Dilma diante do Brasil real – Novos ataques e reafirmação do compromisso neoliberal
Depois do mundo da fantasia da campanha eleitoral, a ficha começa a cair. O cenário pós 31 de outubro se mostra muito mais complexo e difícil do que poderia nos fazer crer a idílica louvação a ‘São Lula’ dos meses anteriores.
A bancarrota de países europeus continua seu efeito-dominó. Depois da quebra irlandesa, ligeiramente atenuada pelo pacote de 120 bilhões de euros e um bom punhado de maldades do FMI e União Européia, quem será a bola da vez? Candidatos não faltam. O fiasco do G-20 em Seul mostra como a guerra cambial, como foi batizada por Guido Mantega (por que será que ele não falou sobre isso algumas semanas antes?) avança perigosamente na direção de uma guerra comercial aberta.
Não há mais dúvidas quanto à perspectiva de um duplo mergulho da economia mundial ou, na melhor das hipóteses, de vários anos de baixíssimo crescimento em meio a duros ataques contra os trabalhadores. A inundação de dólares promovida pelo Fed visando estimular a recuperação econômica dos EUA, além de ferrar com países como o Brasil, pode acabar não servindo de nada para a própria economia dos EUA. O desemprego oficial continua firme e forte na faixa dos 10% e a economia do gigante capitalista cambaleia.
O Brasil que Dilma assumirá não será o país das maravilhas e ninguém em sã consciência pode hoje falar em descolamento da economia brasileira do contexto global. O problema cambial é apenas uma amostra do quanto a economia brasileira continua integrada e dependente do cenário internacional. Sem ser, dessa vez, o epicentro da crise global que atingiu seu ponto mais alto no final de 2008 e início de 2009, o Brasil e vários outros dos ditos emergentes conseguiu uma recuperação mais forte que Europa, EUA ou Japão. Aqui as medidas de estímulo à economia (principalmente o salvamento de bancos e grandes empresas), não implicaram de imediato numa crise fiscal e de solvência da dívida pública. Mas, até quando será assim?
Dilma terá que se colocar diante de problemas bastante concretos agravados pela guerra cambial em curso. A ameaça de desindustrialização e aprofundamento da reprimarização da economia brasileira, assim como o surgimento de novas bolhas em diferentes setores da economia, não são questões abstratas ou de longo prazo.
Para se antecipar em relação a futuros problemas, Dilma já começa a deixar claro sobre as costas de quem vai recair o ônus das medidas preventivas. Dilma e o já escolhido Ministro da Fazenda, Guido Mantega, dão sinais claros de que vão buscar obter o tal déficit nominal zero. Traduzindo do economês isso significa que o novo governo vai aumentar os cortes nos gastos públicos visando garantir que o governo pague o total de juros anuais da dívida pública sem precisar emitir mais títulos e fazer novos empréstimos para rolar esse pagamento. Não há como fazer um ajuste fiscal dessa proporção sem atacar o funcionalismo público e os usuários dos serviços públicos. E tudo isso para pagar uma dívida ilegal e ilegítima à elite de cerca de 20 mil banqueiros e especuladores que são credores de mais de 80% dessa dívida.
Para piorar, o novo governo pode ainda retomar a proposta de reforma tributária apresentada por Lula em 2008. Por essa proposta haveria um corte nas contribuições sociais pagas pelos patrões, com a redução da contribuição previdenciária e o fim do salário-educação. A medida acaba com os recursos sociais exclusivos. Mas, segundo o governo, essa perda seria supostamente compensada na definição do orçamento. Como acreditar nisso em meio às políticas de ajuste fiscal já anunciadas?
A terceira contra-reforma da previdência (a primeira foi de FHC, a segunda de Lula) também está na agenda de maldades de Dilma. O atual ministro do Planejamento já deu a dica maquiavélica para Dilma: é preciso aproveitar o bom momento político e fazer já a reforma, depois pode ser muito mais difícil. Mais uma vez, o governo deverá implementar essas medidas apostando no jogo sujo da divisão dos trabalhadores, colocando servidores públicos contra trabalhadores do setor privado, urbanos contra rurais, pobres contra remediados, etc. Também deve dissimular os ataques num mar de discursos (e poucas ações práticas) sobre as metas de fim da miséria, etc.
A trégua econômica do ano eleitoral (com 7,5% ou mais de crescimento do PIB em 2010, aumento do consumo a crédito e algum aumento no poder aquisitivo) pode ter servido para mais um estelionato eleitoral na história política brasileira, mas dificilmente se sustenta por muito tempo. Na verdade, o próprio crescimento razoavelmente grande de 2010 vem apenas compensar um crescimento praticamente zero de 2009. Segundo as projeções já realizadas, o crescimento de 2011 deverá ser pouco mais da metade do observado em 2010. Qualquer redução mais forte no ritmo da economia chinesa, afetando nossas exportações, e o crescimento brasileiro vai para as cucuias.
O estelionato eleitoral se dá porque Dilma, ao contrário dos conservadores, trabalhistas e liberal-democratas na Grã Bretanha, por exemplo, não assumiu o pacote de maldades que pretende implementar já no próximo ano. Aliás, Dilma, para além da oca estratégia de marketing contra as privatizações tucanas e as louvações a Lula, sequer balbuciou algum argumento sobre temas econômico-sociais cruciais no período pré-eleitoral. Valeu na campanha o pacto não declarado entre Dilma, Serra e Marina – compromisso de não falar nada de importante para não provocar discussões difíceis que os comprometessem diante de um eleitorado em grande parte iludido com o “show” de crescimento e consumo.
O cenário político para Dilma nos próximos anos não deve ser nem de longe tão confortável quanto foi para o Lula do segundo mandato. Em primeiro lugar, Dilma não é Lula e isso não é secundário. A autoridade de Lula não se transfere imediatamente para a nova presidente, complicando as relações com o oportunismo e fisiologismo político-partidário. Além disso, Michel Temer não é José Alencar. O PMDB já começa a colocar as asinhas de fora como demonstra a disputa pela presidência da Câmara e Senado.
Dilma dificilmente poderá dar conta da tarefa de conciliar os interesses das diferentes frações de poder político e econômico, ainda mais num cenário muito mais conturbado do que o segundo mandato de Lula. A própria capacidade de Dilma fazer o movimento sindical e popular engolir seu saco de maldades nunca alcançará o mesmo nível e talento de seu antecessor e mestre. As direções burocráticas e governistas da CUT, Força Sindical, etc, farão todo o possível para ajudar o governo. Mas mesmo o pelego mais convicto sabe que há momentos em que é preciso se contrapor ao patrão senão a base passa por cima.
Apesar de todas essas contradições e potenciais conflitos no novo governo, Dilma tem um trunfo nas mãos: os limites da alternativa política e sindical-popular-estudantil de esquerda ao seu governo. A esquerda socialista conseguiu marcar presença com a campanha de Plínio, mas não logrou ainda formar uma Central sindical e popular unitária e construir uma Frente política de esquerda evitando a fragmentação e divisão.
A superação dessas limitações deverá se dar a quente, nas ruas, locais de trabalho e estudo, na experiência concreta da resistência contra o novo governo. A unidade da esquerda socialista contra o novo governo e os patrões e baseada num programa anticapitalista e socialista contra a crise capitalista é o único caminho.
A defesa da suspensão, auditoria e cancelamento do pagamento da dívida pública aos tubarões capitalistas, junto com medidas como o controle do câmbio, são o básico para enfrentar a crise do ponto de vista das maiorias. A estatização com controle dos trabalhadores dos bancos e do sistema financeiro, assim como dos setores chaves da economia, são parte dessa alternativa que precisa ser defendida pela esquerda e os movimentos sociais classistas.