusações de corrupção na Petrobras e da ladainha sobre o impeachment de Dilma.
Com a extrema burocratização e cooptação da CUT e outras entidades pelo governo, esses setores perderam poder de mobilização real e autêntica. Não é a toa que, desde junho de 2013, o espaço das ruas tem sido ocupado por outros movimentos sociais com características muito mais combativas e de base.
Lula e o PT querem agora reestabelecer sua autoridade diante das ruas. Querem poder usar os movimentos sociais nos momentos em que for conveniente e poder controla-los nos momentos de crise mais aguda e luta mais radicalizada.
A esquerda socialista e os movimentos sociais combativos devem atuar em unidade de ação com qualquer setor do movimento social disposto a lutar contra o ajuste e a política de austeridade do governo. Deve, inclusive, ter políticas para empurrar setores do movimento para uma postura mais combativa e de luta. Mas deve ter clareza sobre o real significado da movimentação da direção do PT e os limites das direções sindicais governistas.
Direita tucana não é alternativa
A direita tradicional encabeçada pelo PSDB tenta aproveitar-se ao máximo da situação de crise do governo Dilma. Isso se dá mesmo que a sua situação também não seja tão favorável. A queda na popularidade de Dilma foi acompanhada pelo mesmo fenômeno em relação aos principais governos estaduais do PSDB.
Beto Richa do Paraná, por exemplo, não precisou esperar que se completassem dois meses de seu segundo mandato para enfrentar uma avassaladora greve do funcionalismo estadual que impôs ao governo uma enorme derrota sobre seu projeto de cortes e ataques.
Geraldo Alckmin, que foi reeleito governador de São Paulo no primeiro turno, perdeu 10 pontos percentuais desde outubro do ano passado e hoje tem a mesma popularidade (38%) que tinha no auge das jornadas de junho de 2013.
Com o agravamento da crise hídrica em São Paulo, os já anunciados cortes da ordem de dois bilhões de reais nos gastos do governo e a resposta organizada dos trabalhadores e movimento sindical e popular, a tendência é que o apoio a Alckmin despenque ainda mais.
A única crítica que o PSDB pode fazer aos governos do PT é que lhe roubaram as políticas neoliberais e aprofundaram seus esquemas de corrupção. Ambos são gestores do mesmo sistema político apodrecido e do mesmo modelo econômico.
O papel da esquerda
A ação oportunista da direita tucana não significa que a insatisfação popular em relação ao governo Dilma seja injustificada. Dilma fez por merecer e o papel da esquerda não é defendê-la, mas sim construir uma alternativa consequente pela esquerda que impeça a velha direita de fortalecer-se no ocaso do PT.
Nosso papel é o de derrotar nas ruas, nas lutas e nas greves as políticas do governo de Dilma e Joaquim Levy, assim como dos governos estaduais e municipais de tucanos e assemelhados, seguindo o exemplo do Paraná.
Porém, é preciso que fiquemos atentos. O discurso do impeachment de Dilma nesse momento só serve para que setores da oposição de direita desviem o caminho da luta direta dos trabalhadores contra os planos de ajuste que tanto o PT como o PSDB defendem.
Nosso centro nesse momento é a defesa de nossos direitos que estão sendo atacados de todos os lados.
Mas, na luta defensiva contra os ataques de Dilma e dos tucanos, precisamos também assumir uma postura ofensiva na defesa de um programa da classe trabalhadora que defenda transformações estruturais em nosso país.
Precisamos de um programa que defenda a reforma urbana e agrária radicais, uma reforma tributária que penalize os ricos e as grandes fortunas. Que levante também a defesa de uma auditoria e a suspensão do pagamento da dívida pública aos grandes capitalistas, assim como a reestatização das empresas privatizadas sob controle dos trabalhadores.
Como parte da luta, esse programa também deve defender a necessidade de mudanças radicais no sistema político, começando pelo fim do financiamento das candidaturas pelas empresas, mas indo muito além. Deve também defender o controle público e democrático dos meios de comunicação e a garantia do direito de greve, manifestação e organização sindical e popular, com o fim da criminalização dos movimentos sociais.
Com base nessa luta estaremos criando as condições para que a classe trabalhadora construa sua alternativa de poder. Contra Dilma, os tucanos e as falsas terceiras vias, queremos um verdadeiro governo de esquerda que adote um programa anticapitalista e socialista. Isso só será possível se derrotarmos as políticas de ajuste, barrarmos a velha direita e unificarmos a esquerda socialista.
O papel do PSOL é defender essa política e credenciar-se, a partir das lutas dos trabalhadores e de sua alternativa programática, como ferramenta a serviço de uma alternativa política de esquerda para o país.